1997 escrita por N_blackie


Capítulo 24
Rabastan




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A goteira no teto pingava na testa de Rabastan. Estava deitado há muito tempo, esperando desocupado a hora marcada da reunião na casa dos Crouch. Mexeu-se desconfortável na cama dura e calosa, e secou a água que descia constantemente pela fresta em seu teto, torturando-o.

Ao longe, sinos soaram. Sete horas, finalmente percebeu. Como se tivessem lhe aplicado um choque, sentou-se, e sentiu a adrenalina subitamente subir e descer por seu corpo. Não sabia porque estava ansioso, mas estava muito.

O quarto que alugava numa estalagem de Bath era o canto mais nojento em que já se instalara, e mais nojenta que isso era a memória de que recusara uma acomodação melhor por puro e simples orgulho. Barty lhe oferecera uma cama em sua casa, mas Rabastan recusara. Um Lestrange não se rebaixaria a isso, não ainda.

Então, o que lhe sobrara, com o pouquíssimo dinheiro que restava, fora aquele quarto. As paredes mofadas eram estampadas com um papel de parede gasto de motivos barrocos, e o chão de madeira em tábuas rangia a cada passo que ele dava. O ar era pesado, como se o mofo que se espreitava atrás de todos os poucos moveis quisesse envenená-lo de vez.

Além daquela cama asquerosa, o único grande móvel que adornava o lugar era uma escrivaninha manca, onde ele colocara o casaco, e o retrato do casamento de Rodolphus. Crouch lhe mandara o comunicado da reunião no dia anterior, e este também jazia ao lado da fotografia. Ao longe, os sinos tocaram novamente. Ficara meia hora divagando.

Bocejou e levantou-se, pegando o casaco, a varinha, e o retrato. Não sabia o que fazer com o convite, então colocou-o no bolso também, e aparatou.

A casa dos Crouch em Bath era em estilo Tudor, uma larga e espaçosa construção de dois andares erguida em tijolos vermelhos e salpicada de janelas com molduras decoradas. A escuridão que se aproximava não fazia justiça aos seus jardins bem cuidados, mas quando Rabastan tocou a campainha, sentiu-se arrependido de ter recusado ficar ali.

Uma fresta pela porta se abriu rapidamente, e a voz de Barty zombou: “Eu ia ver se era você, mas pelo cheiro e pelas roupas não é possível que seja um auror, Rab.”

“Não tenho chuveiro naquela pocilga,” reclamou, entrando e passando ofendido por Barty, “onde estão todos?”

“Você devia ter sido menos orgulhoso e aceitado meu convite, meu caro, convite este que eu continuo fazendo, mas não por você, seu mal agradecido. É pensando no nariz alheio que lhe ofereço mais uma vez que fique aqui. Ou pelo menos um banho, Rabastan.... Não? Bem, arque com as reclamações. Estamos no porão, venha cá.”

Ainda rindo do estado precário de Rabastan, Barty o guiou até a cozinha de teto alto e fogões rústicos, e entraram por uma porta lateral que dava diretamente numa escadaria fina em madeira. Ao fundo do caminho brilhava uma luz, e o som de conversas ficou cada vez mais alto conforme faziam a descida.

Uma mesa retangular e antiga, provavelmente transportada da sala de jantar, tinha sido instalada no aposento, e nas cadeiras em torno dela estavam os antigos amigos de Rabastan. Dolohov e Rockwood pararam de conversar para conferir a entrada dos dois, e quando a porta lá em cima fechou-se com um estalo, ergueram canecas na direção de Barty e rugiram:

“Ao novo Chefe de Departamento!”

Rabastan olhou surpreso para o homem a seu lado, que fingia modéstia com as mãos no peito e reverências. “Chefe de Departamento?”

“Tenho amigos em lugares altos, ou melhor, tenho um pai num lugar alto. Só fiquei surpreso de terem demorado tanto para perceber a falta daquele paspalho do Baron. Três meses sem notícias e só agora perceberam que ele está morto?”

“O ministério está falido, Bart, é o que eu sempre digo.” Rockwood soltou uma risadinha.

“Nem acredito que aquele moralista do seu pai te arranjou o cargo, Crouch.” Disse Dolohov. Barty sorriu e abriu um armário próximo.

“Sou extremamente convincente quando preciso, só isso. O que um pai não faria por seu único filho, não?” seu rosto brilhou ao tirar uma caixa alta e posicioná-la na mesa. Rabastan sentou-se, imaginando que fim o velho Crouch e sua mulher teriam tomado nas mãos do filho, e assustou-se quando Crouch revelou o conteúdo da caixa. Um vira-tempo antigo, artesanal, era o que tinha lá dentro. Parecia normal, exceto que sua carcaça era de madeira lixada em vez do metal, e suas areias eram velhas, escurecidas e até um pouco endurecidas. Por cima daquela camada bronze havia sido depositada outra de um dourado vivo, mais parecido com os vira-tempos que Rabastan vira no presente. Logo em seguida, Crouch pousou um calendário grosso e velho ao lado do artefato, mas não disse nada.

O silencio se instaurou na mesa, e Barty sentou na cadeira da ponta. “Não vou explicar a natureza deste objeto, pois ela me parece ser óbvia,” começou, “mas o que vou fazer é explicar o que vamos fazer com ele.”

Rabastan já conhecia os planos de Barty. A princípio pareciam impossíveis, mesmo para os padrões da riqueza e influência dos Crouch, mas conforme ele instruía a todos naquela noite, se dava conta de que tinha conseguido algo admirável. Salvar uma cobra para salvar o Lord das Trevas. Voltar àquela batalha tumultuada, onde Rabastan perdera o irmão que conhecia... Era uma oportunidade que não podia perder. E quem sabe, poderia salvar mais de uma vida naquele dia.

“Alguma pergunta?” Barty olhou em torno, e Rabastan imitou seu gesto. Apesar de parecerem desconfiados da eficácia do plano, a grande maioria dos homens e mulheres ali não tinham nada a perder, e mais, não tinham mais nada de importante para fazer. Rockwood, que talvez estivesse conformado com a ascensão de Crouch ao poder no ministério, deu de ombros, e Avery, de braços cruzados, simplesmente assentiu. Tinha uma cicatriz feia que ia do maxilar esquerdo à metade do nariz, e quando notou que Rabastan reparava, a acariciou.

“Marlene Mckinnon.” Disse, simplesmente.

“Quando vamos?” Dolohov pousou a caneca. Barty se levantou, afastou a cadeira, e todos fizeram o mesmo.

“Agora. Nos dividimos, venham três comigo e o restante permanece aqui para suporte. Rabastan, Rockwood, Nott, vamos.”

Rabastan se aproximou, o suor começando a se formar na palma de suas mãos. Não sabia como iria lidar com aquilo, ou como faria para seguir sua própria agenda naquela situação. Mas faria. Precisava salvar a mente de Rodolphus.

Barty desenrolou a corrente de cobre daquele vira-tempo antigo, e começou a passar em torno dos pescoços deles. Suas mãos tremiam de excitação.

“Se preparem, senhores.”

Deu apenas duas voltas no objeto, o que era estranho, mas logo Rabastan não conseguiu mais pensar nisso. A sala ao seu redor congelou, e logo começou a ser reversa. Os comensais saíram da sala ao contrário, e Barty saiu também. O dia ficou mais claro, as horas reverteram. O calendário começou a crescer folhas, e os meses foram retrocedendo. Os meses viraram anos, e múltiplas cenas passavam em flash por aquele porão. Barty, que aparecia ocasionalmente, rejuvenescia, seus pais surgiam no porão esporadicamente.

O estomago de Rabastan queria embrulhar, e podia ver, pela expressão de Nott e Rockwood, que os dois pareciam prestes a vomitar. Tudo passava tão rápido, que assim que pararam de girar no tempo, perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos no chão do porão, agora vazio exceto por eles e aquele calendário. Vomitou.

“Não sejam fracos, conseguimos.” Sibilou Barty, olhando o relógio. Seus olhos brilhavam. “Perfeito, temos uma hora. Vamos!”

Ajudado por Nott, Rabastan se reergueu, e subiram as escadas novamente. A casa estava silenciosa, provavelmente por que tanto Barty pai quanto a Sra. Crouch dormiam no andar de cima. Lá fora, uma brisa morna entrava pelas janelas, mostrando que o verão estava batendo a porta de Bath.

“Vamos aparatar direto no Ministério, e devemos pegar a luta na metade.” Barty sussurrou, mais para si mesmo do que aos companheiros, e reuniu todos num círculo. “Nos encontramos na entrada de serviço.”

Aparataram, e Rabastan quis vomitar de novo quando se viu parado diante da porta ministerial. O barulho de gritos e tiros de varinha vinha alto de perto da fonte dos irmãos mágicos, e de longe ele pode ver Bellatrix, jovem e bela, lançando feitiços na direção de todos.

Barty e os outros se aproximavam, procurando a cobra em todo lugar, e quando olhou para perto de uma das lareiras, Rabastan a viu. “Ali.” Disse, ficando para trás enquanto os três espreitavam o animal. O coração de Rabastan batia muito forte, e ele teve de apertar a varinha com força para não deixa-la cair. O jovem Sirius se aproximou de Bellatrix, e um garoto de óculos perto dele fez uma careta assustada. Rabastan franziu a testa. Aquele garoto parecia o garoto dos Potter, mas como poderia estar ali?

Logo um grito o tirou de seus devaneios, e ele percebeu que o próprio James Potter havia lançado Bella para longe. Era o momento. Rabastan correu até ela, e a ajudou a levantar.

“Rabastan!” rugiu ela, puxando a varinha com fúria, “Anda, vamos mata-los!”

“Você precisa me ouvir, pegue Rodolphus e fuja!”

“Ficou louco?”

“Não! É o plano do Lord das Trevas.” Mentiu, desesperado. Do outro lado do Salão, Barty e Rockwood enfiavam Nagini em uma caixa selada que Nott segurava aberta. “Acredite em mim, o Lord das Trevas irá vencer, mas ele precisa que os mais fieis estejam preparados. Se esconda em Paris, é grande e perto o suficiente para resgatarmos vocês. Faça isso!”

“Se estiver mentindo, Rabastan-“

“Não estou. Pegue Rodolphus e vá. Nos vemos em Paris.”

Bellatrix olhou ao redor, ansiosa, e chamou o marido com um aceno de mão. Rabastan se escondeu atrás da pilastra ao lado, e viu os dois sumirem num estalo. Nott e Rockwood passaram por ele carregando a caixa, e Barty vinha logo atrás.

“Belo plano, Lestrange,” censurou-o quando se reuniram próximo à porta de serviço novamente, “nos deixar para trás.”

“Vão me agradecer. Rodolphus e Bellatrix estão livres.”

Os olhos de Barty arregalaram. “Temos os Lestrange?”

“Em peso. E vamos lutar.”

Mais tremulo do que nunca, Crouch passou o vira-tempo em seus pescoços de novo, rodando o aparelho ao contrário. A imensa cobra sibilou pelas frestas da caixa, e o peso que curvou as costas de Rabastan por todos aqueles anos evaporou. O Lord das Trevas estava vivo, e Rodolphus e Bellatrix, livres.

Agora só precisava de uma coisa: achar o irmão.


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