Primeira Canção escrita por Gaby Soares


Capítulo 4
Mudança




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Quatro horas da tarde. Seu irmão chegou gritando ao longo dos corredores. A encontrou sentada em um canto da cozinha lendo O Guardião De Memórias de Kim Edwards. Diminuiu seu entusiasmo à medida que adentrava o cômodo com o intuito de não atrapalhar a concentrada irmã. Sentou-se ao seu lado e a observou cuidadosamente.

Bella virou o olho na direção de Felipe e voltou a se concentrar na leitura. Fechou o livro na 69ª pagina com um barulho alto o suficiente para assustar o garoto, que a analisava distraidamente. Sorriu tímida, enquanto se levantava e estendia a mão ao irmão. Ele sorriu ao ver o rosto da garota mais brilhante, vivo. Bella lhe mandou lavar as mãos todas sujas de areia enquanto ela terminava de preparar uma surpresa.

Charlie, que tudo observava no batente da porta, bagunçou o cabelo do garoto enquanto esse passava pela porta. Bella se virou para a geladeira e tirou de lá o tão esperado bolo. Colocou-o sobre a mesa já forrada e retirou o suco até trincando tão gelado. Depositou três copos na mesa e encostou-se na bancada a espera do irmão.

Olhou de esguia para o pai, que encarava atentamente. Tentou não pensar muito nele. Observou o irmão aparecer no corredor correndo. Os olhos arregalados ao vasculhar a cozinha em busca de algo que o fizesse satisfeito. Bella viu o rosto do irmão inflar quando avistou o belo bolo em cima da mesa de madeira, forrada com um pano vermelho.

Ele olhou Bella desconfiado. Sorriu faceiro e pegou um prato ainda a encarando.

– O que você colocou nesse bolo? – ele perguntou com os olhos semicerrados.

–farinha, ovos, iogurte integral... sabe, essas coisas. – Bella disse dando de ombros enquanto se segurava para não rir da cara do irmão.

– pára de rir o negocio é serio. Como posso ter certeza que você não colocou erva do poente nessa coisa. – ele disse corando assim que percebeu o que tinha falado.

–Ei! Eu disse que não era pra você assistir filme de Barbie com a Claire não disse? – a moça disse colocando a mão na cintura com falsa imagem de reprovação.

– fazer o que se eu sou o melhor amigo dela e faço tudo que ela quer?

Bella resolveu pensar que aquela era uma pergunta retórica e se sentou a mesa com irmão para se juntar a comilança, Charlie ainda foi lavar as mãos antes de puxar uma cadeira para comer em paz. Felipe não parava de falar como a comida estava gostosa ou reclamar que Renée não sabia fazer seu bolo preferido ou que Bella sempre estava de mau humor para poder fazê-lo. Seu pai deu altas risadas das histórias que o menino contava. Uma delas foi quando a panela de pressão explodiu depois que a Bella não tirou a pressão direito e retirou a tampa, sua mãe teve que limpar aquele troço por uma semana todos os dias até que saísse aquela mancha horrorosa que havia deixado na parede. No fim, ela não conseguiu e mandou colocarem azulejos na parede. Bella ficou meses sem por o pé na cozinha para fazer sua comida.

Bella rebateu contando a história que Felipe babava pela Claire. Estavam os dois sentados assistindo filme e ele nem percebeu que já tinha acabado porque ficou o tempo todo olhando para a bela garota de olhos grandes e pele morena ao seu lado, que dava altas gargalhadas ao perceber a cara de bocó de seu melhor amigo.

A tarde se passou agradável. Mas Bella nunca dirigia a palavra diretamente ao pai, era sempre para o irmão com indiretas à Charlie, que ria e sorria, da mesma forma, nas horas que lhe eram cabíveis. O ultimo por sua vez não abriu a boca. Ficou o tempo todo com os olhos na garota e sorrindo das historias que os dois contavam.

(*) (*) (*)

Uma semana depois de sua chegada e Bella ainda não havia encontrado graça naquela cidade. Saia todos os dias à noite, lá pelas dez, toda arrumada em busca de alguma animação, mas nunca encontrava nada. Repetiu o mesmo programa por dias, sempre entrava em um bar que havia a beira mar depois de rondar todo o centro da cidade em busca de uma boa festa. Passava a noite ali, não bebia álcool, sempre foi contra, mas fazia o possível para que seus pais acreditassem que sua filha era uma alcoólatra nata. Chegava de manhazinha e dormia até a hora do almoço.  Passava a tarde rondando pela praia, vendo as três garotas que vira aquele dia e muitos turistas que se atolavam entre a imensidão de corpos em busca de algum lugar para por seu guarda sol. Voltava lá pelas seis, vagava pelos corredores da casa e depois começava a se arrumar para mais uma noitada sem graça naquele lugar.

Não encontrara com Alice novamente, apesar de ter recebido varias ligações da garota. Não sabia explicar esse comportamento. Apesar de querer reviver aquela sensação maravilhosa que teve aquele dia que esteve com a baixinha, nunca mais de deixou aproximar-se dela. Passava há quilômetros da lanchonete onde a garota trabalhava para não correr a tentação de entrar e chamá-la novamente para sair.

Pensava nela quando atravessou o corredor em direção à cozinha passando em frente ao quarto de Charlie, que tinha a porta semi-aberta. Ouviu uma vizinha fina e triste saindo de lá de dentro e resolveu parar para ver o que estava acontecendo com Felipe.

– o que aconteceu com a Bella? – ele lamentou choroso – ela não tinha melhorado? – ela podia sentir que as lagrimas já escorriam pelos olhos do seu irmão. – você disse que eu teria minha irmã de volta. Porque ela não é assim, e um dia iria perceber  que o que faz é bobagem. Se ela não está feliz agora... me fale alguma coisa que eu possa fazer! Eu preciso da minha Bella e não desse clone que toma conta da minha irmã...

Ela não agüentou mais ouvir, abriu a porta de seus quarto e escorregou pela parece, sentando-se no chão sem conseguir contar as lagrimas. Perguntava-se o que fizera com sua vida. O que a fazia ser daquele jeito. Perguntava-se o que a levou ser assim, o que a fez querer acabar com a vida de todo mundo começando pela sua própria. Como Felipe disse: ela não era assim. Costumava tocar todos os dias, sorria até das piadas mais sem graças, fazia os outros felizes e se sentia bem por poder fazer pelo menos isso.  De uns tempos pra cá esqueceu que sorriso não é apenas uma palavra também pode ser praticado, tornado real. Em anos a única vez que riu espontaneamente foi quando encontrou Alice. E mesmo assim a havia afastado de se como se fosse qualquer outra pessoa que passou por sua vida. Isso não era justo. Em que havia se tornado? Em uma espécie de monstro que afasta as pessoas que a gente ama?  Chorou ainda mais pela auto critica. Vendo-se em um labirinto das duvidas, que aumentava mais e mais...

Naquela noite, ela não saiu. Apenas adormeceu quieta e chorosa em seu quarto sobre uma manta branca. 

Açodou pela manha bem cedo. Saiu sem fazer barulho e se atolou na areia da praia. Andou por horas, pensando na maior maneira de agir agora. Sentou-se no alto de uma pedra a beira mar e sentiu-se desprotegida, sozinha.

Era hora de mudar. Era hora de deixar de ser prisioneira do seu passado, de esquecer tudo isso começar do zero. Mas como começar? Como corrigir os erros? Apenas esquecê-los? Isso parecia impossível de qualquer maneira. Como recompor os corações que partiu? As pessoas que decepcionou? Ela não podia esquecer tudo que já havia feito e simplesmente fingir que estava tudo bem. Não estava tudo bem com ela. Sentia-se morta. Morta como todas as pessoas a quem feriu.

Ela foi decepcionada uma vez, construiu expectativas demais, e acabou por se iludir. Sabia que tudo era sua culpa, que se ela não tivesse fantasiado aquela pessoa nada disso estaria acontecendo. Hoje ela seria, talvez, uma das melhores filhas do mundo, a melhor amiga do mundo, ou algo perto disso. Talvez ela tivesse as pessoas que a amasse bem perto dela agora. Talvez ela não precisasse se sentir sozinha, ou talvez ela nem estivesse aqui. Mas estava e era isso que tanto a assustava.

–Bella? 

Aquela voz fina e gentil ressoou nos ouvidos da garota como sinos, os sinos da salvação. Saiu de sua bolha tentando se lembrar onde ouvira uma vez aquela voz tão maravilhosa. Alice. Ela estava aqui de novo. Mas dessa vez era ela quem a salvaria a vida, mesmo que inconscientemente.

Sentiu a garota se aproximar timidademente, como se tivesse visto ao longe que o rosto de Bella estava infestado de lagrimas notórias que insistiam em rolar por suas bochechas rosadas. Passou as costas da mão na beirada dos olhos, tentando, em vão, retirar a marca de que esteve chorando por muito tempo essa manha. Alice se sentou ao seu lado, muda, sem qualquer espécie de cumprimento.

– precisa de mim? – Bella a olhou pasma. Como alguém poderia dizer isso? Principalmente uma pessoa que nem acontecia? Mesmo depois de ter recusado todas as suas ligações? – não me leve a mau, mas não gosto de te ver assim. Estou aqui se precisar de uma amiga. – ela deu de ombros olhando para Bella profundamente – não sei o que está se passando, mas eu posso...

Antes que as palavras acabassem de escorrer pela boa de Alice Bella já havia a tomado em um abraço caloroso, como se si conhecessem a vida inteira e agora era um reencontro tão esperado. 


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Notas finais do capítulo

e aí, gostaram?



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