Capítulo 14

Pov Deon

Eu adoraria colocar fim de uma vez em toda essa história, e também nesses pestinhas. Pena que não pode ser assim, já que precisamos desses inúteis vivos. Conseguimos pegar um deles, mas infelizmente não é o garoto importante e muito menos as guardiãs, mas tenho que me conformar porque é alguma coisa.

Na hora do jantar saí com a Srta. Bottle do nosso chalé, porque Sean tinha que ficar cuidando de nosso prisioneiro. Esse garoto tem aprendido muito, e apesar da pouca idade, ele é muito esperto e se parece com o pai no quesito coragem, além de manipular magistralmente os poderes que herdou de sua mãe.

Fomos andando calmamente até o vagão do restaurante, que ficava um pouquinho distante do nosso. Não precisamos ter pressa, afinal, agora quem dita as regras do jogo somos nós, porque temos o amiguinho deles. O que eles têm? As espadas gêmeas? Pode ser, mas é por pouco tempo.

A Srta Bottle até poderia ser uma mulher bonita e que teria chances comigo, claro, se não fosse um monstro, que na verdade, é a sua real natureza. Possui cabelos logos e volumosos, em um tom de vermelho vibrante com algumas mechas loiras. Seus olhos são negros e penetrantes, capazes de paralisar qualquer um que olhe dentro deles quando instigado a fazer isso. Era magra e relativamente alta, e se vestia muito bem, com uma blusa mula manca e uma saia revestida de renda que ia até os pés.

Por onde passávamos, ela chamava a atenção dos homens. Mal sabem eles que por debaixo da saia há duas pernas de cobra horríveis. Sentamo-nos em uma mesa mais ao canto, que ficava de frente para a entrada. Nossos amiguinhos semideuses ainda não tinham chegado. Precisamos capturá-los o quanto antes, porque nossa estadia no trem, assim como a deles, acabará amanhã.

Pedi um uísque escocês e a Srta. ao meu lado preferiu um Martini. Deliciamos-nos calmamente á espera dos “convidados da nossa festinha”. Eles enfim não demoraram muito a entrar.

Eu não os conhecia, mas a Srta. Bottle me cutucou assim que um casalzinho de adolescentes entrou. A garota era muito bonita, e poderia facilmente ser minha irmãzinha, não fossem seus olhos cinzentos, característica clássica dos filhos de Atena. Já o rapazinho também não era de todo mal, com seus cabelos negros e olhos incrivelmente verdes, mas eu sou mais eu. Estranhei o fato de só os dois terem vindo, já que me disseram que eram cinco meio-sangues.

Sentaram-se em uma mesa à nossas costas, impedindo-nos de ver suas ações, ou então todos notariam nosso súbito interesse num casal sem graça. Pedimos nossa comida e jantamos sem pressa, sempre atentos aos movimentos dos semideuses. Os outros realmente não apareceram, o que me fez ficar em dúvida se ainda estão no trem, já que uma hora atrás fizemos uma parada de embarque/desembarque, e eles poderiam muito bem ter descido. Mas acho difícil, até porque os meio-sangues de hoje preservam muito algo que se chama amizade... Garotos tolos, não sabem aproveitar as oportunidades que a vida nos dá... Ainda bem que percebi isso cedo e não deixei o mosquito da inocência me picar.

Os semideuses também pediram sua comida. Pude perceber que estavam tensos, mas mesmo assim as coisas transcorreram em normalidade. Vez ou outra Srta. Bottle cochichava algo sobre eles terem reparado em nós, fato que não dei muita importância. Eles pareciam tranqüilos, até demais para o meu gosto.

Terminamos de comer e eu disse que iria buscar comida para Sean e para o meu adorável prisioneiro. Srta.  Bottle disse que me esperaria na saleta reservada, a fim de observar alguma movimentação das crianças dos deuses.

Fui até o banheiro admirar um pouco a minha irresistível beleza e coragem. Não é novidade para ninguém que me envolvi nessa história em busca de poder, até porque é ele que move o mundo, e eu sou convicto de que mereço estar no mais alto pedestal e ser aclamado no mundo mortal e no mitológico também. Saí dali e fui providenciar aquilo que era de minha alçada no momento.

Encaminhei-me até a cozinha, e poucos segundos depois tive uma sensação estranha, como se alguém tivesse me observando...Acho que deve ser só impressão mesmo. Pedi ao funcionário que pegasse a comida e embalasse. Não se surpreendam pela minha intimidade com o pessoal do restaurante, até porque nós trabalhamos juntos, se é que me entendem...

Aquilo estava demorando demais, porém eu teria que esperar do mesmo jeito. A comida estava sendo feita. A sensação de ameaça desapareceu.

Depois de mais ou menos 20 minutos dentro da cozinha do restaurante, finalmente minha encomenda estava pronta. Assim que saí de lá, percebi que os meio-sangues haviam desaparecido do local. Ótimo! Estão todos juntos na cabine. Isso vai facilitar o meu trabalho.

Atravessei todo o restaurante e fui em direção à minha cabine. Srta Bottle com certeza já tinha voltado pra lá. Estranhamente senti, de novo, que estava sendo seguido, e agora isso já estava me incomodando. Entrei na cabine 51.

- Por que demorou tanto?

- A comida ainda não estava pronta Sean. Srta. Bottle, leve a comida para o sátiro irritante.

A monstrinha sumiu carregando um pacote junto a si. Me virei para o garoto e disse em silêncio.

- Vamos pegá-los antes do amanhecer. Fique atento garoto, você sabe que não podemos errar, ou então nosso líder não terá clemência.

Sean assentiu. Não seria uma boa ideia falharmos agora. Nunca teríamos chances contra os deuses se não fosse esse tal livro, e para conseguí-lo, é necessário que essas espadas nos levem até onde ele está e abram o portal. Temos a magia, mas esta não é suficiente. Não foi da outra vez, como eu soube, e provavelmente não será agora.

Já se estivermos com as guardiãs, será diferente. Nossos aliados terão força e finalmente acabarão com a supremacia intragável desses deuses medíocres. Os que estão comandando as forças ocultas se unirão e derrubarão de uma vez esses hipócritas, assumindo o trono e governado o mundo do jeito que ele deve ser. Hierárquico. Puro. Imponente. Destrutivo. É só uma questão de tempo.