Capítulo 15 – Queimamos a Floresta

~ Matthew ~

Todos agora fitavam o enorme dragão postado sobre os muros do castelo. Aqueles muros que nos prenderam com esses monstros aqui dentro. Ouvi alguém grunhir, mas não tinha certeza de quem era.

Senrir começou a fazer alguma magia, mas por mais incrivel que pareça, Rynden, sem poderes, avançou sobre seu sósia arrancando alguma coisa de sua maõ. Na verdade, tentando, já que agora os dois seguravam com uma mão uma pedra parecida com a que Annia tinha e com a outra tentavam fazer o outro solta-la. Eu estava confuso, já que não sabia quem era quem.

Rynden  começou a murmurar alguma coisa e então uma luz forte nos cegou.

Fechei os olhos para não ficar cego.

Abri novamente quando senti uma mãozinha em meu ombro.

Olhei para Airy, que parecia ainda mais assustada do que antes.

E entendi o porquê.

Haviam criaturas semelhantes à lobos nos cercando. Mas não eram exatamente lobos. Ok, eu sei que isso está confuso, mas é que essas criaturas eram muito estranhas. Pareciam lobos sim, pela forma. Grandes e robustos, que se erguiam sobre quatro patas, com pelos negros e eriçados. Mas esse pelo parecia refletir alguma coisa. Parecia que em torno deles havia uma energia maligna, assim como vozes, as quais eu não entendia o que diziam. Sussurros.

Eles rosnaram e eu percebi que não estavamos mais no castelo. Estavamos na Floresta Proibida. Eu sabia porque conhecia o lugar.

Olhei para os outros e vi que eles estavam quase tão confusos quanto eu.

Lihios e Sky estavam perto de Elwë, que era atacada por inumeros lobos, grunhindo e os arrancando de cima dela, as vezes arremeçando um outro para o lado.

Heril atacou Kaled, sem nenhuma arma. Os dois brigavam usando o corpo, com socos e chutes que nem pretendo saber a força.

Annia e Dian se entreolharam e o mais velho se afastou dela, agarrando Senrir pelo pescoço. Ou Rynden... Eu sei lá...

Um dos dois eu sei que foi.

A pessoa grunhiu. Ele estava com aquele Talismã na mão, então conseguiu arremeçar o loiro facilmente contra uma arvore, onde um daqueles lobos pulou sobre o peito dele. Dian conseguia afasta-lo de seu rosto, mas o resto de seu corpo estava bem arranhado.

Duas pessoas gritaram ao meu lado. Jay e Airy.

Quem grunhiu dessa vez fui eu, me transformando em lobo e avançando sobre os lobos que as ameaçavam.

Foi então que ouvi uma voz em minha mente.

“Prestem atenção. Consegui recuperar minha magia por pouco tempo, mas não sei quanto até Senrir perceber.”

Era a voz de Rynden, mas bem, eu estava meio ocupado com aqueles bichos. Mesmo assim, tentei prestar atenção, pois o que quer que fosse seria para tentar melhorar nossa situação.

“Não saiam do lugar em que estão! Vou abrir um portal em baixo de seus pés, então não se assuntem. Mas não importa o que aconteça. Não se movam.”

Há. Ainda queria dar uma de líder. Vê se pode.

Resolvi obedece-lo, pois qualquer coisa que fizesse, seria para melhorar nossa situação.

Imediatamente, eu senti o chão sumir de meus pés, enquanto tudo a minha volta ficava escuro.

Senti-me cair sentado em algum lugar. E não fui o unico, todos cairam do que pareciam portais paralelos ao chão. Jay caiu de barriga para baixo e Airy sentada nas costas dela.

- Droga! – era a voz de Annia.

Olhei para o lado em que ela estava e a encontrei curvada sobre o corpo de Dian, enquanto este estava muito machucado por causa daqueles lobos.

- Aguenta firme, Dian... – uma de suas mãos pressionava um machucado, provavelmente o pior deles um pouco abaixo do ombro esquerdo e a outra mão estava sobre a dele. Mechas loiras escapavam da trança, emoldurando seu rosto.

Ainda me pergunto o que tem entre a An e ele. Quer dizer, é estranho ver ela agir dessa forma protetora sem ser comigo ou com a Jay. Annia sempre foi assim.

Jay se aproximou e tocou no ombro dela.

- An... O que está acontecendo?

Não sei do que Jade estava falando. Tinha muita coisa acontecendo.

- Eu explico depois... – Jay a olhou meio descrente, porque sempre que ela falava isso nós esqueciamos do assunto, mas acho que dessa vez seria diferente – Prometo, Jay... Mas por favor, você não consegue fazer nada?

Jay virou o rosto, olhando para Rynden, que também se aproximou examinando o estado do rapaz.

Ele não parecia muito animado com aquilo, olhando tristemente para Annia.

- Não sei se consigo fazer alguma coisa. As feridas não são tão profundas nem graves, com excessão dessa no peito e bem, se ele sangrar por muito mais tempo...

Ainda com a mão sobre a ferida, An curvou-se sobre ele e eu vi que algumas lágrimas escapavam pelo canto de seus olhos, por mais que ela tentasse rete-las.

- An, quem é ele? – perguntei por fim.

Ela demorou um pouco para responder, provavelmente procurando não deixar sua voz tremula.

- Dian é meu irmão mais velho... – murmurou com um fio de voz.

Arregalei os olhos.

- Sério? – exclamou Jay, tão surpresa quanto eu.

Annia respirou fundo e olhou mais seria para Rynden.

- Pode pelo menos, tentar amenizar o sangramento?

- Acho que sim...

O mago se ajoelhou do outro lado, tocando a testa do loiro com a ponta dos dedos e fechou os olhos, resmungando um feitiço.

An tirou a mão do corpo dele e observou enquanto as marcas mais superficiais sumiam e o ferimento maior fechava um pouco.

Rynden fez um movimento meio brusco com a mão e uma fita branca apareceu. Fita não, bandagem, igual a que estava enrolada na mão direita de Annia, só que a dela era preta. Usou o tecido para estancar o sangramento no peito dele, que grunhiu de dor quando Rynden pressionou o machucado

- Ele vai ficar bem...

Annia soltou um moxoxo e se levantou, apertando o punho da espada onde estava o Talismã.

Pela primeira vez, parei para examinar seu rosto. Ela tinha uma marca no rosto que descia desde a metade de sua bochecha até a parte de baixo de seu queixo. Em seu braço havia outra marca semelhante, que achei melhor não perguntar de onde viera.

- Onde eles estão? – perguntou ela, parecendo ranger os dentes.

- Vai até lá?

- Vou.

Ela parecia decidida.

Suspirei, me levantando de onde estava e batendo o pó de minha calça.

- Fazer o que... Sozinha você não vai, An – encostei em seu ombro, sorrindo e depois peguei sua mão.

Ela demorou um pouco, mas o retribuiu, sorrindo de canto.

- Eu também vou... – Jay apressou-se e se colocou ao lado direito de An, pegando a mão dela e sorrindo.

An sorriu ainda mais, apertando minha mão e provavelmente a de Jay.

Depois ficou um pouco mais séria, soltando-nos e tirando aquele Talismã de sua espada, erguendo-o a altura de seu rosto enquanto apertava.

Senti o ambiente esquentar a nossa volta, como se todo o calor se concentrasse perto daquilo. Parecia ser de vidro e dentro uma pequena chama se agitava. Uma faixa prateada com varios detalhes de grandes incendios e coisas queimando passava em torno desta.

Quando olhei para o rosto de An, me assustei um pouco, pois seus olhos vacilavam entre a cor azul de sempre e um laranja intenso, como se seus olhos estivessem em chamas.

Era... Bizarro...

- Façamos assim... – disse ela de repente – Vocês dois, e quem mais quiser vir, cuidem dos monstros e do gigantão. Deixe Senrir comigo.

- Nem pensar! – quem interrompeu dessa vez foi Kaled – Você enlouqueceu? Senrir é bem mais perigoso do que parece...

- O que esta insinuando? – perguntou Rynden, parecendo ofendido, mas Kaled fez um gesto de indiferença com a mão como quem diz: esqueça.

- Eu sei! Por isso eu treinei esse tempo todo! Confie em mim! Eu sei que posso fazer isso! – replicou, An.

Mas ele negava com a cabeça.

- Annia, preste atenção. Mesmo que tenha esse Talismã não será a mesma coisa! – ela bufou.

- Será que dava para me dar uma chance? Se vocês virem que eu não vou conseguir, podem intervir!

Kaled ainda parecia indeciso e agora que eu pensava bem, deixar Annia cuidar sozinha de Senrir seria mesmo muito perigoso. Só não sei para qual dos dois.

Annia pareceu ter ficado muito irritada com isso, jogando o Talismã na direção de Kaled.

- ÓTIMO! Faça você então! – disse enquanto jogava.

Mas ao inves de pegar o Talismã, Kaled desviou dele.

- O que é agora?

- Eu não posso encostar nele.

- Porque não?

- Porque foi você que matou o Guardião, então ele pertence a você agora. Se algum de nós tentar encostar ele nos queima. Para se tornar o novo dono do Talismã, teria que matar o atual – explicou ele, chutando a bolinha de volta para ela.

- Então me deixe dar um jeito em Senrir! Eu sei o que ele quer! Sei o que ele tem e o que faz! – Annia pegou o Talismã e colocou de volta na espada – Não importa o que você diga, eu vou!

Kaled suspirou.

- Eu já devia ter aprendido que não adianta dicutir com você... – resmungou ele.

Annia virou-se para mim e para Jay, jogando a cabeça para o lado, gesticulando para nós a seguirmos. Airy resolveu ficar cuidando de Dian, já que ela mesma havia dito que atrapalharia se fosse conosco. Annia não gostou muito da ideia no começo e foi bom ver que ela estava normal novamente, chamando Airy de “Sarnenta”. Quando saimos todos os outros nos seguiram, assim assim como o esperado.

Bem, eu poderia descrever a luta inteira, como quando os achamos, Senrir estava usando um Talismã parecido com o de An, só que com uma energia arroxeada no meio e com as bordas douradas, e ficou muito bravo quando Annia o empurrou para o lado. Ou quando An ficou presa pelos pés em uma especie de areia movediça e Sky conseguiu a soltar, puxando-a pela cintura. Annia havia ficado tão atordoada que mal notara quem era ali.

Lihios, Kaled e Rynden tentavam de todas as formas manter Heril ocupado, mas parecia bem dificil, enquanto eu, Jay e Sky cuidavamos dos monstros.

Foi então que Annia fez algo que eu achei coisa de louco.

- AFASTEM-SE O MAXIMO POSSIVEL! – gritou ela.

Sem pensar, nos afastamos, correndo pela floresta. Eu – que estava em forma de lobo – me transformei em uma águia e sobrevoei o lugar em que estavamos. Agnot estava bem longe.

Vi quando An moveu os braços, passando-os em arco em torno de si mesma e então uma bola de fogo a envolveu. Senrir percebeu o que ela faria, mas não consegui ver mais nada pois a bola de fogo expandiu e o calor começou a ficar insuportavel.

Voei para perto dos outros e vi que eles também estavam muito cansados e com calor. Chegamos a clareira onde estava Airy, cuidando de Dian. Ela arregalou os olhos ao ver a explosão atras de nós.

- Droga! O que vamos fazer? – praguejou Lihios.

- Juntem-se! – Jay pegou a mão de Rynden e senti meu sangue ferver nas veias, mas fiquei lá, quietinho, em forma de humano de novo.

Era só para o feitiço.

Só me lembro de um escudo em torno de nós e depois tudo a minha volta ficou laranja.

**

Abri os olhos sentindo um cheiro muito forte de queimado. Minha garganta estava seca, de modo que quando fui respirar, acabei tossindo e meus olhos ardiam.

Sentei-me com dificuldade e olhei em volta, vendo o que havia restado do lado sul da Floresta Proibida. As árvores não passavam de cinzas no momento e a grama mal existia mais. Os outros também estavam acordando no momento, todos cobertos com a fuligem escura.

Sky agitou os cabelos castanhos com as mãos, limpando a fuligem.

- Cade a Annia? – perguntou ele.

Boa pergunta. Ela era o centro da explosão e não tinhamos a minima ideia do que poderia acontecer à ela.

Nos levantamos depois de checar se todos estavam bem voltamos para o lugar de antes, caminhando com cuidado pelo que sobrara da floresta. Jay e Rynden estavam mais cansados do que a maioria, já que receberam todo o impacto, mas ficariam bem. Dian caminhava apoiado no ombro de Kaled e estes estavam mais a frente.

Finalmente chegamos e para ser sincero, eu esperava mesmo ver dois cadaveres queimados, um gigante e outro igual ao do mago (o que não me incomodaria nem um pouco), mas não encontramos.

Annia estava lá.

De joelhos, provavelmente havia acabado de acordar também. Os cabelos caiam sobre o rosto e estavam muito desgrenhados. O rosto e as roupas estavam completamente sujos e ela olhava para um outro lado, oposto ao caminho de Agnot.

- Eles fugiram... – foi tudo o que disse com a voz fraca antes do irmão se ajoelhar ao seu lado.

An encostou a cabeça no ombro dele e fechou os olhos. Estava mesmo exausta.

- Olhem pelo lado bom. Conseguimos impedir eles de pegar o que quer que fosse... – comentei.

- Talismã do Espírito... Onde sera que ele estava? – perguntou Jay, apoiada no ombro de Airy, que não parecia reclamar.

Ninguém respondeu. Pois ninguém tinha nenhuma ideia de onde estava o tal Talismã. O que nos restava fazer era tentar saber mais sobre eles.

- Annia. Acho que você tem muito para nos contar...