Do Próprio Inferno escrita por erikacriss


Capítulo 13
13. Lei de Murphy




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/162437/chapter/13

Tudo que pode piorar, com certeza, irá piorar.” – Lei de Murphy

Às vezes fico pensando. Se eu não tivesse conhecido Thiago, nada disso teria acontecido. Não teria traído Denys, não teria matado Berta e, principalmente, não teria sido presa. Mas infelizmente não se pode chorar pelo leite derramado, no momento, eu estava mesmo em maus lençóis.

Vi a cela ser fechada em frente aos meus olhos, me encarcerando na jaula humana que o homem criara para “domesticar” pessoas. As mulheres atrás de mim falavam coisas impróprias e sujas. Queriam me passar a mão e me beijar. Senti repulsa de todas elas, que de tanto ficarem presas acabaram se tornando os macacos que o homem fez questão de criar. Uma delas cheirou meu cabelo e com o bafo mais tenebroso que se possa imaginar sibilou em meu ouvido:

― Carne fresca.

As lágrimas encheram meus olhos. Meu lugar não era ali, nunca fora e nunca seria. Eu era tão requintada e sofisticada! Tinha todos os trejeitos que a sociedade aprovava. Era uma boa mãe, compreensiva e presente. Nunca havia feito mal a ninguém ― para mim Berta era exceção, pois eu tive meus motivos.

― Porque está presa, gracinha? ― perguntou outra do outro lado.

― Matei uma pessoa. ― eu disse, na esperança de as afastar de mim.

― Uh! Ela é perigosa. ― zombou uma.

― Eu matei quatro. Em uma só semana. ― gabou-se a da direita.

“Caralho, to ferrada” ― era o meu pensamento. Claro que não nessas mesmas palavras, já que eu era requintada.

― E como matou essa pessoa? ― perguntou a da esquerda ― Deu veneno a ela?

Todas riram. Eu devia mesmo fazer o tipo que mata com veneno.

― Não. ― disse apenas. Não saberia se elas iriam achar meu jeito de matar perigoso, então resolvi permanecer quieta.

“Onde Thiago estará a uma hora dessas?” ― me perguntava frequentemente, torcendo para que ele tenha conseguido fugir. Não me preocupei com Liam, pois ele seria levado até Denys e eu sabia que ele era um bom pai. Torcia que ele mantivesse a versão que havia me dito para Liam, a de que eu estava morta. Era melhor isso do que ele descobrir que eu era uma assassina.

Depois de duas três horas naquela torturante cela, um carcereiro veio me dizer que eu tinha visita.

Torci para que fosse Thiago, que ele tivesse se safado da prisão e de todas as acusações, mas isso era apenas outra esperança vã. Quem me esperava naquela salinha mau iluminada era Denys. Estava sentado diante uma mesa e o carcereiro me fez sentar do outro lado. Eu tinha algemas prendendo os pulsos, como se eu fosse perigosa o suficiente para atacar alguém.

― Renata. ― disse Denys assim que o carcereiro nos deixou a sós.

― Denys. ― meus olhos se encheram de lágrimas.

― Eu procurei por vocês durante todo esse tempo. ― sua voz era fria e rancorosa ― A polícia foi bem eficiente nisso. Mostrei as provas do crime contra Berta e isso os fez acharem vocês mais rápido ainda. ― contou.

Eu fiquei em silêncio. Ouvi-lo com aquele tom de desprezo doía, pois ele ainda carregava uma parte significativa de meu coração.

― Não se preocupe, não direi a Liam sobre a mãe que tem. Ele crescerá acreditando que a mãe morreu em um acidente ou coisa do tipo. Ainda não decidi bem a história. ― disse ele, frio ― Você é que não estará nada bem aí. Fiz questão de comprar o juiz e dar-lhe a sentença de morte.

― Me odeia tanto assim? ― arregalei meus olhos em desespero.

― É mais que odiar, Renata. É sentir repulsa, nojo. ― disse ele socando a mesa ― Eu te odeio mais do que possa imaginar. Por mim, quero que morra na cadeira elétrica.

― Então nunca me amou...

― Amei sim! ― gritou ele dando outro murro na mesa, me assustando ― Ninguém, nem mesmo você, pode dizer que não a amei! Eu a amava com cada parte do meu corpo, até a raiz dos cabelos. ― disse ele com os olhos já marejados ― Mas você estragou tudo, Renata! Tudo!

― Eu ainda te amo, Denys. Amo tanto...

― Cale a boca! Cale essa maldita boca! ― bramiu ele se levantando de súbito e dando de dedo na minha cara. ― Você não sabe o que é amar mesmo que alguém te dissesse. Não sabe o que é dedicar-se a alguém com todo o seu ser! Eu fiz isso, Renata. Amei você e Arnon mais do que minha própria vida! E o que eu ganhei em troca? Uma traição! Fui apunhalado pelas costas e tudo o que eu mais quero é que você morra!

― Não quer isso. ― tentei argumentar ― Não faça isso... Pelos anos em que vivemos felizes juntos...

― Aquilo foi uma mentira! Mentira! Pois durante todo esse tempo você se pegava com meu irmão! Outro traidor! Que vai morrer também.

Arregalei meus olhos. A idéia de Thiago morrer era mais dolorosa do que a de eu mesma bater as botas. Meu Thiago. Meu querido câncer. Que seria submetido a uma quimioterapia final, que acabaria com sua existência. Mas eu o amava demais para deixar isso acontecer. Só não sabia como impedir.

― Thiago...

― Sim, esse traidor mesmo! Ele deve estar indo nesse momento para a cadeira elétrica. Toda a família está lá para assistir a execução. ― ele deu uma risada que me deixou com medo. Para mim, Denys havia enlouquecido de vez.

― Não! ― protestei ― Thiago não!

― Sim! ― riu ― Seu amante está com os minutos contados.

Dizendo isso levantou-se e bateu na porta para que um carcereiro a abrisse. Decidi que Thiago era a única coisa que eu tinha a perder no momento, então me levantei de súbito e saí correndo pela fresta que o guarda havia aberto sem querer. Eu realmente não sabia para onde ir, não sabia como sairia dali, se conseguisse chegar onde deveria, mas eu estava disposta a arriscar, pois minha vida já seria tirada de mim com isso ou sem isso.

O engraçado é que todos os guardas que chegavam perto de mim davam meia volta e desistiam de me alcançar. Não pensei muito nisso, apenas queria encontrar Thiago e salvá-lo de um destino desmerecido.

Eu vi a luz do dia relampejar do lado de fora, mas havia uma porta gradeada me impedindo de passar, mas o destino estava ao meu lado, pois um guarda a abriu bem no momento que cheguei perto. Quando me viu, o guarda tentou me impedir, mas, como todos os outros, desistiu.

Corri desenfreada para fora do lugar. Saí para as ruas de Londres e não parei um minuto se quer. Minhas algemas ainda estavam nos pulsos, as pessoas me olhavam horrorizadas, mas eu não ligava, desde que ninguém me impedisse.

Não que eu soubesse para onde ir. Apenas tinha uma noção de onde ficava o prédio de execução. Temia também que eu não o encontraria com vida.

Entrei no prédio e os guardas me olharam duvidosos e tentavam me impedir, mas também desistiam. Até que cheguei a uma porta gradeada trancada. Com lágrimas nos olhos chutei-a, mas sem sucesso. Encostei minha testa na grade e desabei a chorar, abaixando a minha guarda.

Senti que os guardas me pegaram finalmente, mas eu não relutei. Já havia perdido Thiago.

― Por favor, por favor. ― pedi desesperadamente para um deles ― Me deixe vê-lo. Me deixe ver Thiago uma última vez. ― chorei.

Ouvi passos atrás de mim e ofegos de cansaço.

― Ela corre rápido. ― disse o carcereiro que correu atrás de mim sem sucesso.

― Tola. ― bufou Denys, que também havia me seguido.

― Eu só quero vê-lo! ― voltei a implorar ― Por favor, por favor!

― Quer ver seu amante? ― perguntou Denys entrando na minha frente. ― Ele estará morto daqui a pouco.

― Se já não está. ― o outro guarda disse rindo.

― Denys, por favor. Esse é meu último pedido. ― voltei a implorar ― Me deixe vê-lo.

Denys me olhou sério por um tempo e depois assentiu. Molhou a mão de algum dos guardas e eu fui escoltada até onde Thiago seria executado.

Eu só pude ver ele. Nem me importei de olhar para os olhos acusadores de minha família. Só queria vê-lo uma última vez.

Seus olhos guiaram-se até mim assim que coloquei meus pés no local. Ainda estava vivo, constatei com alívio. Mas não seria por muito tempo.

Eu comecei a chorar, mas tentei não parar de olhá-lo, pois eu não queria mais perder nenhum momento de sua vida. Ele também chorava, me olhando com o mesmo intuito determinado, tentando me gravar em sua memória fortemente, para não me esquecer nem em sua próxima vida.

Ele estava preso à cadeira elétrica, que era tão assustadora quanto sua própria função. Suas mãos estavam amarradas pelo que parecia ser um cinto de couro, que parecia cortar seus pulsos de tão apertado.

― Renata. ― ele disse, não se importando com quem iria ouvi-lo ― Saia daqui, meu amor. Não quero que veja isso. ― mais lágrimas rolaram por seu rosto.

Neguei com a cabeça. Minha voz estava embargada demais para falar qualquer coisa.

― Por favor. ― pediu ele.

Voltei a negar. Não sairia de perto dele por mais nenhum momento de sua vida.

― Não. ― eu disse dessa vez.

Um carcereiro vestido de preto entrou na sala. Era o carrasco.

O homem se posicionou na frente de uma alavanca, pronto para ligar a voltagem.

― Eu te amo. ― eu disse.

― Eu te amo mais. ― ele deu um sorriso triste, mas confortador. ― Feche os olhos. ― ele balbuciou em sussurro.

Assenti e fiz o que ele pediu, deixando mais lágrimas escorrerem.

Ouvi a alavanca ser abaixada e o zunido da carga elétrica. Thiago não emitiu nenhum som, pois esse era o Thiago que eu tanto amava ― forte. Que sofreu em silêncio para não me fazer sofrer mais.

Mesmo assim eu sangrava mais uma vez por dentro. Do meu coração estava moído.

― Terminou. ― o guarda que me segurava disse.

Abri meus olhos e vi seu corpo inerte. Ele babava ― Espumava talvez fosse a palavra certa. Estava com os olhos abertos ainda, a cabeça caída para frente, fitando o nada.

Morto.

― Não! ― guinchei em dor. Soltei-me do guarda e corri até seu corpo. ― Não! Thiago! Não!

Deitei minha cabeça em seu colo e chorei.

Meu câncer havia sido neutralizado, mas eu não estava curada, pois ele me deixou sequelas eternas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Que tal alguns reviews?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Do Próprio Inferno" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.