Universe escrita por Yumi Oni


Capítulo 9
Birdcage


Notas iniciais do capítulo

Yo! Finalmente cap 9 pra vocês matarem a curiosidade



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“Vi uma memória inocente dentro da luz

Mas para o meu estado corrupto atual isso está muito distante

Dentro da escuridão gritei o seu nome várias vezes

Nessa hora que não acaba nunca, só você está aqui”

Pensando bem agora eu não sabia como reagir aquilo. Não estava acostumado a confiar ou, usando outras palavras, aprendi muito bem que não devia fazê-lo com qualquer um mas com eles foi diferente. Por mais que eu já tenha me ferrado antes com Kouyou e Yuu era diferente... ao menos, eu esperava que fosse.

Uma gaiola. Era assim que eu via minha casa por vezes. Sem querer ser melancólico nem nada mas não poder sair da sua própria casa é como viver numa gaiola certo? Ah não quero lembrar disso, não adianta pensar em algo que nem mesmo eu entendo.

Minha família, por mais que me ame, me pergunto como conseguiram aguentar tudo aquilo, fingir que não estava acontecendo... eu não consigo, não mais.

Talvez tenha vido a calhar escolher a universidade de Tóquio.

Talvez tivesse sido diferente se eu soubesse de tudo desde o começo... na verdade quanto mais eu sei mais acho... que não sei absolutamente nada sobre mim.

Principalmente aqui em Kanagawa, é como se eu voltasse a andar as cegas. E as únicas pessoas que podiam me guiar ali não pareciam dispostas a responder minha única pergunta.

O que eu sou?

–No que tanto pensa Kai-kun? – Uruha me perguntou preocupado com a expressão que eu devia estar fazendo.

–Nada importante. – tentei disfarçar vendo claramente que não funcionou.

–Vovó por que eu não sou como os outros?

–Porque você é muito especial Yuukun.

–Eu sou um monstro?

–Não, claro que não. Você é único e um dia vai se orgulhar disso.

–Por quê?

–Porque só pessoas escolhidas a dedo como você podem proteger o que lhe é mais importante.

–E o que é?

–Isso você vai descobrir quando for a hora certa.

–Kaaai-kuuun morreu aí? O trem já parou. – Miyavi balançava uma mão na minha frente tentando chamar atenção.

–AAh, gomen eu me distraí.

–Percebemos. – Yuu comentou antes de bocejar.

–Mas é um preguiçoso mesmo e isso porque passou a viagem toda babando no meu ombro. – Kouyou resmungava.

–Se não gostou era só empurrar querida.

–Claro, só um guindaste pra te tirar do lugar seu obeso.

–Se querem discutir acho melhor fazer isso lá fora, já tem pessoas entrando no trem. – Myv falou nos acordando pra realidade.

Saímos da estação comigo guiando os outros três pela cidade na qual cresci e da qual praticamente fui banido pouco depois.

O primeiro sinal de movimentação e eu travei. Queria fugir para o bosque que era como minha segunda casa, me esconder como um bom bicho - do - mato que era e não encarar nenhuma daquelas pessoas. Elas caminhavam mais a frente tranquilamente, algumas crianças brincando, adolescentes namorando, uma perfeita paz da qual nunca fiz parte.

–Kai, tá tudo bem? – Miyavi perguntou e imediatamente minhas mãos começaram a suar frio.

–Está.

–Então por que você parou?

O que eu responderia? Oh por nada, só acabo de lembrar o motivo de tanto ter medo de ficar nessa parte da cidade.

Me obriguei a dar o primeiro passo em frente, e o segundo, o terceiro, logo eu estava caminhando com toda a naturalidade que eu não tinha.

Começaram com os olhares, aqueles olhares de repulsa que eu tanto odiava ver. Depois vieram os cochichos nada discretos. Os garotos não perguntaram nada a respeito, talvez por notarem o quanto aquilo estava me deixando mais agoniado pra sair dali.

Um arrepio me subiu a espinha e por reflexo desviei da bola de futebol que bateria certeira em meu rosto. Minha respiração se tornou ofegante antes mesmo do meu olhar cair sobre quem a chutara.

–Yo! Yutaka, desculpe pela bola mas é que você apareceu de repente sabe como é. – suas palavras eram inocentes, seu tom de voz maldoso deixava claro o sarcasmo e o sorriso em seu rosto só serviu pra confirmar o que eu já sabia.

–Daisuke o que você... – os amigos dele se aproximaram e ao me ver mostraram o mesmo sorriso.

–Uke-san, por que você não pega a bola pra nós? Caiu bem ali. – um deles “sugeriu” e eu voltei meu olhar pra onde ele apontava encontrando Miyavi com a bola em mãos.

Ele colocou a mochila no chão e começou a fazer embaixadinhas antes de chuta-la para Daisuke com tanta força que o mesmo quase não conseguiu segurá-la.

Miyavi caminhou até nós tranquilamente, com um sorriso falso estampado na cara.

–Por que não joga conosco qualquer hora dessas? Seria interessante. – Daisuke sugeriu assim que se recuperou.

–Quem sabe, agora vamos indo Kai combinamos de chegar cedo na sua casa lembra? – concordei assim que ele finalizou a pergunta e teria voltado a andar se a voz do outro não tivesse me parado.

–Então ficam me devendo um jogo, pode ser amanhã de manhã aqui no campo, Yutaka sabe o caminho. – depois da intimação eles foram embora tão rápido quanto chegaram.

–Não gostei nem um pouco dele. – Uruha falou chamando minha atenção.

–Você o conhece? – Aoi perguntou.

–Só de nome. – e de atitudes. Não era a primeira vez que sua bola atravessava “acidentalmente” o meu caminho e também não era a primeira vez que eu via aquele sorriso.

–OK, agora podemos ir andando, estou ficando com fome. – Miyavi comentou e eu o agradeci com o olhar.

–Tá explicado por que você é tão energético, não para de comer! Que nem alguém que eu conheço, mas esse continua preguiçoso. – Uruha brincou.

–Eu não sou preguiçoso tá legal? Só poupo minha energia para coisas importantes.

–Aé? Tipo o quê?

–Sexo claro.

–E quando foi a última vez que você fez sexo mesmo Aoi? A julgar pela sua barriga já deve ter virado virgem de novo.

Um clima divertido se instalou sobre nós e o caminho até em casa pareceu menos longo, até deu pra ignorar aqueles olhares. Estava tão distraído que nem notei que por hábito segui em direção ao bosque.

–Oe Kai, tá levando a gente pra onde? – Aoi se pronunciou assim que tomei o caminho por entre as árvores.

Parei olhando os outros três que estavam parados na calçada olhando em volta.

–Pra casa, só vamos cortar caminho.

–Tem certeza que sabe andar aí dentro? É mata fechada me parece fácil de se perder.

–Está com medinho Yuu? – Kouyou provocou me fazendo rir.

–Realmente pra quem não conhece é bem fácil se perder mas posso dizer que passei quase toda minha vida aí dentro, então pode confiar que eu sei chegar na minha casa. – tentei passar confiança afinal eu conhecia aquela floresta como a palma da minha mão.

–O gatinho está em casa então não tenho o que temer. – Uruha disse me fazendo rir de novo.

Os outros dois concordaram e eu voltei a caminhar. Menos de uma semana longe dali e parecia que faziam anos, inconscientemente passei a admirar tudo distraidamente.

Quase não notei quando outros passos se juntaram aos nossos. Instintivamente parei, olhando rapidamente para Miyavi vi que ele também tinha percebido, os outros dois apenas nos olhavam confusos mas fiz sinal pra que não dissessem nada.

Os passos ficaram mais rápidos, como numa corrida e eu logo soube quem era.

–YUUKUN! – Hikari surgiu por entre a mata e se jogou em mim que por pouco consegui nos manter de pé – Vim te ver assim que o papai disse que você tinha chegado. Teve problemas pra entrar? – ela perguntou preocupada.

–Não, tudo correu bem. Eu trouxe meus amigos, estes são Kouyou, Yuu e Miyavi. – ela me olhou com aquela cara de quem sabe tudo – Minna, esta é minha irmã Hikari.

Eles se cumprimentaram.

–Agora vamos, mamãe disse que ia querer ajuda pro almoço.

Sem muita demora chegamos em casa.

–Tadaima.

–Okaeri Kai-chan. – minha mãe e minha avó me esperavam na entrada. Abracei ambas antes de apresentar os meninos. – Acomodem suas coisas e depois mostre a casa pra eles Kai, Hikari você me ajuda na cozinha.

–Por que eu mãe? O Kai sabe cozinhar tão bem.

–Ele é o anfitrião pequena e não tente fugir, como espera ser uma boa esposa sem saber cozinhar?

–Mas mãe-

–Kari, eu te faço uma torta mais tarde se ajudar. – falei pra evitar a discussão que não mudaria nada.

–Eu vou cobrar! – imediatamente ela correu pra cozinha.

–Sua irmã lembra você na hora de fazer manha. – Miyavi comentou fazendo os outros rirem.

–Kai, - minha avó me chamou – veja se Bartolomeu não invadiu algum quarto, ele tem estado agitado desde que você se foi e não o vejo desde ontem.

–Tudo bem. – com uma reverência leve ela se retirou e eu me encaminhei pro segundo andar.

–Quem é Bartolomeu?

–O morcego de estimação da minha avó. – respondi meio sem pensar ouvindo Aoi e Uruha caírem na gargalhada.

–Só pode estar de brincadeira Kai, quem em sã consciência tem morcegos de estimação?

–Que eu conheça só minha avó. – falei sem ligar se eles iam acreditar ou não afinal Bartolomeu era quase um cão de guarda, quando soubesse que tinham pessoas diferentes aqui apareceria imediatamente.

–Ok Kai, seu humor parece muito bom hoje.

–Aham, esse é o quarto de hóspedes, tem duas camas então um de vocês vai dormir no meu quarto.

–Isso não precisa nem de discussão né? – Uruha provocou olhando sugestivamente pra Miyavi que sorriu de volta como se fosse inocente.

Ignorando completamente eu abri o armário e sem a menor surpresa encontrei Bartolomeu ali pendurado em um dos cabides.

–Te encontrei. – cantarolei pronto pra pegá-lo e quando minha mão estava bem perto senti a mordida – Itai! – mau tive tempo pra pensar e ele já voava na minha direção pra me morder de novo – Espera, sou eu droga! – gritei correndo pelo quarto como um idiota – O que deu em você? – parei antes de chegar perto dos garotos que assistiam aquilo na dúvida entre rir e fazer alguma coisa, me virei na direção do morcego e antes que ele chegasse mais perto dei o assobio mais alto que consegui.

Ele pousou no chão me olhando enquanto eu me abaixava olhando ele também, uns dois segundos depois ele pareceu reconhecer meu cheiro e abriu as asas sem voar, eu suspirei.

–Quando é que você vai parar de me morder em? É divertido ou algo assim?

–Não sei pra ele mas pra mim foi hilário. – Aoi falou e só então eu lembrei que eles ainda estavam ali, os três rindo da minha cara.

–Oh, então ele estava aqui, isso explica a correria. – minha avó falou da porta, Bartolomeu imediatamente voou até ela, pousando em seu ombro como um papagaio, minha avó fez um carinho nele – Não esqueça de lavar a mão querido e se eu fosse vocês não usaria o armário. – ela se retirou calmamente e depois de um tempo eu finalmente entendi o porque de não usar o armário, o cheiro estava começando a se alastrar.

Fechei o mesmo fazendo uma careta.

–Acho que pro bem geral ele deva ficar fechado. – os outros três que também puderam sentir o fedor da caca de morcego concordaram.

–Sério Kai se eu não tivesse visto sua avó sair daqui com o morcego nos ombros eu jamais acreditaria. – Kouyou comentou ainda rindo enquanto eu entrava na suíte pra limpar a mordida.

–Eu sei, eu também não acreditei quando minha avó disse que ia ficar com ele.

–Mas por que ele te mordeu? – Yuu perguntou.

–Eu esqueci que ele não gosta de ser acordado. Mas a mordida é pura implicância comigo.

–Implicância? Ele é um morcego Kai! – Kou se intrometeu rindo ainda mais.

–Mas é verdade! Ele nunca morde ninguém, só a mim.

–E não tem problema ficar levando mordida de morcego? – Miyavi finalmente disse alguma coisa.

–Se tiver eu já estou imune. – coloquei remédio na mordida e voltei pro quarto – Vou guardar minhas coisas, meu quarto é o terceiro então já sabem.

–Nee Kai, sem querer ser intrometido mas onde sua avó dorme? Eu só vi quatro quartos. – Uruha perguntou.

–Na casa dela, ela passa o dia todo aqui mas dorme sempre lá.

–E onde fica? Só tem a de vocês por aqui. – Aoi completou.

–Mais no interior do bosque perto da cachoeira.

–Wow tem cachoeira aqui? Leva a gente lá. – Miyavi pareceu ficar animado com a possibilidade.

–Claro, eu já tinha pensado nisso. – a cachoeira era linda, algo que merecia ser visto e apreciado mas ninguém ia lá por causa da lenda idiota que inventaram sobre o bosque – Não vem guardar sua mala? – ele pareceu nem perceber que eu já estava fora do quarto.

–Ah! Gomen, eu me distraí. – dei de ombros e entrei no meu quarto que era logo ao lado.

–Você parece meio distante desde que chegamos. – falei depois que ele encostou a porta.

–Não é por nada.

–Certeza? – o olhei de soslaio.

–Uhum, e você parece mais tranquilo agora.

–Eu cheguei em casa não é? – Miyavi parou na minha frente, ficando com o rosto bem próximo ao meu – O-O que foi?

–Nada, eu só queria olhar você mais de perto. – ele chegou mais perto mas o barulho da porta sendo aberta me fez empurra-lo.

–Ei, vocês estão numa casa de família, a porta tem que ficar aberta. – suspirei aliviado ao ver que era só Yuu tirando uma com a minha cara.

–Como se alguém aqui fosse pervertido como você. – Kouyou comentou antes de se jogar na minha cama – Eu tentei manter o idiota no quarto mas ele cismou que vocês iam tentar uma rapidinha antes do almoço e veio correndo assistir.

–E você veio atrás aprender como faz não é Uru?

–Shiroyama – Miyavi que estava calado até agora se pronunciou – podemos conversar um instante? – o tom sério que ele usou fez Yuu ficar sério também.

–Só não o mate Miyavi, ele pode ser um traste mas ainda é pai dos meus filhos. – os dois saíram ainda com aquela aura tensa pairando sobre ambos, ou mais certo seria dizer, a aura que Takamasa emanava para Yuu – Vocês iam mesmo tentar a rapidinha?

–Claro que não! – quase gritei vendo Kou voltar a rir – Uruha me diz uma coisa, – agora que estávamos só nós dois eu poderia perguntar – você e o Aoi-

–Não, não, não pode parando a pergunta aí mesmo.

–Mas por que não? – ele pareceu pensar um pouco sobre o que responder e quando finalmente decidiu a porta foi aberta novamente.

Por ela entrou um Miyavi sorridente e um Yuu perdido em pensamentos, me perguntei sobre o que eles teriam conversado em tão pouco tempo.

–Sem olho roxo nem nada? Mas que menino pacífico. – Kouyou brincou mas pude sentir um ar triste sobre ele, isso só me deu mais certeza de que precisava conversar com ele mesmo que não pudesse realmente ajudar.

–Isso me faz lembrar que ainda não encontrei meu pai. – comentei pensando em tirar os morenos daquela fossa.

–Achei que nunca fosse nos apresentar. – Miyavi tinha aquele sorriso de quem estava prestes a aprontar e eu já podia prever uma tempestade chegando.

–Miyavi, não faça nada precipitado.

–Pode deixar. – definitivamente eu estava ferrado.

Caminhamos até o escritório onde meu pai certamente estava, bati na porta e respirei fundo quando ouvi o “entra” seria agora.

Lá estava meu pai com seu olhar de samurai pronto pra guerra, olhar que eu sabia ser puro reflexo de sua desconfiança. Meu pai sempre encarou novidades assim: duro como uma rocha, indecifrável até explodir.

Por mim ele continuaria como rocha.

–Otou-san, estes são meus amigos de faculdade Takashima Kouyou, Shiroyama Yuu e... – hesitei, seria uma merda se eu falasse só Miyavi, soaria íntimo demais.

Meu pai analisou minha reação antes de pousar os olhos em Miyavi medindo todos os seus 1,86 de altura.

–Ishihara Takamasa, é um prazer conhece-lo Uke-sama. – estranhei o tom formal mas já ia respirar aliviado quando Myv continuou – Acho que temos muito o que conversar sobre o Kai.

–E por que acha isso? – ele estreitou os olhos.

–Você já deve ter percebido não? – Miyavi sem a menor cerimônia me puxou pelo braço e me beijou de forma lasciva enquanto discretamente acariciava minha mão sobre a marca da raposa como Hizaki havia chamado. Quando me dei conta do que estava acontecendo o empurrei meus olhos inevitavelmente caindo sobre meu pai.

Tudo o que eu conseguia processar era: Ele vai comer o meu fígado.

Seu olhar não me deixava mentir. Kouyou e Yuu tinham prendido a respiração esperando o desenrolar daquele desastre quando minha mãe bateu na porta entrando.

–O almoço está pronto. – já disse o quanto eu amo a minha mãe?

Só não saí dali correndo por que pioraria a situação.

Miyavi fez questão de sentar do meu lado na mesa o que resultou numa leve garoa começar a cair, ok, ele está se controlando, se começar a trovoar é por que fodeu de vez portanto Takamasa TENHA AMOR A VIDA SEU DELINQUENTE E SE NÃO FOR PELA SUA QUE SEJA PELA MINHA!

–Kai, não vai comer? – ein? Só aí que eu reparei que todos já tinham começado.

–I-Itadakimasu.

Tentei me concentrar só na comida, que estava uma delícia por sinal, mas isso foi ficando cada vez mais impossível quando notei que Miyavi estava perto demais, aliás quando foi que ele chegou tão perto?

Podia sentir o olhar de meu pai analisando aquela cena, a garoa já tinha virado uma chuva mais forte e quando eu engoli a seco tentando chegar pro lado sem chamar atenção notei que minha irmã também estava perto demais, me deixando sem ter pra onde fugir.

Não foi ela mesma que me ligou ontem? Tá querendo me ferrar agora?

Acho que devia estar escrito na minha cara o quanto eu estava desesperado porque Uruha e Aoi riam discretamente a minha frente.

E por mais perturbadora que tenha sido a experiência fiquei agradecido por Miyavi não ter feito nada além da proximidade. Sei lá vai que ele resolvia me molestar por debaixo da mesa? Tarado do jeito que é...

Nunca fiquei tão aliviado quanto quando notei a chuva parando, significava que meu fígado permaneceria inteiro por enquanto.

Assim que terminamos dei a desculpa de leva-los até a cachoeira pra sair o mais rápido o possível, os outros três rindo da minha desgraça me seguiram até os quartos e fomos nos trocar.

–Raposa maldita!

–Ah não fique assim, ele nem fez nada.

–Ainda.

–Você se preocupa demais.

–É o normal Miyavi, pessoas se preocupam, sofrem antecipadamente, desculpe por isso. – é, eu estava irritado.

Peguei um short e uma regata seguindo pro banheiro quando ele me segurou por trás apertando minha cintura.

–Ei ele ia saber de qualquer forma certo?

–Isso não te dá razão.

–Melhora se eu disser que não vou fazer de novo?

–Você nem se arrepende não é?

–Eu nunca vou me arrepender de beijar você. – disse mordendo meu pescoço de leve me fazendo arrepiar.

–Idiota.

–O idiota que te ama.

–Aham agora me solta.

–Que insensível, eu aqui me declarando e não ganho nem um beijo?

–Talvez ganhe quando merecer um.

–Você é mau Kai. Mas vai ter troco. – ele sussurrou antes de me soltar.

–Estou morrendo de medo. – provoquei antes de fugir pro banheiro.

–Depois não reclame.

Aoi e Uruha logo já estavam prontos conversando conosco antes de sairmos.

–Nee Kai por que você nunca tira a camisa? – agora que Yuu perguntou me dei conta de que só Miyavi já tinha me visto sem uma.

–Porque não me sinto confortável. – e porque não me imaginava dando explicações sobre como consegui tantas cicatrizes.

–Oh por que não? Tudo o que você tem a gente também tem.

–Talvez devêssemos olhar? Vai que ele esconde um tanquinho. – Kouyou brincou se aproximando sendo imitado por Aoi.

Me afastei alguns passos rindo e começamos um pique pega idiota pelo quarto até os dois me alcançarem ameaçando levantar a camisa. Era uma brincadeira como qualquer outra se não tivesse passado por algo parecido.

–Vamos ver o que você esconde. – Daisuke e mais dois garotos que não conhecia me seguraram e rasgaram a blusa que eu usava. – Nani só uma queimadura? Demônios como você costumam ter cicatrizes, mas isso pode ser resolvido. – ele puxou um canivete do bolso – Quanto tempo acham que ele aguenta?

–Dois cortes?

–Não, ele vai implorar antes mesmo do primeiro vê como já está prestes a chorar?

–Vamos fazer um jogo Kai? Se você se desculpar direito e eu achar que está arrependido te deixo ir embora.

–Iie! – gritei empurrando os dois que me olhavam sem entender. Eu estava tremendo.

–O que foi Kai? – Miyavi veio na minha direção mas parou quando percebeu que eu estava com medo.

–Desculpa, desculpa, desculpa.. – eu continuava pedindo, implorando mas ele não parou.

–Do que você tá falando Kai? – lembrava de cada um deles, de todas as vezes, de todos os xingamentos, as surras.

–Kai! – Hikari entrou no quarto e me abraçou, eu nem ao menos tinha forças pra me afastar dela.

–Me desculpa, por favor me desculpa.. – meus olhos ardiam e uma voz em minha cabeça dizia o quanto eu era digno de pena.

–Já passou Kai, está tudo bem agora. – sem me soltar ela se voltou pros outros – Pode pegar uma água pra ele? E nos dar um momento a sós? – os três saíram mas eu nem levantei o rosto para olhar. – Kai-chan, está tudo bem, ninguém mais vai te machucar.

–Você me desculpa Hikari? Me desculpa por não lembrar?

–Ei combinamos em não falar mais sobre isso. Eu fiquei bem no final.

–Mas-

–Sem mais, seus amigos estão preocupados e você não voltou aqui pra ficar remoendo o passado. Agora vem lavar o rosto. – a puxei de volta.

–Eu não quero olhar.

–Nani você só tem esse rosto. Pretende voltar a quebrar espelhos? – fiquei em silêncio ainda tentando parar de tremer, não conseguiria sair assim e de shows dramáticos já me bastava um.

–Ei Kai, não force a si mesmo, se quiser ficar os garotos vão entender.

–Eu não posso. – eu ficaria lembrando e só pioraria as coisas.

–Você já passou disso Yuu-nii, só precisa se acalmar.

–Eu sou ridículo, ficando assim por algo que já aconteceu. – falei tentando ignorar os sentimentos que me consumiam.

–Você tem medo, qualquer um teria em seu lugar. Não pode se culpar por isso.

–Eu.. – “No final eles estavam certos não é? Você é um monstro afinal.” Ele falou me fazendo parar no lugar. “Eu sou a prova disso.”

–Kai? – minha irmã chamou mas eu ainda não conseguia me mover.

“Quando trocarmos de lugar você vai entender.”

–Kai? – ela chamou mais alto, os outros três entraram no quarto e ele continuava falando coisas cada vez mais baixo de forma que eu não conseguia entender – Kai! – Hikari me balançou com força me trazendo pra realidade.

–Que foi? – perguntei meio ríspido me soltando de suas mãos.

–Eu que pergunto o que foi. – difícil explicar era o que eu gostaria de dizer.

–Não foi nada. – entrei no banheiro fechando a porta com o olhar fixo no espelho – O que quis dizer?

“Você sabe, terminar o que não deu pra fazer na ilusão do Hizaki.”

Num lampejo rápido vi meus olhos vermelhos e com o susto me afastei, ouvi um estalar vindo do espelho e por reflexo coloquei os braços na frente do rosto pouco antes do mesmo estourar jogando cacos pra todos os lados seguido da lâmpada no teto e logo depois o box.

Foi tudo ao mesmo tempo, sem que eu ao menos entendesse o que estava acontecendo. Por um instante perdi a força nas pernas e caí de joelhos mas não foi o vidro cortando minha pele o que chamou atenção. Ao invés do meu reflexo nos cacos eu via olhos, todos vermelhos, voltados na minha direção, e no pedaço maior à minha frente tinha uma boca sorrindo, dentes afiados como lâminas perfeitamente visíveis.

–Kai! – eu fui puxado pra cima e tudo sumiu. Miyavi perguntava alguma coisa incessantemente mas eu não ouvia o que era, continuava pensando nos olhos e naquela boca pronta pra me devorar.

Um arrepio ao entender minha linha de pensamento.

–Kai!

–Sim? – respondi automaticamente finalmente olhando os outros quatro a minha volta e pela primeira vez sentindo meus joelhos reclamarem do vidro – Arr droga.

–O que foi? – os quatro perguntaram ao mesmo tempo e eu teria rido. Myv foi o primeiro a entender já que ele sentia cheiro de sangue.

–Onde tem uma caixa de primeiros socorros?

–Ali, na segunda gaveta. – apontei pra cômoda ao lado da minha cama.

–Quebrou o box também? – minha irmã perguntou meio assustada enquanto olhava dentro do banheiro.

–Você quebrou o box? – Kou perguntou.

–Também? – Aoi ressaltou parando ao lado da minha irmã junto com Uruha – Uau.

Miyavi voltou com a caixa ao mesmo tempo em que minha mãe entrou no quarto já com vassoura e pá em mãos.

–Com licença crianças. – ela pediu com um sorrisinho antes de dar de cara com o estado atual do banheiro – Nossa! – foi só o que disse antes de me lançar um rápido olhar preocupado e entrar varrendo aquele mar de cacos.

Um silêncio interminável se instalou no quarto interrompido apenas pelo som de vidro sendo arrastado e alguns gemidos de dor que escapavam de meus lábios.

–Vamos ter que conversar depois. – Myv sussurrou pra mim, tão baixo que quase não ouvi, apenas acenei de leve, notando que Yuu e Kouyou estavam perdidos em pensamentos em cima da minha cama.

Droga.

–Terminei. – Miyavi falou agora alto chamando a atenção de todos – Que sorte negra você tem não acha? Quebrar todos de uma vez assim.

–Espera, espera – Aoi interrompeu – tá dizendo que quebrou sozinho?

–Como mais seria? – Myv devolveu.

–Eu achei que – Uruha colocou a mão em seu ombro fazendo-o encará-lo interrogativo.

–Só você pra conseguir isso Kai. – ele comentou com um ar brincalhão apesar de se ver claramente a preocupação e as dúvidas que o rondavam.

–Do Kai-nii eu não duvido nada. – minha irmã entrou no jogo e contou alguma idiotice que eu fiz quando mais novo pra descontrair o clima que tinha se formado. Até minha mãe riu mas eu nem sei sobre o que foi, estava preso na imagem daquela boca outra vez.

–Foi ele não é? – pisquei três vezes antes de confirmar que estávamos apenas eu e Miyavi num lugar vazio, sem absolutamente nada – Kai. – olhei a raposa vendo em seus olhos uma certa raiva e talvez frustação – Foi ele?

–Hai. – confirmei devagar.

–Merda! – ele falou alguns tons mais alto soltando um rosnado em seguida – Não saia mais do meu lado entendeu? Ele não pode te ferir enquanto eu estiver por perto.

–Por quê? – não me contive em perguntar.

–Porque... – estava tão concentrado em esperar sua resposta que não notei que estávamos de volta ao me quarto até ouvir as risadas dos outros.

Encarei Miyavi, ele apenas acenou com a cabeça de leve, em seu olhar algo como “explico depois”.

Minha mãe chamou minha atenção.

–Ainda vão até a cachoeira?

–Sim. – respondi antes que alguém pudesse contestar, levantei sentindo os olhares sobre mim – Que foi? Eu to legal.

–Se quiser eu levo eles. – Hikari sugeriu.

–Não, eu levo. – não ia estragar o resto do dia por causa daquilo – Vamos?

–Tem certeza? – Uruha perguntou ainda com aquele ar preocupado.

–Absoluta. – Miyavi a essa altura já estava na porta esperando, Aoi e Kou resolveram ceder quando notaram que eu não mudaria de ideia.

Saí de casa e tomei a trilha imaginária até a cachoeira com os três no meu enlaço. Apesar do silêncio entre nós eu estava confortável, calmo talvez pelo verde a minha volta.

Era uma caminhada rápida se eu estivesse sozinho mas Yuu e Kouyou estavam tendo alguns problemas com as raízes, até Miyavi vez ou outra tropeçava e xingava baixinho em resposta, acabamos demorando um pouquinho mais, de qualquer forma se tinha alguém irritado com a caminhada deixou de lado assim que viu a cachoeira.

–Kire! – Uru soltou assim que seus olhos capturaram a paisagem que tínhamos a nossa frente.

Aoi nem pensou duas vezes antes de entrar, aquela parte não era funda, a água batia na cintura, Uruha também entrou restando apenas eu e Miyavi fora.

–Não vai entrar? – Myv perguntou baixinho e sem esperar que eu respondesse me jogou em seu ombro como um saco de batatas.

–Ei, espera! Me solta Miyavi. – ele se jogou na água só me dando tempo de fechar a boca.

Nos poucos segundos que se passaram até que eu fosse puxado pra cima pude ver a água cristalina e transparente ficando tão negra quanto petróleo. Foi rápido, por isso não tinha certeza se tinha acontecido mesmo.

–O que foi Kai? – sem perceber segurei a mão dele com mais força.

–Está... mudando... – meus olhos caíram em Kouyou e Yuu, eles estavam distraídos, se divertindo e eu estava fazendo papel de idiota vendo coisas que não existiam.

Não consegui parar de pensar naquilo que eu mesmo tinha dito, mas o que estava mudando?

Quando voltamos pra casa tomamos banho e eu fui fazer a torta de musse que Hikari adorava, estava tão concentrado nisso que não notei quando minha mãe sentou à mesa me observando. Ela não disse nada, eu também não sabia o que dizer.

–Fico feliz em ver que não está mais sozinho Yuukun.

–Resta saber por quanto tempo.

–Ora não seja pessimista, você encontrou ótimos amigos.

–Você que está sendo otimista. – suspirei vendo-a sorrir.

–Conte pra eles e tudo será mais fácil.

–Acha que vão me aceitar?

–Eles se preocupam de verdade com você, mais do que pode imaginar.

–YUUKUN – Hikari gritou descendo as escadas correndo – minha torta já tá pronta?

–Hai, mas é pra depois da janta. – ela ia retrucar mas pareceu lembrar de algo mais importante.

–O papai quer falar com você.

E eu cheguei a sonhar que escaparia.

–Ele está te esperando nos fundos. – acenei e segui com passos incertos até lá.

Contrariando minhas expectativas ele me parecia até calmo demais.

–Otou-san. – estava anoitecendo e a lua já podia ser vista dali.

–Pensei que fosse demorar um pouco mais até você encontrar seu consorte.

–Eu nem esperava encontrar um. – comentei mais pra mim do que pra ele.

–Seu avô já falou com você? – assenti – Queria poder adiar mais um pouco o que tenho a dizer. – seu olhar era distante, vago, esperei.

Uma garoa fina começou a cair.

–Já deve ter notado que eu controlo a água não? – assenti outra vez – Na sua idade eu achava isso a pior maldição que poderia ter. – ele notou meu interesse e se abaixou próximo a uma planta – Quase tudo depende de água.

Observei em choque a pequena planta murchar e secar depois de ser tocada.

–Na sua idade eu não tinha controle sobre isso, qualquer coisa morria nas minhas mãos. Meus pais não conseguiram lidar com algo assim, não os culpo, eram só duas pessoas comuns. Eu decidi ir embora de casa e acabei aqui, onde conheci sua mãe. Graças a ela, Azumi-san e Akihiko-san eu aceitei o que era e aprendi a me controlar. Anos depois quando achei que nada mais poderia me preocupar você nasceu. Temi que tivesse herdado meu lado bruxo. – uma pausa enquanto eu digeria tudo aquilo.

Já tinham me contado aquelas coisas por alto quando eu era menor, mas nunca esperei ver meu pai falando sobre isso.

–Mas se passaram dois anos e ao que tudo indicava, você seria uma criança normal, nem mesmo o lado feiticeiro de sua mãe e de seus avós você parecia ter herdado. Então nasceu Hikari que diferente de você desde muito pequena mostrava ter puxado sua mãe. Até um dia em que você ficou muito doente, uma febre alta que te fez alucinar o dia inteiro... nada que tentamos estava adiantando e do nada Hikari começou a chorar começamos a nos preparar pro pior. De repente você começou a melhorar e mesmo sem ter uma ideia exata do que tinha acontecido ficamos aliviados.

Nos dias seguintes notamos que você estava diferente, não era mais a criança risonha de antes mas como não era o tempo todo pensamos que eram só vestígios do resfriado. Passado mais um tempo sua energia começou a crescer e voltamos a ficar preocupados. Você era muito jovem para uma energia tão desenvolvida, procuramos evitar seu contato com outras crianças com medo de que as machucasse sem querer mas logo chegou a idade em que teria de ir pra escola, foi quando as coisas começaram a sair de controle.

Você não tinha culpa, era pequeno demais e quando perguntávamos você dizia não lembrar de ter feito nada. Paramos de te mandar pra escola com medo não só de que acontecesse outra vez mas de que começássemos a chamar atenção dos feiticeiros e bruxos com a energia incomum pra sua idade, o que acabou acontecendo. Naquele dia você voltou pra casa com queimaduras graves no braço, foi quando resolvemos fazer um selo. Podia não dar certo mas era a melhor opção.

Talvez você não lembre de como foi feito, é um processo doloroso e definitivo mas no seu caso em três anos notamos que ele começou a se desfazer e agora, quatro anos mais está ainda mais fraco, talvez dure até o final do ano. Até lá você tem que se preparar para a sua maldição e mostrar que é mais forte que ela assim como eu fiz com a minha. Podem ser situações diferentes mas uma coisa não muda, se você não acreditar que é mais forte vai perder antes de tentar. – ele parou na minha frente pondo uma mão em meu ombro – Só você pode se ajudar nisso.

Ele entrou, me deixando ali, sem saber o que pensar.

“Quando trocarmos de lugar você vai entender.”

A frase soou na minha mente parecendo finalmente fazer algum sentido. Eu não ia perder pra ele.


Durante a janta foi tudo tranquilo apesar do clima estranho que ainda pairava. Kouyou e Yuu certamente precisavam de um tempo. Todos fomos deitar e mesmo cansado não conseguia relaxar o suficiente pra dormir.

Me peguei pensando tanto que o sono parecia não chegar nunca por isso resolvi levantar. Desci as escadas tentando não fazer barulho e abri a porta dos fundos, a noite estava bonita e a calmaria do bosque me convidava a ficar ali um pouco.

–Sem sono? – Miyavi perguntou se deitando do meu lado.

–Hm, e você?

–Fiquei preocupado, muitas coisas aconteceram hoje.

–Algumas não tem mais como concertar não é? – me referia a Kou e Aoi.

–Isso depende do ponto de vista.

–Só espero o que estou acostumado a receber. – falei soando mais rude do que gostaria.

–Se eu fosse você ia esperar sempre ser surpreendido.

Pensei em algo pra desviar daquele assunto.

–O que aconteceu de tarde, aquele lugar sem nada era o que?

–Sua mente, uma parte dela.

–E você entrou lá.

–Youkais no geral conseguem entrar na mente humana com facilidade, eu mais ainda porque sou seu consorte.

–Mas, ninguém pareceu notar.

–Ficamos menos de um segundo “fora do ar”, não tinha como notarem.

–E aquilo sobre ele não poder me ferir quando estou com você, o que queria dizer com isso?

–Você tem algo auto destrutivo, estando do meu lado isso é parcialmente inibido. Menos quando eu bebo seu sangue, é um momento em que compartilhamos tudo e pode ser por isso que você... perde o controle e fica mais impulsivo, é quando ele se torna você sem te deixar inconsciente.

–Isso... pode acontecer?

–Ao que parece.

–Mas... – me parecia simplesmente impossível aquele que falou sobre me matar ser o mesmo que mordeu Miyavi... ou fui só eu quem fez aquilo?

–É parcial, você ainda sabe o que está fazendo mas não tem controle sobre isso.

Da última vez foi tudo tão rápido que não percebi nada disso.

–E se... – respirei fundo antes de continuar com a ideia maluca que me tinha surgido – e se fizermos de novo?

Ele sentou, me olhando como se avaliasse a proposta.

–Não garanto que vai acontecer de novo. E também, nada garante que você não vai sair de controle totalmente, vai querer arriscar mesmo assim?

–Você... pode me parar... se sair de controle? – ele fez que sim – Então... vou arriscar.

Eu não devo estar raciocinando muito bem ou quem sabe todo o stress do dia me fez inconscientemente querer um momento como aquele pra relaxar... por mais absurda que fosse a ideia, não pensar naquelas frações de segundo parecia tentador demais pra me fazer desistir e também... queria entender o que eu era não? Se Miyavi não pudesse me ajudar nisso quem mais poderia?

–Onde vai querer?

–Me morde no pulso. – ele fez uma careta.

–Aí dói, digo com conhecimento de causa.

–Não importa, vai ser no pulso mesmo.

–Tudo isso é pra não ficar animadinho? – desviei o olhar de seu sorriso mais do que pervertido.

–Cala a boca.

Ele pareceu pensar em algo.

–Kai, você lembra de quando colocaram seu selo?

–Não, eu nem ao menos sabia que tinha um até me falarem.

–Hum. Tem certeza que quer no pulso?

–Tenho.

–Se doer demais fala que eu paro. – ele se ajeitou a minha frente, pegando meu braço e virando meu pulso pra cima. Assenti vendo seus caninos sobressaírem, seus olhos se tingindo de vermelho – Vou tentar ser delicado.

Miyavi mordeu bem mais lentamente do que quando o fez em meu pescoço e mesmo assim doía como se ele estraçalhasse meu braço inteiro, eu sentia cada veia pulsando e ardendo pela rapidez com que o sangue descia até sua boca, mordi os lábios pra conter um grito, seus olhos se abriram encarando os meus e por um momento eu esqueci o que estava doendo.

–Miyavi... – gemi.

“Nós precisamos dele.”

Eu precisava dele.

“Do sangue dele.”

De todo ele.

Morda.”

Morder.

Seus olhos estavam surpresos, ele soltou meu braço mas antes que se afastasse eu avancei mordendo seu pescoço. Senti seu corpo tremer, seu coração batendo rápido como o meu, seus braços me acolheram e o que me restava de consciência gritava o quanto era errado.

Mas eu me sentia tão bem, como se um espaço vazio dentro de mim fosse preenchido com aquilo. Como se tudo o que eu pudesse desejar estivesse nele e eu só me desse conta quando o tinha assim, com seu sangue inundando minha boca.

–Kai, – sua voz meio rouca tão próxima me fazia deseja-lo ainda mais – um felino com certeza hmm – murmurou, minhas unhas cravadas às suas costas – maior que um gato, talvez... pantera?

Soltei seu pescoço o encarando, um ronronar de satisfação.

Suas mãos descendo minhas costas deixavam um rastro de fogo pra trás, delicioso, único.

–No começo é.. mais difícil... não ceder. – disse pausadamente, seus olhos vermelhos pousados em mim.

Num impulso incontrolável eu o beijei, resquícios de sangue, meu e dele, se misturando perfeitamente até...

Passos, lentos, ruidosos contra o piso de madeira seguindo naquela direção.

Nos separamos, meu olhar atento à porta dos fundos, Miyavi segurando meus braços com certa pressão, um cheiro conhecido se aproximando, meu corpo tenso.

–Não se movam!

“Só podendo me compensar eu me fecho

Só podendo rezar.. não posso chamar de tristeza

Ouvi sua voz do céu que chorou gentilmente

Ainda boiando na lágrima eu não consigo ver”



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Notas finais do capítulo

Não sei se o cap ficou 100% como eu queria mas espero q no mínimo esteja aceitável -.-
Well, qualquer dúvida sobre algo q ñ ficou bem explicado é só mandarem reviews ou mps me perguntando q responderei com prazer.
Kissus e até o próximo.