Feliz Aniversário, Dionísio! escrita por Mandy-Jam


Capítulo 1
Crianças catarrentas


Notas iniciais do capítulo

Sejam muito bem-vindos!

Espero que gostem da forma como escrevi os capítulos. Tentei amadurecer um pouco a escrita, mas sem perder o humor (que obviamente não pode faltar em uma fic minha).

Boa leitura a todos!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/167061/chapter/1

ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE

 

Dionísio caminhou para a varanda da Casa Grande de forma cautelosa.

Não era do feitio do deus do vinho e das festas se preocupar com o barulho que poderia fazer, mas a última coisa que queria era que uma das velhas tábuas de madeira do chão rangesse alto demais em resposta a pressão de seus pés gordinhos, entregando sua localização para quem quer que estivesse perto.

Para junto a grande, respirou fundo sentindo o aroma dos morangos, e deixou o ar escapar pela boca. De olhos fechados, podia imaginar que estava no Olimpo novamente. Quase conseguia imaginar as mãos doces de sua esposa tocando seu peito, enquanto o abraçava por trás e sussurrava um “bom dia” em seu ouvido.

Foi um grito, no entanto, alto e prolongado que tirou o deus de sua fantasia. O grito se tornou em um choro, e o choro foi ficando mais alto a medida que se aproximava dele. Fechou os olhos ainda com mais força, e segurou as barras da varanda até seus dedos ficarem brancos.

Ah, não, por favor, não.

— Senhor D! — Chamou chorando alto um garotinho. Vendo que o deus ainda não lhe dera atenção, chorou ainda mais alto. Dionísio foi tomado por uma vontade súbita de juntar-se ao garotinho, gritando e chorando de volta para ele — Senhor Dêêêê!

Ele abriu seus olhos e voltou a cabeça lentamente para o lado. Teve que abaixá-la para enxergar a criança, que devia ter cerca de um metro de altura e seis de idade.

Os menores são sempre os piores, pensou em desgosto. Ao menos os adolescentes têm medo de mim.

— O quê? — Perguntou, sua voz não passando nem um pouco de ternura. O garoto ergueu o antebraço para o deus, as lágrimas escorrendo pelos olhos e, para o desgosto de Dionísio, pelo nariz. Havia um machucado largo e estava sangrando.

— Charles Zimmer me empurrou do pégasos! — Chorou. A cabeça do deus latejou.

— Quer eu dê um beijo para sarar? — Perguntou retorcendo o nariz avermelhado. O garoto balançou a cabeça, sacudindo os longos fios loiros. Se não olhasse para roupas, não saberia dizer se era um garoto ou uma garota — Ótimo. Porque eu não sou a sua mãe, e você não é problema meu.

O queixo do garoto tremeu, ameaçando desatar em outra choradeira ainda mais alto que a anterior. Antes que isso pudesse acontecer, Dionísio sentiu Quíron se aproximar rolando em sua cadeira de rodas falsa.

— Não há motivo para chorar, Mark. — Intercedeu o centauro, parando perto dos dois — Lembre-se, não é isso que Atena gostaria que você fizesse. Sua mãe quer ver você sendo forte e valente.

O garoto fungou, abaixando o antebraço e fixando os olhos cinzentos em Quíron.

— O que você acha que Atena faria nessa situação, criança? — Perguntou com a paciência e ternura que faltavam no diretor do acampamento. O pequeno Mark franziu o cenho, buscando a resposta dentro de sua mente brilhante de seis anos de idade.

— Ela ia curar meu machucado primeiro. — Murmurou a resposta, tímido, como se tivesse medo de ter falado algo errado. Quíron assentiu com a cabeça — E depois… Depois montaria um plano para não cair mais do pégasos.

Atena não faria nada disso, pensou Sr. D. Atena enfiaria a porrada nesse tal de Charles Zimmer e faria ele voltar para o seu Chalé chorando mais do que você.

— Isso mesmo, Mark. Vá até a enfermaria e procure Will Solace. Ele vai cuidar do seu ferimento, e logo logo estará bom para praticar montaria novamente. — O garoto sorriu para Quíron, ainda com seu rosto molhado de lágrimas e catarro. Esticou-se para frente abraçando-o, mas quando foi fazer o mesmo com Sr. D, o deus tocou a testa dele com a ponta do dedo indicador, empurrando-o levemente para trás. Esticou a mão e afagou a cabeça do garotinho como se fosse um cachorro.

— Ótimo, bonzinho. Agora vai. — Falou empurrando-o na direção da enfermaria. O semideus se afastou apressado, deixando-o somente na presença de Quíron. Dionísio revirou os olhos ao ver que o centauro o fitava com repreensão — Eu não vou abraçar crianças catarrentas. Isso não faz parte do meu castigo.

— O garoto só precisava de um pouco de carinho.

— Eu preciso de um pouco de carinho. — Rebateu dando de ombros e apoiando-se na grade da varanda novamente — E de álcool. — O olhar não desapareceu do rosto de Quíron, o que fez Dionísio bufar — Que Atena desça do céu e cuide do filho dela, se acha que eu estou fazendo um mal trabalho. Na verdade, que todos vocês, seus inúteis, desçam do céu e tomem o meu lugar se acham que podem fazer melhor!

Gritou para o céu, e um raio caiu em algum lugar distante. Dionísio gesticulou de maneira rude, como se não estivesse interessado.

— Seu pai quer que você se torne uma boa influência para esses jovens, e que dê o máximo de atenção aos semideuses que precisam. — Lembrou Quíron, e Dionísio perdeu as contas de quantas vezes ouvira o mesmo discurso — Seu castigo não vai acabar mais rápido com esse tipo de atitude, caro amigo.

Cansado como se tivesse acabado de correr uma maratona, o deus bateu com a testa em uma das pilastras ao seu lado, soltando um ruidoso gemido. Virou-se para o centauro com o rosto que só um homem louco e atormentado poderia expressar.

— Eu costumava acordar em uma cama repleta de mulheres e homens. Tinha vinho sempre que eu erguesse a mão, dava risadas o tempo inteiro. Agora? — Falou abrindo os braços — Agora eu acordo com medo dos malditos pivetes de Hermes terem colocando peças de lego no meu chão. Eu tomo diet Coke ouvindo criancinhas tocando violão desafinado e cantando sobre “O velho Zeus tinha uma vaca e ela se chamava Io”. Hera me fez passar por muita coisa, mas eu juro que se eu tiver que elogiar mais um minotauro de argila que alguém fizer ou algum colar de macarrão, eu vou definitivamente ficar louco!

Socou a pilastra e a casa inteira tremeu. Quíron assentiu devagar e não pode deixar de esboçar um sorriso de divertimento.

— Os colares de macarrão não são tão ruins. — Ponderou.

— Ah, não? — Questionou de volta — Você já viu Afrodite usando essa merda? Você já viu algum dos olimpianos passeando por aí com pene colado em barbante enfeitando o pescoço?

— É pelas crianças. Elas querem expressar o que sentem pelos pais. — Disse com calma.

— Talvez eu deva me juntar a elas e fazer para Zeus um maravilhoso colar de espaguete. — Zombou olhando para o céu depois — O que acha, pai?

— Sr. D, você poderia aproveitar muito mais o Acampamento se tentasse se abrir para esses jovens. — Falou Quíron rolando para longe dali, deixando que o deus lidasse com seu mau humor sozinho.

 

—--

 

OLIMPO

 

— Ele não merece isso.

— Acho que já ficou bem claro o que você acha que ele merece. — Disse Hera ao marido. Ambos andavam lado a lado para a sala dos tronos. Zeus, nada convencido e nada feliz, pensou novamente na impertinência do filho mais novo — Não faz diferença para mim, espero que saiba.

— Ele me desobedeceu duas vezes. — Insistiu balançando a cabeça — Não pode me chamar de intolerante, eu o dei uma segunda chance e ele só se mostrou uma decepção.

— Um delito tão bobo quando comparado a crimes que nós mesmos fizemos. — Murmurou Hera, sem dar-lhe atenção. Seu olhar mantinha-se fixo na porta que se aproximava.

— Ele dormiu com uma ninfa que não devia ser tocada.

— Ele dormiu com uma de suas vadias. — A cabeça da deusa de voltou para o lado, finalmente olhando para os olhos do marido. Zeus fitou-a de volta, sentindo um nó se formar em sua garganta. De repente, não sabia mais como argumentar contra Hera. De repente, o motivo para a punição do filho parecia de fato infundado — Mas você acha que eu não sei. Acha que sou tola, como sempre achou desde que pousou os olhos em mim.

Zeus manteve-se parado. Hera esperou que ele dissesse algo, mas sabia muito bem que ele nunca tivera coragem de discutir com ela sobre suas traições. O deus dos deuses não entrava em brigas que sabia que ia perder.

— Vamos entrar. — Disse abrindo a porta — Esperaremos os outros para começarmos.

Sentaram em seus respectivos tronos e mantiveram um silêncio quase que doloroso por longos minutos. Para Zeus estava sendo pior, pois Hera já havia se acostumado a situações como aquela. Tentou tirar da mente a visão da tal ninfa, uma bela jovem com cabelos ruivos até os joelhos, trançados em flores do campo que contrastavam com seus olhos cor de mel.

— Mesmo que eu concorde com isso, — Começou Zeus, tirando-a de seus pensamentos destrutivos. Engraçado como ele conseguia salvá-la de algo que ele mesmo provocara — nenhum dos outros vai querer participar disso.

— Quem disse que teriam escolha? — Rebateu Hera. Ao vê-lo erguer um pouco as grossas sobrancelhas, ela acabou cedendo e oferecendo um sorriso para o marido — Se você ainda for Zeus, deus dos deuses, eles farão qualquer coisa.

Sentindo seu peito se encher para comportar seu ego, estendeu a mão e segurou a da esposa.

— Como quiser. — Concordou, e agora só faltava esperar.

Os deuses chegaram aos poucos.

Primeiro Hermes, acompanhado de Ártemis e Apolo. Em seguida Atena, passando em passos largos na frente de Poseidon. O deus dos mares, para o desgosto de Zeus estava vestindo somente um calção e sandálias de dedos.

Lá vai ele de novo, pensou incomodado. Já é a quarta reunião que ele aparece seminu, não estamos mais na Grécia Antiga.

Controlou-se para não falar nada, mas deixou seu olhar nebuloso entregar toda a sua decepção pela falta de preparo. Poseidon captou a mensagem, e a ignorou com excelência, sentando-se em seu trono e descansando o tridente no suporte ao seu lado.

Todos os outros chegaram depois. O último a se aproximar foi Hades, abrindo as portas e afetando a iluminação da sala. Sua presença causa um murmurinho entre os deuses, afinal não era sempre que ele era chamado para uma reunião. Algo grande devia estar acontecendo.

— Ok, quem vamos matar? — Perguntou Ares, quebrando o silêncio. Hera olhou para ele sem entender de onde viera a ideia — O quê? Deve ter alguém que precisamos eliminar, algo sério. Até mesmo Hades foi chamado aqui.

— Cale-se, Ares. — Declarou, fria. Seu filho revirou os olhos, mas acatou a ordem. Hera se colocou de pé e todos voltaram os olhares para a rainha dos céus — Agradeço a presença de todos. Sei que minha convocação foi um tanto apressada-

— De forma alguma. — Comentou Poseidon, em sarcasmo.

— Mas o assunto precisa ser tratado o quanto antes. — Continuou, ignorando a interrupção.

— Alguém morreu? — Perguntou Apolo, inclinando-se para frente.

— Não. — Hera negou com a cabeça.

— Alguém vai morrer? — Perguntou Ares, sem impedir-se de sorrir.

— Já disse que não. — Repetiu, perdendo a paciência — Nada disso tem a ver com morte, de forma alguma. É exatamente o oposto.

— Mesmo? — Perguntou Hades, e todos se viraram para ele. Geralmente quando o deus dos mortos participava de uma das reuniões olimpianas, permanecia quieto no canto, observando seus parentes brigarem e discutirem, até que desse a hora de se retirar. Ao ouvir sua voz pesada ressoar pela sala, até mesmo Hera se surpreendeu — Então pode me explicar porque eu estou aqui? Não quero prolongar minha estadia por mais do que o necessário.

A rainha dos deuses olhou para o marido, conferindo se ainda tinha seu apoio. Ao ver Zeus assentir com a cabeça, em um gesto silencioso de incentivo, voltou-se novamente aos outros e prosseguiu.

— Dionísio tem feito um bom trabalho no acampamento. Tem cuidado da segurança dos semideuses, muito embora não o faça com gosto. Acredito que sua atitude deve ser recompensada.

— Quer votar para que ele saia do castigo? — Sugeriu Atena, acompanhando o raciocínio. Hera negou para a deusa da sabedoria.

— Quero promover uma festa para seu aniversário. — Contou por fim. Gesticulou e discursou com a oratória de uma líder nata — E quero que todos nós participemos para mostrar o nosso apoio e agradecimento ao deus do vinho.

Fez-se silêncio no salão, como se todos esperassem que Hera soltasse uma gargalhada mostrando que tudo não passava de uma pegadinha. Quando isso não aconteceu, a perplexidade se implantou.

— Espere, isso seria feito como uma forma de agradecimento por ele tomar conta de nossos filhos? — Repetiu Apolo e não pode deixar de rir. Cobriu a boca por um instante, tentando disfarçar os maus modos — Lamento. É só que eu não consigo ver o que eu teria para agradecer a Dionísio.

— Ele é o diretor do Acampamento Meio-Sangue por vários anos. — Respondeu Hera — E é graças a ele que as coisas se mantém funcionando por lá.

— Se me permite corrigi-la, as coisas se mantém funcionando por lá graças a Quiron. — Corrigiu o deus do Sol — Dionísio é mais uma autoridade figurativa.

— Rudemente figurativa. — Acrescentou Afrodite, cruzando os braços — Ele fez meus filhos chorarem durante a competição de remo.

— Ele ameaçou dar um dos meus filhos de comida para o leopardo de estimação. — Disse Hermes voltando-se para Hera.

— Dionísio quebrou o arco da minha filha. — Falou Deméter.

— Todo esse rancor que ele nutre pelo acampamento é só um reflexo do quanto ele precisa que mostremos nosso apoio. Ele está lá como parte de seu castigo, mas quantas vezes vocês estiveram lá? — Questionou e viu-os se mexer desconfortáveis.

— Prepararemos uma festa para Dionísio, porque é o certo a fazer, e porque eu estou ordenando. — Intercedeu Zeus, ao ver o descontentamento dos deuses — Mostraremos gratidão a Dionísio por seu trabalho, e esperaremos em troca que suas atitudes se tornem mais… corretas.

— E não usaremos nossos poderes para isso.

Ares foi o primeiro a rir. Uma gargalhada irrompeu do fundo do estômago do deus da guerra, e foi praticamente vomitada para o resto do conselho olimpiano. Como se fosse contagioso, vários se juntaram e ele. Hera viu a sala se tomar de risadas, e cerrou os punhos.

Virou-se para o marido, que a olhava de olhos arregalados sem entender de onde viera aquela ideia ridícula.

Você me prometeu apoio, pensou esperando que ele lesse seus pensamentos. E eu preciso dele agora.

Como se tivesse despertado de um transe, Zeus percebeu a desordem que a Sala dos Tronos havia virado, e ergueu o raio mestre, chocando-o contra o chão. O barulho do trovão ensurdecedor fez com que o silêncio reinasse novamente.

— Quietos. — Ordenou com autoridade — Ouviremos Hera justificar seu desejo.

Até mesmo ele queria entender a necessidade de privar a um deus seus poderes divinos, por isso ajeitou a postura e ergueu o queixo curioso para a esposa.

— Em forma de um gesto de compaixão da nossa parte, nos privaremos de nossos poderes durante os preparativos da festa o máximo possível. Arranjaremos tudo como mortais arranjariam, pois é praticamente assim que Dionísio vive. — Explicou devagar — Ao final, poderemos nos orgulhar de um ato de afeto que vai proporcionar a felicidade de nosso companheiro.

Ao ver o brilho determinado nos olhos de Hera e o tom de seriedade em sua voz, Apolo afundou o rosto nas mãos, sem acreditar que teria que passar por aquilo. Ártemis suspirou insatisfeita, Afrodite franziu o nariz.

— Não vou fazer parte disso. — Declarou Poseidon, balançando a cabeça.

Tudo o que eu queria era uma chance para te derrubar, pensou Zeus. Obrigado.

— Você vai sim. — Afirmou, autoritário.

— Não pode me obrigar a isso. — Rosnou levantando-se de seu trono. Zeus se levantou também, mostrando igual poder.

— Sim, eu posso. — Sua voz trovejou pela sala. Se alguém antes estava pensando em se opor a ordem de Hera, agora não ousaria nem mesmo abrir a boca. Poseidon respirava tomado de raiva, suas narinas dilatando e seus punhos cerrados — Você, Hades, e todos os outros, porque eu mandei.

— Quer nos ocupemos com uma tarefa tão ridícula como essa, enquanto nos observa rindo?— Falou o deus dos mares, furioso — Isso não vai acontecer, irmão.

— Zeus também fará parte disso. — Disse Hera, pegando o senhor dos céus ligeiramente de surpresa. Ele de fato esperava que somente os outros olimpianos passassem por aquela situação ridícula, mas tentou não deixar transparecer a confusão em seu rosto — Eu também. Todos nós.

Quebrando o silêncio, Hades riu. Um riso curto e sarcástico, suficiente para ganhar o holofote.

— Mal posso esperar. — Comentou com simplicidade.

É por isso que eu não venha a reuniões de família, pensou.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vale lembrar que adoro o feedback de vocês, então vou esperar pelos reviews. Felizes com a volta da fic?
Vou tentar postar periodicamente, assim vocês terão uma dose semanal de Sr. D para animar o dia.

Beijos, e até mais!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Feliz Aniversário, Dionísio!" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.