Curada Para Ferir escrita por thedreamer


Capítulo 22
Capítulo 22


Notas iniciais do capítulo

Olá meninas, que saudade daqui, como estão? Eu estava viajando, por isso não pude postar, pois a história tá toda salva aqui. Fiquei muito feliz com os comentários. Vocês sempre me surpreendem. Obrigada. E as novidades? Estou fula da vida, a Demi vai vir ao Brasil again e não vou poder ir ao show, porque Brasília não existe para os cantores, só. Taí mais um capítulo, espero que gostem, desculpe a demora.



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22 E é nas dificuldades que você descobre quem realmente é seu amigo. Quem realmente se importa.

 - Melina! – Viro-me assustada, e com os olhos embaçados pelas lágrimas, vejo Vítor. Fico sem reação, com os pulsos escorrendo sangue. Ele cai de joelhos bem próximo a mim e me abraça. Só isso. Nada de broncas, ele apenas me abraça.

 Acolho-me naquele abraço reconfortante. Ele abraça forte, assim como eu. Minhas lágrimas rolam cada vez mais rápidas, molhando toda sua camisa. Ele parece não se importar, e começa a afagar minha cabeça. Tento dizer algo, mas não consigo, portanto só choro, aproveitando que ele me ofereceu seu colo.

 - Está tudo bem. – Ele sussurra em meu ouvido, e eu choro mais e mais. Depois de muito chorar, consigo me controlar um pouco. Afasto-me dele e levanto a cabeça, olhando no fundo de seus olhos verdes.

 - Desculpa. – Consigo dizer quase inaudível. Ele balança a cabeça negativamente e seca uma lágrima do meu rosto.

 - Não se preocupe Mel, está tudo bem. – Mordo o lábio e abaixo a cabeça, começando a chorar novamente, ele me acolhe e ficamos assim por muito tempo. Já está escuro quando paro de chorar. Seco minhas últimas lágrimas depois de me afastar dele. Acabo me esquecendo de que ele me encontrou fazendo cortes desesperados. Meu rosto deve estar sujo de sangue devido a minha burrice de secá-lo com o braço.

 - Quer falar sobre isso? – Ele diz tocando levemente meu braço. Não sei o que dizer, portanto continuo encarando o chão em silêncio. Meu braço dói, e percebo que dessa vez os cortes foram mais graves.

 - Por favor, não conte a ninguém. – Digo me lembrando que Bernardo também soube disso, não em pleno ato, mas sabe. E ele nunca contou a ninguém, não que eu saiba.

 - Porque acha que eu faria isso? – Olho para ele e encontro compreensão em seu olhar. Mecho em meu cabelo ainda sem saber o que dizer. – Mais alguém sabe? – Faço que não com a cabeça, ele se silencia e depois ergue a manga de sua blusa, ele aproxima o braço e me mostra pequenas cicatrizes ao longo de seu antebraço. Ergo o olhar para ele que apenas cobre o braço novamente. – Não pensei que você fizesse isso. – Ele diz por fim.

 - Isso não é legal Mel. – Ele diz como se falasse com um bebê. Abaixei mais ainda minha cabeça, me sentindo uma ridícula.

 - Mas você também faz! – Disse numa tentativa de me livrar da culpa.

 - Fazia. – Ele me corrige ainda calmo. Ergo o olhar novamente, e ele tem o olhar vago e triste. – Eu comecei a fazer isso depois da morte da minha mãe. – Olhei compreensiva, ele entende parte do que sinto. – Minha mãe era tudo para mim, na minha opinião, a pessoa mais perfeita que já existiu. Ela sempre tinha um sorriso reconfortante e maroto nos lábios. Tinha os cabelos mais negros que já vi, e a pele mais branca. – Seu olhar recai em mim. Ele olha para o horizonte e prossegue. – Viajaríamos para o Rio de Janeiro, seguíamos para o aeroporto em Porto Alegre quando... - ele engole seco, olha para as próprias mãos. – eu só pude ver o carro deslizando e capotando. – Meus olhos se enchem de lágrimas, assim como os dele, que continuam baixos.

 - Eu tinha onze anos. Foi tudo muito difícil... Se meu pai não tivesse desviado daquele cachorro...

 - Vítor...

 - Não o defenda Melina! – Ele diz rudemente, com um olhar tão raivoso que me encolho. – Desculpa. – Ele diz respirando fundo. – Então eu comecei com cortes pequenos, e depois eles foram aumentando, até que um dia uma amiga descobriu, e pediu para que eu me tratasse, pois isso não era certo. Segui seu conselho e pedi ao meu pai, sem dizer o porque, para me levar ao terapeuta. Ele já achava que eu precisava, então nem desconfiou, apenas me levou. – Ele parecia nunca ter se aberto daquela forma com alguém, a não ser talvez com a tal amiga.

 - O terapeuta me tratou como uma pessoa normal, como se o problema não fosse algo grande, mas eu sei que é. E ele ter tratado de forma tão leve, fez com que eu me sentisse uma pessoa como as outras, fez eu perceber que aquilo não fazia bem a mim, e não faria com as pessoas que me amam. – Fico ruborizada. É a primeira vez que paro para pensar nisso. – Não precisa ficar assim. – Ele diz e delicadamente levanta meu queixo. Nunca havia visto tanta compreensão naqueles olhos verdes.

 - Eu não entendo porque a Callie fez aquilo, eu... – Minha voz começa a embargar e me controlo para não chorar novamente.

 - Inveja! – Ele diz de um modo furioso. Balanço a cabeça negativamente.

 - Essa só pode ser a última teoria. Por favor, olhe para mim, porque ela teria inveja disso? – Digo apontando para mim mesma, mas logo abaixo o dedo quando percebo estar trêmulo.

 - Mel... – Diz piedoso. Ele tira as mechas do me cabelo que estão coladas no rosto pelas lágrimas e suor. – Que quis dizer com isso?

 - Mesmo Vítor? – Ele franze o cenho, com um olhar preocupado, e fico pensando se tudo isso é coisa da minha mente.

 - Tudo bem se não quiser se abrir, desabafar, eu entendo. – Dou um leve sorriso e nego novamente com a cabeça.

 - Não é isso, Vítor. Você realmente não entende o que eu quis dizer? – Ele nega. Respiro fundo controlando as lágrimas mais uma vez, rezando para minha voz não embargar. – Já percebeu quantas garotas bonitas há nessa escola? Quantas garotas bonitas, populares...

 - Você se sente inferior a elas? – Ele pergunta com o cenho ainda franzido.

 - Eu sou inferior a elas, a todas, inclusive à Callie. – Digo fungando e olhando para meu joelho que arranhara com a minha queda. Ele solta um sorrisinho e olho nervosa para ele, que parece incrédulo.

 - Melina como você pode se sentir inferior às ‘garotas propaganda de maquiagem’? – Olho para ele como se fosse a coisa mais óbvia, pregada bem na minha testa em letras de néon.

 - Você deve estar tirando onda com a minha cara...

 - Porque você sempre me vê como alguém que te quer mal? – Fico sem fala, e novamente a vermelhidão toma conta do meu rosto. – Eu não estou tirando onda com a sua cara, só realmente não entendo o porque de você se sentir inferior a elas. Você é tão mais bonita. – Apesar de não acreditar muito no que ele diz, e pensar que isso é apenas uma forma de me ajudar, fico totalmente sem graça e muda. – Elas passam quilos de maquiagem e não ficam com uma pele como a sua, ou com essa boca rosada, sem sequer usar batom. – O tomate não é mais vermelho do que eu neste momento.

 - Escuta Vítor...

 - Não estou falando isso para te ajudar a melhorar, se tem algo que prezo é a sinceridade, mas claro que se isso te ajudar, será ótimo. – De repente a linha da minha saia fica bastante interessante, pois não tiro os olhos dela.

 - Você sempre usa o compasso? – Ele pergunta mudando de assunto depois de minutos em um silêncio constrangedor.

 - Não, era a única coisa aqui que cortava. – Digo.

 - Posso dar uma olhada? – Ele pergunta indicando meus braços. Penso em dizer não, mas mudo de idéia assim que nosso olhar se encontra. Estico os braços vagarosamente, ele persiste o olhar e depois os olha. Cuidadosamente ele os verifica. – Não acho que você precise ir ao médico, caso você não queira admitir o que fez. Só irá precisar fazer curativos todos os dias.

 - Porque está me ajudando? – As palavras saem da minha boca mais bruscas do que imaginei.

 - Porque você precisa. – Ele retruca agressivo. – Não me entenda mal, afinal só você pode se ajudar. – Começo a me sentir uma criança sendo ensinada a largar a chupeta.

 - Quantas horas? – Tento mudar de assunto.

 - Oito. – Ele diz sem mais delongas. Suspiro. Como vou entrar na escola desse jeito?

 - Vítor... – O chamo e ele me olha, prontamente. – Como vou entrar na escola assim? – Digo com o olhar em meus braços. Ele pega sua mochila e a abre, retirando seu paletó lá de dentro.

 - Vista.

 - Mas...

 - Sem ‘mas’, rápido. – Obedeço e visto sentindo um gostoso aroma refrescante. Ele se aproxima e passa os dedos em minha face, delicadamente. – Seus olhos estão inchados... – Ele baixa os olhos – Você também machucou os joelhos?

 - Foi quando caí. – Esse não foi minha culpa, não propositalmente.

 - Certo. Passe pela entrada que dá direto aos dormitórios, nesse horário deve estar todos jantando. – Aceno positivamente. Ele me envia um último olhar caloroso e se levanta, me ajudando a fazer o mesmo. Apoio minha mochila no ombro direito e dou um passo desanimado a frente. – Eu vou com você até lá. – Viro-me disposta a protestar, mas ele coloca o dedo indicador nos lábios e sibila ‘shhh’, e então desisto.

Seguimos silenciosamente pelo caminho que ele indica. Por sorte cruzamos com umas quatro pessoas em todo o percurso, que me olhavam com uma expressão que desconheci. A primeira por quem passamos foi por uma garota pouco maior do que eu com cabelos castanho avermelhados e olhos castanhos, ela me olhou meio aterrorizada e então Vítor passou os braços a minha volta passando-me segurança. Fiquei feliz por ele estr ali. E então quando chegamos aos pés da escada encontramos Bernardo sentado com a cabeça entre as mãos. Ele ergueu o olhar assim que nos aproximamos.

 - Ah Mel! – Ele levanta e me abraça, segundos depois que Vítor rapidamente retirou seu braço. Retribuo educadamente, mas ainda ferida por ele não ter se manifestado mais cedo. – Onde você estava, te procurei por todo lado. – Ele olha de relance para Vítor, que permanece ao meu lado, em silêncio.

 - Estava por aí. – Ele passa o dedo em meu rosto causando uma linha de arrepios, fazendo-me perder o chão.

 - Eu sinto tanto Mel... – Aceno positivamente. – A Callie é detestável, não sei porque fez aquilo com você... – Ele me abraça novamente. – Se precisar, pode contar comigo, para qualquer coisa, lembra? – Ele estica o braço, do mesmo modo que fez pouco depois de nos conhecermos, imitando um super herói. Sorrio e ele deposita um beijo em minha bochecha. – Você é muito importante, certo? Não se abata. – Ela dá uma última olhada em Vítor e se retira. Respiro fundo e me viro para ele.

 - Vai me dizer que além de medo de elevador ele ainda assiste e liga da justiça? – Não consigo evitar o sorriso.

 - Pára com isso. – Dou um leve tapa em seu braço. Sua camisa está com algumas marcas de sangue, enrijeço depois de perceber. Ele segue meu olhar. – Sinto muito, mesmo.

 - Não tem problema algum.

- Obrigada! – É a única coisa que consigo dizer, tento deixar explícita a minha gratidão, mas não sei se sai do modo que desejo.

 - Certo, então... – Nós nos olhamos sem saber o que fazer ou dizer, por fim ele deposita um beijo rápido em minha testa. – Até amanhã. – Ele se retira tão rápido que não consigo enviar um último olhar agradecido.

 Subo e encontro o quarto vazio, graças a Deus. Pego meu moletom e sigo para o banheiro, depois de largar minha mochila em cima da cama. Agradeço por hoje ser sexta, assim poderei voltar para casa amanhã, logo cedo, matar a saudade do Rodrigo, que já está imensa, e tenta esquecer o acontecido. A água quente perfura meus ferimentos como fogo, tenho que morder o lábio com força para não demonstrar minha dor. Com muita dificuldade, consigo passar o sabão, para lavá-los e não correr o risco de pegar mais bactérias do que já deve ter pegado. Assim que termino vou até o armário onde há uma caixinha de primeiros socorros. Cobri todo o pulso com gases, depois de passar ‘metiolate’.  Vesti meu moletom e encontrei todas as meninas sentadas em suas respectivas camas. Mikaella e Milena me olhavam intensamente, tentei ignorar, mas estava começando a me incomodar.

 - Eu sinto muito, Melina. – Disse Milena, por fim. Olhei-a desacreditada, e somente acenei. Mikaella persistiu o olhar, mas não disse nada. Mariana olhou de Milena para mim, depois para Mikaella, depois cochichou em meu ouvido.

 - Sente muito por que? – Perguntou deixando-me em dúvida. Onde ela estivera? Ele deveria estar na biblioteca, ótimo, então é bom que não saiba.

 - Nada demais. – Dou de ombros e me embrulho até a cabeça, sendo vencida rapidamente pelo cansaço.

 Sou a única a acordar cedo no sábado, mesmo sendo dia de sair da escola. Coloco algumas poucas coisas dentro de uma bolsa, visto uma camiseta dos Beatles, um casaco um pouco largo, calça jeans e o costumeiro all star. Penteio o cabelo e desço para o refeitório meio constrangida. Apesar de haver poucas pessoas ali, por serem apenas sete horas, essas me olharam por muito tempo, fazendo-me corar. Depois de pegar um sanduíche com suco e uma maçã, sento-me em uma mesa distante de todas as outras pessoas aqui presentes.

 Mastigo calmamente, mesmo estando faminta, enquanto foco o olhar na tampa da garrafinha de suco, ainda ruborizada. Sobressalto-me quando alguém senta fazendo estardalhaço a minha frente. Ergo o olhar, ainda espantada e pela primeira vez fico feliz ao ver Vítor. Ele sorri para mim enquanto tira o cabelo dos olhos.

 - Ele disse que já está chegando, logo vamos poder sair deste inferno. – Compreendo rapidamente que ele fala do Rodrigo, concordo com um aceno. Ele me olha uma última vez, e segue até a máquina com sucos.

 Sigo-o com o olhar, e vejo quando ele atende ao telefone. Ele fala por pouco tempo, revira os olhos e caminha desleixadamente até a minha mesa, onde coloca a mochila nos ombros.

 - O Rodrigo está nos esperando lá fora. – Ele diz sem ao menos chamá-lo de pai. Recolho minha bolsa e o sigo até lá fora, onde Rodrigo olha de um lado para o outro encostado em seu carro. Abro um imenso sorriso, que ele retribui assim que paira o olhar em nós.

 Ele me abraça com força, fazendo-me lembrar do papai. Fico triste por Vítor ignorá-lo totalmente, entrando no carro, sem ao menos dizer ‘oi’. Rodrigo cora, e pede para que eu sente ao seu lado, o que faço sem delongas. Seguimos ambos em um silêncio incômodo até em casa. Sinto um alívio imenso por estar ali, longe de todos, sinto-me tão segura. Vítor, para varia, sobe a escada correndo e bate a porta do quarto.

 - Nada mudou, não é mesmo? – Rodrigo pergunta olhando escada acima. Envio-lhe um olhar compreensivo. Pode não parecer, mas as coisas mudaram sim, mas continuo não entendendo o Vítor. – Você já tomou café? – Ele pergunta.

 - Já, obrigada. – Ele sorri.

 - Senti sua falta Melina, você coloca luz nesta casa. – Coro instantaneamente, ele dá tapinhas carinhosos em minhas costas e segue para o escritório, dizendo ter que resolver algo rapidamente. Aceno e sigo para a cozinha.

 - Olá! – Digo a Janaína que se vira assustada, enquanto lava as louças do café, e esboça um grande sorriso.

 - Melina, querida, que bom que já está em casa. Como vai? – Ela pergunta voltando ao serviço, e sento-me preguiçosamente na cadeira.

 - Estou bem, e você? – Minto, já acostumada com esse tipo de pergunta, tão comum e rotineira.

 - Estou bem. Como foi a primeira semana de aula? – A pior de toda a minha vida! Apesar de querer responder isso, dou um leve sorriso.

 - Foi tranqüila. – Dou de ombros, sem que ela veja. Ela caminha até o balcão onde coloca uma xícara de chá e algumas torradas.

 - E o menino? – Sorrio um pouco com o modo dela chamá-lo.

 - Acredito que está bem. – Respondo sinceramente.

 - Tenho de levar este chá e essas torradas para ele... – Franzo o cenho. Como ela sabe se ele quer, já que ele passou direto para o quarto?

 - Como sabe que ele quer isso? – Pergunto apontando para a bandeja.

 - Ele ligou cedo, antes de chegar avisando. – Balanço a cabeça negativamente enquanto sorrio. Esse garoto é terrível mesmo, sem contar no mimo. – Mas, isso vai atrasar meu serviço na cozinha... – Ela me olha de esguelha e logo percebo o que ela quer que eu faça.

 - Quer que eu leve, Janaína? – Ela abre um sorriso de orelha a orelha.

 - Se não for pedir demais... – Sorrio percebendo sua armação e pego a bandeja, seguindo para o quarto dele.

 Subo a escada com bastante medo, de tropeçar em algum degrau, ou até mesmo nos meus pés e derrubar tudo. Suspiro aliviada ao chegar no topo. Bato na porta com os nós dos dedos e nada. Bato umas cinco vezes, sem resposta alguma. Tento abrir a porta, mas está trancada. Encosto-me ali. Ouço o barulho do trinco, mas demoro em desencostar e caio sentada derrubando todo o chá desde a minha barriga até o meu pescoço. Ofego e começo a agitar as mãos em uma tentativa desesperada de esfriar, pois o chá estava muito quente.

 - Mas que... – Vítor começa, mas pára para me ajudar. Ele parece não saber o que fazer, assim como eu, ele vai até o banheiro e me joga um copo de água. Ofego mais uma vez e olho para ele, perplexa. – Ajudou, não? – Reviro os olhos.

 - É, acho que sim. – Digo observando minha blusa novinha manchada, totalmente molhada.

 - Droga, qual é o seu problema? – Ele diz seguindo meu olhar, e depois olhando para o chão cheio de torradas.

 - Eu estava fazendo um favor, talvez se você ouvisse quando batem a porta... – Digo recolhendo as torradas.

 - Estava fazendo um favor para mim? – Ele pergunta num tom estranho.

 - Estava fazendo um favor para a Janaína. Mas, sinto lhe informar, você terá de descer e pegar outra xícara de chá. – Ele me olha de cima a baixo, e começa a gargalhar. Fico vermelha e frustrada.

 - Ah, é. Isso é muito engraçado. – Digo sarcasticamente, mas ele me ignora.

 - Você derruba o meu chá, e ainda quer reclamar? – Ele diz recuperando o fôlego e rindo novamente, apontando para mim.

 - Argh! – Exclamo e sigo para o meu quarto, trancando a porta e logo tirando a blusa, seguindo para o banheiro.

 O que aconteceu com o garoto doce que me ajudou ontem? Ele parece ter o dom de me irritar. Tiro a roupa com brutalidade. Ligo as torneiras da banheira e entro, querendo aliviar um pouco a cabeça. Mergulho várias vezes, em uma tentativa de apagar tudo da minha mente. Saio sem ter apagado nada, seco-me visto uma calça jeans, all star de cano longo, blusa de manga comprida e uma jaqueta jeans. Renovo os curativos, que ainda estão feios, e renderão boas cicatrizes. Penteio meu cabelo e pego minha bolsa.

 Desço a escada com pressa, e sigo até a porta. Paro de repente. Lembrando do dia que saí com Vítor sem avisar, e no aborrecimento de Rodrigo. Abro o zíper e apalpo dentro da bolsa até encontrar uma caneta e um pedaço de papel.

Fui dar uma volta, estarei de volta antes mesmo do almoço. Beijos, Melina.

 Saio antes que alguém me veja, para não ter de dar explicações maiores. Entro no elevador apertando a opção de térreo. Ando com passos curtos e furtivos pelas ruas que não conheço muito bem, mas acabo pegando a rua do shopping, conseguindo então me ‘encontrar’. Levo aproximadamente dez minutos até parar diante de grandes portões de ferro pesados com formas angelicais desenhadas em ambos. Engulo seco e respiro fundo antes de abri-los. Um frio percorre toda minha espinha assim que dou o primeiro passo ali dentro. Sinto uma ânsia ao olhar para os lados e encontrar somente lápides. Caminho com cuidado, como se o chão fosse desabar a qualquer momento. Sigo sinuosamente até o local onde estão os túmulos mais recentes. Meus olhos se enchem de água ao ler a lápide mais distante ali.

“Aqui Violet Heaven Ávila Meester, Nigel Ávila Meester e Marina Ávila Meester dormem um sono tranqüilo e profundo”; Minhas pernas parecem não agüentar mais o peso do meu corpo, caio de joelhos diante da placa de metal com uma pequena foto deles três sorrindo abraçados; me lembro como se fosse ontem quando tiraram essa foto, no aniversário de dezoito anos da Marina, eles estavam radiantes como sempre, o casal mais lindo de todos. Tento controlar o choro, mas é inevitável.

 - Bom dia, papai, mamãe... – Digo entre soluços. Olho para o rosto de Marina estampada ali com eles. -...Marina. Sabe, vocês estão fazendo tanta falta. Eu queria mais que tudo poder abraçá-los, e dizer o quanto amo vocês, e... – Abraço meus joelhos. – Essa semana foi torturante, pior que todas as outras, eu não sei... Não sei o que há de errado comigo! – Me exalto um pouco. – É como você sempre disse Marina, eu sou... Inútil, não sei o porque de eu existir, de verdade. Queria só por um momento ter paz, poder sorrir verdadeiramente, mas... Eu estou tão acostumada a sorrir de mentira que se tornou parte de mim. Eu me transformei em uma farsa... – Seco as lágrimas na manga do casaco. – Eu tenho que ir, senão Rodrigo acaba se preocupando. – Fico quieta por bastante tempo até me estabilizar mentalmente. – Eu os amo. – Levanto deixando uma grande rosa vermelha, que colhi no caminho de vinda.

 Refaço o mesmo caminho de volta, agora lentamente. O desânimo definitivamente tomou conta de mim. Olho no relógio e percebo que o que pareceu tão pouco tempo não foi. Já são 12:36, a Janaína já deve estar servindo o almoço, e como conheço o Rodrigo ele já deve estar morrendo de preocupação, como se eu fosse uma garotinha de cinco anos perdida no Rio Grande do Sul. Chego no prédio, sigo para o elevador que está surpreendentemente vazio e seleciono o andar.

 Toco a campainha apenas duas vezes e não fico surpresa ao ver a preocupação estampada no rosto do Rodrigo.

 - Onde estava Melina? – Ele pergunta indicando para que eu entre. Passo por ele e paro em seguida, me virando para me explicar, mas ele indica a cozinha. – Eu sei que deixou um bilhete, mas ainda assim me preocupei, você andando sozinha...

 - Eu ando por Carmo desde sempre Rodrigo, por mais que antes fosse de carro, eu conheço as ruas da cidade. – Olho para seu rosto e vejo que soei um pouco grossa. – Não tinha porque ter se preocupado. Estou ótimo, só fui dar um passeio. – Dou de ombros, e ele concorda com um aceno.

 - Vamos almoçar. – Entro na sala de jantar e vejo que ele esperou pr mim para se servir, diferente de Vítor, que está na sobremesa. Sento-me enquanto Janaína me serve.

 Como apenas para não deixar Rodrigo mais preocupado, pois estou sem nenhum apetite. A comida desse pela minha garganta causando náuseas, mas me esforço para manter a farsa. Nego a sobremesa e digo que estou satisfeita. Ninguém estranha, afinal nenhum deles sabe que mousse de limão é minha sobremesa favorita. Peço licença e subo para o meu quarto, onde resolvo ligar o computador, coisa que não faço há séculos.

 Entro no meu e-mail e fico surpresa ao ver que ainda há mensagens da Daphne, da Júlia, Nicole, Cibele e várias outras garotas que fingiam gostar de mim. Percorro os olhos rapidamente por toda a caixa de entrada e deleto todos. Vejo que há vários convites, os quais certamente são antigos, pois de popular não tenho nada, atuais somente da Belinda e do Bernardo. Fico um pouco animada ao ver o nome da Mari. Aceito, e recebo uma mensagem, pelo visto ela está on-line.

MariMariana diz:

 Oi Mel, tudo bem?

MelinaAM diz:

 Oi. Estou bem. E você?

MariMariana diz:

 Mel me desculpa, ontem quando você entrou no quarto... Eu não estava sabendo de nada. Passei a tarde toda na biblioteca. Eu sinto muito, mesmo. Não sei como puderam fazer isso com você. :T

 Suspiro. Eu não queria tocar neste assunto nunca mais. Mas ela está sendo tão gentil. Fico feliz que existam pessoas como a Mariana nesse mundo tão destruído.

MelinaAM diz:

 Está tudo bem Mari.

MariMariana diz:

 Mel, eu quero te dizer algo.

MelinaAM diz:

 Pode falar.

MariMariana diz:

 Eu sei que nos conhecemos há pouco, mas já sinto um carinho por você. Você é tão meiga e gentil, a garota mais legal que já conheci até hoje. Sei que você é bem mais próxima da Belinda, mas quero que saiba, que quando você precisar de alguém, pode contar comigo. Estou aqui para o que você precisar.

Minha vontade é de guardar ela dentro de uma caixinha e deixar aqui no meu quarto, para ficar segura de tudo lá fora.

MelinaAM diz:

 Puxa Mari, obrigada. De verdade, fico muito feliz com isso.

 Quase caio da cadeira com o som estridente que o Messenger faz só para aviar que alguém me chama em uma conversa. Vejo o nome da Belinda piscando com a luz laranjada.

Belindalinda diz:

Meeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeel, você por aqui? Que milagre!

MelinaAM diz:

(:

Belindalinda diz:

Ainda bem que está on, porque te liguei uma cinqüenta vezes e só caiu na caixa. Procurei você na escola ontem, e não te encontrei. Mel, eu fiquei chocada!

 Acho que a armação da Callie deu errada, porque estou começando a ficar famosa.

MelinaAM diz:

 É, acho que você reagiu como todos.

 Ainda não me esqueci que ela não moveu um dedo quando tudo aconteceu.

Belindalinda diz:

 Olha Mel, eu sei que foi difícil para você, até eu fiquei mal com tudo aquilo. Tentei te achar para lhe dar apoio, mas tu sumiu!

 Ah é, e ela não deve ter me visto correndo.

MelinaAM diz:

 Ah, esquece Belinda. Já passou.

Belindalinda diz:

Ah, vai me dizer que ficou com raiva Mel? Eu realmente te procurei, e sinto muito por não ter te encontrado. Também procurei por você hoje, mas você já tinha ido embora quando acordei. Você sabe o quanto gosto de você Melina, por favor, me desculpe!

 Suspiro. Belinda sempre foi limpa, sincera. E se ela diz que isso aconteceu... Sei que não vou conseguir ficar sem ela mesmo.

MelinaAM diz:

 Está tudo bem Belinda, eu acredito em você. Mas, agora tenho que ir. Beijos.

MelinaAM diz:

 Mari, tenho que ir. Te vejo na segunda. Beijos e obrigada por tudo.

MelinaAM está offline.

 Na verdade eu não tinha nada para fazer, e adoraria ficar conversando com a Mari, mas assim a Belinda também falaria comigo, e apesar de tê-la desculpado ainda não queria conversar muito. Alguém bate na porta, e tenho certeza de que é o Rodrigo, ou talvez a Janaína com as idéias loucas dela.

 - Entra. – Digo me impulsionando para trás na cadeira giratória da escrivaninha. Franzo o cenho ao ver que errei o palpite. – Vítor? – Paro a cadeira apoiando a mão em minha cama.

 - Não fala nada tá. – Ele diz e fecha a porta atrás de si. – Preciso ter uma conversa muito séria com você. – Ergo a sobrancelha meio descrente. – Eu to falando sério pirralha. – Cruzo os braços e fico vermelha de raiva.

 - Pára com essa mania de me chamar de pirralha, que coisa! – Ele suspira e se joga no meu pufe de cor vermelha.

 - Tá, tanto faz. Quero falar sobre... Você-sabe-o-que. – Recosto-me na cadeira ainda com os braços cruzados. – Você fez de novo? – Começo a me sentir desconfortável. Eu não deveria ter dado aquela mancada e deixá-lo descobrir. Mas ele foi tão generoso...

 - Não, eu não fiz novamente. Meus pulsos nem cicatrizaram ainda... – Digo e suspiro, ele faz o mesmo.

 - Melina, você tem que reagir! – Franzo o cenho novamente, desentendida. – Você tem que parar de deixar as pessoas te pisarem desse modo. Se elas fazem isso, é porque ‘tu’ deixa. A partir do momento que você se impor, elas iram ‘baixar a crista’. – Olho para o chão. – Porque não se sente bem? Porque faz essas coisas? – Os pensamentos explodem na minha mente, mas continuo em silencio. – As vezes é bom compartilhar os sentimentos.

 - Para que Vítor? – Digo olhando diretamente em seus olhos verdes. – Para você rir de mim? E ter mais maneiras de me zoar? Ou talvez para você saber o porque de ter uma prima tão estranha, ou quem sabe contar para o seu pai o que faço para que ele possa me internar em uma clínica de reabilitação, e você possa voltar a ter sossego. É para isso? – Acabo me alterando, e ele fia boquiaberto. – Sai daqui. – Digo girando a cadeira para o outro lado para não ter de vê-lo.

 - Escuta aqui Melina...

 - Sai! – Digo me levantando e apontando a porta.

 - Quer saber, você tem razão. Não merece ajuda. Não passa de uma louca, se vira! Se quiser continuar a fazer o que faz, e a ser humilhada, problema seu. – Um nó começa a se formar em minha garganta.

 - Não passa de uma garotinha mimada, você não sabe o que é sofrer de verdade, aposto que faz tudo isso porque não tem o playboyzinho como namorado, não é mesmo? Se soubesse o que é uma verdadeira dor...

 - Como o que Vítor? Perder uma mãe? Perder uma mãe e ter um pai maravilhoso tentando te apoiar todos os dias? – Não consigo conter as lágrimas. – Pára de me julgar! Eu não perdi só a minha mãe, como você, também perdi meu pai, e minha irmã, acha que isso não é sofrer? Você acha que eu sorrio todos os dias de felicidade? Ãn? – Digo dando um soco em seu ombro. – Há muito que não sei o significado dessa palavra Vítor. Mas se acha que sou feliz e faço isso de ‘brincadeirinha’ porque não tenho um namorado... – Dou de ombros. – Pouco me importa o que você pensa. Agora sai daqui, anda. – Empurro ele porta afora e a tranco.

 Sento-me no chão com as mãos na cabeça, frustrada com tudo isso. Engulo o choro, me controlando. Não vou dar esse gostinho ao Vítor. Na verdade cansei de dar esse gostinho a todos. Seco minhas lágrimas, me levanto e sigo até o banheiro para me ver no espelho. Olho durante minutos a minha imagem, enquanto tomo uma decisão. Não vou mais ser pisada por ninguém! E se para não ser ferida, eu precisar ferir, eu o farei!


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Notas finais do capítulo

Mereço reviews? Espero que sim. O que acharam do capítulo? Pequeno? Ruim? Triste? Digam-me tudo! E, uma pergunta: Acham que isso poderia virar um livro? Sejam sinceras.