Aira Snape - A Comensal escrita por Ma Argilero


Capítulo 29
Contrapartida


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo. A fic está mais demorada para ser escrita nessa reta final. Não quero algo que fique vago.
Que acharam da nova capa? Bem melhor que a antiga, não?



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Foi estranho dormir com Draco depois de nossa conversa na noite anterior. Eu podia sentir que ainda éramos amigos, mas estar tão perto dele era surreal; era surreal nesse momento em minha vida. Quando eu acreditava que ele me amava era mais fácil, pois eu poderia me acalmar sabendo que era importante pra ele, mas agora era diferente. Estávamos cada um com seu coração distante.

Logo de manhã levantei-me. Estava decidida a voltar pra casa. Não podia viver ali. Eu acabaria ficando louca naquela mansão. Mas quando coloquei minhas roupas normais, Draco acordou e olhou-me. Ele ainda era homem e não hesitaria em olhar-me seminua. Eu fingi que nem o vira. Não tinha mais coragem de deitar-me com ele.

– Nos vemos em Hogwarts – eu comentei, saindo pela porta.

Ele não disse nada. Era melhor assim. Poucas palavras. Voltamos a ser estranhos novamente. Ainda teríamos de fingir sermos um casal perfeito a vista de todos.

Desci até o hall e encontrei um elfo doméstico limpando o carpete de uma parede. Ele sequer olhou-me. Esperava que a porta estivesse aberta. E ela estava. Abri-a e sai ao ar livre. O ar estava fresco. Era de manhã, mas o ar deveria ser mais quente. Sai pelo portão e mentalizei minha casa. Desaparatei logo em seguida.

Minha casa estava diferente. Minha mãe morava ali agora e tratou de dar seus toques. A fachada foi pintada de branco – até ai meu pai concordaria, pois branca é uma cor neutra, mas as flores e o banco em frente, ele acharia impróprio. Se ele fosse alérgico a pólen eu não acharia estranho, mas ele odiava cores.

Curvada sobre um mini jardim, estava minha mãe. Ela cuidava de algumas orquídeas, colocando adubo. Havia regador, tesoura, pá e um saco de adubo ao lado dela. Ela estaria muito ocupada pelo resto do dia. Passei por ela, que nem me vira.

Admirava meu pai ter cedido às vontades de minha mãe. O que eu pedia sempre havia um contra com argumentação excelente. Acho que o que ele sente por ela não mudou em nada desde dezessete anos atrás.

Dezessete anos atrás. Caramba. Eu já era adulta no mundo bruxo. Eu completara meu aniversário, mas nem havia me tocado que era algo importante. Abri a porta e encontrei Ketlen estirada no sofá com uma revista teen em mãos. Revirei os olhos vendo a maldita capa da Teen World Edição 70. Joguei uma almofada nela e segui para a cozinha. Depois de vomitar tudo na noite anterior, precisava preencher o espaço em meu estômago.

Na geladeira havia guloseimas e sobremesas. Já me via sendo engordada como em João e Maria, a história. Peguei uma fatia de bolo e engoli ali mesmo. Nunca senti falta de comida como ali. Eu estava esgotada física e mentalmente.

Vi meu pai parado na porta, usando uma camisa branca e uma calça jeans. E não acreditava: all star nos pés. Mas que diabos houve nele? Ele passou por mim e foi até a geladeira e pegou uma jarra de suco.

– Mas que merda houve para tanta mudança?

– Olhe o palavreado, Aira.

Eu pouco me importava se estava falando palavrão. Era uma forma de expressar minha surpresa e descrença. Ele sempre denotou que destruiria meus sapatos se fosse possível, mas ele não gastaria para comprar outros; então preferia não acabar com eles. Porém isso não impediu de desintegrar meu coturno.

– Que lavagem cerebral poderosa é essa?

– Nada de mais, meu anjo.

Eu virei e vi minha mãe. Ela estava amarrando seus cabelos longos e negros.

– Estava na hora de Snape ser radical, um pouco.

Radical? Só porque resolveu usar um all star? Pra ser radical precisava de muito mais.

– Eu fui mais radical quando fiz rapel na fachada da escola Beauxbatons; entrei em Hogwarts, enfrentei Umbridge... Preciso citar a lista toda?

– Uau! – exclamou Ketlen aparecendo na conversa. – Sério que fez rapel? Eu sempre quis fazer isso, mas não gosto muito de altura.

– Radical que quero dizer, Aira, é que Severo deixou de ser aquele cara amargurado e chato. Até aceitou usar algo que não fosse preto.

– E qual é a do tênis?

Cruzei meus braços. Já previa muita coisa por vir.

– Eu comprei alguns ontem, quando estava em Londres...

Okay... Meu pai estava em Londres. E provavelmente não foi para ir ao Beco Diagonal. E não foi só um que ele comprara pelo jeito que ele falara. Cadê o homem mão de vaca que eu conhecia?

Minha mãe o abraçou por trás e sorriu.

– Ele não queria parecer um pai careta.

– Pai careta...?

Não podia ser o que eu tava pensando.

– Não me diga que se casaram e eu não fiquei sabendo!?

Minha mãe riu e aproximou-se de mim.

– Mickles ainda não assinou os papéis do divórcio. Mas pretendo me casar com seu pai – ela olhou para Severo, que desviou o olhar. – Mas a boa notícia é que estou grávida.

– Grávida...

Se ela estava feliz, quer dizer que o filho que esperava é do meu pai. Meu pai deu algumas escapadas para a casa nesses últimos meses. Bem, ele podia, já que não precisava de autorização para sair. Mas era estranho imaginar meus pais, que viveram anos separados, fazendo sexo.

– Okay. Gravidez, casamento futuro. O que mais devo saber?

– Você recebeu algumas cartas.

Eu devia ter ficado calada. Ketlen foi até ao balcão e trouxe vários envelopes para mim. Não havia selos em nenhum. Foi entregue através de um correio bruxo. Peguei-as e procurei remetente, mas nada. Não abriria ali. Podia ser confidencial.

Afastei-me daquela alegria toda e subi as escadas, no topo, ouvi Ketlen me chamar:

– Aira – desci alguns degraus e olhei-a. – Será que ainda hoje podíamos ir ao Beco Diagonal? Eu queria conhecer o lugar...

– Depois eu vejo.

Tranquei-me em meu quarto e abri o primeiro envelope.

“Eu quero me matar por não ter te segurado naquele dia quando saiu. Queria ter te consolado da forma certa e não ter permitido que chorasse. Ter feito um curativo em você...

Mas pra você sou apenas seu passado. Provavelmente seu relacionamento com o fuinha está indo muito bem. Vi o anel em seu dedo. Ele te pediu em casamento. Isso foi um choque. Porém nada posso fazer se perdi a mulher que amo. Sinceramente, espero que seja feliz com ele.”

F. W.

Eu caí sentada na cama. Fred me mandava cartas de vez em quando, mas nunca senti tanta vontade de gritar a pleno pulmões e chorar todas as lágrimas quanto nesta. Eu não podia tê-lo enquanto estivesse ligada ao Draco. Estraguei minha vida novamente.

Apoiei minha cabeça no travesseiro e fechei os olhos. Todos os mementos mais idiotas e gratificantes que passei vieram à tona. Desde quando fiquei cara a cara com meu pai e ele retirou pontos da Sonserina, quando puxei a capa dele, a poção que explodiu durante a aula... Foram bons momentos, que não voltariam nunca mais. Ângela e Clara voltaram para a Austrália. Jean refazia sua vida com sua filha. Geovanna não ficaria mais em Hogwarts, viveria com seu irmão na Bulgária até conseguir se mantiver. Alekxis viveria com seus pais na França. Todos eles haviam me mandado cartas dizendo sobre as mudanças. Eu deveria enviar respostas para cada um, mas não tinha nada do que dizer. Era obrigada a viver entre o caos da guerra e não seria agradável mencionar em uma carta meu noivado.

Acabei adormecendo. Acordei com o barulho de batidas na madeira. Abri os olhos e vi alguém na porta. Não conseguia saber quem era por causa do meu cabelo que caíra em meu rosto. Sentei-me e depois de me espreguiçar, olhei para Ketlen. Ela deve ter ido ver se eu poderia levá-la até o Beco Diagonal.

– Pra que quer ir lá? – se ela fosse esperta perceberia minha relutância em ir aquele lugar.

– Gian. Bem, ele disse que estaria lá hoje no final da tarde.

Eu não fui a única que recebi noticias em cartas. Levantei-me e fui direto ao meu guarda-roupa. Peguei um short de cós alto e uma blusa simples e branca. Ketlen revirou os olhos quando me viu vestida com aquela roupa, mais meia calça preta 7/8 e meu coturno. Ela achava exagero eu me vestir dessa forma.

Depois de pegar minha varinha, desci atrás dela até o andar de baixo. Minha mãe estava com muitas sacolas. Havia roupinhas, cobertores, sapatinhos sobre o sofá. Ela olhava um macacão azul. Ela já estava adquirindo seu enxoval.

Ela olhou para mim e sorriu.

– Vão aonde?

– Beco – disse.

Ela sorriu e voltou a olhar suas roupas. Não pude evitar em imaginar meu pai fazendo a mesma coisa ao lado dela, mas ele estava em algum canto da casa; ou provavelmente no porão.

Ketlen me seguiu para a lareira. Eu podia aparatar mesmo não tendo licença. Não me importava com Ministério da Magia. Mas decidi usar a lareira. Seria mais cômodo para Ketlen. Ela usou o pó de Flu e aparecemos em uma lareira de uma loja no Beco. Como não tinha intenção de comprar nada, acabamos saindo.

Minha irmã afastou-se um pouco de mim, andando a frente. Eu observava as vitrines. Estavam mais vazias desde a última vez que as vira. Havia poucos transeuntes pelas ruelas e era estranho ver o Beco sem vida. Uma das características dele ser tão extasiante era que vivia abarrotado de pessoas, com magia a percorrer cada pedra dali. Agora ver alguém na rua era quase raro. Quando alguma pessoa ou grupo via outros, fingiam não ver e apressavam o passo, ou entravam em alguma loja.

O ar estava pesado. Não como no verão com a falta de umidade, mas pesado pelo tom acinzentado que o céu possuía. Era clima de guerra, tudo era sem cor, mas não imaginava que começasse tão cedo à sensação de insegurança. Vi Ketlen correr até um homem sentado em uma mesa tomando chá. Olhei meu relógio e vi o ponteiro denunciar cinco em ponto.

Era normal as pessoas tomarem o chá das cinco. Eu já havia participado de alguns com minha mãe, avó e amigos da família, mas não fazia disso um hábito. Não havia os acompanhamentos comuns em chá das cinco na mesa dele. Havia apenas uma xícara, pires e colher; nada de bolinhos, tortas, torradas.

Depois de Ketlen soltá-lo do abraço vi Gian acenar a mim. Aproximei-me deles.

– Achei que o Beco Diagonal não ficaria deserto dessa forma... – comentou Gian erguendo sua xícara e bebericando um pouco. – Inglaterra não é um bom lugar para se estar sendo bruxo ou trouxa. Os trouxas tem sorte de não saber a verdade, causa menos temor, mas nós bruxos, até os sangues-puros, temos medo do que possa acontecer após essa “revolução”

Eu concordava com ele. Meus amigos eram prova disso. Eles haviam fugido do foco. Os bruxos que não possuem verba continuam no país, mas desejando que a guerra não chegue até eles.

Gian contou sobre como a Bulgária estava se saindo com essa guerra. Muitos imigrantes foram para lá. O Ministério da Magia tinha problemas com isso. Mas nada era pior do que o Ministério da Magia de Londres enfrentava. Estávamos no foco do problema. Eu era uma seguidora do proclamador do movimento e tinha de ver tudo em frente aos meus olhos.

Ele deveria demonstrar algum medo de mim, mas foi criado entre cobras e cordeiros. Sabia como se manter neutro a tudo.

A conversa não durou muito. Ele precisava voltar para Bulgária. Tinha seu trabalho lá e como o horário era diferente, ainda sobrava algum tempo. Ele desejou que Ketlen fosse com ele, mas não poderia pedir isso pra ela. Ketlen amava Gian, mas não deixaria minha mãe grávida em outro país para se proteger, mesmo que Hayley suplicasse.

Já tive minhas diferenças com Gian, mas elas sumiram depois de anos. Ainda me sentia abatida pela morte da Giulia e não queria tocar no assunto, mas fui pega de surpresa quando ele me abraçou.

– Obrigado por ter ajudado a Gi – segurei minhas lágrimas. Não choraria em lugar publico. – Ela podia aparentar não se importar com você, mas nunca quis te fazer mal. Fico feliz que ela tenha partido feliz e tenha deixado uma menininha linda.

Ele sorriu ao ver como eu suportava a vontade de chorar. Gian foi até Ketlen e lhe beijou antes de desaparatar. Fiquei olhando para o chão, procurando me controlar. Eu queria mais noticias de Jean. Ele cuidava de Giulia, sua filha, mas ao sabia em que lugar estava muito menos se estava na Inglaterra ou na França com seus pais.

Virei-me para voltar a alguma loja e avistei os gêmeos Weasley. Eles estavam parados. Os olhos de Fred me fitavam. Olhei para trás e não vi Ketlen, mas quando olhei para a minha esquerda ela pulou e se segurou em meu pescoço como fazia com seu namorado.

– Eu posso enrolar em alguma loja se quiser – ela sussurrou.

Meu coração se acelerava quanto mais eu permanecia ali. Queria fugir e não ter de encarar Fred. Agora com Ketlen oferecendo-se para demorar mais no Beco. Estava quase aceitando, quando me lembrei de algo.

– Não é você que tem toneladas de coisas para arrumar em seu quarto e tolerar um pai chato.

Retirei os braços dela e andei, passando pelos gêmeos. Ela logo me alcançou. Olhei para trás e Fred fez o mesmo, olhando-me.

Quando voltamos, subi e Ketlen veio atrás de mim. Até parecia minha escolta. Eu parei e virei. Eu sabia o que a danada queria.

– Por que não foi conversar com ele? – Bingo! Não sei como ela sabia que eu queria falar com ele, mas ela sabia.

– Já disse que tenho coisas para fazer...

Ela suspirou e olhou-me. A expressão era tão familiar. Igual da minha mãe adotiva e que agora eu via em Hayley quando ela queria que eu contasse o que me afligia. Mulheres têm o dom de fazer as pessoas se abrirem, até para outras mulheres.

– Mesmo se eu quisesse seria arriscado.

– Por quê?

Olhei para a escada e não havia ninguém. Todos deveriam estar ocupados com suas tarefas. Olhei para minha irmã postiça.

– Você entende o tamanho dessa guerra?

Ela ficou um tempo quieta, mas disse o que pensava.

– Ela pode mudar o rumo da história bruxa. Mas o que ele tem a ver com isso tudo? E que mal pode haver em você conversar com alguém que ama...

– Como pode ter tanta certeza que o amo?

Ketlen olhou-me com seus olhos dizendo-me “Não pode me enganar”.

– Você demorou em dizer algo. E quando o viu, percebi como o olhava e como ele te olhava... Mas você se deu ao trabalho de me responder. Se você não se importasse não explicaria. Aira, quando você se importa com algo procurar explicar aquilo; mas quando não, apenas ignora. Imagina o que o Snape não sabe sobre você que você mesma nem tem conhecimento?

Isso era novidade. O que mais ela sabia sobre mim que eu não sabia? Pior é meu pai. O que ele realmente sabe sobre mim?

– Você até pode saber isso de mim, mas não posso amar uma pessoa como ele – mesmo que tenhamos sido namorados no passado – apenas é impossível com todo esse tumulto. Olhe a sua volta, Kate, a desordem, a bagunça... Minha vida pessoal está pior.

– Deveria dar uma chance a ele... – ela atravessou o corredor e se trancou em seu quarto. Pela primeira vez deixou-me ali, com coisas para pensar.

Eu não sabia se devia dar atenção ao que ela disse, mas era importante. Sempre soube que nutria algo por ele, mas mesmo depois de tanto tempo continua ali. Talvez eu pudesse vê-lo... Não era arriscado demais. Ele é amigo da Granger e Potter, seu irmão faz parte do Trio de Ouro. Não podia me expor tanto com ele. Voldmorte usaria qualquer arma que encontrasse contra quem o enfrentasse. Eu não queria perder mais ninguém.

Ajudei minha mãe na escolha das roupinhas de bebê. Ela estava tão feliz pedindo minha opinião sobre cor, textura, tamanhos e peças variadas. Era a primeira vez que a via sorrir daquela forma. Ela estava feliz ao lado de meu pai, comigo e a Ketlen. Agora ela teria um filho com o homem que amava. Um filho inesperado, mas que era muito desejado. Acabei me envolvendo pela felicidade dela e esqueci meus problemas. Eu queria que tudo continuasse dessa forma: vendo-a feliz, sem perigo de algo acontecer a ela novamente.



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Notas finais do capítulo

Espero que tenham curtido.



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