Someone To Call Mine II escrita por Gabi G


Capítulo 6
Capítulo VI




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Edward checou o relógio pela vigésima vez em dez minutos e praguejou alto ao constatar que Melanie já devia ter chegado há meia hora. Ele apostava que Thomas estava se aproveitando do acordo que fizeram para se aproveitar de sua filha.

— Sujeitinho traiçoeiro do cacete... - Ele murmurou furioso enquanto abria uma cerveja.

— Eita, quem dessa vez? - Adam sorriu enquanto fechava a porta e se aproximou do pai que estava sentado ao bar. - Deixe- me adivinhar essa. Começa com ‘Tho’ e termina com ‘mas’.

Edward bufou. - Sua irmã já tinha que ter chegado. Há meia hora. Eles estão abusando da minha boa vontade e paciência.

Adam arqueou a sobrancelha. - Desculpa pai, mas... Que boa vontade? Você disse ao Tom que se tocasse na Melanie, o doparia e praticaria sua primeira cirurgia plástica nele. De mudança de sexo.

— Ora, eu concordei com estapafúrdia de ele ir buscá-la na escola depois do assalto. Mesmo sabendo o que ele quer fazer com a minha filha. Se isso não é boa vontade, o que é?

— Falta de opções. - O futuro médico balançou a cabeça, mas não comentou nada.  - Olha, eu vou estar no meu quarto estudando, ok? E lembre-se, hoje é o seu dia com a máquina. A mamãe vai falar décadas se você esquecer de novo...

Ele mal terminava de falar, o celular de Edward tocou. O rapaz gargalhou e murmurando um ‘aposto que é ela’, foi para o seu quarto tomar um banho enquanto seu pai atendia.

— Olá, mon Isabelle.

Oi, meu amor. Já colocou a roupa na máquina?

Grunhindo, Edward colocou a cerveja sobre o bar. - Eu estava indo fazer isso agorinha mesmo.

Você não estava, não. - Isabella acusou.

— Claro que eu estava. Acontece que sua filha ainda não chegou e você viu que horas são? Quase cinco horas e ela não chegou!

O fato de que ele já tinha adicionado mais meia hora ao real atraso foi ignorado pelo médico.

Revirando os olhos três vezes, Bella mudou o celular de ouvido. - Edward, corta o exagero. Eles devem ter parado para comer alguma coisa...

— É esse o meu medo. - Ele insistiu. - Eu sabia que essa era uma péssima idéia. Eu acho melhor voltar ao plano inicial de um de nós ou Adam ir buscá-la e -

Nós já conversamos sobre isso, Edward. O horário de Tom bate com o dela, então pare de show. E se eles quiserem ficar juntos, isso vai acontecer, quer você queira ou não. - Ela declarou impaciente e logo continuou antes que ele continuasse a resmungar. - Você já falou com Adam como eu pedi?

O médico grunhiu outra vez. - Bella, deixe o garoto em paz. Ele sabe o que ele está fazendo. Por que você tem que interferir?

Edward, vá falar com ele. Agora.

— Eu não gosto desse seu tom. Parece que você tem o controle sobre tudo e todos, o que isso?

Ambos estavam cientes do sorrisinho na voz dela. - Vá logo, Edward. Por Deus, quanto mais velho, mais resmungão você fica. Que encheção de paciência.

— Se eu estou ficando velho, você também está. - Ele contradisse e logo se arrependeu. - Está vendo o que você me obriga dizer, meu amor? Coisas que eu não penso...

Você sabe que amanhã vai dormir no sofá.

— Mas Bella, nós já não vamos dormir juntos hoje... Você não tem pena de mim? E amor, você sabe que tem alguns dias que nós não...

Chega. Vá falar com Adam e depois coloque a roupa na máquina.

— Mas, amor...

Ele praguejou quando a ligação ficou muda. Mas que inferno. Ele já não ia dormir com a esposa naquele dia por causa da droga do plantão, e agora ia passar outra noite sem ela. Havia castigo pior? Que droga.

Irritado, ele ligou para o celular de Mel. Por duas vezes, ela não atendeu. Praguejou mais um pouco, e não se dando por vencido, passou uma mensagem que era para ela voltar para casa naquele instante. Não satisfeito, passou outra ameaçando a vida do moleque com quem ela estava. Uma morte lenta e dolorosa.

Mais aliviado, mas nem de perto contente, ele primeiramente foi colocar a roupa na máquina para que assim não esquecesse. Era um daqueles momentos em que ele parava para notar o quão enrolado em seu dedo Bella o mantinha. Sabe se lá por que, ele não a mudaria em nada.

Quando terminou, bateu na porta do quarto do filho. Adam murmurou que era para entrar sem levantar os olhos do livro que lia e das anotações que fazia. Edward entrou e se sentou ao lado do filho.

Percebendo a expressão de Edward, o rapaz arqueou a sobrancelha. - O que aconteceu?

— Eu preciso conversar com você. Sua mãe ficou me amolando.. - Edward murmurou exasperado, por que a esposa não estava por perto para ouvi-lo.

Adam sorriu lentamente. - Sério, foi sempre assim? Ela estala os dedos e você diz que sim?

Com seu ego extremamente ofendido, Edward balançou a cabeça. - Eu acho que sim. Piorou com o casamento.

Os dois gargalharam por um momento, então o médico completou. - Você vai acabar assim também, eu sinto te informar. Você é parecido demais comigo.

— Se você diz... Mas eu não acho que me importaria, desde que fosse com alguém igual a mamãe. Mas tinha que ser idêntica.

— Não há ninguém como ela. - Ele murmurou com uma entonação amorosa, embora estivesse irritado com a dita cuja no momento. Adam percebeu os olhos do pai suavizando como todas as vezes que falava de Bella. - Enfim, o ponto é que... Ela queria que eu falasse com você sobre Tess.

— E por que ela não veio falar comigo? - Adam questionou divertido, embora soubesse perfeitamente.

Edward sorriu, com deboche. - Ela não sabia como tocar no assunto depois do... episódio no jardim. - Os dois gargalharam novamente. - Ela quase não dormiu essa noite, sabe? Ficou repetindo e repetindo a mesma coisa até que eu tivesse que colocar o travesseiro sobre a cabeça. 

Adam riu. - Imagino. Tudo bem, manda ver. Você vai ter que contar que eu disse alguma coisa a ela.

Edward se moveu por um momento, omitindo o fato de que ele também queria saber o que estava acontecendo entre os dois. - Pois é, filho. Sua mãe queria saber o que está acontecendo entre vocês.

— E eu disse para ela ontem, assim que voltei. Sabia que ela ia ficar encucada. Eu não posso definir o que temos, ainda, mas eu realmente quero algo com ela. Tipo, algo sério.

— Ela sabe disso? Tess?

— Não, mas ela vai ficar sabendo. O problema é que Tess gosta de estar no controle das coisas, e não entende que certas coisas não se controlam.

— Hum. - Edward colocou uma mão sobre o ombro do filho. - Só... Toma cuidado, filho, ok? Eu gosto muito da Tess, de verdade, mas lembre-se que ela passou cinco anos longe daqui. Ela formou outro pensamento ficando sozinha por tanto tempo, apenas contando e dependendo de si mesma.

Adam sorriu, como se pudesse fazer qualquer coisa no mundo. - Eu sei de tudo isso, pai. E eu sou uma pessoa paciente, você sabe. Ela vai acabar cedendo. Mais cedo do que pensa e não vai nem saber como aconteceu. Eu vou me encarregar disso.

— Adam, eu não estou dizendo que não é para você ser confiante, mas não esqueça que você não controla mais as coisas do que ela.

— Eu não vou controlá-la, vou amaciá-la. É diferente.

Edward entendia que era, mas ainda sim se sentiu obrigado a dar mais um aviso. - Tudo bem, filho. Faça o que achar certo, mas procure entendê-la, está bem? Vai ser mais complicado do que parece e a vontade de desistir será grande, mesmo que por lá você tenha grandes sentimentos por ela. Digo por experiência própria.

Adam conhecia a história de seus pais tão bem como qualquer membro da família, talvez mais. Ele realmente acreditava que mais por que tinha uma conexão extraordinária com seu pai. Tão ligado a ele que por vezes parecia poder sentir o que sentia. O rapaz sabia, sem precisar ler pensamentos, que seu pai estava preocupado que fosse cometer os mesmos erros que ele. Mesmo que a história dele com Tess não fosse nem de perto tão intensa como a de seus pais. Ao menos, por enquanto.

— Certo. Mas vai por mim, sei o que estou fazendo. Pode deixar comigo. E agora, eu realmente preciso estudar, ok? Fora já daqui antes que eu seja reprovado por sua causa. Como me tornarei um médico assim?

Edward sorriu com orgulho como sempre que o filho falava na medicina com tanto gosto e se levantou, mas quando saiu pela porta não pôde deixar de pensar que seu filho estava inconscientemente subestimando Tess e se superestimando.

***

Passava um pouco das quatro horas da tarde quando Tess adentrou a área da piscina onde estava Lucy. Fez um sinal e logo a baleia apareceu. Tess se inclinou sobre a beirada e acariciou o animal, certificando-se de que estava mesmo recuperada.

Mais cedo naquele dia, a baleia se mostrou indisposta e amuada. Logo foi chamado um veterinário, que constatou que ela deveria ter comigo algo impróprio ou estragado. Era complicado controlar todas as crianças que assistiam aos espetáculos e mais ainda o que suas mãozinhas ansiosas e inocentes poderiam jogar na piscina querendo ‘alimentar o bichinho’.

Era improvável que tivesse sido por maldade, Tess entendia que as crianças não tinham o senso de que os animais tinham um alimento especial, mas não pôde conter a preocupação que lhe rondou a cabeça e lhe apertou o coração o dia todo. Ela sabia que não era culpa de ninguém. A piscina era limpa constantemente justamente para evitar esse tipo de problema, mas acidentes aconteciam.

— Mas você já está bem e pronta para outra, não é garota? - Tess sorriu quando a baleia ergueu a cabeça e fez um som. - Eu sei, eu sei que você é forte... - Gargalhou quando o animal começou a lhe jogar água e fazer sons mais altos. - Eu não posso nadar com você agora... Na verdade, eu tenho que ir tomar banho...

Tess checou o relógio e se lembrou de Adam. Sem notar, suspirou em metade ansiedade e metade preocupação. Por mais que ela se dissesse que sabia exatamente em que pé eles estavam, todas as vezes que falava com ele se sentia menos certa daquilo. Adam era imprevisível e mexia com ela de uma forma intensa demais para o seu gosto.

Lucy chamou sua atenção outra vez, lhe jogando mais água. Tess acariciou sua cabeça com as duas mãos, mas seu pensamento estava longe. Encarou o animal e com um sorriso nervoso, questionou. - O que você acha, Lucy? Eu estou me arriscando demais com Adam?

Ela realmente parou para esperar uma resposta. A baleia esfregou lentamente a cabeça contra as mãos de Tess, fazendo a bióloga sorrir. Era verdade que seus únicos amigos eram de outras espécies. O pensamento discreto de que ela mesma se impunha aquilo lhe cruzou a mente, mas Tess ignorou.

Beijou Lucy como se realmente fosse um ser humano e se levantou. - Até segunda, minha garota. Nada de paquerar muito o George, que eu estou sabendo do romance de vocês...

Lucy fez um barulho, bateu as barbatanas contra a água e então mergulhou. Como se estivesse realmente envergonhada de ter sido pega no pulo. Tess riu alto e balançou a cabeça.

Faltavam dez para as cinco, que era o horário combinado, quando Tess saiu pelos portões do zoológico, mas Adam já estava lá. Encostado no carro que a bióloga sabia ser de Edward e com os braços cruzados despreocupadamente. Ele sorriu quando ela se aproximou, mas não se moveu.

Tess tinha a ambição de fazer uma tese em por que todas as vezes que ele sorria daquele jeito ela se via entre o desejo de correr por segurança e de simplesmente pular nele e arrancar suas roupas. Seria ridículo fazer qualquer um dos dois, então ela sorriu de forma moderada.

— Boa tarde, Adam.

Ela percebeu que o sorriso dele se alargou com sua frase, de um jeito zombeteiro. Adam arqueou a sobrancelha, perguntando-se se ela achava mesmo que ele ia basicamente responder a sua frase comedida e formal e beijar a sua mão como um cavalheiro. O pensamento lhe fez alargar ainda mais o sorriso.

Para Tess, não havia como alguém se mover tão rápido. Mais tarde, ela compararia a sua agilidade com a de uma cobra dando o bote. Bem, bem mais tarde. Naquele momento, em que ele depositou uma mão em sua nuca e a puxou contra seu corpo, ela parou de pensar totalmente. Ela também faria uma tese sobre essa anomalia estranha.

Ele tinha uma boca anormalmente poderosa! Era como se a beijasse como forma de prepará-la para a idéia de que mais cedo ou mais tarde a devoraria por inteiro. E por Deus, ela desejava que ele fizesse exatamente aquilo e se alimentasse dela até que não houvesse mais nada.

Tess o segurou pelos ombros buscando manter-se em equilíbrio e não apenas se liquefazer e escorrer para o chão. Adam adorava a forma como ela correspondia a seu beijo, a ele, aos dois. Quando acontecia, não havia desejo por controle, rótulos ou a interferência da maldita idade. Eram apenas duas pessoas com a vontade de cometer o maior atentado ao pudor da história.

Quando ele a soltou fez uma nota mental de que eles precisavam ficar sozinhos, e logo, antes que transformasse a mera vontade em realidade em público e acabassem presos. Divertiu-se com o pensamento da expressão que sua mãe faria se tivesse que ir pagar a fiança do filho por algo como aquele.

Para se divertir, ele beijou a ponta do nariz dela enquanto notava os lábios da bióloga inchados pelos seus e murmurou. - Ótima tarde, Tess.

Ela pigarreou, duas vezes, e deu um passo para trás. - Você realmente precisa parar de me agarrar assim no meio da rua. 

— Eu bem que queria te agarrar no meio da sua cama, Tess, mas você não me convidou ainda. Acredito que por causa dos meus pais a minha esteja fora de questão?

Ela grunhiu baixinho e rolando os olhos, deu a volta para entrar no carro. Ignorou completamente o sorriso irônico de Adam e sua própria vontade de rir.

Assim que estava sentada e fechou a porta do carro, Tess sentiu um cheiro magnífico de comida, mas não conseguiu identificar o que era.

— Mas o que é esse cheiro maravilhoso?

Adam sorriu e se inclinou sobre ela. - Vem aqui, eu deixo você fungar o meu cangote por outro beijo.

Tess não conteve o sorriso com sucesso dessa vez. - Idiota. - E então olhou para o banco de trás e percebeu a cesta que ali estava. - Piquenique? Nós vamos fazer um piquenique?

Yep. Claro que eu poderia me gabar dos meus dotes culinários dizendo que fui eu quem preparou tudo. Mas acho que você não acreditaria? - Ele comentou, iniciando o carro.

— Não mesmo.

— Foi o que pensei. Mas sempre vale uma tentativa. A verdade é que eu fui até a casa da vovó para ver se conseguia que Summer preparasse tudo para mim em troca de uns amassos.. Wow. - ele murmurou quando Tess lhe socou o braço. - Essa parte foi brincadeira, não há motivos para violência. Foram só uns beijinhos... Ok, ok, era só um sorriso. - Ele acrescentou quando Tess novamente se preparou para socá-lo. - Mas nem foi preciso. Vó Marta, eu sempre me lembro de chamá-la assim ou ganho uns cascudos, estava por lá, para variar querendo roubar o seu emprego de volta e... Adivinha só? Ela fez questão de preparar tudo.

— Não. - Tess sentiu o estômago impaciente com a idéia e quase gemeu em satisfação.

— Sim. - Adam murmurou contente.

— Serei sua escrava eternamente se você me disser que dentro daquela cesta tem a torta de maçã da Marta. - Tess implorou.

— Só o melhor para a minha Sereia. - Adam comentou e não pôde deixar de acrescentar. - E eu adorei isso de você ser minha escrava... Lembre-se: foi você quem sugeriu.

Tess se preocuparia com o brilho no olhar de Adam apenas depois, no momento estava se concentrando em não abrir aquela cesta e se satisfazer naquele segundo.

***

O Alley Pond Park não estava muito cheio quando eles chegaram. Adam insistiu em carregar a cesta e passou um braço pela cintura de Tess, deixando escapar um suspiro contente enquanto começavam a andar. Para Tess, a cena estava um pouco romântica e íntima demais.

— Eu acredito que já mencionei como somos loucos, não já? Ninguém faz piqueniques essa época do ano, Adam. Está frio.

— Exato. Portanto seremos os únicos e estaremos sozinhos. - Adam deixou claro como a idéia o agradava. - E você quer voltar agora, já? Não vai querer nem um pedacinho da torta de maçã suculenta e deliciosa da Vó Marta?

Tess estreitou os olhos. - Você é uma pessoa calculista e manipuladora, Adam.

Ele gargalhou muito satisfeito. - Eu sou. Anda, vamos. Eu sei o lugar perfeito.

—--

Ele sabia mesmo, Tess constatou quando se viu diante do gramado verdinho e do espaço sobre a árvore com suas folhas coloridas. Era o lugar perfeito e ela não estava nenhum pouco a vontade com a sensação de que provavelmente ele tinha ido antes até lá só para procurá-lo causou dentro de si.

— O gato comeu sua língua, Sereia? Serei obrigado a reclamar meus direitos... - Ele riu e lhe beijou nos lábios levemente. - Você gostou?

Ela assentiu com a cabeça e surpreendendo aos dois, passou os braços por volta do pescoço dele e simplesmente respirou por um momento. - Obrigada, Adam. Eu devo estar soando como uma rabugenta mal-agradecida, mas eu tive um dia complicado.

—Hum. Eu te perdoo por que até rabugenta, você fica linda. - Ele depositou a cesta no chão e acariciou sua bochecha. Tess sorriu e lhe deu língua, Adam não desperdiçou a chance de mordê-la suavemente. - O que aconteceu?

— Lucy passou mal. - Ela murmurou com pesar.

— Quem?

— Lucy. Ela é minha amiga baleia.

— Hum?

— Sim. - Tess continuou, sem notar a diversão nos olhos dele. Suspirou um pouquinho e correu os dedos pelos cabelos de Adam. - As crianças geralmente jogam doces ou coisas assim na piscina durante a apresentação. Não por maldade, mas eles realmente não têm a noção de que pode fazer mal aos animais. ‘Só queremos dar de comida a eles também’, justificam-se. Lucy deve ter engolido algo antes que tivéssemos visto.

Ela continuou relatando a triste história sobre o mal-estar de Lucy enquanto Adam tirava de dentro da cesta uma toalha quadriculada nas cores vermelha e branca, para a diversão de Tess, e os dois começavam a distribuir os contingentes pela mesma. Pães, bolos, sanduíches, brownies, muffins, a torta deliciosa de maçã, queijos, sucos e refrigerantes.

Tess tinha certeza de que iria engordar uns três quilos ao se sentir salivar encarando a toda aquela fartura. Adam não lhe ofereceu palavras de consolo, por que não achava o caso tão sério assim e na verdade, estava se divertindo um pouco com sua preocupação desmedida. Não demonstrou, no entanto. Ele se sentou encostado na árvore com Tess posicionada no meio de suas pernas e com as costas em seu peito, enquanto lhe fazia um leve carinho no braço.

Ele ofereceu a ela exatamente o que precisava: relaxamento. Ela suspirou se sentindo leve e os dois desfrutaram de um pouco de cada alimento enquanto respiravam o ar puro e o cheiro da grama verdinha. Para Adam aquilo não poderia ser mais perfeito. Ele podia sentir literalmente o corpo de Tess tão mole que pensou que ela ia pegar no sono.

Sorrindo, ele distribuiu leves beijos pelo seu pescoço. - Dormiu, Sereia?

Com os olhos fechados e completamente satisfeita, Tess sorriu e encostou a cabeça em seu ombro. Estava tão incrivelmente confortável ali que ela não parou para se preocupar que estava gostando daquilo até demais. - Quase.

— Você quer ir? Está cansada? - Ele ofereceu, embora não estivesse contente com a idéia de se separar dela tão cedo.

Ela estava sentindo a mesma coisa. - Não. Vamos ficar mais um pouco. Caramba, eu estou tão molenga que parece que eu acabei de receber uma massagem. Eu sou louca por massagens, sabe? Embora Millie seja mais, do jeito que é preguiçosa.

Lembrar-se da irmã a fez sentir um leve aperto no coração pela última conversa que tiveram. Odiava estar errada. E ainda mais quando bancava a estúpida por que, admitiu para si mesma mais tarde, estava insegura e receosa sobre como agir sobre sua própria vida.

— Eu acho que eu sei alguma coisa ou duas sobre massagens. Tenho especial interesse em massagem tântrica. - Ele mordeu sua orelha ao dizer isso.

Tess gargalhou alto, mas não abriu os olhos. Em um gesto íntimo, ela procurou a mão dele e entrelaçou seus dedos. - Adam, você é um tarado. Estou seriamente pensando que você só me quer pelo meu corpo.

— Eu admito que ajude um pouco. - Ele desceu a mão que roçava o braço dela e lhe acariciou o quadril sugestivamente. “Mas embora você tenha um corpo espetacular, que não deixou meu sono em paz durante toda essa semana que só nos falamos pelo telefone, você tem outras qualidades que me atraem. Você tem um humor seco fantástico, é extremamente divertida e sexy quando está com ciúmes, é extremamente apaixonada pelo que faz e se orgulha disso. Mas o principal - Ele pausou e mordiscou agora seu maxilar. - você está louquinha por mim. 

Tess riu de novo, fez um som de desdém com a boca, mas inclinou a cabeça para trás até que encostasse os lábios nos dele. Adam sorriu em meio ao beijo ao contrário e logo os dois estavam gargalhando juntos.

— Você vai acabar com dor no pescoço assim. - Ele lhe deu mais um selinho e então guiou a cabeça dela até a posição correta novamente.

Ela sorriu para a discreta preocupação dele, segurou sua mão entre as suas a sua frente e observou enquanto brincava com a palma dele entre suas mãos. - Sabe, eu tenho que confessar uma coisa...

— É uma confissão sexual?

Ela lhe lançou um olhar de lado e sorriu um sorriso que deu o troco a todas as brincadeirinhas indecentes que ele fazia. Adam ficou levemente sem ar. - Na verdade, sim. Você quer ouvir? - Ela perguntou docemente e ele apenas a encarou. - Bem, a verdade é que quando você me ligou ontem para me chamar para sair, eu estava pensando em convidar você para jantar lá no apartamento. Eu ia expulsar Millie por algumas horas, sutilmente é claro, para que nós pudéssemos... Sabe, ter privacidade.

Oh, oh, havia um bolo estranho em sua garganta e certa mudança acontecendo dentro de sua calça. Adam concentrou-se no ar puro para clarear sua mente. - E por que não convidou?

A expressão dela se tornou séria. - Acho que... eu achei que talvez estivéssemos indo rápido demais. Quer dizer, eu sabia que você não ia negar. Então pensei que pudesse ser errado. É estranho para mim por que eu não me preocupo com esse tipo de coisa. Eu não saio dormindo com qualquer um, mas não vejo nada de errado com algo mais íntimo se você realmente estiver a fim daquilo. Eu não penso muito, eu só... deixo acontecer, entende? - Subitamente nervosa, Tess respirou fundo e olhou para cima, vendo que o céu escurecia. - Eu sei lá... Com você, eu preciso pensar. É só... Diferente.

Incerto sobre o que devia dizer, Adam hesitou por um momento. - Isso é bom ou ruim?

Ela sabia que ele ia fazer aquela pergunta. Suspirou e se sentou ereta, encarando o céu outra vez. Após dois minutos de silêncio, virou-se e olhou nos olhos de Adam. Sabe se lá por que ela estava se abrindo com ele. Era tudo mesmo diferente.

Enfim, respondeu com a voz carregando certa frustração. - Eu não sei, Adam. Não sei se é bom ou ruim. E é isso que me assusta.

***

Após a conversa que os dois inesperadamente tiveram, permaneceram em silêncio por um tempo pensando sobre o assunto. Tess começava a se questionar se deveria ter ficado de boca fechada ao invés de ter exposto seus pensamentos daquela maneira, começava a se preocupar que pudesse ter quebrado o encanto do momento quando, como se soubesse o que ela estava pensando, Adam murmurou.

— Vamos sair para dançar. - Ele sugeriu, mordendo seu pescoço.

— O quê? - Ela franziu o cenho. - Agora?

— Uhum. Lembra quando eu disse que faríamos o que as pessoas normais fazem? Já saímos, comemos, e agora falta dançar e cantar. - Ele deu um sorriso.

Lembrando-se da conversa, Tess virou o rosto em sua direção. - Eu não vou cantar em lugar nenhum, Adam.

Ele ampliou o sorriso. - Veremos. Mas hoje só estou sugerindo uma dança, não estou pedindo demais.

— Ainda está cedo para encontrar uma boate ou algo assim... E além do mais, eu não estou vestida para...

— Você é maravilhosa demais, ninguém vai ligar para sua roupa, Sereia. Vai por mim, eu sei do que estou falando. Agora, quanto ao tempo... - O brilho no olhar dele foi sugestivo e direto. - Teremos que arranjar uma forma de nos distrair até que ele passe.

Dito isso, subiu a mão pela coluna de Tess lentamente até chegar à nuca e colou sua boca firmemente na dele. 

***

Já era noite há bastante tempo quando os dois começaram a guardar o resto dos alimentos de volta a cesta. Tess estava ofegante e suas pernas estavam demasiadamente bambas, embora ela não estivesse acabado de fazer uma corrida. Adam sabia bem daquilo e mantinha um sorriso irritante no rosto pelas suas recentes atividades.

Tess bufava cada vez que via os seus dentes a mostra. - Pare de fazer essa cara.

Ela dizia a si mesma que era ridículo ficar sem graça, mas enquanto recolhia o lixo e colocava na sacola de plástico, que Adam tinha levado para depois depositar na lixeira, sentia o rosto ficando vermelho quando ele lhe lançava um olhar indecente e íntimo. Tess detestava ficar vermelha.

— Que cara?

— De quem comeu e gostou!

Com aquela resposta, Adam jogou a cabeça para trás e gargalhou com vontade. Tess murmurou impropérios e o ignorou até que ele parasse com as risadas.

— Na verdade, eu só mordisquei, mas sim, gostei bastante.

Quando ela só resmungou em resposta, Adam riu novamente e envolveu a cintura dela com os braços. Tess berrou, xingou-o e se debateu, mas ele não largou. Por fim, parou de lutar e ficou imóvel enquanto ele a segurava.

— Você parece um moranguinho. - Ele a virou e mordeu seu nariz. 

Com aquilo, Tess ficou ainda mais vermelha e cruzou os braços. - Você gosta mesmo de me morder...

— Muito. - Ele desceu as mãos para seu quadril enquanto lhe beijava nas bochechas, no queixo e na boca. - Estou degustando os aperitivos enquanto não posso apreciar o prato principal...

Ela gargalhou. Chamando a si mesma de fraca, continuou gargalhando e balançando a cabeça. Chamando-se de idiota, ela enlaçou os braços em seu pescoço e as pernas em seu quadril enquanto continuava a rir como uma garotinha.

Ele adorava aquilo. Adorava vê-la tentar manter-se séria e inatingível apenas para ceder a suas brincadeiras e provocações. Adorava por que aquilo apenas confirmava o fato de que Tess, embora segura em seus princípios e crenças, podia sim ser persuadida. E lhe dava ainda mais confiança de que ela cederia muito mais. 

***

Eles saíram do parque de mãos dadas quinze minutos depois. Adam levava a sacola de lixo e a cesta de piquenique, tendo insistido em carregar tudo. Afastou-se por um momento para jogar a sacola em uma lixeira próxima e quando chegaram ao carro, os dois viram uma mulher sentada na calçada a metros deles.

Usava um vestido desbotado e os cabelos em um severo coque no alto da cabeça, ao seu lado estavam duas bolsas grandes e pesadas e em seu colo uma criança de aproximadamente cinco anos que chorava a plenos pulmões. Foi primeiramente o som que os chamou atenção.

Adam nem pareceu pensar, Tess constatou, ele simplesmente começou a andar até elas. Ela observou quando a mulher o encarou. Primeiro em medo, depois em desconfiança. Adam sorriu para ela como se fosse uma velha amiga e disse algumas palavras. A mulher que, tinha apenas vinte e nove anos e parecia tão mais velha, cerrou os olhos.

A menininha em seu colo havia parado de chorar em espanto ao olhar para Adam, mas ao sentir o cheiro de comida que vinha da cesta, começou novamente o berreiro. A mulher dirigiu os olhos preocupados à filha e começou a niná-la novamente rezando para que dormisse e que o sono amenizasse sua fome. Seu próprio estômago vazio já lhe vinha à cabeça, apenas o pranto da filha que ela não conseguia atenuar.

Adam falou com a mulher outra vez e agora, sem esperar por aceitação, depositou a cesta no chão ao seu lado. Dividida entre a desconfiança pela bondade daquele estranho e pela necessidade de alimentar a sua filha, os olhos da mulher se encheram de lágrimas. Mordeu o lábio inferior, pedindo a Deus que o estranho não fosse mais uma daquelas pessoas que gostasse de fazer mal aos outros por nenhuma razão.

Abriu a cesta depressa e sentiu a própria fome lhe embaçar a mente quando o cheiro do que estava ali lhe atingiu as narinas. Encarou Adam novamente, com as lágrimas agora lhe escorrendo pelo rosto, lhe disse algo que Tess de longe conseguiu identificar como ‘Obrigada’.

A mulher não esperou que ele se virasse para começar a tirar dali a comida e alimentar a filha, nem pensou em começar a comer também. Só comeria quando a filha estivesse satisfeita e se a menina precisasse de toda a comida, ficaria feliz em esperar até o dia seguinte para comer, se daquela vez conseguissem chegar ao abrigo antes que ele lotasse pelo dia.

Tess sentiu a emoção lhe fechar a garganta, mas quando Adam voltou para perto da dela já tinha o celular no ouvido.

— Mel? - Ele murmurou.

Ele disse que tinha encontrado alguém que precisava de ajuda, uma mulher e uma menina, deu o endereço da rua e o bairro, a referência do parque, enquanto a irmã anotava. Melanie mal desligou a ligação com o irmão e já usava o telefone novamente.

— Adam, o que...

— Entra no carro. - Ele disse gentilmente enquanto entrava pelo lado do motorista.

Quando estavam ambos dentro do carro, Tess perguntou enquanto ele já iniciava o carro. - Por que você ligou para a Mel?

Ele continuou observando a mulher a menina pelo retrovisor do carro e a ignorou no primeiro momento. Adam só a respondeu quando ele parou o carro na esquina próxima.

— Você se importa se esperarmos por um momento? Deve chegar alguém daqui a pouco para buscá-las e essa rua está tão deserta... - Ele disse enquanto olhava em volta, constatando que estava absolutamente certo.

Alguns carros passavam, mas fora pelos funcionários do parque que provavelmente logo iriam embora pelo fim do expediente, ninguém passava na rua.

— Claro que não, mas você pode me explicar o que está acontecendo? - Ela questionou ainda vez mais confusa.

Adam pareceu finalmente se lembrar de que Tess havia vivido fora do continente pelos últimos cinco anos. - Desculpa, você não deve estar entendendo nada. Mel faz parte de ONGs e organiza campanhas de conscientização. Uma das ONGs é de ajuda a mulheres que precisam de ajuda, que estão passando por necessidades, qualquer uma. Abuso, problema com drogas, álcool, miséria... Qualquer tipo de coisa. Dois anos atrás eles conseguiram arrecadar o bastante para criar abrigos para as pessoas que se encontram nessas situações. Um deles é apenas para estas mulheres, e de um ano para cá, também para os filhos – uma vez que perceberam que muitas delas tinham filhos. Eles estão tendo problemas financeiros ultimamente, por você pode imaginar o número de pessoas que precisa desse tipo de ajuda apenas em NY? Eu te digo: é muita gente e por mais que a intenção seja boa, os abrigos estão ficando super lotados.

— E ainda assim você ligou.

— Eu não podia deixá-la ali, não é? - Ele respondeu como se fizesse perfeito sentido.

Mas Tess sabia que a maioria teria feito exatamente aquilo. Não por maldade. Mas embora um ou outro pudesse ter cedido o alimento, poucos – ou ninguém – iriam se preocupar o suficiente para contatar uma ONG ou, mais ainda, parar o carro na esquina seguinte, em vista de não aumentar a desconfiança da mulher, e esperar pela ajuda. Tess sabia que, infelizmente, ela teria feito parte da maioria.

— Enfim.. Mel finge que não sabe que a maior parte da doação foi feita pela família. Não somos bilionários, mas temos uma boa condição. Todos quiseram ajudar, não só pela causa, mas por que desde o início Mel trabalhou muito na ideia. Ela só prefere acreditar que realmente deu resultado e que as pessoas se sensibilizaram. Mas não é assim. Muita gente quer ajudar, mas não tem condições. E os que têm simplesmente não se importam. Essa é a verdade.

Não é apenas Melanie que se incomoda com isso, Tess pensou e buscou a mão dele pela segunda vez no dia, entrelaçando seus dedos. A bióloga não conseguia deixar de pensar que, mais do que os que não se importavam, ela fazia parte da parcela populacional que conhecia bem as injustiças do mundo e nunca tinha parado para cogitar ajudar.

Eles permaneceram sentados ali, ora com a voz de Adam contando mais sobre o trabalho que a irmã fazia na ONGs, ora em silêncio com Tess acariciando a mão dele suavemente. Meia hora depois que eles deixaram o parque, eles viram um carro passar na rua, mas dessa vez, parar no canto da calçada.

Adam reconheceu o carro de Tom, mas não sentiu a irritação de irmão mais velho ao notar que a irmã estava com ele. Tinham coisas mais importantes e vitais naquele momento. Melanie pulou do carro quase imediatamente. Os dois sentados no carro a viram checar a placa da rua como se para ter certeza que estava na rua certa, mas logo a menina notou a mulher que agora embalava a filha adormecida.

Thomas trancou o carro e seguiu com Melanie até a mulher, com as mãos nos bolsos e com uma expressão envergonhada no rosto, como se sentisse culpado pela situação de vida que tinha enquanto outros tentavam sobreviver a cada dia com ao menos uma refeição diária.

Adam e Tess desceram do carro novamente e caminharam até lá. A mulher argumentava com Melanie em pura desconfiança, e quando viu Adam se aproximar, arregalou os olhos e começou a se levantar, abraçando a filha com mais força até que a menina acordou.

Fora complicado convencer a mulher de que eles apenas queriam ajudá-la, uma pessoa que vagava pelas ruas via muito e escutava mais ainda para se deixar levar pela primeira suposta proposta de ajuda. Quando Mel citou o nome da ONG, a mulher reconheceu e se acalmou um pouco. Mas ainda não soltara a filha que observava a toda aquela gente em confusão e curiosidade.

Apenas quando dois amigos de Mel e também participantes da ONG chegaram ao local, com o carro pintado com o emblema e nome da organização, que a mulher realmente se convenceu de que eles queriam ajudá-la. Todos os presentes viram quando a mesma começara a chorar, finalmente recebendo o abraço que Melanie queria lhe dar desde que falara com Adam no telefone.

Ela já tinha ouvido falar deles um zilhão de vezes, a mulher dissera, e sempre quisera ir procurá-los, mas ouvira dos problemas financeiros e da super lotação e não queria atrapalhar nem sobrecarregá-los. Acreditava que tinha gente precisando mais do que ela. E na época, ainda morava com o marido. Ele não a deixava ir embora, ela relatava, e quando finalmente conseguiu fugir com a filha, tinha medo de que se ela se estabelecesse em um local fixo, ele fosse encontrá-la.

Adam havia questionado se ela queria ir assim que Mel e Tom haviam chegado, mas Tess tinha insistido em ficar. Sabia que Adam queria e precisava daquilo, e sinceramente, ela também precisava saber que a mulher e a filhinha iriam ficar bem.

Jade, era esse o nome da mulher, agradeceu tantas vezes que sua voz literalmente começou a falhar. Todos riram com aquilo, eliminando um tantinho a tensão da situação. Ela ainda estava preocupada com o marido e a possibilidade de que fosse a encontrá-la. Mel garantiu que aquilo não aconteceria.

Ela insistiu, e em seus olhos via-se claramente o medo. Ele nunca encostou em mim, Jade garantiu quando Mel silenciosamente fez a pergunta com os olhos preocupados, mas ele sempre foi fraco e sempre andou com gente errada. Vivia-se envolvendo em roubos e tinha começado a beber muito.

Mais tarde todos eles descobririam, quando Jade revelasse o nome do marido, que ele não poderia mais encontrá-la. Em um dos roubos, acabara sendo morto pela polícia.

Mas aquela informação ninguém tinha ainda. Ao invés disso, estavam encantados com Lily, essa era a menina, que tímida e envergonhada, olhava e escutava a todos com uma atenção incrível como se estivesse impressionada demais ao ver tantos sorrisos gentis ao mesmo tempo direcionados a ela.

Jill e Taylor, os amigos de Mel, levaram mãe e filha ao abrigo. Mel e Tom seguiram, e Adam combinou de manter contato com a irmã pelo telefone. Ele passou um braço pela cintura de Tess e a bióloga fez o mesmo, colocando a cabeça em seu ombro.

— Nós não fomos dançar... - Adam murmurou com um sorriso apologético.

Não era daquela forma que ele esperava terminar a noite com ela, mas não encontrava em si o arrependimento de ter feito o que fez. E não havia arrependimento nenhum, mesmo. Nunca havia quando o motivo tinha sido ajudar não só uma, mas duas pessoas.

Por que Tess concordava, ao chegarem ao carro, ela lhe lançou um sorrisinho. - Quem disse que não?

Capturou rapidamente as chaves em suas mãos e destrancou o carro. Entrou ligou o rádio e procurou uma estação de rádio boa. Encontrou Barry White, sorriu e aumentou o som. Quando saiu do carro, Adam estava sorrindo e balançando a cabeça. Barry White tocava Just the Way You Are.

 

Tess se aproximou dele, envolveu os braços dele na sua cintura e os seus no pescoço dele. - Do que você está rindo? Estamos em uma pista de dança. Acaba de começar aquela música melosa para casais e somos sortudos de ter um par enquanto os solteiros de plantão nos olham com inveja...

Com aquela perfeita visualização, Adam riu mais. - Eu tenho mais sorte por que estou com a mulher mais linda do lugar.

Satisfeita por que conseguiu arrancar a expressão preocupada e séria que tinha ocupado seu rosto pelos últimos momentos. Embora fosse propícia a situação e ele com seu sarcasmo a desse nos nervos, Tess descobriu que gostava. E que mesmo se estivesse caçoando dela, preferia sempre o sorriso dele. Fosse pelo motivo que fosse.

— E as mulheres estão se roendo de ódio da minha pessoa por que eu estou com o cara mais gostoso do lugar. E elas sabem que no final da noite sou eu quem vai levá-lo para casa e teremos nossa dancinha particular.

— Eu gosto bastante dessa parte da ilusão. - Adam puxou o quadril da bióloga contra o seu e assistiu com gosto a diversão nos olhos dela ser substituída por um simples e básico desejo.

— Exato. Mas é só uma ilusão. - Ela murmurou tremulamente.

Adam sorriu. - Por enquanto, Tess. Eu faço Medicina, lembra? Gosto de aplicar teorias na prática.

— Adam, eu disse a você que...

— Eu sei, você quer pensar. Tudo bem. Eu acho que você vai pensar mais rápido do que acredita por que, assim como eu, não vai querer esperar muito. Mas, neste momento, nós só vamos dançar. É simples assim.

— Não é simples. Nenhum pouco. - Tess novamente deitou a cabeça em seu ombro enquanto eles continuavam a se mover no ritmo da música.

— Talvez. - Ele pausou e com um sorriso, apertou seu quadril levemente e lhe beijou o topo da cabeça. - Mas as melhores coisas da vida geralmente são complicadas.

Tess descobriria mais tarde o quanto ele estava certo.

Mas por aquele momento, ela fechou os olhos e não pensou em mais nada. Ficaram apenas ali, mais abraçados do que dançando, banhados sob a luz da lua e sentindo uma felicidade que dispensava qualquer preocupação.

### - X— ###

Thomas conhecia bem Melanie, tão bem que, seria o primeiro a confirmar como era gentil e generosa, assim como também confirmaria que seu temperamento, quando acionado, soltava faíscas por onde passava. Ciente de que era o caso, antes de ir buscá-la no colégio, preparou-se.

Ele estava absolutamente certo. Quando parou o carro em frente ao portão, ela já estava lá com os braços cruzados e os lábios crispados. Sua posição silenciosa de ataque. Thomas abaixou o vidro, embora soubesse que ela já havia reconhecido o carro e que já caminhava na direção do mesmo, e acenou.

Mel não tinha o costume de tratar as pessoas mal apenas por que estava de mau-humor, mas Tom era íntimo demais para que a regra se aplicasse a ele. E, Melanie sabia, ele estava diretamente envolvido com a causa de sua irritação.

— Olá. - Ele saudou quando ela entrou, mas não fez menção em beijá-la como de costume.

— Oi, Tom. - Ela respondeu sem se estender muito.

— Hum, por que será que eu não estou surpreso com seu comportamento monossilábico?

Melanie prendeu o cinto de segurança e o encarou. - Por que você me conhece muito bem? Ou talvez por que você seja metade culpado da minha situação?

— Eu não estou certo quanto à minha culpa nessa história. Essa é uma medida temporária para prevenir possíveis futuros transtornos. - Ele declarou muito certo. Ela apenas rolou os olhos para aquilo, como Thomas sabia que faria. - Agora, como eu sabia que você ia estar irritada... Eu trouxe uma coisinha para você. Abra o porta-luvas.

Mel já sabia o que era, antes mesmo de abrir. A caixinha de veludo vermelha se sobressaía em meio aos poucos objetos que Thomas mantinha ali dentro. Ao estender a mão para segurá-la, não se incomodou ao esbarrar nas embalagens de preservativo que ele sempre mantinha ali. O fato de que ele não se incomodava ou se envergonhava pelas milhares de vezes que Melanie já tinha as visto dizia um bocado sobre o nível de intimidade entre eles.

Ele era irônico demais, Mel decidiu. Todas as vezes que ele lhe dava aquele presente, o mesmo vinha dentro de uma caixinha vermelha de veludo. Como se fosse um anel de noivado ou algo do tipo. Ele tinha um humor curioso. Embora já soubesse o que era, o coração da menina acelerou um tantinho de expectativa.

Thomas ao seu lado dirigia, mas prestava mais atenção à reação de Mel do que à direção. Ela abriu a caixinha e seus olhos recaíram sobre o pingente da vez. A pulseira em seu pulso reluziu com a luz do sol que lhe atingia pelo vidro do carro como se celebrando a nova adição.

Thomas havia dado aquela pulseira a ela no seu aniversário de quinze anos, e desde então ela não mais a tirara. Havia um pingente em formato de coração que fora um presente de seu pai adicionado a ela, um em formato de bonequinha que fora presente de sua mãe, mas todos os outros eram presentes de Thomas.

Ele sempre estava lhe dando um pingente para adicionar a pulseira, sem razão alguma, simplesmente por dar. O pingente da vez era um arco-íris, e as pequenas faixas eram realmente coloridas. Geralmente os pingentes que ele lhe dava eram dourados ou prateados. Era como se ele tivesse escolhido um colorido daquela vez por saber que ela estava chateada e quisesse fazer a diferença.

— É para alegrar o seu dia. - Ele explicou como se soubesse o que pensava. Sorriu. - Diga que você adorou. Eu já estou vendo, mas você sabe que gosto quando amacia o meu ego.

Ao invés de responder, ela se empenhou em prender o pingente à pulseira. Esticou o braço para olhar melhor. A luz do sol novamente iluminou a pulseira. - É lindo.

— Hum, hum, eu sei. - Mas por que a expressão dela estava o agradando bastante, ele ampliou o sorriso. -Eu acho que mereço um beijo depois dessa, sabe.

Mel sorriu. - Eu também. Mas vou adiar o agradecimento ou do contrário você perderia a concentração e acabaríamos batendo.

Com a expressão de desejo no rosto dele, a menina gargalhou. - Eu não quero ir para casa ainda. Vamos rodar um pouco.

— Mel, você sabe que Edward só está preocupado com você. - Thomas argumentou, por que sabia o motivo pelo qual ela não queria ir para casa.

— Você só concorda com ele por que também está.

— Eu não vou negar a verdade.

— Eu não sou criança. Logo, não preciso de babá.

— Você está me comparando a uma babá? Eu tenho cara de babá?

Melanie o ignorou por que sabia que ele estava tentando fazê-la rir.

— Ah, claro que  agora eu vou ter que andar por aí com um vestidinho branco e um chapeuzinho da mesma cor na cabeça. Ou então vão confundir o meu ofício. Mas espera um minuto, a escravidão já acabou, sabia? Qual será o meu pagamento?

Melanie continuou o ignorando, mas seus lábios se curvavam.

— Não adianta fingir que não me escuta, eu quero receber um pagamento se vou ficar a mercê dos caprichos extravagantes de uma menina mimada. - Ele exigiu em um tom de lamentação. - Como você vai me pagar, Melanie? Eu sou uma babá cara, tenho meu orgulho, ora essas. Vocês ricos pensam que podem abusar de mim assim? Uma pobre mãe de família com cinco bocas para alimentar? Deus abençoe a minha mãezinha que olha os meus enquanto eu tenho que cuidar dos filhos dos outros.

— Cala a boca, Tom. - Melanie gargalhou.

— Ora, vejas. Ainda tenho que escutar esse tipo de coisa de uma criança. Como sou explorada, como sofro! - Ele se lamentou mais um pouco.

Mas seu objetivo tinha sido alcançado: Mel tinha sorrido.

***

Ele dirigiu por aproximadamente meia hora sem destino certo. Eles não conversaram muito. Ao invés disso, Thomas colocou no rádio uma música suave para tocar e os dois apreciaram a melodia e a letra. Pararam em uma praça perto do restaurante vegetariano onde tinham comido no outro dia. Fora mera coincidência, mas Mel lançou um sorrisinho a ele que lhe respondeu com outro.

Apesar de o clima não estar quente ou abafado devido à época do ano, Melanie insistiu para que tomassem um sorvete. Eles foram até a sorveteria em frente à praça, mas voltaram para saborear seus doces sentados nos bancos.

Melanie começou a comer, murmurando baixinho uma canção que apenas tocava na sua mente e com uma expressão de pura inocência. Quando percebeu Thomas distraído, pegou um pouco de sorvete de morango com a colher e passou no nariz dele.

Tom levantou os olhos lentamente, com aquele pontinho de rosa no meio da cara. Melanie gargalhou abertamente, mesmo sabendo que aquele olhar no rosto dele representava vingança.

— Muito maduro o seu comportamento, Mel. - Ele comentou limpando o nariz com um guardanapo.

Nem lhe dando bola, ela deu de ombros e gargalhou mais. - Estou revidando os muitos anos em que você fez isso comigo.”

— “A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”. - Ele murmurou com um sorriso de quem sabia do que dizia.

Reconhecendo a fala do seriado, Melanie revirou os olhos. - Sério, Thomas.

— E se eu bem me recordo... Todas as vezes que eu te sujava de sorvete, você revidava muito bem, obrigada. - Acrescentou, lembrando-se muito bem que Mel quase o deixara estéril. Piscou recordando-se da dor no meio das pernas como se houvesse acabado de acontecer. - É, Mel. Você não jogava limpo.

Ela sorriu docemente. - Cada um usa as armas que possui. E você mereceu, todas as vezes. Assim como mereceu os tabefes que eu te dei quando você começou a zombar dos meus seios. Eles não são e nunca foram mordidas de marimbondo.

Ela fechou a expressão por que também se lembrava bem de que passara horas diante do espelho todos os dias checando se eles estavam mesmo crescendo.

— Não, não foram.

Thomas podia sentir o desejo lhe consumindo o corpo como há anos atrás, agora com mais intensidade. Ah, mas eles não foram mesmo. Apenas Tom sabia como tinha sofrido na época que Melanie tinha começado a usar blusas que destacavam seus seios em fase de crescimento. A menina com quem gostava de implicar estava se tornando uma mulher bem diante dos seus olhos.

Ele sorriu um sorriso afetado por lembranças. - Você sabe que eu só queria provocar.

— Você tinha dezenove anos. Já havia passado da idade dessas brincadeiras bobas.

Thomas segurou a mão dela por cima da mesa de concreto. - Melanie, minha vida. Meus hormônios estavam à flor da pele e eu começava a ter pensamentos impuros com você. Claro que eu tinha que te punir por ficar me tentando.

— Eu só tinha catorze anos. Eu ia tentar a quem, Deus do Céu? - Mel se defendeu, exasperada. Mas a ideia a agradava.

— A mim. - Ele respondeu facilmente. - Eu adorava os seus decotes, mas detestava que eles me mantinham acordado à noite. Ficava aliviado com a ideia de que meus amigos também estavam notando a diferença em você por que assim tinha certeza que não era um tarado pedófilo, mas queria quebrar os ossos de todos eles bem lentamente por que sabia que se eles estivessem pensando apenas em metade do que eu pensava em relação a você, mereciam morrer ao menos umas cinco vezes. - Ele pausou seu desabafo e fez círculos com um dedo na palma da mão de Mel. - Está vendo, coração, como você me fez sofrer. Eu vivia em uma constante luta interna.

— Tadinho. - Ela passou a língua pelos lábios e captou o olhar dele com a ação. - Você está tendo pensamentos impuros agora?

— Eu estou tendo pensamentos proibidos para menores agora.

Mel riu alto. - Tom, você não devia ficar dizendo essas frases em público.

— Você perguntou. - Ele argumentou e grudando os olhos nos dela, segurou seu braço e beijou a parte interna de seu pulso. - Eu respondi.

Melanie sentiu um leve tremor na região que subiu pelo braço e, perigosamente, fez seu coração se contrair um pouquinho. Sorriu e afastou o braço. - Você está me distraindo com lembranças e com isso, meu sorvete está ficando mole.

Ela recomeçou a comer, murmurando baixinho a canção novamente. Thomas a conhecia bem demais para saber que ela vivia fazendo aquilo. Voltou a comer o próprio sorvete e antes de terminar, murmurou:

— Mel?

Ela ergueu os olhos para ele e apenas sentiu o creme gelado ser passado pela sua boca. Thomas sorria brilhantemente enquanto continuava lhe lambuzando o rosto, ignorando totalmente Melanie que, parada para evitar que se sujasse mais, o encarava mortalmente.

Quando terminou de sujá-la, ele se inclinou e, pouco se lixando para o aviso nos olhos dela por estarem em um local público, lambeu com a ponta língua e lentamente cada centímetro de seus lábios e queixo que estavam cobertos de sorvete. Ao terminar, deu-lhe um beijo na ponta do nariz e outro na boca e disse:

— Sabem o que as pessoas dizem sobre aquele último biscoito, aquela última colherada ou parecido, ser o melhor de todos? Eles estão absolutamente certos.

— Thomas...

— Sim?

Ela o encarou com um olhar perdido e antes que ele pudesse compreender, Mel jogou o resto do seu sorvete no rosto dele. Gargalhou triunfante de sua expressão de surpresa. Por que não era boba nem nada, saiu correndo na mesma hora e quando olhou por cima do ombro, ele estava limpando o rosto com guardanapos e indo atrás dela.

Mel soltou um gritinho absurdamente infantil e correu mais, gargalhando. Ela deu a volta na praça em êxtase, mas quando olhou para trás não o viu em lugar nenhum. O lugar estava quase vazio, tendo o frio dispersado as pessoas. Um tanto cansada pela corrida, Melanie colocou as mãos no quadril enquanto o ar lhe escapava pelos lábios.

Ela encarou a praça com olhos cerrados e a mente atenta, e por mais que tivesse se preparado, Thomas a segurou facilmente pela cintura ao aparecer aparentemente do nada.

Aaaah!— Ela berrou em um susto e um casal próximo dali a encarou. Os dois observaram em preocupação quando o rapaz a segurara, mas continuaram seu caminho ao notarem que ela estava rindo. - Thomas!

Sorrindo presunçosamente por ter conseguido a pegar de guarda baixa, puxou-a para trás da árvore onde estava escondido segundos antes. Ela tentou lutar cravando os pés no chão, mas sua gargalhada a denunciava.

— Thomas, o que isso? - Ela murmurou quando sentiu suas costas contra a árvore. Sorriu sabiamente. - Está tentando se aproveitar de mim? Você sabe que eu fiz karatê por cinco anos.

— Eu totalmente estou me aproveitando de você.

Ele capturou os lábios dela com os seus antes que ela pudesse protestar alguma coisa, e a segurou pelos quadris. Suspirando, Melanie enlaçou os braços em seu pescoço enquanto lentamente o deixava explorar sua boca com os lábios, língua e dentes.

Paraíso. Mel era a concepção mais perfeita para a palavra e Thomas não podia estar mais confiante daquilo. Ah, mas ele a queria. Completamente. Totalmente. A espera ainda o faria rastejar e esse era o seu temor. Melanie era apenas boa demais, demais, demais para que ele conseguisse se contentar com partes dela.

Ele queria tudo.

E quanto mais ele pressionava seu quadril contra o dela, mais a deixava ciente de sua vontade. Thomas subiu a mão pelas costas de Mel por dentro da blusa e dirigiu os beijos para o pescoço dela. Lentamente, suavemente, ela moveu a palma pelas costas e então pela barriga dela.

Mel tinha uma luta interna própria acontecendo naquele momento. Nunca havia tido problemas com os tais hormônios que as pessoas cismavam em mencionar todo o tempo até aquele momento. Era como se todos eles resolvessem acordar ao mesmo tempo cada vez que Thomas estava por perto. E mais ainda, tocando nela.

Ela sentiu literalmente seus poros liberando calor quando ele começou a subir a mão. - Tom...

— Sshh. Eu só quero tocar em você. Só... - Ele deixou a frase morrer quando sua mão tomou um seio dela.

O ar ficou preso na garganta da menina tanto pela sensação tanto pelo grunhido baixo que escapou dos lábios de Thomas. Com rapidez, ele sentiu a necessidade lhe petrificando o organismo e as glândulas gradualmente assumindo o controle de seu corpo.

Ele parou de tocá-la por um mero segundo apenas para arrancar do corpo dela o casaco e levantar sua blusa. Seus lábios voltaram a tomar os dela com intensidade enquanto ele apoderava-se dos seus seios agora com as duas mãos. Ele apertou e apalpou com liberdade até que a necessidade pediu mais, sempre mais.

Procurou o fecho do sutiã e, em um dilema que apenas homens iriam entender, praguejou mentalmente quando não conseguiu abrir. Só então percebeu que as mãos que antes lhe apertavam os ombros estavam tentando afastá-lo.

Encarou os olhos de Mel. - Qual o problema?

Ela não disse nada, apenas balançou a cabeça enquanto abaixava a blusa que, com pressa para lhe apalpar os seios, ele não tinha nem se dado ao trabalho de tirar. Recolheu seu casaco do chão.

— O que foi, Mel? Você não estava gostando? O que aconteceu? - Irritado com o seu silêncio, Thomas a segurou pelos ombros. 

Ela o encarou por um tempo, e após um suspiro, seus olhos se suavizaram. - Nada. É só que você esqueceu que estamos na rua e não sozinhos.

— Mas eu não ia... Eu só estava tocando em você. Eu não ia... - Ele não completou por que estava se perguntando se, naquele momento em que parara de pensar, ele não ia mesmo.

Mel parecia estar pensando a mesma coisa. Forçou-se a sorrir. - Anda, vamos.

Ela disse aquilo casualmente, mas saiu andando na frente. Thomas a seguiu, sem saber como e se devia argumentar. Novamente Thomas dirigiu em silêncio, mas dessa vez nenhum dos dois estava confortável com ele.

Durante o percurso, Melanie notou que seu pai tinha ligado e mandado mensagens. Sentindo-se culpada por ter silenciado o celular justamente por saber que ele faria aquilo, respondeu dizendo que já estava a caminho.

Quando Tom parou o carro em frente à casa de Melanie, não estava se sentindo melhor e ainda não sabia o que dizer. Mas ao senti-la se preparando para sair, segurou braço e mandou para merda o orgulho por soar desesperado.

— Eu sinto muito, Mel. Eu não queria te desrespeitar.

 Ela não respondeu nada a princípio, mas por fim disse. - Eu sei que não. Na verdade, eu não ia mencionar nada, mas já que você comentou... Não vou fingir que não fiquei chateada.

Como se fosse mudar tudo, ele começou a beijar as mãos dela. - Mel, me desculpa. Eu não queria... Você sabe que é importante para mim.. Você sabe que...

— Eu só quero que você saiba, Tom, que eu tenho meus limites para certas coisas. E sim, eu não evitei no princípio e também estava errada. Sabe-se-lá-porquê eu tenho enfrentado um sério problema de coerência toda vez que você me beija. Mas eu não vou transar com você em público, nem em banheiro de festa, nem em nenhum desses lugares que talvez você esteja acostumado ou seja um fetiche ou...

— Por Deus, Melanie! Eu nunca ia fazer isso com você. Eu sinto muito por ter te tratado daquela forma e não ter levado em consideração o que você estava sentindo, eu sinto muito por ter me descontrolado. Isso nunca mais vai acontecer, eu juro. Eu sinto muito, eu não queria magoar você e nem te humilhar e nem fazer você se sentir baixa ou promíscua ou qualquer coisa do gênero.

Vendo que ele estava honestamente desesperado, Mel acariciou a bochecha dele. - Eu sei que você sente muito. Eu sei que você se importa. Eu disse o que disse porque eu falo com você sobre absolutamente qualquer coisa se eu achar necessário e, quando isso acabar, eu quero que nós continuemos como éramos antes, Tom. Sério. Mesmo que isso soe estúpido. Eu amo você demais para não querer.

Ele permaneceu calado, não exatamente compreendendo o seu desconforto pelo fato que ela usou os termos ‘quando acabar’. Era claro que ia acabar, ele era ele afinal de contas. Não era como se ele fosse bom o suficiente para Melanie. Ninguém era, na verdade. Nin-guém. E ele não queria um relacionamento, claro que não.

Melanie era maravilhosa demais para ter algo sério com ele, imagine só. E além do quê, ele a amava e se importava demais com ela para aquilo. Em um relacionamento, ele iria estragar tudo. Ele já estava estragando e nem algo sério tinham. Thomas refreou sua linha de pensamento, questionando-se por que estava criando motivos para justificar o fato de que se separaria da Mel de uma forma outra. Ele não queria um relacionamento, ponto. Era aquilo.

— Eu também amo você. Eu amo você tanto... - Ele segurou o queixo dela e encostou os seus lábios.

Ele se repreenderia mais tarde achando que a frase e o gesto estavam dando a impressão totalmente errada, mas se acalmaria pensando que a pessoa que mais o compreendia na face da terra era Melanie.

Mal Thomas sabia que haveria uma época em que ele desejaria que ela não o compreendesse tão bem.

Melanie correspondeu o beijo quase de imediato e sorriu quando se afastou. - Não se preocupe, Tom. Já estou acostumada com as besteiras que você faz. - Ela gargalhou. - Agora, deixa eu entrar antes que meu pai ameace sua vida outra vez por mensagem. A gente se vê amanhã, babá. Outro beijo. - Ela se inclinou e estalou a boca na dele antes de pular do carro.

Como sempre, ele observou até que ela estivesse segura dentro de casa. Acenando antes de fechar a porta, ela lhe mandou um beijo e um sorriso enorme como se ela nunca tivesse estado chateada.

O pensamento de que qualquer um se apaixonaria por aquele sorriso lhe cruzou a mente.

Qualquer um se apaixonaria por ela, ele concluiu. Mais do que o fator perfeita, Melanie era... Boa. Simplesmente boa. Ela era o sol, ela era tudo o que de bom existia no mundo. As dádivas centradas em uma só pessoa. Thomas balançou a cabeça para si enquanto dirigia.

E por ela ser como era, ninguém era bom o bastante. Nem ao menos ele. Tom se pegou desejando ser como ela só um pouquinho, ser só um tantinho melhor. Talvez ele pudesse... Talvez ele não pudesse nada, o que diabos ele estava pensando? Thomas praguejou em voz alta. Ele gostava das coisas exatamente do jeito que eram, sem complicações.

Além do mais, ele era jovem. Tinha bastante tempo para errar, consertar, tornar a errar. Bastante tempo para mudar de idéia, caso ele quisesse. Claro que ele duvidava, mas... Talvez, se um dia ele achasse que quisesse se envolver com alguém. Não que tinha que ser a Melanie, mas... Ora, mas também não era como se fosse ser ruim. Ele não podia pensar em alguém melhor, na verdade.

Quem sabe em alguns anos?, ele refletiu. Dali a alguns anos ele esperava ser mais experiente, mais estável e cometer menos erros. Claro que ele ainda não seria digno da Mel, mas quem sabe ele não fosse mais próximo de ser? Bem, ele teria que descobrir. Thomas seguiu o resto da viagem satisfeito com a conclusão.

Ignorou a vozinha que insistia na idéia de que ele estava criando motivos ainda assim, e cumprimentou os pais alegremente ao chegar a sua casa. Ignorou a sensação de traição que lhe assolava todas as vezes que se aproximava do pai ultimamente. Confortou-se com o pensamento de que mais cedo ou mais tarde ele compreenderia.

Ele jantou com a família e depois da refeição, os três se embrenharam no sofá em perfeita harmonia. Pai e filho perturbaram a mãe que insistia em assistir as novelas água com açúcar e monopolizar a televisão. Como sempre, ela os respondeu de forma atrevida e como sempre os três terminaram rindo no final. E Emmet finalmente conseguia mudar para o canal de esportes.

Apenas mais tarde naquela noite, quando Thomas deitava para dormir que ele constatou a falha em seu plano perfeitamente elaborado. Ele esperaria alguns anos, é claro, ciente de que mais maduro, tornar-se-ia uma pessoa melhor. Mas não havia garantias que Melanie, maravilhosa como sempre fora, estaria disponível esperando por ele.

A maldita falha o manteve acordado por metade da noite.

***

Por não ter nenhuma escolha, Melanie acabou aceitando de vez o fato de que permaneceria com o chauffeur por algum tempo. A semana passou relativamente rápida e quando chegou ao sábado e Thomas insistiu que ia buscá-la no orfanato, Mel disse a ele para buscá-la uma hora depois do horário que geralmente saía.

Ela tinha conseguido convencer sua família e Tom a não insistirem com a ideia de dar parte na polícia do assalto, usando seu melhor tom de fragilidade, havia afirmado que apenas queria esquecer o ocorrido. Mel detestava mentir, principalmente para os seus familiares, mas eles não conseguiriam compreender o que ela teria que fazer.

Mel não fazia a menor idéia se ele estaria lá. Pelo que sabia, ele poderia simplesmente estar passando naquele dia e nada mais. No entanto, ela tinha que começar a procurá-lo em algum lugar. Ela se despediu das crianças no orfanato no horário habitual e assentiu para todas as recomendações de cuidado das funcionárias que lá trabalhavam.

Ela estava nervosa, mas julgou aquilo como natural. Independente da incerteza, não se deixou abater ao sair. Naquele horário, a rua estava um tanto deserta. Assim como uma semana antes. Ela fez o caminho pela calçada como de costume, mas dessa vez se manteve atenta aos dois lados da rua.

Desta vez, ela não estava distraída, muito pelo contrário. Poderia ser simplesmente um desejo mental, mas Melanie sentiu que estava sendo observada. Olhou para trás, mas não havia ninguém. Foi quando um movimento do outro lado da rua a chamou a atenção. Ela encarou os arbustos que dominavam a extensão de toda a calçada da frente.

Cerrou os olhos, esperou. Largando o disfarce que estava apenas seguindo sua rotina normalmente, ela parou de andar e segurou a bolsa contra o corpo em um gesto inconsciente de defesa. Daquela vez ela viu perfeitamente, um leve remexer de folhas. Não estava ventando, não havia brisa. Melanie sabia que era ele.

Ela atravessou a rua depressa em direção ao local. Ela escutou os passos e pelo movimento dos arbustos, viu quando ele começou a correr, embora ainda não pudesse vê-lo. Mel se enfiou por entre as folhas e começou a ir atrás. Ele estava correndo agora.

— Espera! Eu preciso falar com você!

Ele não diminuiu o passo e muito menos parou. Sabendo que ia perdê-lo, Melanie parou e tirou a carteira de dentro da bolsa. Sabia que só tinha um jeito de pará-lo: apelando para o seu vício.

— Eu tenho dinheiro! - Mel gritou. Por um tempo, continuou ouvindo o som dos passos, até que retrocederam. Ele tinha a escutado. - Eu preciso falar com você. Eu te dou o dinheiro. Mas preciso que venha até aqui.

Ele tinha parado. Depois de algum tempo, os passos recomeçaram. Dessa vez, vinham na direção dela. Mel sentiu um frio na espinha que era puramente instintivo. Ela estava no meio dos arbustos com o homem que, além de não conhecer, já havia demonstrado poder muito bem machucá-la.

— Como eu vou saber que não tem ninguém aí com você?

A voz estava diferente, mas Melanie conseguia encontrar a semelhança. Respirou fundo uma vez. - Você estava me vendo, viu que eu estou sozinha. Eu não tenho como garantir. Você tem que vir aqui.

Silêncio. Melanie sabia que ele estava ponderando se valia a pena o risco, e praguejou por não poder assegurá-lo de outra forma.

— O que você quer comigo?

— Conversar. Ajudar você.

— Eu não preciso de ajuda!

Ela podia sentir, mesmo sem ver, que ele estava indo embora. - O dinheiro! Você não quer?

De novo o silêncio. Ele ia aparecer. Mel estava sentindo. Ela sabia.

— Se isso for alguma armadilha, você vai se arrepender...

Pouco depois da resposta, os passos recomeçaram. O estômago de Melanie se contraiu, mas ela se forçou a continuar no mesmo lugar. Ela viu os olhos primeiro, assim como da primeira vez. Então o rosto e de repente ele estava há dois metros dela.

Os olhos de Mel se cravaram nos tênis há muito mais não brancos, no jeans inquestionavelmente imundo, no cós da camisa coberta pelo grosso casaco preto. Enfim, o rosto. Os olhos verdes debaixo de grossas sobrancelhas era a única coisa que conseguia distinguir no rosto coberto por uma grande barba. Ela supunha que ele tinha cabelo claro, pelos fios que escapavam da touca também preta que estava surrada na cabeça dele.

O desconhecido não perdeu tempo avaliando Melanie de volta, ao invés disso, seus olhos se cravaram na carteira em suas mãos. Mel constatou que os olhos dele não estavam vidrados como na semana anterior, mas ele encarou o dinheiro com a mesma fome que ela tinha testemunhado antes.

— Eu sou Melanie. - Ela murmurou e tirando os trinta dólares que tinha na carteira, estendeu a ele.

Ela tinha que manter sua palavra. Se queria ajudá-lo, precisava primeiro ganhar sua confiança. Mas sentiu a agonia lhe revirar o coração por saber o destino que aquele dinheiro teria.

Ele a encarou por um momento e então em volta, para a rua através das folhas e galhos que os separavam da visão exterior. Então, como se temendo que fosse desaparecer de sua vista, o homem arrancou as notas da mão dela e enfiou no bolso do casaco. Sem mais encará-la, ele se virou para ir embora.

— O combinado era conversar comigo, lembra? Eu fiz a minha parte, você não vai fazer a sua? - O tom que ela usou era estranhamente autoritário.

Ele a observou novamente, como se questionando silenciosamente quem diabos ela estava pensando que era. - Eu não combino nada com ninguém.

— Mas você o fez comigo. Então cumpra. - Ela se virou para sair dos arbustos.

Já tinha se arriscado bastante entrando ali para início de conversa, mas não planejava permanecer escondida com o desconhecido.

Ela o encarou por cima do ombro. - Você vai me seguir? Ou talvez você esteja com medo.

Qualquer um a julgaria maluca, e Melanie admitia para si mesma que não estava tão confiante quanto soava, mas observou o homem cerrar os olhos. Ah, ele também tinha um ego. Melanie continuou andando, ciente de que agora ele iria segui-la.

Ela foi até o parque onde costumava levar as crianças do orfanato para brincar na outra esquina, e ficou um tanto aliviada ao constatar que havia pessoas por ali. Sabendo que ele não iria querer ficar em evidência, Mel parou um pouco antes do parque ao lado de um prédio. Caso ela precisasse, alguém a socorreria se ela gritasse por ajuda.

Ele estava bem atrás dela quando Melanie se virou, e embora tenha sufocado um gritinho com o susto, encarou-o nos olhos. Ele era diferente em plena luz, Mel decidiu, e não parecia tão perigoso quando ela podia o enxergar. Ele era jovem, mais jovem do que tinha pensado anteriormente.

— E então? - Ele questionou bruscamente.

— Como eu disse, eu quero ajudar você. Eu conheço algumas pessoas que...

— Escuta, eu não vou ser seu projeto de caridade do ano, entendeu bem? Volta para a sua mansão e fica longe de mim. Ou você vai acabar se machucando. De novo. - Ele acrescentou por que havia percebido a munhequeira no pulso dela.

Ele baixou os olhos para o pulso dela novamente, e estava lá, novamente ela teve a impressão de que ele pediria desculpas logo antes de ele assumir a expressão fechada outra vez.

— Você não sabe nada sobre mim. - Melanie declarou calmamente. - Eu não faço ninguém de projeto de caridade. E ao contrário do que você pode pensar, não vivo em uma mansão. Mas graças à boa educação que tive, meu QI não é nada baixo. E eu só ajudo quem quer ser ajudado. Eu tive a impressão, mínima, de que talvez você precisasse, e fosse apenas orgulhoso demais para admitir. Talvez não.

Ela fez uma pausa proposital e observou-o cerrando os olhos outra vez. - Sim, com certeza não. Eu estava enganada. Suponho que prefira continuar roubando para alimentar seu vício estúpido. É triste, de verdade, mas eu já vi o bastante disso para saber que esse é o modo que gente fraca vive.

Melanie não tinha entendido que aquilo realmente podia acontecer se não tivesse assistido os olhos dele realmente se incendiarem. O coração dela bateu tão alto que por um momento era só o que ela poderia ouvir e, mesmo sabendo que estava pressionando e muito a sua sorte, permaneceu estática mesmo quando ele se aproximou dela.

— Você não faz a menor ideia do que está falando. Não faz a menor ideia sobre minha vida. Não deveria sair por aí falando sobre uma realidade que não conhece. - Ele alertou em um tom de voz baixo, e sombrio.

— Você também não. Acho que não devíamos fazer suposições um sobre o outro, não é mesmo? - Ela ergueu o queixo e rezou, para todas as divindades, que suas pernas não cedessem de medo. - Mas não se preocupe, você não é o único viciado a preferir essa vida. Eu conheço alguns, na verdade que...

— Escuta aqui, garota... - Ele segurou o pulso machucado e a puxou contra si.

Melanie piscou com a dor antes que pudesse se controlar e antes que tivesse que evitar que um gemido doloroso lhe escapasse dos lábios, ele a soltou novamente. Praguejou alto e balançou a cabeça.

— Não saia por aí dizendo o que quer para quem não conhece. Nem todo mundo vai te poupar como eu... - Ele deu as costas.

— Obrigada pelo conselho, e escuta uma coisa? Se você resolver fazer alguma coisa sobre si mesmo, eu estudo no William Floyd High School. E eu realmente ajudo quem precisa, é só a pessoa aceitar isso.

Ele parou por um momento, e então balançou a cabeça e recomeçou a andar. Melanie observou até que ele se misturasse com as sombras da noite e só então, escorou o corpo contra o prédio e se permitiu tremer.

Mel sempre seguia seus instintos com as pessoas, mas não era nenhuma mulher maravilha. Por um momento, ela tinha se questionado se tinha mesmo se enganado sobre ele. Mas sabia que não, agora sim. Ela iria esperar apenas. A menina passou a mão pela testa e respirou fundo.

Ela não soube quanto tempo permaneceu ali parada, respirando devagar para encontrar a calma, mas o som de seu celular tocando a despertou. Pensando ser Thomas, Mel decidiu que já estava estabilizada e começou a fazer o caminho de volta ao orfanato.

Surpreendeu-se quando reconheceu a voz do irmão pelo telefone. Ouviu com atenção Adam falando sobre a mulher e a criança. Quando desligou, já ia ligar para Thomas quando o barulho de carro a fez erguer os olhos e ver o carro dele dobrando a rua. Agradecendo aos céus pela economia de tempo, ela foi tão rápida que quase pulou para dentro do veículo com ele ainda em movimento.

Explicando rapidamente a situação para Tom, Melanie seguiu depressa pela estrada do seu destino para ajudar mais alguém.

### - X— ###

Alice estava sentada na sala se questionando o que tinha acontecido com Angel para ela ter saído com Dan daquela forma quando Jasper chegou do hospital com Ethan, tendo o buscado na biblioteca. O rapaz beijou a mãe depressa e correu para o quarto. Jasper sorriu com a afobação do filho e lançou um olhar à esposa depois de lhe beijar nos lábios.

—O que aconteceu? - Alice questionou.

— Eu não sei. Ele não quis me contar o motivo de toda essa pressa... - Jasper murmurou, mas ele tinha uma idéia do que era.

Quinze minutos depois eles tiveram a resposta. Jass tentava acalmar a esposa que estava certa de que uma onda sobrenatural havia recaído sobre seus filhos, quando a campainha tocou. Nenhum dos dois teve tempo de pensar em se levantar, logo Ethan apareceu correndo novamente.

— Eu atendo!

Ele sumiu pelo hall de entrada e depois de cinco minutos retornou, com Millie ao seu lado. Ethan tinha as pontinhas das orelhas coradas e recusou-se a encontrar o olhar de Alice.

— Olá. - Millie sorriu.

Beijou Jass, depois Alice. Ethan continuou inquieto e logo que a modelo estava livre dos cumprimentos, puxou-a pela mão.

— Nós vamos estudar, ok? Não incomodem. - Ele murmurou rapidamente e arrependeu-se quando sua mãe continuou o encarando com a sobrancelha arqueada. - Eu quero dizer que nós vamos estar ocupados. - Percebendo que a explicação tinha piorado ainda mais a concepção, respirou fundo. - Ah, vocês entenderam.

E sem mais paciência, seguiu com Millie para biblioteca.

Alice suspirou e encostou a cabeça no ombro do marido. - Eu sabia que isso ia acontecer um dia. Depois de Dan, eu realmente achei que essa sensação ia sumir...

— Você é mãe. Tem direito a isso. - Jass contradisse.

— Eu sei. Mas... É a Millie. Ela é uma pessoa maravilhosa, doce... Mas ela tem vinte e seis anos. Ethan é só um menino. Claro que ele é mais responsável até do que eu, mas... Como... Como isso pode dar certo?

— Não cabe a nós decidir isso, meu amor. A vida é dele. A decisão é dele.

Alice assentiu com a cabeça, mas a preocupação não desapareceu. Afinal, ela era mãe.  

**

Ethan tinha percebido ao abrir a porta que Millie estava cansada pela sua expressão. Mas em seu entusiasmo em vê-la, tinha deixado de lado qualquer outro pensamento. Não pôde ignorar mais o fato quando depois de meia hora estudando, ela começou a bocejar constantemente.

Ela estava tentando disfarçar, ele notou. E forçou-se a evitar a risada quando sua cabeça quase tombou quando ela cochilou rapidamente.

— Tudo bem. Acho que nós podemos fazer um intervalo. - Ele murmurou e fechou o livro.

Millie piscou como se confusa, bocejou uma vez mais e então seus olhos ganharam foco novamente. - O quê? Por quê? Estamos aqui há pouco tempo.

Ethan sorriu. - Sem ofensas, Millie, mas eu não acho que você está em condições para fazer nada na vertical agora.

Ela balançou a cabeça, como se rejeitasse a idéia de estar com sono, embora seus olhos estivessem pesados novamente. - Não. Eu só... Na verdade, eu só... - Suspirou quando percebeu que não ia convencê-lo. - Desculpa, E. Eu estou em pé o dia inteiro e saí de casa às quatro da manhã hoje. Eu mal consigo... - Não terminou de falar por que tinha que bocejar outra vez.

Ele a encarou seriamente. - E por que você veio para cá ao invés de ir para casa descansar, Millie? E como assim saiu às quatro? Você é escrava ou o quê?

Ela sorriu lentamente, seus olhos ainda mais pesados. - Eu tinha uma sessão de fotos fora da cidade hoje, nas montanhas. Eles queriam a luz do nascer do sol. Acontece sempre, na verdade. - Pausa para mais um bocejo. - E eu vim por que queria ver você.

Ethan sentiu a raiva de terem submetido Millie àquele tipo de coisa se esvair. Ele segurou a mão dela e corou um pouco. Atendendo a um impulso, ele trouxe a mão de Millie até a altura dos lábios e beijou a palma.

A modelo sentiu o corpo amolecer com o gesto e aquilo foi um grande incentivo para seu cansaço se acentuar.

— Vamos, Millie. Eu vou te levar para casa. Você precisa descansar... - Ethan se levantou.

— Não, eu... - Ela pausou e depois o encarou, pedinte. - Eu quero te pedir um favor. Eu sei que é intimidade demais, mas... Eu posso deitar um pouco na sua cama? Eu só vou descansar um pouquinho e depois vou embora. A verdade é que eu estou sonhando com sua cama desde o dia em que a vi, é um colírio para preguiçosas como eu.

Ethan apenas a encarou. A idéia da Millie na sua cama era... inquietante. Para dizer o mínimo. Mas agora que ela tinha sugerido, um súbito desejo por aquilo o atingiu. Ele gostava da imagem que se formou em sua mente.

— Ok.

Eles se encaminharam até o quarto de Ethan, que olhou para os dois lados subitamente nervoso com o pensamento de que seus pais pudessem passar e vê-los entrando no quarto. A idéia que eles tirariam daquilo...

Millie se esticou na cama lentamente, uma expressão tão grande de prazer em seu rosto que Ethan sorriu. Ele nunca mais pensaria na sua cama da mesma forma. E torcia para que o cheiro de Millie permanecesse nos lençóis e no edredom para sempre.

— Sua cama é perfeita. Meu Deus, esse colchão... Eu poderia dormir aqui todos os dias...

Ele sorria enquanto ela continuava a fazer elogios para a cama. Para ajudá-la e poupá-la do esforço, ele foi até ela e começou a tirar os seus sapatos. Millie repentinamente parou com seus murmúrios felizes sobre o colchão e o observou.

Ninguém nunca havia tirado os seus sapatos.

Ridículo como podia parecer, Millie não tentou esconder as lágrimas que brotaram em seus olhos com a ação. Ethan ergueu os olhos e ao notar seus olhos, encarou-a perplexo.

— O que?

Ela balançou a cabeça e se sentou na cama. Ethan sentou ao seu lado, mas não perguntou nada por que não queria pressioná-la.

— Você age de uma forma que... - Ela procurou a palavra. - É tão fofo. 

Ele não se sentiu muito contente com a descrição. - Mas o que eu fiz?

Ele nem ao menos se dava conta do que fazia, Millie pensou com um sorriso. Ela colocou uma mão em seu rosto e tocou os lábios nos dele lentamente. Ethan ficou cada vez mais confuso com tudo, mas correspondeu.

Em algum momento ele se deu conta da realidade da situação. Ele estava no seu quarto. Na cama. Com Millie. Repreendendo-se firmemente, ele se separou dela. Ela estava cansada depois de ter trabalhado o dia inteiro e ele criando possibilidades em sua mente de eles... Ele era um estúpido pervertido.

— Acho melhor você deitar.

A modelo franziu o cenho, perguntando-se por que ele tinha parado, mas assentiu. Ela começou a retirar seu suéter e percebeu quando Ethan rapidamente olhou para o outro lado, como se para lhe dar privacidade. Ela quis gargalhar, até por que estava usando uma camisa por baixo.

Ela achou graça que ele na mesma hora a ajudou a se deitar como se ela estivesse incapacitada e depois a cobriu gentilmente. Mas ao mesmo tempo achou que o comportamento era muito doce. Evitou as lágrimas por que sabia que ele acabaria constrangido.

Ele ajeitou o edredom até que estava satisfeito e seguro de que ela estava quentinha, e então perguntou. - Você está confortável? Quer mais alguma coisa? Eu posso fechar as cortinas, está entrando a luz da rua e...

— Estou bem, E. - Millie sorriu. - E além do mais, eu não posso ficar muito a vontade ou então não vou tirar só um cochilo.

— Você não está à vontade? O que...

— Ethan. - Ela interrompeu e gargalhou. - Eu nunca estive tão à vontade na minha vida, foi só uma expressão. Já vai ser difícil você me tirar daqui agora...

Millie balançou a cabeça quando não satisfeito com a sua resposta, ele começou a ajeitar seu travesseiro. Fechou os olhos com um suspiro contente. - Você é demais, sério.

Ele não sabia se aquilo tinha sido um elogio ou não, então não insistiu. - Descansa...

Logo então se levantou e foi fechar as cortinas ainda assim. Quando voltou para perto dela, Millie já estava adormecida. Ele sorriu um pouco com a visão, puxou uma cadeira para perto da cama e ficou observando enquanto ela dormia.

**

Quando Millie acordou, seus olhos não registraram nada na escuridão. Rapidamente ela se lembrou do que havia acontecido e de onde estava, embora não pudesse enxergar nada do quarto sem luz alguma. Sentou-se, e bocejando, constatou que ainda estava cansada. Conhecia-se muito bem para entender e aceitar sua preguiça.

Mas ela tinha o pressentimento de que havia dormido demais e logo precisava levantar.

Colocou os pés para fora da cama e se levantou. Onde estaria Ethan? Repentinamente sentiu o horror que os deficientes visuais deviam sentir todos os dias. Tateando o ar, começou a andar cautelosamente. Não esperava encontrar um empecilho no meio do caminho. Mas foi o que aconteceu quando seus pés chutaram alguma coisa.

Perdendo o equilíbrio, seu corpo pendeu e ela caiu sentada bem em cima de Ethan, a quem não havia enxergado na cadeira. Os dois deixaram escapar um grito de susto.

— Eu sinto muito! Eu não te vi, você está bem? - Ela segurou o rosto dele entre as mãos por que não conseguia vê-lo. Ethan só deixou escapar um gemido. - Aah! Eu te machuquei! Aonde dói? - Millie começou a tatear o corpo dele. Ethan tentou segurar suas mãos sem sucesso. - Diz onde dói!

— Millie...

— Sim?

— Você pode... levantar?  

Foi então que ela notou que ainda estava sentada no colo dele. E em constrangimento, deu-se conta do que ele estava falando.

— Ah. - Ela murmurou e em contrariedade agradeceu por estar escuro. Seu rosto estava pegando fogo. - Desculpa.

— Millie?

— Sim?

— Você ainda não levantou. - Ele apontou, com a voz forçadamente controlada.

— Aah! - Ela repetiu, saindo de cima dele depressa e sentindo-se estúpida. - Eu sinto muito. Eu... acho que ainda estou meio grogue.

Mas também tinha gostado de saber a reação que causava nele. Aquilo Millie não confidenciou. Ele já devia estar se sentindo bastante sem graça.

E ela estava certíssima, pois Ethan também estava agradecendo a escuridão. - Tudo bem. Eu não tinha que estar no caminho. É que eu peguei no sono também. - Ele explicou estalando os músculos doloridos pela posição ruim em que dormiu.

E, Ethan pensou, foi culpa do sono exatamente o que tinha acontecido dentro de sua calça. Do sono e do sonho que estava tendo. Com Millie. Mas aquilo Ethan também não confidenciou.

— Ethan, que horas são? Eu devo ter dormido demais... - Millie comentou.

— Espera um minuto. - Familiar com o quarto, Ethan logo achou o interruptor e acendeu a luz.

Checou no relógio que eram 23h30min. Disse isso a Millie, que colocou a mão na cabeça. - Eu realmente dormi demais! Eu tenho que ir.

— Hã, Millie? Você não está pensando em sair essa hora, não é.

Millie achou melhor não lembrá-lo de que ela já havia andado na rua muito mais tarde do que aquilo. - Sim, eu estou. Imagina só o que os seus pais devem ter pensado quando eu não fui embora...

Ethan cogitou exatamente aquilo, e não gostou nenhum pouco da idéia. Quando ela começou a vestir o suéter novamente, ele insistiu. - Millie, eu não posso deixar você sair daqui essa hora. Você passa a noite aqui. Já não estava dormindo, mesmo? Eu tenho certeza que os meus pais não vão se importar. Amanhã eu falo com eles.

Ao menos, ele esperava que não se importassem mesmo. Não é como se ele levasse garotas para passar a noite em sua casa corriqueiramente. Não é como se ele levasse garotas no geral.

Millie mordeu os lábios e encarou a cama novamente. Ela não podia lembrar-se de ter dormido tão bem. E além do mais, o travesseiro tinha o cheiro dele.

— Pronto. Está resolvido. - Ele disse rapidamente, aproveitando-se da indecisão dela. - Eu vou fazer alguma coisa para a gente comer, ok?

— Sim... - Ela hesitou por um momento. - Eu posso tomar um banho no seu banheiro?

— Claro. - Ele concordou. O que seria um banho se ela já tinha dormido na cama dele, afinal?— Eu vou preparar algo.

— Ok. - Ela sorriu timidamente.

— Ok. - Ele corou. - Eu vou, então.

Cala a boca, Ethan. É a terceira vez que você diz isso.

— Ah, então... Estou indo.

Quarta vez. Idiota.

Antes que partisse para uma quinta vez, Ethan saiu do quarto torcendo para que todos já estivessem dormindo. Teria que explicar para os seus pais a situação, mas não queria que fosse naquele momento.

**

Por que ele não sabia o que ela gostava, Ethan preparou dois sanduíches. Era uma refeição neutra. Colocou suco em dois copos e arrumou em uma bandeja. Quando estava saindo, ouviu passos no corredor. Engoliu em seco três vezes, rezando para que fosse a Millie. Não era.

Era Dan.

E reparando rapidamente na bandeja, o músico sorriu. - É. Parece que alguém andou se dando bem por aqui hoje...

Irritado, Ethan o encarou. - Isso não é da sua conta.

— Mas é do papai e da mamãe.” Ele ampliou o sorriso quando Ethan hesitou. - Imagino que eles ficariam surpresos ao descobrir que o filho prodígio anda trazendo mulheres para dentro de casa. Tsc, tsc. Nem eu faço isso. As minhas ficam da porta para fora.

— Você não faz a menor idéia do que está falando. Millie pegou no sono. - Ethan não queria ter que se explicar, mas era bem capaz que seu irmão idiota fizesse um escândalo para acordar seus pais.

Daniel gargalhou. - Você já a entediou? Caramba, Ethan! Eu pensei que ela fosse aturar você por um mês ao menos. Millie é uma boa pessoa, boa demais. Claro que ela iria acabar cansando uma hora, mas você conseguiu um tempo recorde. Parabéns!

— Sai da minha frente! - Ethan recolheu a bandeja e empurrou-o do caminho sem delicadeza.

Ainda podia ouvir as risadas do irmão quando entrou no quarto.

Millie estava penteando os cabelos, sentada na cama. Com um de seus roupões. Meu Deus, ela era linda, Ethan pensou, Dan estava certo, o que ela queria comigo? Sentindo uma presença, Millie ergueu os olhos e sorriu para ele. Seus olhos, no entanto, detectaram que havia alguma coisa errada em sua expressão.

— O que houve, E

— Nada.

E por que não tinha conseguido convencer nem a ele mesmo, sorriu. Colocou a bandeja em cima da cama e então percebeu que ela estava maquiada. Franziu o cenho.

— Você se maquiou?  

— Kit de emergência dentro da bolsa. Todas as modelos têm. Precisamos ter. - Ela indicou a escova em sua mão, querendo que ele largasse o assunto.

— Eu sei. Mas você vai dormir. Você não usa maquiagem para dormir, usa?

Não. Mas eu não estou sozinha.

Millie gargalhou. - Engraçado. Hum, o que você trouxe? Acabei de perceber que estou com fome.

Claro que ele notou a mudança brusca de assunto, mas não quis comentar. Se ela tinha feito aquilo é por que não queria responder. E ele não iria forçá-la a tal. 

— Desculpa a decepção, mas o suco é normal de laranja, nada espinafre com abacaxi nem nada assim. - Ethan comentou, querendo que ela sorrisse.

Millie o fez. - Ora, eu nunca tomei suco de espinafre com abacaxi. Isso existe? Que coisa horrível!

Ele retribuiu o sorriso.

Os dois comeram em um confortável silêncio e Ethan depois levou a bandeja até a cozinha, feliz quando não encontrou Dan por lá. Quando ele voltou para o quarto, Millie já estava deitada debaixo das cobertas novamente.

— Eu usei sua escova de dentes, você se importa? - Ele murmurou enquanto observava ele ir até o armário.

— Não, tudo bem.

Ela se apoiou em um cotovelo e assistiu enquanto ele retirava de lá um lençol e uma colcha. - Para que isso?

Ethan a encarou e percebeu que ela se referia à roupa de cama. - Para forrar o sofá.

Ele continuou mexendo no armário, agora recolhendo uma calça de moletom e uma camiseta e então perdeu o olhar de Millie.

— Você não vai dormir comigo?

Os movimentos de Ethan pausaram bruscamente e ele pensou que tinha ouvido errado. Lentamente, ele voltou a encará-la e percebeu que ele tinha ouvido muito bem. Ele ficou tão vermelho que realmente sentiu a concentração de sangue queimando suas bochechas.

— Você quer dizer... Ah... Ah, que a gente...

— Eu quero dizer que a cama é grande o suficiente para nós dois. Mas se você não se sente confortável, eu é que tenho que dormir no sofá, Ethan.

— Mas é claro que você não vai dormir no sofá! - Ele contradisse como se ela tivesse pronunciado uma ofensa ao país.

Ela o observou. - Então você vai dormir comigo?

Por Deus, ela tinha que continuar falando daquele jeito, e o olhando daquele jeito, enquanto deitada na cama como se estivesse o convidando? Ele não iria conseguir... Ele nunca tinha dormido com ninguém antes. Em ambos os sentidos. Claro que uma mulher como ela estaria esperando certas coisas... Ethan não saberia o que fazer.

Ele iria se humilhar e ela acabaria o encarando com pena e decepção. Ele quase podia ouvi-la dizendo ‘Está tudo bem, Ethan. Sério’ quando ele não conseguisse fazer nada. Por que ele tinha que ser daquele jeito? Por que ele não podia ser normal como todo mundo? Por que ele era inexperiente daquele jeito?

Qualquer cara que se prezasse estaria ansioso com a expectativa de deitar na mesma que a Millie, e então abraçá-la, e então...

— Ethan? Você não vem?

Ele xingou em pensamento e balançou a cabeça. - Eu vou. Eu só... Vou trocar de roupa.

Millie ficou olhando para o teto enquanto ele estava no banheiro, um formigamento engraçado estava acentuado em seu baixo ventre. Ela sabia que não iria acontecer nada, é claro, mas a expectativa de que dormiria com ele durante toda a noite não a deixava em paz.

Ela baixou os olhos quando a porta do banheiro se abriu, mas Ethan não a encarou. Ele andou depressa até a porta, trancando-a e depois ao interruptor e apagou a luz, como se a escuridão melhorasse tudo. Ela ainda podia ver a sombra dele se mexendo, no entanto, pois havia aberto as cortinas enquanto ele tinha ido à cozinha.

Ela viu que ele pausou antes de subir na cama e respirou profundamente. Pacientemente, Millie esperou por que sabia que ele estava nervoso. Ela sabia que ele era tímido e que provavelmente estava detestando toda aquela situação, mas ela não podia simplesmente ficar de boa com a idéia de ele ir dormir no sofá enquanto ela usurpava seu colchão.

Finalmente ele deitou ao seu lado. Millie podia sentir a tensão emanando do corpo dele. Suspirando, ela levantou a cabeça para encará-lo.

— Ethan, você está mesmo confortável com isso? Eu já disse que eu posso...

— Não, você não vai dormir no sofá. - Sua voz saiu firme, apesar do seu nervosismo. Ele procurou a mão dela e entrelaçou seus dedos. - Eu sinto muito, isso é um pouco estranho para mim. Mas o problema não é você.

— Tudo bem. É estranho para mim também. - Ela sorriu e ele conseguiu enxergar o branco de seus dentes.

Por que ela queria fazer aquilo há algum tempo, Millie chegou para mais perto dele e o abraçou com um braço. Ethan instintivamente chegou mais para a ponta da cama, mas deixou o braço dela onde estava.

— O que foi?

— Nada.

Ela podia jurar que ele estava vermelho mesmo que ela não pudesse ver. Para amenizar a situação, Ethan segurou uma mecha do cabelo dela e disse. - Eu gosto do cheiro do meu sabonete em você.

Gosto até demais, ele completou em pensamento.

Ela sorriu e se aproximou dele de novo, e ele se afastou mais ainda. Ela franziu o cenho. Não era como se ele não quisesse encostar nela, por que estava com a mão em seu cabelo.

— Ethan... Você vai cair da cama assim.

— Não, eu só...

— Chega para cá. - Ela começou a puxá-lo para mais perto enquanto ele resistia. - Você não quer ficar perto de mim?

— Não é nada disso, Millie. É só... - Mas ele não terminou.

Teimosamente, ela o puxou outra vez. - Então vem para cá.

Ele suspirou e começou a se mover um tantinho de cada vez para perto dela. Millie logo passou os braços em volta dele outra vez, aproximando o corpo. Antes que Ethan pudesse se afastar de novo, seus quadris se tocaram... E ele reprimiu um grunhido.

Silêncio.

Millie sentiu o coração dar umas piruetas. Ela já tinha presenciado aquela situação antes quando havia caído no colo dele, mas aquilo não queria dizer que a sua reação seria de menor surpresa. E desejo.

— Desculpa. Desculpa, Millie. Eu tentei me livrar disso no banhe... Ah meu Deus, olha a merda que eu estou dizendo... - Ele colocou as duas mãos no rosto.

Ele se viu ainda mais constrangido quando ela começou a gargalhar alto, como se tudo fosse uma grande diversão.

Millie tentou se controlar por que sabia que estava apenas piorando as coisas, mas a sensação de satisfação era difícil de conter. - Você acha que ia me incomodar?

Quando ele balançou a cabeça e não respondeu nada, Millie colocou uma mão sobre o seu peito e perguntou baixinho. - Você quer que eu cuide disso para você?

Um grunhido respondeu antes que Ethan pudesse o fazer, e Millie riu outra vez. O rapaz respirou fundo três vezes, ciente de que ele nunca mais ia conseguir tirar da cabeça a imagem dela fazendo exatamente aquilo.

— Millie, olha... Eu não... Vamos tentar dormir, está bem?

— Não quer?

Ele sabia que ela estava usando aquele tom de propósito. Ele quase podia ver os olhos dela brilhando com malícia no escuro, de verdade. Ethan sabia que seus olhos literalmente reviraram quando ela começou a descer a mão.

— Millie! - Ele segurou a mão dela com dificuldade.

Em resposta, ela apenas riu outra vez. Pela segunda vez no dia, Ethan agradeceu pela escuridão. Ele nunca havia ficado tão constrangido em toda a sua vida. E não gostava nenhum pouco da sensação.

— Tudo bem, eu vou parar. - Ela se recompôs, mas a sua voz ainda tinha o tom que estava fazendo certas partes de Ethan reagirem. Ela sorriu e beijou o pescoço dele. - Mas não tente mais se esconder de mim. Eu gosto da reação que causo em você.

Ele murmurou algo inaudível em resposta e Millie sorriu de novo. Ela nunca tinha se sentido tão bem em causar desejo em um homem. Ela virou de costas para ele e passou o braço dele pela sua cintura para ficarem de conchinha. Ele ficou tenso outra vez.

— Eu só quero abraçar você... - Ela murmurou inocentemente, mas de propósito colou o corpo mais ainda no dele.

— Você deve gostar de me fazer sofrer. - Ele acusou, tentando sem sucesso não pensar que a retaguarda dela estava pressionando o seu...

Não pensar, não pensar.

— Hum, hum. Eu queria te ajudar, mas você não deixou. - Ela contradisse. Fechou os olhos então, sabendo que ele estava vermelho de novo. - Boa noite, E.

Ele só conseguiu dormir uma hora depois, ouvindo o som da respiração dela. Embora o desconforto grande com a biologia natural, Ethan viu grandes vantagens em adormecer com Millie em seus braços.

**

Na manhã seguinte, Jasper sentou-se à mesa para tomar café e percebeu a esposa inquieta. Mais inquieta do que o normal. Dez minutos depois, enquanto ele passava geleia em uma torrada, Alice permanecia inquieta e encarando o relógio de pulso.

— Ele já devia ter levantado, você sabe. - Alice murmurou, cansada de esperar que o marido perguntasse qual era o problema.

Jasper arqueou uma sobrancelha, calmamente. - Dan?

— Claro que não! Ethan! Ele vai se atrasar para o trabalho. - Ela insistiu e novamente checou o relógio. - Acho melhor eu ir acordá-lo...

Jass a observou. - Alice, você vai acabar vendo o que não quer.

— Ora, o que você quer dizer com isso? - Ela respondeu, mas levantou-se antes que ele pudesse dizer algo. - Eu vou lá.

Jasper balançou a cabeça enquanto a baixinha se afastava. A esposa sabia tão bem quanto ele que Millie não havia ido embora à noite anterior. Não querendo perder o show, Jass colocou a torrada na boca e seguiu atrás da mulher.

Alice sentiu os sinais de perigo ressoarem em sua mente quando girou a maçaneta do quarto de Ethan e percebeu estar trancada. Não se dando por vencida, ela retirou do bolso seu molho especial de chaves e abriu a porta.

Ela entrou no quarto e perguntou-se em que universo paralelo estava quando ela temia encontrar Ethan na cama com alguém, ao invés de Dan. Alice estava se julgando tola até ver a cor do sol espalhada sobre um dos travesseiros. Não!, sua mente gritou. Mas era sim. Ela sentiu uma momentânea paralisação e logo cruzou os braços.

— U-rum. - Pigarreou alto.

Nenhum deles se mexeu. Ela cerrou os olhos quando, como se consciente de que alguém queria exterminar seu paraíso, Ethan apertou mais ainda Millie contra si.

— U-rum, rum, rum. - Alice repetiu.

Crispou os lábios quando novamente nenhum dos dois acordou. Não satisfeita, foi até a janela e abriu ainda mais as cortinas até que sol batesse em cheio no rosto do filho. Da porta, Jass assistia a cena de camarote.

Com a súbita iluminação na face, Ethan lentamente despertou. Colocou uma mão sobre o rosto, piscou algumas vezes e então finalmente seus olhos se focaram. Percebeu uma silhueta contra a luz, como se fosse um anjo caído do céu. Quando ele percebeu que a expressão da pessoa em questão estava longe de ser angelical, Ethan se sentou tão depressa que sua cabeça rodou.

— Mãe!

Millie se mexeu com o súbito movimento, mas preguiçosa que só ela, virou para o outro lado e continuou a dormir.

— Mas o que... Mas o que... Como você entrou? Eu tranquei a porta! - Ele murmurou bobamente mesmo sabendo que sua mãe tinha a chave.

Alice balançou a chave na sua frente, lançou um olhar à Millie ainda adormecida e então arqueou uma sobrancelha para ele.

Ethan corou furiosamente e começou a se levantar, lembrou-se a tempo de sua ereção matinal – e ainda mais pronunciada por ter dormido com Millie – e se cobriu ainda mais com o edredom. Sua mãe percebeu o gesto e cerrou ainda mais os olhos, como se apenas aquilo fosse explicação o suficiente.

Ele abriu a boca, fechou, escutou risadinhas e olhou para a porta do quarto vendo o pai tirando sarro da situação, abriu a boca, fechou. Encarou sua mãe.

— Olha, não é o que você está pensando...

— Quando essa frase é pronunciada, geralmente é ainda pior... - Millie murmurou sonolenta sem nem se dar conta da situação. Os três olharam para ela e quando a loira levantou a cabeça, ficou ainda mais vermelha do que Ethan. - Ah-, ah... - Ela encontrou os olhos desesperados de Ethan com os dela. - Para que eu fui abrir a boca, não é mesmo.

— Mãe, você pode sair para eu poder trocar de roupa, por favor? Eu já vou falar com você.

Alice percebeu o roupão de Millie que caía pelos ombros e notou que ela devia estar nua por debaixo daquilo. Ethan seguiu seu olhar e, depois do inicial choque de perceber que ele tinha passado a noite com Millie nua por debaixo do roupão, constatou que ele estava mesmo perdido.

Ela lançou mais um olhar ao filho e sem dizer nada, saiu do quarto. Jasper que continuava a rir, murmurou um ‘Não se preocupem, isso passa’ e fechou a porta do quarto atrás de si.

Eles ficaram em silêncio por um momento e então Millie disse. - Eu sinto muito, a culpa é minha. Eu não tinha que ter dormido demais... Eu vou falar com ela, tudo bem?

— A culpa é minha por que eu esqueci de programar o despertador ontem. - Ethan murmurou desolado.

— Ei, calma, E. Eu vou falar com ela. Eu só vou me vestir. - E então ela entrou no banheiro, onde havia deixado suas roupas.

Ethan balançou a cabeça, mesmo que ela não pudesse mais ver. Era sua mãe, era seu problema. Ele não ia deixar Millie tentar livrar sua cara como se ele fosse uma criança. Ele quem iria resolver. Não sabia como, mas iria.

Ele se levantou, trocou de roupa e saiu do quarto. Alice estava na cozinha tomando café como se nada houvesse ocorrido. Mas Ethan a conhecia melhor do que aquilo, e sabia que quando ela estava quieta é que era mais perigosa. Jass ainda tinha um meio sorriso no rosto e quando o filho chegou, tornou-se um sorriso inteiro.

— Mãe, eu juro que não aconteceu nada. - Ele começou e Alice ergueu os olhos como se o tivesse reparado ali naquele momento. - Millie estava cansada ontem, então ela foi deitar um pouco para descansar. Mas acontece que eu acabei pegando no sono também. Na cadeira. - Ele acrescentou depressa. - Aí quando ela acordou já estava tarde, eu não podia deixar que ela saísse sozinha à uma hora daquelas, podia?

— Claro que não. Meu filho tem consideração demais para isso. - Jasper cutucou, sorrindo.

Ethan o encarou, descontente. - Obrigado, pai.

— Sempre pode contar comigo, filho. - Ele sorriu mais.

Ethan o ignorou e novamente olhou para sua mãe, que o observava sem abrir a boca. O rapaz começou a soar frio. - Então, bem... Eu sugeri que ela dormisse aqui. Eu repito: eu não podia deixar que ela saísse aquela hora, é claro. E eu não ia acordar vocês só para isso já que podia avisar de manhã. E aí, bom... Ela não quis que eu dormisse no sofá, e já que a cama era grande demais... Bem, eu deitei lá. Eu não podia deixar que ela dormisse no sofá, não é? Isso seria... Bem, enfim, foi isso que aconteceu.

Ethan encerrou a história, torcendo para que sua mãe aceitasse e esquecesse.

Alice continuou o encarando por um minuto. - E ela precisava estar nua para dormir? E você precisava estar agarrado nela como se ela fosse o último balão de oxigênio no fundo do mar?

O rapaz corou outra vez. - Eu... Ela não estava nua. Você não esperava que ela dormisse de jeans, não é? E como eu vou controlar meus movimentos quando estou dormindo? Eu estou inconsciente.

Alice cerrou os olhos. - Ethan, você está achando que eu nasci há duas horas atrás?

— Mas foi o que aconteceu!

— Alice, dê um pouco de crédito ao menino. Ethan já fez algo parecido alguma vez? Ele já se comportou de outra forma senão perfeitamente bem? - Jasper argumentou, sensatamente. A mulher hesitou. - Se ele está dizendo que foi isso que aconteceu, então foi isso que aconteceu.

— Essa história está muito mal contada. - A estilista cruzou os braços em desconfiança.

Nessa hora, Millie apareceu. Como se entrasse em um campo de batalha, até o sorriso da loira foi cauteloso.

— Ah, Alice, eu queria...

— Está tudo bem, Millie. - Ethan disse depressa e lhe lançou um olhar de ‘Ok, eu já resolvi’.

Ela franziu o cenho como se quisesse dizer algo ainda assim, mas ele continuou a encarando em súplica. Por fim, a modelo desistiu. Não estava tão certa do que havia ocorrido, no entanto, uma vez que Alice ainda a encarava estranhamente.

— Eu vou indo, então. Eu já estou atrasada para o trabalho.  

Ela não estava, mas tinha um pressentimento de que seria melhor se ela fosse embora. E sabia que Ethan também achava isso. Tadinho, ele estava com uma expressão péssima. Millie colocou uma mão em seu rosto em solidariedade e estragou todo o discurso de Ethan ao se inclinar e colar os lábios nos dele.

Inconsciente de que havia reaberto a discussão, ela se afastou. - A gente se vê mais tarde. Tchau Jass, Alice.

Ela lançou mais um olhar a Ethan, virou-se e saiu. Levando consigo a esperança do rapaz de que a mãe iria acreditar nele. Alice estava o fulminando com os olhos.

— Foi o que aconteceu, hein? - Ela comentou.

— Mas mãe, é verdade... - Ele desistiu de terminar quando ela passou por ele sem lhe dar atenção.

Ethan baixou a cabeça e passou uma mão no rosto. Logo sentiu uma mão em seu ombro, ergueu os olhos e viu seu pai encarando-o.

— Relaxa. Isso é só ciúme. - Ele assegurou, com o sorriso ainda no rosto. - Daqui a pouco passa. - Ele ia saindo, e então se virou. - Filho, só uma coisa: não se esqueça de se cuidar, ok? Nem eu nem sua mãe estamos pensando em ser avós tão cedo. 

— Mas eu já disse que não...

— ... Aconteceu nada. Claro. - Ele deu uma piscadela como se compartilhassem um segredo. - Eu acredito em você, filho. Se você diz, eu acredito.

E rindo, ele saiu da cozinha.

Ethan bufou, balançou a cabeça, pensando que ele estava perdido com aqueles dois. Ele queria ao menos ter se divertido um pouco já que ia levar a culpa... Praguejando, ele foi tomar banho para ir para o trabalho.

### - X— ###

Angelinne girou e ao som da música, escorregou para o chão em um movimento perfeito. Dan a observava, seus dedos se moviam automaticamente no piano sem mais o seu comando. Graciosamente, ela inclinou o corpo para frente até que sua cabeça tocasse o joelho e logo depois se levantou. Ela moveu as mãos para cima, tocando nos cabelos, uma expressão de puro deleite no rosto... Então ele errou a nota.

Angel parou de dançar e colocou as mãos na cintura. - Daniel!

— Desculpa. - Ele virou o corpo e praguejou baixo.

— É a terceira vez que você erra só hoje! Qual o seu problema? - Ela exigiu enquanto cruzava os braços.

— Eu me distraí.

— Com o quê?

Impaciente com o interrogatório, ele a encarou. - Com você.

Ela abriu a boca como se estivesse pronta para protestar antes mesmo de ouvir a resposta, então ficou estática e fechou a boca sem uma palavra.

Desconfortável, Dan virou de costas novamente. - É só... É bonito te ver dançar. Mas eu vou me concentrar.

Fez-se silêncio depois daquilo e mesmo de costas, ele sabia que ela estava tentando se recompor. E ele estava certo. Não era como se ela nunca houvesse recebido elogios antes, ela sabia que dançava bem, não tanto para ser uma profissional, mas acima de ‘bem’. O fato é que o comprimento foi tão inesperado quanto ter vindo de quem veio.

E ela já tinha escutado palavras mais bem elaboradas e perfeitas, inclusive técnicas quando eram de profissionais da área... Mas a simplicidade das palavras de Dan de alguma forma a afetaram mais. E aquilo era ridículo e contraditório, Angel constatou. Não fazia sentido algum. E além do mais, não era nada importante para ela.

— Eu... - Quando sua voz saiu ridiculamente baixa, ela pigarreou e ergueu o queixo em indiferença. - Obrigada.

Daniel ouviu perfeitamente o tom na voz dela. Depois da vida inteira a conhecendo e de duas semanas ensaiando juntos, ele havia aprendido um bocado sobre Angelinne. Mesmo que ela fizesse o possível e o impossível para esconder.

— É só um elogio, Angelinne. Você não precisa tentar descobrir significados subentendidos nisso.

— Eu não estava... - Ela começou, mas não completou. Ela estava. Subconscientemente, mas sim. - Enfim. Vamos continuar? Uma última vez.

Ela voltou à sua posição e esperou, mas Dan não recomeçou a tocar. Ela cruzou os braços de novo em uma expressão de impaciência, mas por dentro sentia um leve receio com a idéia de que ele a continuaria elogiando. Ela não gostava nenhum pouco de lidar com Dan quando ele era gentil. Brigar era muito mais fácil.

Surpreendentemente e infelizmente para ela, nas últimas duas semanas eles não fizeram muito daquilo. Era complicado por que com ele agindo dessa forma, ela não sabia como reagir. Ela nunca havia ficado perto bastante de Dan para saber como ele era no resto do tempo, e agora que estava, seu desconforto era evidente. Por isso, concentrava-se nos ensaios e somente nisso.

— O que foi agora? - Ela questionou.

Ele hesitou. - Eu tive uma idéia. Na verdade, eu tive essa idéia há alguns dias.

Ele então se voltou para encará-la mais uma vez. Seus olhos estavam calmos, calmos e completamente imprevisíveis para ela. Angel gostava de saber o que esperar das pessoas.

— Sobre o quê?

— Eu pensei que... Talvez nós pudéssemos acrescentar um pouco mais de realidade à dança. - Ele explicou. Quando ela apenas arqueou a sobrancelha, ele continuou. -Bem, a música fala sobre romance... Então eu achei que daria para expressar isso melhor na apresentação se, além da dança, nós acrescentarmos algo como... teatro.

Ela cerrou os olhos. - Você não está sugerindo que eu agarre você na apresentação, não é?

— Não. Eu estou falando de acrescentar alguns passos que me envolvessem também. Não que eu fosse dançar, é claro, afinal eu vou estar no piano, mas talvez seria expresso melhor se você fizesse movimentos que fizessem menção a mim. Assim como no ballet contemporâneo, geralmente eles expressam uma emoção com os passos. E sabe, no filme ‘Um Amor Para Recordar’, quando ela canta na peça da escola... Não fica apenas cantando olhando para a plateia, ela olha para ele também, afinal... A música era sobre o relacionamento dos personagens deles na peça.

Angelinne não sabia honestamente onde esconder seu choque. Optou por externá-lo. - Você assistiu apresentações de ballet contemporâneo? Você assistiu ao filme ‘Um Amor Para Recordar’?

Foi a vez de Dan erguer o queixo. - Eu gosto de arte. Dança e cinema são artes, assim como a música. Qual o problema?

— Eu achei... eu achei que você só assistia a filmes podres, tipo de terror e pornôs... - Ela murmurou abestalhada e então percebeu a besteira que tinha dito.

— Você não sabe nada sobre mim, Angelinne. Eu gosto de filmes bons. Acontece que eu acredito que exista um romance ou dois que são bons, sabe?

Ele estava zombando dela e Angel logo se controlou novamente. - Enfim.

— Você acha que toda vez que disser ‘enfim’ vai terminar com o assunto? - Ele questionou com humor.

Ela ergueu tanto o queixo que Dan se perguntou de repente como seu nariz não simplesmente batia no teto. - Acho.

Ele sorriu e desistiu da resposta que ia dar. Disse, ao invés. - O que você acha da ideia?”

— Eu acho que você quer um meio de aparecer mais, já que as pessoas estarão muito ocupadas observando o exímio de meu talento e não notarão você no cantinho brincando com o piano.

Daniel alargou o sorriso. - Exato. Eu estou totalmente devastado com a ideia de que você me ofuscará com sua maravilhosa performance.

Um meio sorriso se formou nos lábios dela. - Sabe, Daniel... Eu acho que você pode ser um pouquinho inteligente no fim das contas. - Ela declarou. - E eu também acho que posso incluir sua idéia. Meus passos já estão perfeitos, é claro, mas eu quebro esse galho para você.

— Sabe, Angelinne... - Ele imitou-a com diversão. - Convivendo contigo, fiz uma descoberta surpreendente: você tem um ego tão grande quanto o meu.

Ela não concordava com aquilo, ao menos não que fosse generalizado da mesma forma, mas sorriu docemente. - É a única coisa que temos em comum, então. - Ela então ficou séria novamente. - Anda, Daniel. Vamos uma última vez!

— Mandona. - Ele acusou.

— Preguiçoso. - Ela rebateu.

E surpreendeu Dan com mais um sorriso.

***

Assim que eles ensaiaram a música pela última vez, foi como se todo o cansaço se abatesse sobre ela de uma só vez. Ela enxugou o suor da testa e já foi seguindo para o banheiro da sala de música para tomar banho.

Daniel observou-a se afastar, então desceu para tomar um banho também. Angelinne ainda não sabia, mas daquela vez ela não correria para casa depressa depois do ensaio como sempre fazia. A rotina seria quebrada.

Por saber que ela sempre era rápida demais devido a sua pressa para ir embora, ele tentou não demorar muito e ao retornar à sala de música, Angelinne estava saindo do banheiro. Ela o encarou com o cenho franzido, por que geralmente quando terminava o ensaio, ele saía de seu caminho. Devia saber que ela não queria assunto com ele além do estrito necessário.

— O que foi? - Questionou desconfiada.

Daniel reprimiu a vontade de revirar os olhos. - Não ‘foi’ nada. Eu só achei que... Como hoje nós estendemos o ensaio um bocado, a gente podia ir comer alguma coisa.

Ela esperou um minuto inteiro até responder e seu tom não era gentil. - Você diz ‘a gente’ em ‘eu e você’?

Já preparado para sua resposta, Dan enfiou as mãos nos bolsos de seu jeans e deu de ombros. - Certamente.

— Não, obrigada. - Angelinne virou de costas como se confiante de que ele aceitaria sua resposta e iria embora.

Ele continuou parado no mesmo lugar. - Por que não?

Ela voltou a encará-lo com impaciência, como se ele fosse um daqueles mosquitos irritantes que zumbiam nos ouvidos à noite. - Por que eu não quero, Daniel. Eu não gosto de você, e você sabe disso por que eu não faço questão de esconder, então qual o propósito? Além do mais, eu tenho um encontro hoje.

Está certo, a última parte era mentira, mas ela acreditava que apenas reforçaria a sua lista.

Ele estreitou os olhos e pendeu a cabeça para um lado. - Você tem?

— Sim, eu tenho. E daí?

— Com quem? - Ele insistiu, claramente pouco se lixando se era da conta dele ou não.

 - Isso é irrelevante e... Eu não te devo satisfações. - Ela recolheu sua bolsa do chão, colocou-a sobre o ombro e quando virou para sair, Dan estava bem diante dela. Irritada, Angel deu um passo para trás. - Mas qual é o seu problema hoje?

— Você não tem um encontro, eu sei disso tão bem quanto você, então vamos deixar essa questão de lado, ok? E eu não estou pedindo nada demais. Hoje é sexta-feira, não é possível que você vá para casa e passe a noite trancada lá. E logicamente, Angelinne, eu preciso comer e você também.

— Se não é nada demais, você não devia ficar insistindo. E eu já disse que não quero. - Ela tentou passar por ele, mas Dan se enfiou no caminho dela outra vez. Agora receosa, e mais irritada por aquilo, Angel bufou. - O que, você vai me obrigar?

Ele permaneceu um tempo apenas olhando nos olhos dela e reconhecendo que estava começando a assustá-la, mesmo sem ainda saber por que, esforçou-se para pegar leve.

— Não. Eu deixo você ir se você me der um motivo plausível para não querer sair comigo. - Ele explicou calmamente e se afastou um pouco, dando espaço a ela.

Angelinne estava agradecida por enfim conseguir respirar. - Eu não te suporto. Isso não é razão o suficiente?

— Não. - Ele respondeu na careta de pau, fazendo-a cerrar os olhos. Logo depois ele sorriu e acrescentou. - Por que mesmo que não me suporte, você ainda poderia se deixar levar pelo meu sexy appeal

Embora irritada pelo seu egocentrismo evidente, Angel finalmente se sentiu relaxar com a situação. E ela tinha a leve impressão de que ele tinha feito a brincadeira com aquele propósito. Não que ele parecesse melhor aos olhos dela pela a ação. Claro que não.

— Daniel, chega disso, ok? Anda, saia logo da minha frente. Eu quero ir para casa.

— Angel, eu não vou sair. - Aquilo ele disse como se afirmasse um fato tão incontestável quanto à liquidez do mar.

Não vendo nenhum propósito em novamente lembrá-lo para não chamá-la pelo apelido uma vez que sempre ignorava e continuava chamando, ela apenas cruzou os braços. Tentou ser rápida e passar por ele, mas logo ele estava na frente dela outra vez. Permaneceram nessa por uns três minutos.

— Ah, mas que inferno! Será que você não entende quando alguém diz a palavra ‘não’? Você só pode estar de cisma para me irritar. Isso não é possível. É uma pegadinha, talvez? - Angelinne exclamou estressadíssima.

Ele sorriu. - Eu apenas não gosto de comer sozinho.

Ela revirou os olhos. - Isso não deve ser nenhum problema com aquele bando de meninas tolas que vivem atrás de você...

— Ciúmes?

— Não! - Ela ficou vermelha sem saber por que e culpou-o apenas por acionar sua raiva daquele jeito. - Arranje outra pessoa e me deixe passar!

— Mas eu quero você, Angel.

Pela segunda vez no dia, ele dizia algo que a deixava sem palavras. Angelinne sentiu um tremor estranho e também o interpretou como raiva. - Não podemos ter tudo na vida, não é mesmo? E você quer me irritar, é isso que você quer.

— Eu admito que tenha algumas vantagens em te ver irritada, a começar que você perde toda essa máscara de autocontrole. Mas não é isso que eu quero. Eu quero você, simples assim.

— Isso é ridículo... - E ela deu passos para trás novamente, sentindo que ele estava querendo dizer muito mais com aquilo. Por fim, suspirou. – Vamos logo, quanto mais cedo eu for, mais cedo você me deixa em paz.

***

Eles foram à uma lanchonete próxima caminhando, por que Dan achou que ela se sentiria mais à vontade com pessoas em volta. Angel permaneceu em um teimoso silêncio e ele tinha que admitir que o biquinho que se formara em seus lábios era engraçado. Sabia melhor do que para comentar sobre aquilo, é claro.

Eles ocuparam uma mesa no canto, e o tempo todo Dan segurava seu braço como se para evitar que ela tentasse escapar mesmo. Angelinne se sentou, apoiou os cotovelos sobre a mesa e continuou com o bico do tamanho do Grand Canyon.

— O que você quer, Angel? - Ele questionou e indicou um dos cardápios que estavam sobre a mesa.

— Ir embora.

Ele nem se incomodou em levantar os olhos, mas seus lábios se curvaram enquanto ele passava os olhos pelas opções. - Hum. Eu posso procurar, mas acho que eles não fazem isso aqui. Por acaso é comida chinesa?

Angelinne crispou os lábios. – Precisa trabalhar em suas piadas.

Ela pegou um dos cardápios contra a vontade, irritada e constrangida quando seu estômago fez sinais denunciando sua fome.

Daniel alargou o sorriso com aquilo e não disse nada, mas se divertiu com as bochechas rosadas de Angel. Ele decidiu o que iria comer, então esperou pacientemente enquanto ela escolhia para que pudesse ir pedir no balcão.

— Um sanduíche natural de frango e uma Coca. - Ela disse após ter demorado de propósito, mas estava mesmo com fome e não podia esperar mais.

O cheiro maravilhoso na lanchonete estava enuviando os seus sentidos.

— Só isso? Não é possível que mate sua fome com um sanduíche.

— Não estou com tanta fome assim. - Ela declarou com o nariz em pé.

Daniel sorriu ironicamente. - Então está bem.

Ela observou-o se levantar e ir até o balcão, controlando-se para não chamá-lo de volta e pedir mais alguma coisa. Ela não podia, no entanto. Sabia que ele insistiria em pagar, e devia mesmo já que tinha praticamente a sequestrado, mas não gostava da ideia de ficar devendo ou dependendo dele para nada. Portanto, driblaria sua fome e aguentaria firme.

Ele tentou puxar assunto com ela enquanto esperavam por seus pedidos, mas Angelinne não lhe deu bola. Dan estava sentindo sua pouca paciência se esvair. Eles estavam naquela há duas semanas, ele não conseguia uma brecha com ela, estava difícil.

Os seus pedidos chegaram e três dos pratos eram só para Dan. Angelinne observou toda aquela comida com inveja, mas se controlou e devorou seu sanduíche como se nunca houvesse visto comida na vida. Daniel a observou com diversão.

— Você quer outro? - Ele questionou rindo.

— Não. - Ela ergueu o nariz como sempre, mas o efeito foi totalmente alterado pelo restinho de maionese que tinha no cantinho da sua boca.

Dan balançou a cabeça e esticou o braço, Angel rapidamente chegou a cabeça para trás e o encarou em desconfiança. - Calma... Eu só quero limpar.

Ela permaneceu bem quieta enquanto ele limpava a maionese de sua boca e mais ainda quando ele levou o dedo aos próprios lábios.

— O que foi? Eu não gosto de desperdício. - Ele sorriu angelicalmente, como se não soubesse a intimidade daquilo.

— Não faça mais essas coisas. - Ela murmurou com a voz baixa.

— Ok. - Ele deu de ombros e deu uma garfada em suas panquecas de chocolate. Angelinne acompanhou o movimento com os olhos como uma pessoa faminta. - Você quer?

— Sim. - Ela disse imediatamente, fome sobressaindo ao orgulho.

Agora Dan riu abertamente. - Eu avisei que você ia ficar com fome.

Ela pegou mais panqueca com o garfo e levou até ela que inicialmente hesitou, mas sem paciência para pegar com o garfo ela mesma, abriu a boca e aceitou o que ele oferecia. Ela mastigou por três segundos, então o encarou querendo mais.

Rindo, Dan se levantou. - Eu vou pegar um para você. - Ele então pausou. - Você quer mais alguma coisa?

Angelinne encarou os outros pratos dele, hambúrguer com fritas e waffles. - O hambúrguer.

Dan a observou. - Você come tanto eu, Angel. Está vendo? Há outra coisa em comum entre nós dois.

Depois da frase, ele se afastou. Angelinne tinha a ligeira impressão que ele tinha apontado que ela era gulosa, mas resolveu não comentar nada. Afinal, ela era. Não que ela fosse admitir, é claro.

Ao invés de voltar direto para a mesa depois de pedir, Angelinne observou Dan andar para o lado contrário até uma daquelas antigas máquinas de música. Ele colocou lá uma moeda e depois de fuçar um pouco, Misunderstood de Bon Jovi começou a tocar.

Ele voltou para a mesa com uma expressão de satisfação no rosto, como se agora tudo estivesse perfeito. Ele ama a música, Angelinne pensou. Estar perto dele fazia com que ela percebesse o quanto.

— Ocorreu a você que nem todos os presentes gostam de Bon Jovi? - Ela cutucou porque a vontade de implicar com ele era mais forte do que ela podia controlar.

Ele parou de cantarolar a música brevemente. - Você não gosta?

— Sim, eu gosto, mas...

— Então os outros importam para quê? - Ele assumiu aquilo com uma naturalidade tão intensa que Angel piscou. - Além do mais, um local sem música é um local sem espírito.

A garçonete que trouxe os novos pedidos e Dan os empurrou para mais perto de Angel. - Bom apetite.

Antes de ele terminar de falar, ela já estava comendo.

Dan não pôde evitar a piadinha. - Isso por que você ‘não estava com muita fome’.”

Após cinco minutos, ela parou de comer e respondeu. - Eu não me sinto bem com você pagando coisas para mim.

— Agora, quem disse que eu vou pagar para você? - Ele sorriu e ela encarou-o. Dan gargalhou. - O que foi? Está com medo de lavar pratos, Angel?

— Eu tenho dinheiro se você quer saber. - Ela contradisse. - Mas você me obrigou a vir, então você quem vai pagar.

— Relaxa, Angelinne. - Ele riu mais um pouco. - Mas não está sendo tão mal, vai.

A verdade que aquilo era mais uma pergunta do que uma afirmação. Ele queria mesmo saber. Angel mastigou, mastigou, engoliu, bebeu de sua Coca e voltou a mastigar. Fazendo-o sofrer com a espera da resposta.

— Eu suponho que poderia ser pior.  Ela finalmente respondeu. - Aliás, essas são as melhores panquecas de chocolate que eu já comi na vida. Mas nunca, nunca mencione isso na frente da Summer ou pior... Da minha mãe.

Ele sorriu malandramente. - Hum... Quer dizer que eu tenho um segredo de Angelinne Braden em minhas mãos? Eu acho que eu vou ter que te chantagear, Angel. Não é nada pessoal, sabe, só questão de princípios. E eu tenho uma reputação a zelar.  

Ela estudou-o enquanto terminava de comer. - Eu vou ter que te matar se contar.

Enquanto Daniel ria em desafio, Taylor Swift começou a cantar em algum lugar. Angel reconheceu o toque de seu celular e logo abriu sua bolsa. Dan a encarava em choque, e ela franziu o cenho, mas atendeu logo.

— Oi, papai. Não.. Eu saí para comer com... uma amiga. Não, papai. Ok, certo. Até depois. Beeijo... Também te amo. - Ela voltou a guardar o celular na bolsa.

Daniel ainda a encarava em choque, sem nem se incomodar por ela ter o chamado de ‘uma amiga’. - Como você pôde, Angelinne?

Ela arqueou a sobrancelha. - Como eu pude o quê?

— Colocar esse tipo de música como toque de celular. Você não tem nenhum senso musical? Que vergonha. - Dan balançou a cabeça em incredulidade.

— Pelo amor de Deus, Daniel. Eu nem gosto dela, só dessa música.

— Não. Isso é um absurdo. Anda, levanta. Vamos indo. - Ele puxou-a. - Você precisa começar a escutar música de verdade. Eu vou me encarregar disso.

— Daniel.. - Ela ainda tentou argumentar, mas não teve jeito.

Ele pagou o que tinham consumido e saiu sem nem esperar o troco. Retirou do bolso ipod e fones de ouvido. Logo enfiou um deles no ouvido de Angelinne, fazendo-a reclamar alto. Não lhe deu atenção. Colocou o outro fone em seu próprio ouvido depressa e colocou a lista de reprodução para tocar. Depois de ouvir aquele tipo de música, mesmo que por meros segundos, até ele precisava se descontaminar.

— Daniel, você está sendo ridículo. - Angel declarou enquanto o som alto de Red Hot Chilli Peppers ressoava em sua mente.

— Eu não estou. Você me decepcionou totalmente, Angelinne. Você vai mudar esse toque hoje. Eu não posso conhecer ninguém que escute esse tipo de... de... coisa. É inaceitável.  

Angelinne tomou cuidado para não tropeçar nos pés dele já que para manter o fone no ouvido, tinha que andar colada a ele. Apesar de tudo, começou a achar graça da situação.

— É melhor você se acalmar ou vai acabar tendo um AVC. - Ela comentou.

Os olhos dele se estreitaram. - Você está achando isso engraçado?

— Ora, claro que não. Eu nunca acharia graça de um absurdo desses... - Mas seus lábios traíras já estavam se curvando.

— Eu vou te dar algo para rir.

— Não! - Angelinne berrou e saiu correndo às gargalhadas.

Ela não correu nem dois metros e os braços dele já tinham a segurado novamente. Antes que pudesse berrar novo, seus dedos já tinham se movido para seu estômago e começado com as cosquinhas. Gargalhando por motivos diferentes, eles atravessaram a rua sem olhar e logo faróis altos quase os cegaram. O motorista irritado buzinou e xingou-os, mas nenhum dos dois prestou atenção.

Ainda riam, agora com a adrenalina do quase-acidente circulando em suas veias. Dan continuava a atacando com cosquinhas, até que Angelinne murmurou entre arfadas que não aguentava mais. Assim que ele a soltou, ela gritou ‘Você é um exagerado!’ e saiu correndo outra vez até que ele a alcançou.

— Daniel... Eu não aguento...

— Eu não acredito mais em você. Só pedindo desculpa agora.

Eles tinham alcançado uma praça que estava cheia e Angelinne pensou em gritar por ajuda. Percebendo sua intenção, Dan começou a fazer cosquinhas com mais força até que Angel pensou que iria literalmente morrer de tanto rir.

— Daniel...

— Peça desculpas e eu paro. - Ele sorriu, mas iria parar de qualquer forma por que sabia que sua barriga já deveria estar doendo e não queria machucá-la.

— Mas... - Outra onda de risadas a assolou e ela levou um minuto até conseguir falar outra vez. - Ok, eu... sinto muito. Você... estava certo.

Ele sorriu muito satisfeito e então finalmente parou com o ataque. Angelinne respirou fundo exageradamente e então o observou. - Você é uma pessoa maléfica.

— Agora, isso é novidade? - Daniel gargalhou e então a puxou para perto dele e jogou um braço pelos ombros dela enquanto começavam a andar.

Angel ficou tensa imediatamente e Dan então notou que obviamente a ação tinha sido mal interpretada. Em silêncio retirou o braço e Angelinne começou a andar o mais distante possível dele. O silêncio se instalou.

Era impressionante como há minutos atrás eles estavam rindo, e logo já tinham voltado ao estágio corriqueiro de desconforto.

Com a voz carregada de frustração, Dan questionou. - Sério, você mantém a pose de Dama de Ferro com todo mundo ou simplesmente sou só eu o premiado?

Por que ela estava o culpando por ter estragado toda a situação, Angel respondeu duramente. - É só com você.

Ele não falou e ela não o encarou. Pela hora que eles chegaram a frente a casa dela, Angelinne já estava arrependida do que tinha dito. Ela suspirou e abriu a boca, mas ele nem lhe deu chance.

— Boa noite, Angelinne.

Angel observou-o ir embora, dividida entre o orgulho de não ceder e a vontade de chamá-lo de volta.

***

Na tarde daquela quarta-feira, Angelinne chegou a casa de Daniel no horário certo como de costume. Ela tocou a campainha algumas vezes e depois de um tempo, Jasper finalmente abriu a porta. Ele estava com os cabelos esvoaçados e apertou os olhos contra a luz até conseguir enxergar a menina de verdade.

— Ah, oi Angel. - Ele cumprimentou e abriu mais a porta para que ela passasse.

Ela sorriu e entrou. - Eu sinto muito, Jass. Você estava dormindo?

— Sim. Mas não se desculpe. É que eu cheguei do plantão agora pouco e apaguei. - Ele explicou e então checou o relógio de pulso que nem havia se dado ao trabalho de tirar, assim como seu jaleco que estava incrivelmente amassado do sono. - Vejo que está na hora do ensaio de vocês. Eu acho que Dan não está... Ele disse alguma coisa sobre ir a algum lugar, mas eu estava tão cansado que honestamente não lembro... - Ele sorriu apologeticamente.

— Ah. - Ela murmurou. - Ok, eu vou esperar então. Pode voltar a descansar, Jass. Não se preocupe comigo.

Ele hesitou. - Tem certeza?

Ela sorriu outra vez. - Sim.

— Obrigado, Angel. Eu realmente... Desculpe pela indelicadeza, se eu não estivesse tão cansado... Fique a vontade, ok? A casa é sua. - Ele deu um beijo em sua bochecha e então seguiu para seu quarto com a imagem de seu maravilhoso travesseiro na mente.

Angelinne riu um pouquinho e então se sentou no sofá para esperar. Notou que a casa estranhamente silenciosa sem a falante Alice e, admitiu com mais relutância, Daniel. Lembrar-se dele trouxe um suspiro aos seus lábios. O tratamento de silêncio que ele estava lhe dando não a agradava nenhum pouco.

Ela admitia, não com facilidade, que tinha se acostumado com o fato de que ele sempre parecia estar querendo chamar sua atenção. Fosse através da música, de suas piadas ou da conversa que ela tanto tentava evitar. Ele sempre telefonava para sua casa nos finais de semana.

Angelinne sabia que ele se achava muito discreto usando o pretexto de estar ligando para falar de alguma alteração que ele tenha feito na música. A ligação não durava nem um minuto, ela sempre cortava o assunto depressa para evitar se estender. Mas ainda assim ele ligava. Para falar com ela.

E naquele sábado, dia seguinte à noite em que eles saíram, ela esperou que ele ligasse. Ele sempre ligava aos sábados. Como não aconteceu, ela então esperou no domingo. Não aconteceu. E ela ficou irritada e desapontada com aquilo. O que era simplesmente ridículo e ela constantemente se autocriticava, mas não adiantava.

Angel tinha consciência que ele estava chateado com ela, mas começava a achar que ele estava exagerando. Na segunda-feira, ele literalmente mal havia aberto a boca, tratando-a com indiferença. Como boa diplomática que era, ela havia se retratado pela maneira rude como havia o tratado. Ele balançara a cabeça para aquilo, dissera que não tinha problema e continuara a tocar como se nada tivesse acontecido.

Irritada com aquilo, ela erguera o queixo e continuara dançando até que, quinze minutos antes do horário normal, ele dera o ensaio por encerrado, deixando a sala. Como se não suportasse mais ficar perto dela. Lembrar daquele momento fez com que a revolta subisse a cabeça da menina novamente. Estúpido, isso que ele era!

Quinze minutos se passaram, Angelinne contou-os no relógio fielmente. Pensou em ligar perguntando onde diabos ele estava, mas se controlou. Não daria o gostinho a ele. Mais cinco minutos. Ela bateu o pé em impaciência, pensando que ele já estava passando dos limites. Tinha certeza de que ele estava se atrasando de propósito apenas para puni-la.

Ela apostava que ele estava se engraçando com alguém no horário de ensaio deles. Com aquilo, pensou em ligar novamente e estragar sua diversão. Mas no mínimo ele iria pensar que ela se importava com o que ele estava fazendo. O que não era verdade, é claro. Pouco ela estava ligando se ele estava enfiando a língua na boca de alguém como havia feito com ela ou pior, enfiando-a em outras partes. Ela trincou os dentes.

Não, não se importava, mas não gostava de ser feita de idiota.

Cansada de ficar sem fazer nada, Angelinne se levantou e seguiu até a sala de música. Ela esperaria mais dez minutos e se ele não aparecesse, era aquilo. Iria embora. Ela sentiu a súbita paralisação que sempre sentia quando entrava no local. Apenas querendo experimentar, ela correu os dedos por alguns instrumentos. Com cuidado, do contrário Daniel a esfolaria.

A partitura da música para o Recital estava sobre o piano e ela notou que ele tinha feito mais alterações. Ela não entendia por que, mas ele estava sempre mudando uma coisinha aqui ou ali. Como se nunca estivesse bom o suficiente para ele. Havia outras partituras também e Angelinne sabia que ele não tinha deixado ali de propósito.

Ele sempre mantinha suas músicas onde ela não podia ver, embora Angel soubesse que estava em algum lugar da sala. Provavelmente em uma das gavetas da mesa que ficava em um canto, quase imperceptível com tantos instrumentos. Ela começou a ler as músicas, verificando as datas. Eram maravilhosas.

Angelinne pausou por um momento, perguntando-se como alguém como ele poderia escrever aquele tipo de coisa. Daniel não parecia ter senso ou sentimento no geral. Na verdade, ele não parecia ser uma pessoa muito profunda. Mas estava ali, ela começava a desconfiar que fosse isso que ele deixava que todos pensassem.

Enquanto o seu verdadeiro conteúdo ele apenas guardava para as músicas e não deixava que mais ninguém visse ou tivesse conhecimento. Assim nenhuma outra pessoa o conheceria tão bem, a menos que ele deixasse.

Curiosa, ela pegou outra partitura que estava ali. ‘Everything’ estava como título. Ela estava invadindo a privacidade dele e sabia disso, mas não se importou. Curiosamente passou os olhos pelas notas musicais e pelo único parágrafo que ele já tinha escrito.

Find me here

And speak to me

I want to feel you

I need to hear you

You are the light that’s leading me

To the place where I find peace again…”

A.

Angelinne engoliu em seco. ‘A’. ‘A’. Seu coração estava na garganta e ela sabia por que. Nenhuma das outras músicas, por mais lindas e emocionantes que tivessem sido, tinham a afetado como aquela.

— O que está fazendo?

Angelinne deixou cair todos os papéis que estavam em suas mãos em um pulo de quem tinha sido pega com um corpo no chão e a faca na mão. Daniel estava a encarando com a sobrancelha arqueada, mas quando reconheceu suas partituras indo ao chão, seus olhos se tornaram furiosos.

— Quem te deu a permissão de tocar nisso? - Como um flash, num instante ele estava diante dela recolhendo as partituras.

Separando apenas a música do recital, ele rapidamente guardou todas as outras em uma das gavetas – como ela previa – e trancou com chave. O tempo todo ele estava praguejando e murmurando para si mesmo, irritado por ter se esquecido de guardar tudo antes de sair de casa.

Angelinne o encarava sem conseguir falar devido ao bolo em sua garganta. Aquela era uma situação horrível. Ela abriu a boca, mas foi como se sua voz tivesse desaparecido. Ela começou a respirar devagar, mas voltou a ficar nervosa quando ele se virou.

— Quantas delas você leu? - Ele exigiu.

Havia muitas outras músicas, muitas outras letras, mas ela não tinha que ter lido nenhuma. Não era da conta dela. Ela não tinha o menor direito.

Quantas, Angelinne. - Daniel repetiu com irritação.

— Eu só... Elas estavam ali... E você nunca me deixou ler nenhuma...

— E deve ter um motivo, não concorda? - Ele interrompeu enquanto furiosamente, tentava assimilar a ideia de que ela tinha lido tudo aquilo.

— Qual? - Ela perguntou de repente.

— Qual o quê?

— Qual o motivo? Você disse que tem um.

Ele apenas a encarou, como se pego de surpresa, mas logo disse. - Não interessa. O que interessa é você nunca mais fazer isso. Você está me ouvindo? Você nunca mais vai ler as minhas músicas, eu não quero.

Ela cruzou os braços. - Isso não teria acontecido se você tivesse chegado no horário. Já faz - Ela checou o relógio e se surpreendeu ao perceber que tinha ficado ali distraída por tempo demais. - quase uma hora! Uma hora! Uma!

— Eu sinto muito, eu esqueci. - Ele deu de ombros despreocupadamente e retirou o casaco que usava, jogando-o em qualquer lugar.

— Esqueceu? Esqueceu? Você é a pessoa mais irresponsável que eu conheço! Será que não consegue levar nada a sério? Não? Como você pode simplesmente achar que tudo é uma diversão? Você tem um compromisso com a Sra. Dennis, com a escola, com o grupo de teatro e comigo! Você consegue entender? Muitas pessoas estão contando com a gente! Se isso pouco faz diferença para alguém sem sentimentos como você, para mim faz! E eu não vou deixar você estragar isso!

Ele esperou um momento e então a encarou. Como de costume, ela não conseguiu identificar nenhuma reação. - Você já acabou? Talvez pudéssemos ensaiar agora.

Tremendo de raiva, Angel mal podia acreditar. - Você não vai dizer nada? Você vai ter a cara de pau de fingir que não me ouviu?

— Eu não estou fingindo nada. Mas você já deixou bem claro o que pensa de mim, Angelinne e quanto a isso eu não posso fazer nada. Eu sinto muito por ter me atrasado, como eu já disse. Se você pode aceitar isso, ótimo. Do contrário, vá embora e nós ensaiamos outro dia.

Angelinne definitivamente não estava acreditando, ela continuou o observando em um silêncio irritado, mas ele não encontrou seu olhar. - Você está fazendo isso por causa de sexta-feira, não é? Você não esqueceu coisíssima nenhuma, queria me fazer esperar de propósito pelo que eu disse!

Ele não disse nada.

Ela continuou, tomando aquilo como afirmação. - Como você pode ser tão infantil? Eu já te pedi desculpas. E ao invés de conversar como uma pessoa civilizada, você me ignorou totalmente e agora vem com esses joguinhos ridículos. Você é uma criança!

Quando ele continuou sem dizer nada, Angelinne ficou ainda mais irritada. - Você não vai nem ao menos olhar para mim? Além de imaturo, também vai ser covarde?

Por um momento, parecia que até as moléculas presentes no ar ficaram estáticas. Angel mordeu a língua quando seus olhos encontraram os dele, questionando-se por que ela sempre perdia o controle quando estava com raiva de Daniel.

— Angelinne... Eu acho melhor você ir embora antes que eu faça uma merda e confirme tudo o que você está dizendo.

— Eu não vou embora.

Ela fingiu que seu coração não estava lhe machucando as costelas e que ela não sentia a adrenalina correndo por suas veias ao invés de sangue.

Ao contrário de como falava antes, ela conseguiu manter a voz estável. - Fugir é sempre mais fácil, não é? Pois então. Eu nem sempre sigo o caminho fácil. Nós vamos resolver isso agora. Eu estou cansada de toda essa situação.

— Eu também estou. - Sua voz não estava estável, no entanto, e seu punho ainda estava cerrado. - Mas eu não vou continuar dando a cara para você bater, Angelinne. Por duas semanas, eu tenho tentado ser legal com você e paciente. Você me atacava e eu não respondia. Eu queria tentar ao menos ter um relacionamento amigável contigo. Mas eu não vou fazer mais porra nenhuma. Se você quer paz agora, você vai ter que correr atrás.

— Eu não estava...

— Você estava e ao menos tenha a decência de admitir. Ao contrário do que você pensa, eu também sinto alguma coisa de vez em quando. E essa ‘alguma coisa’ nem sempre é coisa boa. E para mim não é nenhum pouco agradável ouvir você me chamar de estúpido, idiota, covarde, ou qualquer merda dessas. Você me ouve falando isso de você? Eu estava sempre tentando relevar, amenizar a situação e você pode puxar na memória o quanto quiser, mas nessas duas semanas eu nunca te tratei mal. Por que eu realmente estava tentando fazer isso dar certo. E eu nunca na minha vida tentei tanto com ninguém. Então você decide agora. Ou você vai para com esse comportamento repetitivo e inútil ou então nós dois desistimos dessa droga e admitimos que não vá dar certo. Mas alguma coisa vai acabar aqui.

Se tinha alguma coisa com a qual Angelinne não contava, era com aquilo. Debilmente, ela se sentou em frente do banco do piano e apenas ficou em silêncio por um tempo. Ele estava certo. Nunca, nunca na sua vida ela pensou que Daniel Cullen estaria certo em alguma coisa e ela errada. 

— Eu sinto muito, Dan.

Ele a encarou chocado, não pelo pedido de desculpas tanto pelo fato de que ela tinha o chamado pelo apelido. Ela nunca havia feito aquilo.

— Eu sei que estou estragando tudo, mas são dezesseis anos da minha vida conhecendo um lado seu e você não pode esperar que em duas semanas eu pense em você como outra pessoa. Talvez eu nem ao menos acreditasse que tem algo a mais em você do que se pode ver se eu não tivesse lido suas músicas. Eu acho que foi por isso que eu fiquei mais irritada e comecei a dizer tudo aquilo, para começo de conversa. Eu tinha acabado de ler suas músicas, tinha acabado de perceber que tinha de haver algo bom em uma pessoa que pudesse escrever aquilo e aí você chega aqui e me diz que esqueceu do ensaio, praticamente reafirmando tudo o que eu pensava.

— Você está dizendo que a culpa é minha?

— Não, eu estou admitindo que a culpa seja minha, o que acredite em mim não é nenhum pouco fácil, e explicando o que aconteceu. Eu quero que você me desculpe. Eu quero que isso dê certo, de verdade. Eu não ia suportar se não desse por minha culpa.

— Um erro inaceitável na sua lista sem erros, não é.  Havia metade censura e metade diversão na sua frase.

— Sim. - Ela suspirou como se a mera idéia fosse uma tragédia, então se levantou. Parando na frente dele, estendeu a mão direita. - Trégua?

— Não. - Ele segurou sua mão e ela o encarou, confusa. - Trégua é algo temporário, Angel. Eu quero tudo ou nada. - Ela hesitou por um longo minuto e sem mais paciência, ele insistiu. - Você pode fazer isso?

— Eu... - Ela hesitou mais ainda, mas então... Em um gesto que Dan reconhecia como totalmente dela, Angel ergueu o queixo e encarou-o nos olhos. - Eu posso.

— Ótimo. Então vai logo trocar de roupa que nós já perdemos muito tempo. - Sem nenhum pudor ou amor pela vida, ele deu uma palmada no bumbum dela para incentivá-la a andar rápido.

Angelinne cerrou os olhos. - Eu acho que nós temos que estabelecer algumas regras de não-tanta-intimidade.

Ele sorriu. - Chega de assunto sério por hoje. Depois a gente conversa.

Ela revirou os olhos, sabendo que algumas coisas não mudariam e quando estava quase entrando no banheiro, virou-se de novo. - Dan?

Mais satisfeito do que devia estar por ela tê-lo chamado pelo apelido, ele ergueu os olhos. - O que é, mulher? Depois sou eu que atraso as coisas...

Ela ignorou-o. - Você não esqueceu, não é?

Ele pensou em deixá-la se remoer com a resposta, mas desistiu. - Não, eu não esqueci. Eu queria te fazer esperar.

— Você é um idiota, sabe. - Ela murmurou e logo arregalou os olhos, temendo já ter estragado o acordo. - Eu sinto muito, eu não quis...

Ela foi interrompida pela gargalhada de Dan, que simplesmente se deliciava com a cara de medo que ela fez. - Velhos hábitos não morrem tão rápido, doce Angel. E cá entre nós, todos nós sabemos que eu sou mesmo um idiota.

Ela não riu como ele esperava que ela fizesse. - Eu já disse que ninguém que escreve como você pode ser um completo idiota. Você devia investir na música, de verdade. - Ele fez o que ela sabia que ele faria, balançou a mão como se quisesse que ela esquecesse o assunto. - Dan?

— O que, mulher? - Ele repetiu achando graça da palavra e da cara que Angel fazia com ela.

— Obrigada por ter me desculpado. Eu não merecia.

Angelinne nunca pensou que diria aquilo para ele. Dan nunca nem havia sonhado que ela diria aquilo, de verdade. Mas muitos ‘nuncas’ ainda surgiriam para eles.

— Eu te desculpei? Eu não me recordo disso. O que eu me recordo é que sua lista está crescendo comigo e você tem mais uma coisa para me compensar depois. - Ele disse sorrindo.

Desconfortável com aquilo, Angelinne logo fechou a porta do banheiro para evitar continuar com a conversa.

— Fugir é sempre mais fácil, não é? - Ele provocou e recebeu um grunhido em resposta.

Daniel gargalhou. Com acordo de paz ou sem, ele não queria que aquele exato aspecto entre eles mudasse. Mas muitos outros aspectos ele queria que mudassem, com certeza. Dan havia proposto tudo ou nada, e ele realmente queria tudo.


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