1997 escrita por N_blackie


Capítulo 19
Adhara


Notas iniciais do capítulo

Capítulo especialmente longo :)



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McGonagal passou os braços magros em torno dos ombros de Adhara, e gentilmente começou a guia-la para longe de Prongs e dos outros. Sentia-se fraca e vazia, mas nada comparado ao peso que a culpa lhe colocava nos ombros. Seu pai lhe dera uma missão apenas, e ela conseguira falhar. Roubaram o colar, antes mesmo de ela conseguir entender para que ele servia. Queria poder se desvencilhar do abraço da professora, correr atrás daqueles dementadores e pegar o objeto de volta, mas cada vez que tentava se mexer seu corpo não respondia, como se sua vontade fosse um espírito alheio a ela mesma, que não pudesse tocá-la de jeito nenhum. Resmungou baixo, rendendo-se à dormência que tomou sua cabeça.

A área das carruagens passou como um borrão enquanto iam em outra direção, e conforme os olhos de Adhara recobravam o foco, ela percebia que a professora a estava guiando para a ala dos barcos. Os primeiranistas estavam esperando perto em uma linha confusa, e as cabeças baixas se empurravam para tentar ver quem McGonagal trazia, sussurrando coisas que ela mesma não conseguia distinguir.

“Black.” McGonagal chamou, e sua voz foi lentamente se tornando mais próxima. Adhara piscou, e percebeu que seu tom estava preocupado, “Adhara, me escute.”

Grunhiu, e sentiu as mãos da mulher espalmarem-se em sua testa, sentindo sua temperatura. “Vou leva-la para Madame Pomfrey, está fria que nem o lago, menina. Consegue me entender? Os aurores lhe deram chocolate?”

Assentiu vagamente, mas por dentro seus pensamentos ficavam progressivamente mais claros. Sentiu vontade de gritar, mas sua voz não obedecia à insistência de sua mente. Olhou ao redor, e percebeu as faces preocupadas das crianças lhe encarando. Quis erguer o polegar e dizer que estava bem, só tinha tido um encontro desagradável no trem, mas nem isso seus músculos pareciam querer fazer. Além do mais, elas não eram burras. Sabiam muito bem do que acontecera no trem, e mentir era um truque desonesto dos adultos que achavam que tinham o direito de falar por elas.

Era tão injusto que aqueles dementadores tivessem estragado a primeira viagem de trem daqueles bruxos tão pequenos, pensou ela.

Lembrou-se de quando recebera sua primeira carta de Hogwarts, quando era tão baixa e redonda quanto aqueles primeiranistas. Marlene batera palmas e a abraçara feliz, envolvendo seu rosto com os grossos cabelos negros e espalhando o cheiro envolvente deles por todo canto de suas roupas. Geralmente não gostava de abraços que duravam tanto, mas estava orgulhosa de si mesma por ter recebido a carta. Ficara um pouco ansiosa pensando que podia ser um aborto, mesmo sabendo que já fizera coisas mágicas antes. Druella sempre a assustava com essa possibilidade, e dizia que não teria como morar na mesma casa que seu pai se não fosse mágica.

Ficou com vontade de fazer a raposa velha da Druella engolir a carta, mas quando se soltou da mãe e olhou para o pai, Sirius não parecia tão feliz. Olhou com expectativa para ele, querendo um abraço, mas algo brilhava no fundo das íris cinzentas dele, uma súbita preocupação que ela não estava acostumava a ver. Marlene olhou o marido e o empurrou, incentivando o abraço, e Sirius parecera acordar. Lançou um sorriso amarelo para a filha e a pegou nos braços – ela amava quando ele fazia isso, era bem melhor que um abraço – apertando-a contra si.

“Parabéns, filhote...” sua voz soou abafada, e ela não sabia se era porque ele a abraçava ou porque estava desapontado, “vou sentir falta de você aqui todo dia.”

Adhara se afastou dele, e deu um beijo carinhoso na bochecha de Sirius. Não queria que ele ficasse chateado por não poderem ficar juntos mais tempo, e prometeu que voltaria em todas as oportunidades que tivesse. Afinal, o que de tão legal devia ter em Hogwarts que valesse a pena ficar lá o ano inteiro?

Isso o deixou mais feliz, mas mesmo assim, no dia do trem, Sirius e Lily estavam choramingando enquanto deixavam os filhos mais velhos irem, e Adhara sentiu-se culpada enquanto o trem fazia sua primeira curva.

Tão culpada quando se sentia naquele momento.

Estava sentada num canto, esperando a preleção de McGonagal, que explicava que naquele ano em especial não iriam ser acompanhados por Hagrid, mas por ela mesma. Não disse nada sobre a presença de Adhara, mas acomodou-a junto de três crianças, soprando algum feitiço em seu ouvido que a deixou mais alerta. A garota ficou revoltada. Se podia ter feito isso antes, porque não fizera?

“Você é a moça que foi atacada no trem, né?” uma menina próxima indagou, e Adhara assentiu de leve, “você tá bem?”

“Não chama ela de moça, Ferris,” um garoto ao lado dela censurou, “ela é uma Black. É uma família super importante aqui pros bruxos, viu.”

“Puxa, me desculpa! É que é a minha primeira vez no mundo dos bruxos-“ a menina gaguejou sem jeito, e Adhara negou com a cabeça novamente. Se esforçou muito, e conseguiu ofegar algumas palavras.

“Não faz mal,” sentiu-se muito idiota por estar paralisada daquele jeito, mas o feitiço de McGonagal parecia ter revertido um pouco seu quadro, o que a animou mais, “não ligo pra essas coisas.”

Se concentrou, e focou seu olhar no rosto da nascida-trouxa que sentava junto dela. Era uma ruivinha muito magricela, mas que tinha um olhar forte e curioso. Lhe lembrava Violet. Podia entrar na Grifinória.

Hermione também tinha o olhar parecido com aquele quando se conheceram, mas era muito metida a saber de tudo. Se conheceram no barco também, e ela fora logo se apresentando, dizendo que sabia tudo sobre os pais de Harry, os dela, e a Guerra. Harry ficou vermelho, mas Adhara ficara muito brava, e fora muito arrogante com ela.

“Eu duvido que saiba de tudo, sua trouxa.” Dissera, se isolando com Harry e Romulus noutro canto do pequeno barco. Imediatamente sentira-se mal, já que não estava acostumada a agir daquele jeito com nascidos trouxas. Mas Hermione lhe deixara muito irritada com sua presunção, e essa situação só se reverteria com as provas finais daquele ano, em que uma ajudara a outra a passar em DCAT e Poções. Estavam trocando cadernos quando pediram desculpas uma para a outra, e Adhara a respeitava muito desde então. Hermione fazia um melhor trabalho do que Romulus quando se tratava de mantê-los na linha, com certeza.

“Está se sentindo melhor?” o terceiro membro do barco, outra menina, lhe perguntou, e assentiu levemente. A cabeça e os músculos estavam menos pesados, e conseguia se expressar com um pouco mais de clareza.

Com um tranco, o barco parou, e Adhara piscou muitas vezes para testar seus olhos. O menino e a menina trouxa a ajudaram, e ela sorriu para eles. Sorriu em agradecimento, e perguntou, quase num sussurro, o nome deles.

“Emily Ferris.” A nascida trouxa apertou sua mão com delicadeza, e os outros dois também o fizeram depois de se apresentarem. Adhara tentou memorizar seus nomes, tentando ver se ainda conseguia. Emily Ferris. Art McLaggen. Lia Rose. Ok, tudo certo. Ergueu o polegar para os três, e sussurrou uma boa sorte na seleção.

Subiram alguns lances de escada, e Adhara logo reconheceu o corredor longo e sombrio que dava numa porta de quase dois metros pintada de branco. Sorriu de leve, lembrando de todas as vezes que fora arrastada para aquela área do castelo depois de jogos de quadribol, encharcada de sangue, ou quando levara os amigos para aquela área, geralmente segurando os óculos de Prongs na outra mão.

Dessa vez, contudo, a entrada não parecia tão amistosa quanto antes. Além das sombras bruxuleantes que iluminavam o caminho, Adhara percebeu duas sombras altas guardando a porta. Os dois homens deviam ser mais ou menos da altura de seu pai, e usavam uniformes do ministério, com distintivos e o escambau. Olhavam mau encarados para a direção em que ela vinha, e Adhara percebeu que Minerva estava preocupada também. Pararam.

“Está me ouvindo, Adhara?” a voz da professora estava insegura, “não diga nada, só acene.”

Adie assentiu novamente, cansada de só se comunicar por aqueles acenos ridículos de cabeça. Minerva olhou rapidamente para os guardas, e apertou as mãos de Adhara.

“Os dementadores levaram alguma coisa, não levaram?”

Adhara franziu a testa, sem imaginar como Minerva poderia saber do colar. Assentiu e sussurrou sobre a peça, e a professora ficou pálida.

“Acho que ela já deve saber sobre o colar, mas não diga quem lhe deu. Estamos entendidas, Black?” seu tom voltava ao normal a cada palavra. Adie concordou, ficando a cada minuto mais culpada. Minerva não falou mais nada, e apenas continuaram caminhando.

Adhara ergueu a cabeça para os guardas, e reconheceu um deles de uma festa do Ministério. Ele não pareceu tê-la visto, no entanto, e se limitou a abrir a porta e deixa-la passar. Madame Pomfrey estava conversando com uma mulher baixota, mas parou para correr em sua direção, ajudando-a a deitar.

Apoiada em vários travesseiros, Adie viu Madame Pomfrey lhe entregar um cálice cheio de um conteúdo fumegante, viscoso e marrom, e fez uma careta ao olhar para aquilo.

“Ande, menina, tome logo!”

Se preparando para a miséria completa, Adhara tomou o conteúdo, e arregalou os olhos ao perceber que estava tomando o chocolate quente mais forte se sua vida. Era como se a bebida preenchesse cada vazio se seu corpo, ativando os nervos que estavam adormecidos e estimulando seus músculos todos de uma vez, chegando a sua cabeça como um choque de realidade. As pontas de seus dedos queimaram, e depois esfriaram, e o mesmo aconteceu com seus dedos do pé, e a ponta do nariz. Repousou o cálice a seu lado, e respirou fundo conforme se sentia acordar.

Fechou os olhos de alívio, e quando voltou a abri-los, estava recuperada. Podia voltar e abraçar aquelas crianças que lhe ajudaram no caminho. Cara, podia abraçar Minerva e ganhar uma detenção por isso, era desse jeito que estava melhor.

Apesar de seu ânimo repentino, todos a seu redor estavam muito sérios. Adhara olhou ao redor, e reconheceu a mulher que estava esperando por ela, embora não entendesse o que ela fazia ali naquela enfermaria. Dolores Umbridge trabalhava no Ministério, e pelo que ela sabia, era uma espécie de puxadora de saco profissional do Ministro, apesar de gostar de falar que era Secretária-Sênior-do-raio-que-a-parta ou qualquer coisa. Lily a odiava, não só por sua arrogância, mas porque ela era conhecida como grande defensora de teorias de supremacia bruxa que rolavam nos bastidores do ministério, e tinha aversão natural por nascidos trouxas que subiam na vida. Como a própria Lily.

A garota não a conhecia muito bem, mas qualquer um que fosse idiota o suficiente para acreditar nessas coisas não podia ser boa pessoa. Olhou desconfiada ao redor, e pensou se podia simplesmente levantar e ir embora. Umbridge se aproximou e sentou-se na beira de seu leito. Tinha um sorriso que a lembrava um sapo, e cheirava a uma mistura de açúcar e leite que dava vontade de vomitar.

“Espero que esteja melhor, Senhorita Black.”

“Tirando a dor de barriga que me aguarda, “fez menção ao copo gigante de chocolate a seu lado, mas logo desistiu do bom humor, “é, estou melhor, sim.”

“Que bom.” Respondeu a mulher, embora seu tom não desse a entender que ela estava tão feliz assim. Adhara olhou para McGonagal.

“Ela está fragilizada, Dolores, não vejo a necessidade.” Interviu a professora, mas Umbridge simplesmente sorriu.

“Não ouviu, Minerva? Ela está bem melhor. Agora se puder nos deixar a sós, tenho algumas perguntinhas a ela, pode ser?”

Um clima tenso se instalou no ar, e Adhara viu que as narinas da professora estavam dilatadas de raiva. Era como se Umbridge estivesse prestes a levar uma detenção na cara, mas não podia, porque, veja, já estava fora da escola. Não queria ficar sozinha com ela, mas não via outra saída. Minerva fez menção de sair quando a porta abriu-se novamente, revelando a figura pomposa de Leonard, que olhava intrigado para os arredores.

Hem, hem, Boa Noite.” Umbridge se levantou da cama de Adhara, e a garota nunca se sentiu tão agradecida por ver Leonard com aquela expressão científica na cara. Ele inclinou a cabeça formalmente em resposta, e se aproximou a passos firmes da irmã. Minerva ficou surpresa, mas não o impediu de chegar perto da enviada do ministério.

“Uma Boa Noite para a Senhora também,” a voz dele tinha um tom de suspeita, e seu olhar se encontrou com o de Adhara. Ela gritou mentalmente para que ele ficasse, e o corvinal sentou-se aos pés dela, como Umbridge fizera. Tinha um sorriso charmoso estampado no rosto, e apontou o braço no tornozelo da irmã, como um cão de guarda meio desajeitado, “me perdoe a intromissão, mas a saúde de minha irmã me preocupa bastante.”

“Ah, sim, mas veja “Umbridge começou, mas McGonagal a interrompeu.

“Ora, Dolores, eu vou me retirar, mas não pode suspeitar de que um garoto de quinze anos tenha algo a esconder, pode?”

O rosto rechonchudo dela ficou vermelho, e Umbridge negou relutante. Sorriu desgostosa para Leonard, e ele respondeu com outro aceno de cabeça enquanto McGonagal se retirava. Madame Pomfrey se trancou em seu escritório, e quando se viu sozinha com os irmãos, Umbridge lançou algum feitiço em ambas as portas.

“Bom, agora somos só nós, sem interrupções. Que maravilha.” O sorriso da mulher era congelado, “Agora diga-me, querida, como está se sentindo?”

“Melhor, depois de tanto chocolate...”

“Chocolate é o melhor remédio para ataques de dementadores mesmo. Agora me diga, você é a filha de Sirius Black, não é?”

“Isso é irrelevante, você já sabe disso.”

“Sei mesmo, Senhor Black? Oh, me desculpe, eu me esqueço de tantas coisas. Vocês são filhos dele, mesmo.”

“O que isso tem a ver,”

Hem, hem, Senhorita. Quando um fala, o outro... Vamos, complete!”

“Quê?” Adhara olhou confusa para Leonard.

“Escuta, Adie.” Ele respondeu, seguindo a mulher com os olhos, “Quando um fala, o outro escuta. Continue, Senhorita Umbridge.”

“Posso ver que temos um aluno que não é mal comportado nesse colégio. Agora, se puderem ser gentis e me dizer uma coisinha: porque o seu pai açulou dementadores contra o Expresso de Hogwarts?”

“Ele não fez isso!”

“Os aurores me disseram que roubaram um colar do seu pescoço. Quem lhe deu esse colar?”

“Sei lá, meu primo? O que isso tem a ver com você?”

Senhorita Umbridge, tenha respeito por mim, menina. Sou Secretária Sênior do Ministro da Magia. E responda o que eu perguntei.”

“Acha que eu tenho anotado num caderno todo mundo que já me deu presente nessa vida, Senhorita? Eu não, sei lá quem me deu aquela porcaria, só sei que meu pai não mandou os dementadores buscarem merda nenhuma comigo!”

Leonard a encarou confuso, e depois olhou para Umbridge. Adhara olhou para a secretária, e viu que ela estava ficando lentamente frustrada com o rumo daquele interrogatório. “Ótimo, se por acaso de recordar, me diga. Somos amigas, querida, não somos?”

“Não sei, você tem ficha com os aurores?” ironizou, cansada daquela sapa ficar insistindo com ela. Umbridge ficou ruborizada, e Leonard se levantou, sorrindo novamente.

“Minha irmã está estressada, não seria prudente continuar com tantas perguntas-“

“Oh, mas minha paciência é infinita, Senhor Black.” Umbridge estava decididamente irritada, e Adhara a encarou com desafio. Aquilo ia longe, e ela estava pagando pra ver.


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