O Diário de Uma Heroína escrita por Kagome_


Capítulo 10
Capítulo 10




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Eis o que acontece quando você impede que um louco mate o presidente:

De repente, todo mundo (todo mundo, no mundo inteiro) quer ser seu amigo.

Falando sério.

E não é só gente que envia balões desejando melhoras. Quando cheguei em casa do hospital, tinha 167 mensagens na nossa secretária eletrônica. Só umas vinte eram de pessoas que eu de fato conheço mais ou menos e tipo, de gente como a minha avó ou a Sango ou alguém assim. Todo resto era de repórteres e de gente igual a Kagura, que parecia ter esquecido tudo a respeito daquele negócio de fonoaudiologia.

- Oi Kagome – ela cantou com aquela voz falsa de Kagura – Sou eu, a Kagura! Só estou ligando para saber se você quer vir à minha festa no próximo sábado à noite. Meus pais vão estar em Aruba, então a gente vai detonar! Mas só vai ser legal se você vier.

Não dava pra acreditar. Tipo, é de se pensar que a Kagura pelo menos tentaria ser um pouco mais sutil do que isso. Ela não me convidava para ir a uma festa na casa dela desde a segunda série, e lá estava ela, fazendo as pazes como se nunca tivéssemos deixado de ser amigas. Era irreal.

Mas a Kikyo não dividia minha revolta. Ela só mandou:

- Que legal, festa na Kagura. Vou levar o Kouga.

Ao que meus pais responderam, em uníssono:

- Ah, não, não vai não – e logo aproveitaram para falar também que não tínhamos permissão para ir a festas onde não houvesse pelo menos um adulto responsável. Principalmente se fosse na companhia do Kouga, que foi pego nadando pelado na piscina do Clube de Campo, no último natal.

A Kikyo não pareceu muito preocupada com o fato de nossos pais dizerem que ela não poderia levar o Kouga à festa da Kagura. Em vez disso, foi até a janela para acenar um pouco para os repórteres.

Mas o recado da Kagura nem era o mais inacreditável. Também recebemos ligações de metade dos repórteres que tinham estado na coletiva de imprensa, querendo saber se era possível marcar entrevistas exclusivas comigo.

Fala sério. Como se desse para ficar falando uma hora da minha vida. A minha vida não passa de uma série de humilhações, uma seguida da outra.

Depois, foram as ligações das empresas de refrigerante. Fala sério. A Coca-Cola e a Pepsi queriam saber se eu estava interessada em assinar contratos de propaganda. Tipo, como se eu fosse ficar parada na frente de uma câmera e mandar: “Beba Coca-Cola, como eu faço. Daí você também pode se jogar em cima de qualquer maluco e quebrar o pulso em dois lugares!”.

Finalmente, o recado mais perturbador de todos, era aquele que eu mais temia. Cheguei mesmo a esperar, contra todas as possibilidades, que essa mensagem não estivesse mais lá quando ouvimos todos os recados de novo. Mais eu estava errada. Super errada.

Porque o recado número 164 continha o seguinte texto, falado por uma voz bastante conhecida:

- Kagome? Oi, aqui é a Ayame Boone. Sabe como é, do ateliê. Kagome, eu gostaria muito que você me ligasse assim que receber este recado. Precisamos conversar a respeito de algumas coisas.

Ao ouvir isso, é claro que eu entrei em pânico. Pronto. Todas as súplicas para os caras do Serviço Secreto foram em vão. Meu segredo estava destruído. Eu estava morta.

Precisei retornar a ligação da Ayame Boone em segredo, e por isso precisei ficar rodeando meu pai e esperando ele terminar de falar com a companhia telefônica para que trocasse o nosso número, por um que não tivesse na lista. Tivemos de fazer isso porque algumas das 167 mensagens tinham sido um pouco efusivas demais, você sabe do que eu estou falando. Uns caras tipo o sr. Esquisito, que queriam mesmo, mesmo, me conhecer. Aparentemente, para eles, minha foto pavorosa da carteirinha de estudante não era nada desanimadora.

Bom, quando o papai acabou de falar com a companhia telefônica, eu retornei a ligação da Ayame Boone (mas só depois de pedir conselhos para a Sango).

- Jantar? – foi tudo o que conseguiu dizer – Você leva uma bala pelo presidente e tudo o que ganha é um jantar?

- Eu não levei bala nenhuma por ele – Lembro a ela – E é um jantar na casa dele. E podemos, por favor, não nos desviar do assunto em questão? O que é que eu vou falar para a Ayame Boone?

- Qualquer um pode jantar da casa presidencial se pagar bem – Sango parecia verdadeiramente revoltada – Eu achei que você ia ganhar algo melhor do que um simples jantar. Você deveria receber pelo menos uma medalha de honra, ou qualquer coisa assim.

- Bom – respondi- Talvez eu receba. Talvez eles me dêem uam no jantar. Mas me fala, o que é que eu vou falar para a Ayame Boone?

- Kagome Higurashi – disse Sango com uma voz mais próxima da impaciência que eu jamais escutara falar – Eles não entregam medalhas durante jantares. Fazem uma cerimônia especial para isso. E você salvou a vida do presidente. Sua professora de desenho não vai ligar que você cabulou aquela aula idiota.

- Não sei, Sango – respondi- Tipo, a Ayame Boone é muito séria quando se trata de arte. Ela deve estar ligando para me expulsar do curso, ou algo assim.

- E daí? Eu achava que você queria ser expulsa da aula. Eu achei que você odiasse aquilo, não estou certa?

Pensei sobre o assunto. Será que eu tinha odiado? Bom, não aparte de desenhar. Isso tinha sido bem divertido. E também gostei da parte em que o Inuyasha disse que gostava da minha bota.

Mas o resto (como ela me humilhou pelo troço do abacaxi), tinha sido bem vexatório.

No geral, concluí, ser expulsa da aula de arte até que não seria nada mau.

Assim que terminei de falar com a Sango, disquei o número da Ayame Boone, ansiosa para acabar com aquilo de uma vez.

- Hum, oi – falei, hesitante, quando ela atendeu – Aqui é a Kagome Higurashi.

- Ah, olá – respondeu a Ayame Boone. Ouvi um grasnado ao fundo. Com certeza era o Joe. – Obrigada por retornar a minha ligação, Kagome.

- Hum, não tem problema – respondi. Depois, eu respirei bem fundo e arrisquei – Olha, peço mil desculpas pelo outro dia. Não sei se a senhora soube o que aconteceu...

Ayame Boone me surpreendeu quando começou a rir.

- Kagome, não existe ninguém ao sul do pólo norte que não saiba o que aconteceu com você na porta do meu ateliê ontem.

- Ah – fiz eu. Então eu me apressei para falar logo a mentira que eu tinha inventado. Se eu fosse o Kouga, teria simplesmente contado a verdade.

Mas já que eu não sou ele, simplesmente articulei a primeira coisa que veio a minha cabeça.

- O negócio é que... é, eu não fui à aula porque estava chovendo muito, sabe como é, e eu fiquei toda molhada, e não quis ir à aula molhada, sabe como é, então dei uma parada na Four Seasons para me secar, sabe como é, antes da aula, e daí eu não sei o que aconteceu, mas acho que eu tipo perdi a noção do tempo, e quando eu percebi, já...

- Isso não tem a mínima importância, Kagome – Ayame Boone para minha grande surpresa, interrompeu. Reconheço que não foi a melhor mentira de todas, mas foi a

melhor que eu consegui inventar – Vamos conversar a respeito do seu braço.

- Meu braço? – olhei para o gesso. Estava tão acostumada com ele agora. Era como se sempre ele estivesse lá.

- Isso mesmo. Você quebrou o braço que usa para desenhar?

- Hum, Não.

- Que bom. Então, vejo você na aula da terça-feira?

Foi então que um pensamento nada generoso me ocorreu. Pensei que a Ayame Boone, igual a Coca-Cola e a Pepsi, só queria que eu continuasse na escola de arte dela para usar a minha celebridade para se promover.

- Veja bem, sra. Boone – comecei, imaginando como é que eu ia falar o que tinha para dizer de maneira a não ofendê-la. Porque, sabe como é, ela parecia uma senhora bem legal, tirando a história de não ter gostado do meu abacaxi e tal.

- Ayame – corrigiu ela.

- Como?

- Pode me chamar de Ayame.

- Hum. Está bem. Ayame. Acho que não vou ter muito tempo para ir à aula de desenho agora – e daí que isso não tinha a menor chance de funcionar? Valia a pena. E era melhor do que falar a verdade. Era totalmente razoável a desculpa de não sair por causa dos repórteres e tal.

- Kagome – interrompeu Ayame Boone, com um tom de voz muito franco – Você tem muito talento, mas nunca vai aprender a desenhar bem mesmo se não parar de pensar tanto e começar a enxergar. E você só vai conseguiu fazer isso se se dedicar a aprender.

Aprender a enxergar? Fala sério. Talvez a Ayame Boone pensasse que os meus olhos, e não o meu braço, tinham sido afetados pelo pequeno embate de que participei na porta do ateliê dela.

Tarde demais, percebi o que ela estava tentando fazer. Exatamente aquilo que o Kouga estava me alertando. Ela estava tentando me transformar em um clone de arte!

Mas antes de que eu pudesse dizer algo do tipo: “Não, obrigada, sra. Boone, não estou interessada em ser transformada em mais um dos seus robôs pintores”, ela mandou:

- Vejo você na aula da terça-feira, ou então vou ter que dizer aos seus pais como todos nós sentimos a sua falta ontem.

Uau. Isso sim que era ser ríspida. Ríspida demais.

- Hum – resmunguei. Desisti de lutar contra o sistema. – Tudo bem. Acho.

- Muito bem – respondeu ela, e desligou o telefone.

Ela tinha me pegado. Tinha me pegado na curva, totalmente e, pior de tudo, ela sabia disso. Ela sabia!

E daí eu ia ter que voltar lá... voltar para a aula da Ayame Boone com todo mundo da classe sabendo que eu tinha cabulado a última aula. E provavelmete sabendo também por que eu tinha cabulado. Sabe como é, por causa daquele negócio de ser humilhada publicamente na sessão de crítica da aula anterior.

Caramba! Que sacanagem!

Eu estava ali parada, sacudindo a cabeça, quando a Kikyo entro no meu quarto sem bater na porta, como ela sempre fazia.

- Pronto – declarou.

Naquele instante eu já devia ter percebido que estava encrencada, porque a Kikyo estava munida de uma prancheta e uma caneta. Além disso, estava usando a roupa com mais cara de executiva que tinha.

- Amanhã, programei pra você almoço e compras com as garotas – disse consultando a prancheta – Depois, amanhã à noite, você, o Kouga e eu vamos ver o filme novo do Johnny Depp. Você vai ter quer fazer uma aparição tanto na sessão de cinema quanto na pizzaria Kizu’u depois. Daí, no domingo, temos um brunch com a equipe de animadoras de torcida, depois do jogo. Daí, no domingo à noite, é o jantar com o presidente. Não dá para escapar desse aí, eu já tentei. Mas talvez, depois do jantar, alguém possa nos levar rapidinho até a Kizu’u de novo, só pra ver o que está rolando. Daí, na segunda-feira... presta muita atenção agora, Kagome, porque é importante... na segunda-feira a gente vai lançar o seu novo visual. Além do mais, você também vai ter que acordar mais ou menos uma hora antes do normal. Tipo assim, não mais pra você sair da cama e vestir a primeira coisa que vê na frente e ir para a escola como se estivesse fazendo algum trabalho comunitário e ninguém fosse prestar atenção em você, ou qualquer coisa assim. Você vai mesmo precisar começar a se esforçar. Além disso, vai demorar pelo menos meia hora, todo dia, para arrumar o seu cabelo.

Fiquei olhando para ela, atônita. 

- Quê? O que você está... dizendo? – falei bem devagar porque de repente a minha língua parecia um peso morto.

A Kikyo parecia siderada. Daí, ela se jogou na minha cama, entre mim e o Buyo.

- Bobona, agora você tem uma agenda social – informou Kikyo – A partir de agora, eu organizo todas as suas aparições públicas, ta bom? Você nem precisa se preocupar. Não que vá ser fácil. Não me leve a mal. Tipo, vamos encarar, sua cotação está meio baixa. E o fato de você andar com a Sango não ajuda em nada... ela é bem legal e tal, mas tem problemas sérios com a moda. Dá pra superar se você, sabe como é, para de falar com ela na escola, ou qualquer coisa assim. Mas bom, a única coisa que eu preciso saber é se você tingiu todas as suas roupas de preto? Tem certeza de que não sobrou nadinha?

- Kikyo – murmurei. Não dava para acreditar que aquilo estava acontecendo – Sai do meu quarto.

A Kikyo jogou em cima de mim todo aquele cabelo comprido e sedoso dela.

- Ah, Kagome, dá um tempo. Não faz isso. Uma oportunidade dessas não aparece todo dia. A gente precisa aproveitar quando vem. É igual àquela história grega da felicidade com cabelo na testa, que o papai vive contando. A gente tem que agarrar pelo cabelo quando chega, e se deixar passar já era, porque atrás é careca. Se bem que, se eu fosse ficar com um careca, deixava passar, porque aí não dá, né.

- KIKYO! – gritei com toda a força, pegando um sapato e jogando na direção dela – SAI DO MEU QUARTO!

A Kikyo desviou do sapato e, com ar de ofendida, levantou-se para sair.

- Credo – reclamou – A gente nem pode tentar fazer um favor pra alguém. Você vai ver se algum dia vou ajudar você de novo.

Então, para meu imenso alívio, ela saiu do quarto batendo o pé, deixando-me sozinha com minha falta de popularidade.


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