Sand Grains escrita por Venus Noir


Capítulo 1
I Meet my Soul Mate for the Nth Time




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A primeira vez que vi Zhou Mi, ele estava marcando a enseada com os pneus de sua Honda 1976. Era a décima oitava vida consecutiva que nós nos encontrávamos, mas, na época, nenhum de nós sabia disso. Na época, nós não sabíamos de muita coisa, então era perdoável que não nos lembrássemos de nenhuma das muitas ocasiões em que estivemos juntos.


Eu me recordo bem, entretanto, daquele fim de tarde em que bati o olho nele – instantaneamente, meu sangue me subiu à cabeça. A discrepância de ter um forasteiro violando as areias do meu litoral era intolerável. Uma audácia, e eu estava indo tirar satisfações com ele assim que conclui que ele não tinha o direito de estar ali. Estava no alto do farol, mesmo assim, desci suas escadas em questão de segundos.


Eu não era nem um pouco amistoso com aqueles marinheiros imprudentes e bêbados que vinham à ilha só para causar baderna – eu pensei que ele fosse um destes. Assim como meu pai, eu assumira o compromisso de cuidar do Farol. Assim como meu pai, eu estendera essa responsabilidade a todo o resto, portanto, até os grãos de areia e as ínfimas gotículas do oceano também era de minha alçada cuidar. E eu iria dizer isso àquele homem. Comporte-se decentemente enquanto estiver por aqui. Diria isso num tom veladamente ameaçador, porém claro e conciso. Seria o bastante para mantê-lo nos eixos durante sua estadia ali. Era o que eu esperava, tendo nenhuma ciência de que ele tinha vindo como seguindo um chamado. Um chamado que o guiava até a mim e, por mais que eu tenha lamentado por isso algumas vezes, o nosso primeiro encontro não deveria ter sido menos hostil. Aquela animosidade vinha de algumas de nossas estadas sobre essa terra e não seria desfeita tão rápido. Nem sempre havíamos nos tratado bem, apesar de sempre termos compartilhado do mesmo sentimento. Havia feridas remanescentes que foram abertas havia séculos, eras. Até em outros planos, nós nos tínhamos machucado um ao outro.


Essa vida, porém, era o que se chamaria de reconciliação total. Eu o amaria, e ele me amaria, e não havia nenhum outro empecilho, a não ser estes: éramos dois homens, eu o filho de um faroleiro destinado a cuidar daquele lugar até minha morte, ele um artista circense que nunca passara mais de três meses em um mesmo local. Ele rodara o mundo e meu universo se restringia àquela ilha. Quais as chances de aquele homem permanecer comigo? E eu tinha planos de ir embora dali nunca. No entanto, pelos três meses em que ele esteve junto a mim e me apresentou às delícias e dissabores do que havia lá fora, eu mudei radicalmente de ideia.


Ao fim de cerca de noventa dias, eu estava indo embora para sempre, para o total desconhecido, montado na garupa daquela moto feia e velha, riscando as areias e contemplando o horizonte azul, e eu havia partido. Pelo resto daquela minha existência, eu assisti todas as noites Zhou Mi acelerando sua motocicleta dentro do globo da morte, a plateia aplaudindo seus feitos e suas manobras loucas naquela esfera. Eu sempre tinha um saco de pipoca nas mãos, o qual ele me dava antes de sua apresentação começar. Eu só comia depois que ele terminava, ou iria engasgar de tanta apreensão.


Foi uma existência gloriosa e, ao fim dela, eu realmente pensei que não precisasse voltar novamente. Mas nós ainda tínhamos um sem número de reconciliações a fazer.


Reencarnamos até que a Terra se dissolvesse na cobiça incontrolável dos homens. Quando não havia mais chance de sobreviver nesse planeta, migramos para outros. Visitamos planícies remotas e inimagináveis a um humano comum. Por fim, éramos dois seres de luz meditando frente a uma nébula belíssima, contando e recontando nossa história infinita a qualquer coisa que se dispusesse a nos ouvir. Como todos os outros espíritos, nós narrávamos nossas inúmeras vidas feito trovadores por que era assim que a ordem funcionava. Assim que nós criávamos o que se chamava de inconsciente coletivo nas mentes dos que estavam para encarnar.


Não sei se relatar o que vivemos influenciou algum deles a se tornar uma alma melhor, mas eu vi de longe algumas almas realmente passionais e encantadas pela vida, assim como nós havíamos sido. Eu acho que saber do que um punhado de areia, alguns pontos minúsculos na abóbada celeste, e um copo de água marina podem fazer de bom com uma mente alquebrada deu-lhes alguma esperança. Talvez eu já tenha contado essa história a você também. O tempo como você o conhece só existe nesse plano e, se é que você já não conhece essa regra, devo salientá-la. Talvez nós nos tenhamos conhecido no fim de tudo, e você voltou até aqui, no ano de 2011, onde tudo está por um fio e todos teimam em negar isso. Talvez sejamos velhos conhecidos e você tenha sido até um dos atores desta novela que durou milênios, o fato é que ouvi-la de novo não vai lhe soar repetitiva.


Então, se você se dispôs a me escutar, eu espero que seja paciente. Eu a dedilharei na calmaria de águas paradas, e sequer garanto terminá-la. Como dar fim a algo que não teve começo e que jamais se finda?


De qualquer forma, essa é a história de como eu conheci Zhou Mi.



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Notas finais do capítulo

Eu fui chamada de enrolada e, pra provar que eu não sou, escrevi o começo de uma fanfic épica que vai ser do tamanho de Guerra e Paz. ):
Com certeza não vai ser tão grande, eu sou muito exagerada... orz Mas essa é, definitivamente, a última fic que eu escrevo. Quando eu terminá-la, adiós. Antes disso, porém, eu vou terminar Above the Rainbow (don't worry, rainbownettes ♥) e escrever algumas outras shortfics, mas depois , niente. E vou levar alguns anos até voltar a escrever e, quando voltar, vou escrever um livro cuja dedicatória vai ser mais longa do que a própria história.
Eu acho que essa nota foi totalmente desnecessária. ):
Enfim. Espero que vocês gostem também. ♥