Someone To Call Mine II escrita por Gabi G


Capítulo 4
Capítulo IV




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Com apenas duas semanas de trabalho no zoológico, Tess já havia conhecido cada centímetro deste e já tinha virado “ídolo” de muitas crianças que frequentavam assiduamente. Com uma checada no relógio, constatou que ainda faltavam dez minutos para sua próxima apresentação.

Por ter se especializado, além de em análises e pesquisas, em mergulho, Tess começara a passar um bom tempo dentro da água. Resolvendo tirar proveito disto, aprendeu a como treinar os animais para acrobacias e a como domá-los da melhor maneira possível. No zoológico, ela não estava atuando especificamente em nenhuma das áreas em que se especializara, mas sentia que era o que devia estar fazendo no momento.

A primeira coisa que fez quando chegou foi cumprimentar a cada um dos animais, aqueles que interagiam, e aos mais selvagens, apenas observou com um sorriso fascinado. Lucy e Fred ficaram extasiados ao vê-la, como todos os dias, e quando Tess se aproximou para cumprimentar cada um, ficou molhada dos pés a cabeça como sempre.

Seguiu para o refeitório logo depois para tomar um café. Michael escutou a risada dela de longe e quando a viu, a morena conversava com Christine, uma das veterinárias do zoológico, enquanto apreciava de seu café.

Ele sorriu para ela quando se aproximou, e Tess correspondeu. - Será que ainda deixaram alguma coisa para mim?

Mike estalou um beijo na bochecha de Christine e enquanto fazia o mesmo com Tess, a morena reparava em como a veterinária havia ficado vermelha. - Claro, claro. Eu sempre penso em seu bem-estar. Deve haver algumas migalhas de biscoito e um restinho de café para você ainda.

Ele sorriu e lhe deu uma piscadela. - Você tem uma língua muito afiada para uma pessoa de natureza tão pura.

Tess sorriu. - Eu nunca te enganei, querido Mike. Minha natureza é tão escura como o próprio pecado.

Christine se levantou de repente. - Eu acho que estou ouvindo os lamentos de uma irritada, grávida e dramática onça... É melhor eu ir antes que ela fique mesmo brava e destrua a cela. - Ela deu um pequeno sorriso, mas Tess sabia que ela estava dando uma desculpa. - Eu vejo vocês depois.

A veterinária se afastou depressa, e Mike ocupou o lugar dela, encarando Tess com um sorriso. - Tudo bem. Quem serão as estrelas de hoje?

Tess suspirou, passando a mão pela testa. - Duas baleias, dois golfinhos. Lucy e Fred realmente sentem quando isso acontece, sabe? Eles me olham como se tivesse os traindo na cara de pau.

Mike riu e segurou a mão dela por cima da mesa. - Você sempre os conquista de novo.

— Graças a Deus, por isso. - Tess murmurou e o observou. - Sabe, Mike, eu acho que você trabalha demais. Quase não deve ter tempo para se divertir.

Ele sorriu; ele realmente fazia isso para cada frase dela. E às vezes quando ela não dizia nada. - Você acha? Bom, talvez nós pudéssemos...

Tess interrompeu. - Eu tive uma ótima idéia! Por que você não chama a Chris para sair? Ela trabalha tanto quanto você, e se diverte tão pouco quanto também. Seria uma boa oportunidade!

Ele não sorriu dessa vez. - A Chris?

Tess fingiu não notar sua decepção. - Claro, a Chris. Quem mais, bobinho? - Ela deu uma risadinha nervosa e continuou antes que ele resolvesse a responder. - Pense nisso. Eu acho que seria legal. Agora eu tenho que correr, ou então meu chefe corta minha garganta. - Ela lhe deu uma piscadela amigável. - Até mais!

Ufa, ela pensou quando se afastou.

Michael faria melhor se começasse a enxergar quem realmente estava interessada nele e agisse sobre aquilo. Tess gostava da amizade de Mike e já estava com problemas com determinado homem... Garoto, ela se corrigiu. Não precisava de mais nada. Espantando os pensamentos sobre Adam, ela seguiu para a região da piscina se concentrando no fato de que havia um espetáculo para realizar.

••

Adam saiu de sua última aula do dia, sorrindo para tudo em geral e para nada específico. Como sempre aquilo não podia passar percebido por Lola, sua melhor amiga na faculdade. Oferecendo-lhe um sorrisinho debochado, ela esbarrou o braço no dele enquanto arrumava a mochila nas costas.

— Viu um passarinho azul por acaso?

Adam apenas arqueou a sobrancelha. - Um dia ainda vou descobrir por que minha felicidade lhe incomoda tanto.

Ela deu uma piscadela. - Não suporto pessoas com os dentes à mostra o tempo todo.

Em resposta, Adam lhe lançou um grande e irritante sorriso. Revirando os olhos, Lola riu mesmo contra a vontade. - Vamos passar no Café? Eu mataria meu irmão agora por uma bomba de chocolate.

Adam sabia que ela era bem capaz de exatamente aquilo. – Vou ficar te devendo essa, eu tenho que ir a um lugar.

Ela o encarou. - Por que eu sinto cheiro de mulher na história?

Adam gargalhou e lhe beijou na bochecha. - Por que você é uma ótima farejadora. Nos vemos amanhã.

***

Ela ainda estava na piscina quando Adam chegou ao zoológico.

Mais do que disposto a assistir ao show, ele se sentou na arquibancada que ficava ao redor da piscina bem ao lado de uma menina de mais ou menos seis anos que não parecia conseguir chegar perto o bastante.

Ela estava grudada na grade, com os olhos pregados em Tess e no golfinho. O pirulito em sua mão já esquecido, ela ignorava o que a mãe dizia deixando os olhos se arregalarem cada vez que Tess fazia um movimento.

Adam notou que não era somente aquela menina que estava tendo aquela reação. Ele arriscava dizer que cada criança que assistia ao espetáculo havia esquecido que havia um mundo ao redor.

Ele sorriu para aquilo e deixou sua atenção ser presa da mesma forma.

Tess sabia o que estava fazendo e como fazer. A sua conexão com o animal era impressionante, a ponto que parecia que o golfinho sabia o que ela ia fazer antes que fizesse e previamente a seguia.

Ela o guiou a mergulhar, saltar e nadar com ela por cada milímetro da piscina. Quando ela se aproximava de determinada borda, as crianças se grudavam ainda mais na grade como se quisessem participar também. Tess sorria para todos, aparentando estar se divertindo bastante. Aquilo apenas os instigava mais.

Houve um momento em especial em que todos prenderam a respiração, inclusive Adam. O golfinho mergulhou para o fundo da piscina com Tess em sua corcunda e permaneceu debaixo d’água por um tempo. As crianças encaravam ansiosamente e dava para ver que estavam começando a se preocupar.

Quase quando Adam estava pulando na piscina ele mesmo, não importando o quão ridículo aquilo fosse, eles submergiram. Foi algo tão rápido que eles apenas viram o golfinho já saltando no ar com Tess ainda em sua corcunda como se tivesse nascido ali. Quando ambos voltaram a mergulhar e logo submergir, os aplausos ressoaram.

Adam voltou a respirar e seus pulmões agradeceram.

Tess saiu da piscina e acenou loucamente para todos que estavam ali, dando um sorriso maior que o rosto para as crianças. Adam se levantou depressa e seguiu com os olhos o caminho que ela fez ao deixar a área da piscina até que a perdeu. Provavelmente ele tinha andado cada centímetro do zoológico até que finalmente a avistou novamente.

Ela agora usava jeans, uma camisa na cor vinho de mangas curtas e sapatilhas. Pela bolsa que carregava em um ombro, ele notou que ela devia estar de saída. Perfeito. Antes de ir até ela, observou Tess correr os dedos de uma mão pelos cabelos molhados e rindo para outra mulher.

Chris notou Adam primeiro, e arregalou os olhos porque sua timidez sempre sobressaía perto de homens bonitos. Tess notou sua expressão e virou o rosto para trás. Seu sorriso lentamente morreu, e Adam percebendo aquilo, riu para si mesmo e acenou.

Tess se perguntou como depois de tanta água que ela havia engolido na piscina com alguns mergulhos, sua garganta estava subitamente seca.

— Você conhece? - Chris perguntou, timidez esquecida; era a primeira vez desde que conhecera Tess que via a mulher corando.

— Hã... - Tess começou a negar, mas Adam já estava ali.

— Olá, Tess. - Ignorando o aviso nos olhos da mulher, Adam a segurou pela cintura e apenas não a beijou nos lábios por que ela virou o rosto no último segundo.

Ele lhe beijou demoradamente na bochecha ainda assim, e quando se afastou, lançou seu sorriso devastador para Christine. - Olá, você.

Ela piscou uma vez. Duas. Três. - O-ooi.

— O que você está fazendo aqui, Adam? - Tess encontrou dificuldade para falar com os dentes trincados.

Ele enrolou uma mecha do cabelo da mulher em seu dedo. - Buscando você para tomar um café.

Irritada com o tremor que aquilo lhe causou, Tess lhe deu um tapa na mão e prendeu a mecha de cabelo atrás da orelha. - Acontece que nós não combinamos nada disso. E eu já tenho outros planos.

Adam sorriu e enrolou a mesma mecha em seu dedo uma vez mais. Tess estreitou os olhos. - Seu nariz vai crescer, Tess. E você costumava ser mais gentil comigo.

Ciente de que estava sobrando mais do que um casaco de pele no calor da Flórida, Chris desenrolou a língua para chamar a atenção. - Hã... Eu tenho que ir resolver algumas coisas. Foi um prazer... Adam.

Desviando por um momento a atenção de Tess, ele lhe lançou outro sorriso. - Até mais-?

— Christine. - Ela completou nervosamente.

Ele ampliou o sorriso. - Chris, então.

Ela sorriu de volta e quase tropeçou em seus próprios pés ao se afastar dos dois. Tess ficou ainda mais irritada com aquilo e lhe cutucou no ombro, grosseiramente. E então respirou fundo, quatro vezes.

— Adam... - Ela estava usando novamente aquele tom de ‘mãe dando bronca no filho’. Adam lutou contra a primeira onda de impaciência. - É sério. Eu agradeço você ter vindo aqui, mas eu já disse que nós não...

Ele se afastou um pouco, enfiou as mãos nos bolsos.

— Tess, você é quem está tirando conclusões precipitadas aqui. Eu apenas estou lhe convidando para tomar um café, não para ir para a cama comigo. Afinal, você passou anos fora e ainda nem tivemos tempo para sentar e conversar direito. - De novo a mulher sentiu a secura na garganta, mas não precisou dizer nada por que ele continuou a falar. - Não tem nada demais nisso, agora, tem? Nós somos amigos, não somos? Se você não puder hoje, tudo bem, podemos marcar outro dia.

Tess o encarou e apenas viu o olhar de perfeita calma que ele a lançava. Ela não tinha que aceitar aquilo, ele disse que não ia desistir e simplesmente agora mudava de ideia? Aquela história estava muito torta para seu gosto e ela tinha certeza que ele estava tramando algo em sua mente nefasta, mas talvez assim ela tivesse uma desculpa: se ele tentasse algo mais uma vez, ela cortaria relações com Adam até que ele desistisse dela.

— Sim, nós somos amigos. - Adam sorriu grandiosamente por dentro por que sabia que ela havia cedido, mas sua expressão continuou a mesma. - Tudo bem, eu vou com você. Que mal há em um café, afinal?

Mal nenhum, mal nenhum. 

Adam passou um braço despreocupadamente pelos ombros dela e eles começaram a andar. - Exatamente. Que mal há em um café?

Ele lhe lançou mais um sorriso e Tess sentiu um arrepio lhe percorrer a espinha. Ela desviou o olhar. A resposta para sua pergunta ela descobriria mais tarde e chegaria à conclusão de que um café continha todos os males possíveis.

••

Eles foram a pé até uma cafeteria próxima, e o tempo todo ele permaneceu com o braço sobre os ombros dela. Eles não levaram nem dez minutos andando, mas a consciência de que eles pareciam um casal de namorados estava colocando Tess em seu limite.

Ela tinha que admitir que o local fosse bem aconchegante, e por isso começou a relaxar. Eles se sentaram e Tess engoliu em seco quando ao invés de se sentar no sofá à sua frente, Adam se sentou bem ao seu lado, deixando-a bem consciente do calor de seu corpo.

— Você gosta de contato físico, não é?

Como de costume, ele sorriu. - Pode-se reconhecer uma pessoa tanto pelo toque como pela visão, Tess. Você fica incomodada quando eu toco em você?

Tess agradeceu a todos os deuses quando uma garçonete apareceu para anotar seus pedidos e ela não precisou responder. Sua gratidão evaporou num instante quando percebeu o sorriso monstruoso que ela lançou para Adam depois de dar uma demorada olhada nele.

— Olá. - Ela sorriu apenas para ele e entregou cardápios.

Claro, claro que ele tinha que sorrir de volta por que ele era tão simpático, Tess pensou. Ela arrancou o cardápio da mão da mulher com modesta violência e começou a procurar rápido o que ia querer enquanto a garçonete recitava com muita eficiência os especiais da casa para ele. Tess sabia que se ela inclinasse os seios um pouco mais para o rosto de Adam, eles provavelmente saltariam para dentro da camisa dele.

— Eu vou querer um café gelado com essência de baunilha e pães de queijo, obrigada. - Tess enfiou o cardápio nas mãos dela novamente, por coincidência tapando os seus seios a mostra.

Ela assentiu para Tess dando tanta atenção a ela como daria para uma mosca, e novamente falou com Adam. - E você, o que quer?

Tess ouviu também o comentário subentendido ‘Se você quiser, eu também posso me incluir no cardápio’.

Tess continuou. - Ele quer a mesma coisa.

A garçonete finalmente resolveu se mancar de que tinha que trabalhar e lançando mais um sorriso a Adam, ela se afastou levando os cardápios.

— Que gentileza a sua escolher por mim. - Adam comentou, mal contendo a risada.

Ela lhe lançou um olhar e não respondeu. Adam não se conteve mais e começou a rir, lhe dando um beijo na bochecha.

— Quem diria que você era tão ciumenta, hã...

Ela revirou os olhos. - Por favor, você realmente se atrai pelo óbvio? Ela estava quase pulando em seu colo.  

Ele pegou uma mecha dos cabelos dela. - Eu não estou dizendo o contrário. Mas você ao menos sabe se eu gosto de café gelado?

Tess sorriu docemente. - Se você não gosta, passará a gostar.

Ele gargalhou alto e então largou sua mecha de cabelo e começou a acariciar sua nuca. Tess permaneceu com o corpo rígido até que a garçonete oferecida voltou com seus pedidos e Adam agradeceu, mas não desviou os olhos de Tess.

Ela pigarreou, três vezes, e quando ainda assim, ele continuou a encarando e acariciando a sua nuca, ela segurou o copo de café e deu um bom gole pelo canudo. O gelado do café não fez nada para lhe esfriar.

Decidindo que estava na hora de ele dar um tempo por aquele momento, Adam parou de atormentá-la e afastou a mão, mordiscando um pão de queijo. Tess observou o gesto casual e se perguntou como ele podia agir daquele jeito, como se não houvesse feito nada e como diabos ela ainda estava pegando fogo com um maldito toque.

Ela esperou enquanto ele tomava o café e perguntou. - Então, é ruim?

Ele sorriu. - Eu gosto de café de qualquer jeito, Sereia. Eu só queria implicar.

Tess revirou os olhos e os seus lábios se curvaram. - Eu não estou surpresa. - Ela franziu o cenho logo após. - Por que ‘sereia’?

Ele sorriu. – Adivinhe.

— Por que eu sou linda e maravilhosa?

— E modesta. - Ele comentou com uma piscadela. - Se você não descobrir até o fim do nosso encontro, eu te conto.

— Nós não estamos em um encontro.

Adam a encarou. - Nós estamos nos encontrando, não? - Ela abriu a boca para protestar, e ele depositou um dedo sobre os lábios dela. - Tess, pelo amor de Deus, é só gramática. Não precisa procurar significados subentendidos. E vamos deixar uma coisa clara: você não é boba, eu não te sequestrei e nós dois somos adultos.

Ele lhe lançou ao dizer a última palavra e ela sabia que se tentasse o corrigir, era bem capaz de ele a afogar no pequeno copo de café. Não importando a impossibilidade daquilo.

Ela suspirou e passou as mãos pelo rosto. - Você me deixa nervosa.

Ele voltou a sorrir. - Isso é bom. E eu sei disso, você não para um minuto de mexer as mãos.

Sem graça, ela escondeu as mãos debaixo da mesa. - É mania.

— É uma forma de identificar seu humor.

Ele segurou as mãos dela entre as suas e em um gesto que fez o estômago de Tess dar voltinhas e piruetas, beijou a palma de uma e depois a da outra. Ele olhou bem fundo nos olhos dela e não pôde deixar de sorrir quando a sentiu mexendo as mãos mais uma vez.

Vencida, Tess murmurou. - Você não vai desistir mesmo, não é?

Adam balançou a cabeça e levantou a mão para correr o dedo pela sua bochecha. Ele se perguntava se ela fazia ideia do quanto estava certa quando disse que era linda e maravilhosa. Ela era a responsável por aquelas duas palavras existirem no dicionário.

••

Tess achou um absurdo quando Adam sugeriu que eles fossem andando até seu apartamento, por que era longe, mas no fim acabou concordando. Ele parecia querer prolongar o momento e apesar de como tudo tinha se iniciado, ela precisava admitir que gostasse da ideia. Não entendia como tudo havia fugido de seu controle, inclusive ela mesma. O que ela queria, afinal?

Ele entrelaçou uma mão na dela e ignorou quando ela tentou soltar a mão. - Você me assustou hoje quando fez aquele número na piscina.

Os olhos dela praticamente brilharam. - Sério? Eu sempre faço aquilo e toda a vez eu sinto um frio na barriga com medo de algo dar errado.

Tem como dar errado?

Ela riu. - Todos os números podem dar errado. Os animais são tão imprevisíveis quanto as pessoas, você nunca sabe o que pode acontecer. Eu treino muito com eles, mas sempre há um risco.

— Hã... Ok. Esclarece de novo então por que mesmo você está fazendo isso?

— Adam, eu não sou inexperiente. Eu já treinei bastante para ter noção da reação do animal, se ele reagir de outra forma, eu vou perceber.

— Mas você está a tipo um milhão de metros debaixo d’água. Até você conseguir subir à superfície, você pode se afogar e-

Tess teve que parar de andar para gargalhar alto até que lágrimas estivessem transbordando de seus olhos.

Adam estava a encarando. - Eu não estou vendo a graça.

Tess levou dois minutos até conseguir respirar e quatro até conseguir falar. – Obrigada pela preocupação, mas ela é desmedida. É fofo você preocupado, porém.

— Fofo? Não tem nada de fofo em você se afogando.

Ela revirou os olhos e em um resto tão natural que a espantou, Tess enlaçou um braço no dele. - Adam, eu não vou me afogar. E além do mais, tem vários salva-vidas preparados a postos se algo der errado para socorrer as treinadoras indefesas.

— Por que eu sinto que você ainda está tirando com a minha cara? - Ele murmurou, enquanto ela sorria. - E eu não sei se me sinto muito aliviado com um bando de caras seminus pulando na água atrás de você.

Ela fez uma cara de falsa indignação. - Ora, eu não te entendo, então. Imagine só, eles com aqueles braços fortes e musculosos num instante iam conseguir me salvar. Se eu tivesse engolido muita água, eles ainda são treinados par-

— Eu acho melhor você parar por aí.

Tess gargalhou e gargalhou. - Ciúmes?

Ele lhe lançou um olhar de lado. - Sim, tenho. Ao contrário de você, eu admito.

Tess lhe deu uma olhadela desdenhosa e ergueu o queixo, então achou mais seguro voltar ao assunto do zoológico.

— Você tem que ver os rostos deles, Adam... - Ela comentou com os olhos brilhando novamente, referindo-se às crianças. - Não é incomum eles ficarem fascinados com animais, mas eles realmente se impressionam por que a maioria não imagina que eles podem fazer acrobacias, sabe? E o fato é que eles podem um cachorro, um gato, e até um peixe... Mas quem tem um golfinho ou uma foca de estimação? Parece que eles estão ganhando o mundo.

Ele sorriu para sua animação. Tess era no geral alguém sempre muito controlada e era incomum vê-la se expressando apaixonadamente daquele jeito; era uma exclusividade de seu trabalho.  

— Sério, é maravilhoso. Eu às vezes consigo escapar até a área de demonstrações, onde eles podem tocar nos animais. Geralmente todos querem tocar nos filhotes de tubarão. Uma das veterinárias, a Pam, quem fica encarregada disso e como ela não vai muito com a minha cara, então não é sempre que eu consigo zanzar por lá. Mas é sempre maravilhoso poder ver animais e crianças interagindo: não existe relação mais pura, honestamente.

— Por que ela não gosta de você?

Ela encolheu os ombros, inocentemente. - Ela diz que eu sou uma novata enxerida. Só por que eu costumo ajudar em coisas que não fazem parte do meu trabalho. Pequenas coisas, sério. - Adam sorriu, e Tess balançou a cabeça. - Ora, se eu tenho tempo livre, eu vou simplesmente ficar sentada?

— O propósito é esse.

— Não para mim. E eu estou apenas querendo ajudar. Ela deve pensar que eu quero roubar o trabalho dela, ou sei lá. Eu nem fiz medicina veterinária, ora essas.

Ele sorria divertidamente. Ela não conseguiu evitar sorrir de volta, e admitir que Pam tivesse um pouco de razão.

— Tá ok. Talvez eu exagere um pouco.

— Talvez?  

— Ok, eu exagero.

— Só um pouco?

Tess lhe deu um soco amigável no ombro. - Eu não admito mais nada.

A mulher fez um gesto de zíper nos lábios. Adam riu. Quando Tess ia sugerir que ele começasse a falar também por que eles haviam passado um bom tempo apenas conversando sobre o trabalho dela, ela percebeu que já estavam em seu prédio.

— Nós já estamos aqui.  

Adam assentiu, tirando grande satisfação da expressão de decepção no rosto dela. Ele sabia, no entanto, que ela não poderia lamentar mais do que ele pelo fato de que o tempo deles estava acabando.

Ele levou semanas para conseguir conciliar seu tempo na faculdade com sua vida novamente. Era sempre complicado o fazê-lo, mesmo que ele não fosse relaxado com os estudos. Fazer Medicina sugava seu tempo, sua paciência e muitas vezes o sugava no processo. Adam já pensara em desistir nos momentos extremos, e largara o pensamento de lado por que sabia que a recompensa valeria à pena.

Quando finalmente seus horários estavam alinhados, a primeira providência havia sido descobrir uma forma de leva-la para sair, sutilmente. Era infeliz a ideia de que não poderia congelar aquele momento. Subindo as escadas até a portaria do edifício, ele se permitiu torcer para que ela o chamasse para subir até o apartamento, mas sabia em seu interior que ela não daria o braço a torcer. Ainda.

— Não foi de todo ruim sair comigo, como você pode ver. Quase não doeu.

— Hã... Não.

Não havia razão nenhuma para ela estar nervosa, sério. Não havia razão nenhuma além do fato de que Adam estava a encarando de um jeito não muito decente, e que seu corpo estava respondendo àquilo contra sua vontade e de um jeito muito menos decente.

— Então... - Tess murmurou enquanto, para se distrair, rapidamente buscou por suas chaves em sua bolsa.

Ela não sabia mais o que dizer, e estava pedindo a qualquer divindade que Adam parasse de encará-la daquela forma. Por que era sua reação espontânea, começou a mexer nas chaves em sua mão. Se eles estivessem em um encontro, aquele seria o momento do suposto beijo; mas eles não estavam em um, então por que ela estava ponderando aquilo?

Ele sorriu como se soubesse tudo o que ela estava pensando. Ele não sabia tudo, mas sabia alguma coisa. Principalmente depois de sua indecisão de mexer ou não mexer com as chaves nas mãos. Ele riu em pensamento, achando-a fascinante.

— Então...

Ele sorriu. - Então...

Tess duvidava que aquele impasse tivesse durado um minuto inteiro, mas sentia como se tivesse passado a vida inteira naquela indecisão. - Até depois.

Ela se virou para a porta e no mesmo momento ele deu um passo bloqueando sua passagem. Ela disse a si mesma que sua aceleração cardíaca nada mais era do que proveniente de irritação. Tess levantou o queixo até encontrar os olhos dele.

Era ridículo para ela notar naquele momento que ele era alto. Ele não era tão alto quando ela tinha ido para a Austrália. Claro, ele era apenas um garoto na época. Ele ainda era um garoto, ela se lembrou. Mas era um garoto com um sorriso perigosamente sedutor; um garoto definitivamente não deveria provocar um alerta de incêndio em seu corpo.  

— Adam, eu preciso passar. - Ela manteve a voz estável, e aquilo lhe custou tanto esforço que ela tinha certeza que assim que entrasse em casa seu corpo desabaria.

— Hum. - As mãos dele estavam nos quadris da mulher como se aquilo fosse corriqueiramente natural.

E assim, em um tempo que um piscar de olhos leva, ela estava pressionada na parede ao lado da porta. Como se não houvesse pessoas passando por ali naquele instante. Pessoas que, embora eles não estivessem notando, estavam lançando sorrisinhos à cena.

Ela abriu a boca para falar, mas apenas acabou por sugar o oxigênio que parecia ter desaparecido de cada lugar de seu corpo. Ela fechou os olhos ao sentir a mão dele de subir pelo lado de seu corpo, passando por entre os seus seios até segurar firmemente sua nuca.

Tess queria que ele a beijasse e acabasse logo com aquela tortura, e ela abriu os olhos quando ele não fez mais nada. Ela sabia o que ele estava fazendo... Ela sabia e não dava a mínima por que o fogo não estava a deixando pensar.

Mais tarde, bem mais tarde, ela se repreenderia e xingaria os sete céus pela atitude, mas no momento, apenas no momento, ela queria que o mundo fosse se ferrar. Ela o queria e por Deus, ela ia o conseguir. Sem dar a dúvida um momento a mais de atenção, Tess o puxou pela nuca e pressionou os lábios contra os dele.

Ele não precisou de um segundo para responder. Num instante, ele puxou o quadril de Tess contra o seu e enfiou a mão nos cabelos dela, puxando os fios até que o rosto dela estivesse na posição ideal para que ele aprofundasse o beijo. Adam sabia que quando o beijo acontecesse seria intenso e inesquecível, ele só não esperava que fosse mudar alguma coisa dentro dele.

Seus pensamentos e seus sentidos ficaram tão embaçados que ele não conseguia pensar nem sentir mais nada que não fosse Tess. Era normal que seu estômago se contraísse daquela forma, como se houvesse algo vivo pulsando ali dentro? Ele duvidava, mas ele não queria se questionar da estranheza daquilo naquele instante.

Adam estava ciente da pressão dos seios dela contra o seu peito, do quadril dela contra o seu... Ele não estava ciente de que estavam chamando atenção, de que seu corpo não devia estar reagindo como estava em público... Ele sentiu as unhas de Tess se cravando em seu pescoço e dos puxões que ela estava dando em sua camisa. Ele queria sorrir, mas como seus lábios estavam um pouco ocupados no momento, ele mostrou para ela o quanto ele estava satisfeito.

Tess duvidava que algum pensamento coerente pudesse se formar na sua mente por aquele instante, mas via com clareza a mensagem em néon que soava como um eco em sua cabeça: eu quero mais. Ela não sabia que seu desejo estava a fazendo a agir com tanto desespero e que aquele desespero, quando se encontrava com o dele, era potencialmente impróprio em público.

Eles poderiam estar se atracando em uma briga ou querendo se fundir pela forma como se agarravam um ao outro. Ela nunca havia sentido uma necessidade tão grande, muito menos devido a um único e simples beijo. Não, ela se corrigiu, Tess sabia que havia algo de único, mas nada de simples naquele beijo. Mais, mais, mais. Ela mordeu os lábios dele e se surpreendeu quando reconheceu que o gemido seguinte havia soado de sua própria garganta.

Ao que parecia ser duzentas galáxias de onde eles estavam, uma porta foi fechada bruscamente.

Quando o barulho não os fez se soltarem, um pigarro alto fez o trabalho e os dois se afastaram. Tess piscou como se não entendesse onde estava de repente e quando percebeu que seu vizinho de andar estava bem ali diante deles, empurrou Adam de cima dela e quase o fez rolar pelas escadas.

— Hã... Boa noite, Sr. Oldie. - Tess murmurou, mal contendo a vontade de enfiar a cara e o corpo todo dentro de sua bolsa que, ela reparou, surpreendentemente tinha ido repousar no chão.

Bem em frente de onde seu vizinho agora estava parado.

O senhor de mais ou menos sessenta e cinco anos, e altamente conservador, arqueou uma sobrancelha grisalha. - Ótima para alguns, eu posso ver.

Tess corou todos os tons de vermelho e rosa já identificados e alguns que inventara no momento. O senhor recolheu a bolsa do chão e estendeu a Tess, que com um ‘obrigada’ quase inaudível, recolocou sobre o ombro.

Sr. Oldie encarou Adam com evidente reprovação. - Boa noite, rapaz.

— Boa noite, senhor.

O vizinho balançou a cabeça em indignação quando Adam deliberadamente tapou a frente de sua calça jeans com as bordas da camisa. O homem deu as costas e saiu andando murmurando algo como os absurdos provenientes da modernidade.

Os lábios de Adam se curvaram enquanto observava o senhor se afastar. - Gente boa, hein? Jura que o sobrenome dele é mesmo ‘Oldie’? Completamente adequado.

Enquanto ele caía na gargalhada, Tess tentava se recompor e erguer o queixo como se não tivesse acabado de cometer um verdadeiro atentado ao pudor.

— Eu fico feliz de você se divertir. Desculpe não acompanhá-lo, mas eu não vejo graça nenhuma na situação já que eu terei que lidar com os olhares quando cada morador do prédio estiver ciente do que aconteceu aqui. - Ela estreitou os olhos quando ele a encarou, com os lábios ainda querendo voltar a se curvar. - E eu achei que você tinha me dado sua palavra de que não faria isso.

Adam se aproximou dela novamente. – Se eu bem me recordo, foi você quem fez.  

Ela não tinha como rebater àquilo quando reviveu o episódio em sua mente.

Ele encostou os lábios nos dela outra vez, movendo-os bem devagar e quando Tess estava completamente rendida outra vez, ele se afastou. Sorriu. - Eu te chamei de sereia por que além de você ser linda e maravilhosa, há algo em você que faz com que eu queira me perder. Sonhe comigo, Sereia.

Adam, então, simplesmente se virou e foi embora, assoviando.

Tess o observou ir embora a deixando na vontade, enquanto subia as escadas e enquanto abria a porta. Quando a fechou, no entanto, suas pernas como gelatina que há muito queriam ceder, finalmente derreteram e ela escorregou pela porta até que estivesse sentada no chão.

— Tess! O que houve? Você está machucada? - Millie levantou depressa do sofá ao observar a irmã despencar no chão.

Ela correu até ela e segurou seu rosto entre as mãos, não notando nada de diferente além das bochechas rosadas, os lábios vermelhos e inchados e o olhar de quem acabara de ser sugada por um redemoinho. E claro, os cabelos da bióloga estavam uma deliciosa desordem.

— Eu preciso de gelo.

— Água com gelo? Eu vou buscar!

— Não, Millie! - Tess quase berrou. - Eu preciso de um banho com pedras de gelo. Eu estou queimando!

***

Enquanto Tess tentava convencer a irmã a chamar os bombeiros, Adam estava há alguns quarteirões pegando o metrô para ir para casa. Ele ignorou todos os olhares interrogativos que o seguiram e que pareciam dizer ‘Do quê este idiota está sorrindo?’. NYC podia ser tão inóspita, mas ele nem ao menos ficou ofendido quando uma mulher escondeu sua filha atrás de si achando que ele olhava para a menina e o olhou desconfiada.

Adam achava que as pessoas precisavam sorrir mais e praguejar menos. Nova York seria um lugar um tanto mais alegre se aquilo acontece, não importando os índices de criminalidade. Ele continuou sorrindo para tudo em geral até descer do metrô e sorriu mais ainda enquanto caminhava nas ruas até sua casa.

Melanie não estranhou o sorriso do irmão quando ele entrou em casa, por que Adam sorriria até se estivesse arrancando um dente. Ela não deu muita atenção aos assovios dele também, mas quando ele segurou Bella que estava ao telefone pela cintura e estalou um beijo em seus lábios enquanto a levantava do chão, fazendo a mulher rir, Mel reparou em algo que definitivamente não estava em seu irmão antes.

Ela ergueu os olhos e ignorou quando seu pai aproveitou de sua distração e de uma forma que achou ser discreta, movimentou uma de suas peças no xadrez. Mel sorriu maliciosamente e depois de receber um tapa na testa de Adam, e dar um beijo em seu nariz em resposta, ela comentou docemente:

— Algum gato te atacou pelo caminho?

Adam arqueou a sobrancelha e encarou Edward, que sorria para Melanie tendo reparado o que a filha se referia.

Muito contente consigo mesmo para se sentir ofendido por estar fora da piada que evidentemente o envolvia, ele debochou. - Pai, eu já disse que Melanie não devia beber. Você está vendo aí o que causa?

Melanie sorriu com ironia. - Eu ainda não estou alucinando, maninho. Veja no espelho: seu pescoço está coberto de arranhões.

Bella arregalou tanto os olhos ao ouvir aquilo que largou o telefone onde estava e uma Alice furiosa reclamando de Jass para ir até o filho. Isabella virou o rosto de Adam para o lado, ignorando seus protestos e as risadas do marido e da filha, para checar. 

— Ah meu deus, filho. O que aconteceu? Quem fez isso com você? Nós precisamos ir até a polícia. Espere um minuto que eu vou fazer um curativo e-

Edward gargalhou alto, rolando no tapete. Melanie estava enxugando lágrimas divertidas dos olhos enquanto Adam assegurava sua mãe que estava bem, enquanto segurava o próprio riso.

— Eu não entendo o que tem de tão engraçado assim em meu filho sendo atacado.

Edward rolou mais um pouco no tapete e se levantou, massageando o estômago dolorido. - Amor, menos. Você não está vendo que isso está longe de ser caso de polícia?

— Este é um caso de selvageria com meu filho! - Ela insistiu.

Edward ainda tentou dizer mais alguma coisa, mas não conseguiu. Ele voltou a rolar no tapete, às gargalhadas.

Isabella finalmente o ignorou e voltou a examinar o pescoço do filho. Já mais calma, ela reconheceu as marcas de unhas e percebendo a situação, corou.

Mel comentou suavemente. - Como você pode ver, mamãe, na verdade uma gata atacou Adam. - Ela explicou e depois sugeriu inocentemente, com um sorriso. - Talvez fosse o caso de contatarmos a Sociedade de Proteção Animal?

Isabella corou mais e não sabendo lidar com a situação, deu as costas e seguiu depressa para a cozinha. Edward, que já estava se recuperando e levantava do tapete, voltou a cair. Melanie começou a rolar junto com ele.

Adam balançou a cabeça para a cena e para sua família, e seguiu para seu quarto para tomar um banho.

Ele assoviava alegremente.

 

### - X— ###

 

Melanie suspirou insistindo com seu pai ao telefone que ele não precisava ir buscá-la.

— Mas meu amor, eu já estou perto.

Mel ajeitou a mochila sobre os ombros e acenou para dois rapazes que passaram por ela no corredor. - Papai, não há a menor necessidade de você desviar de seu caminho. Só um minuto.

Ela sorriu para Jack, presidente do clube de teatro e lhe deu um beijo na bochecha quando ele fechou a porta de seu armário para falar com ela. - Quando é o grande dia?

— Na sexta. A peça está bombando, Mel. Você vai estar lá, não é? - Ele sempre ficava nervoso perto dela, e seu sorriso ansioso confirmava isso.

— Claro que eu vou. Eu por acaso perco alguma vez? Preciso manter os futuros astros da Broadway na minha discagem rápida. - Sorrindo gentilmente, ela lhe deu uma piscadela. O rapaz corou. - Nos vemos amanhã!

Após cumprimentar uma cheerleader que gritou seu nome, Mel recolocou o celular no ouvido. - Papai?

— Eu achei que tinha me esquecido aqui. Muitos fãs lhe atormentando?

— Eles não são meus fãs, e sim amigos. - Mas assim que acabara de falar, ela saiu pelos portões do colégio e aceitou a flor que seu colega de classe, Jason, lhe estendia. - Obrigada, Jay. Você lê meus pensamentos, era exatamente o que eu precisava.

Ele lhe lançou um sorriso, e Melanie continuou seu caminho, ignorando a risadinha que seu pai dava no telefone. - Sério, pai, não há necessidade de você...

Melanie parou de falar quando viu o carro de seu pai parado na calçada em frente ao colégio, e o mesmo encostado no veículo com o celular no ouvido e com um sorriso no rosto. Era bem típico, ela pensou, mas sorriu e correu até ele, que abriu os braços para recebê-la.

Depois de abraçá-lo por longos dois minutos, Mel se afastou. - Perto, hein?

— Claro. - Ele sorriu tortamente e os dois entraram no veículo.

Logo tinham dado partida, o celular de Melanie apitou, alertando que ela tinha uma nova mensagem. Ela abriu a parte da frente de sua mochila e retirou o celular de lá, checando rapidamente.

I’ll be your crying shoulder

I’ll be love suicide

And I’ll be better when I’m older

And I’ll be the greatest fan of your life

 

Espere por mim hoje,

Seu.

 

Melanie sorriu, e Edward observou aquilo franzindo o cenho infinitamente. Ela recolocou o celular dentro da mochila e encarou seu pai.

Ela riu. - É tanto para a privacidade, não é.

— Tenho que perguntar?

— Mensagem do Tom.

Mel nem ao menos tentou decifrar o que ele queria dizer sobre esperá-lo, e mais do que acostumada com suas mensagens contendo trechos de músicas românticas, não fantasiou sobre aquilo. No entanto, o fato de que ele assinava ‘seu’ no final das mensagens a intrigou como todas às vezes. Ele não era dela.

— Ah. - A expressão de seu pai totalmente se fechou. - Hum, Melanie. Eu queria mesmo falar com você sobre isso.

Ela balançou a cabeça para aquilo, e abaixou o vidro da janela mais um pouco para que o vento lhe beijasse os cabelos. - De novo, papai?

— Sim, até você me escutar.

Melanie sorriu e se inclinou para lhe dar um beijo na ponta do nariz. - Papai, relaxe. Thomas é inofensivo.

Edward lutou contra o desespero que apenas pais sabiam o que era, e olhou nos olhos de Melanie. - Mel, eu estou falando sério. Você pode não levar muito em consideração, mas você... Hã... Mudou um bocado, meu amor. Os rapazes começam a reparar, sabe. Em... Hã... - Ele fez uma careta que fez Mel comprimir os lábios para não rir. - Em seus atrativos, entende?

— E Tom seria um desses rapazes?

Ela achava impossível que seu pai sinceramente acreditasse que ela era tão estúpida, ou no caso, ingênua. Melanie não estava irritada, mas era de certa forma, ofensivo.

Edward suspirou em alívio. - Sim, isso, você entendeu. Eu só quero que você tome cuidado, meu amor. Evitar ficar sozinha com ele. - Evitar respirar no mesmo ambiente que ele. - Apenas até essa fase passar, compreende? Ele vai ter que desistir alguma hora.

E se ele não desistisse, Edward ficaria muito contente de ajudá-lo na questão. Como se ele precisasse de alguém querendo corromper a sua filha perfeitamente inocente... Seu bebê, ora essas. Era um absurdo. Um inimaginável absurdo. E ele ainda estava sendo compreensivo por causa de Bella. Se fosse por ele sozinho, já teria quebrado os dentes do moleque. Sendo da família, ou não. Era de sua filha que estavam falando.

Melanie o encarou, sem piscar e tentou, por Deus, manter a voz estável. - Papai, você por acaso notou, só por acaso, que eu tenho dezessete anos?

Seu instinto de pai o alertou de que ele não gostaria da conclusão daquilo. - Sim, por acaso, sim.

— Pois bem. - Melanie pausou e percebeu que eles já estavam entrando na rua de sua casa. - Tendo dezessete anos e sendo responsável como, sem modéstia, eu me orgulho de ser, eu acho que sei alguma coisa ou duas sobre sexo. - Ela ignorou quando Edward simplesmente congelou quando disse ‘sexo’, aquilo sempre acontecia. - E sabendo uma coisa ou duas sobre sexo e também sobre a vida, papai, eu acho que eu sei muito bem dizer não, e quando eu quiser, dizer sim e tomar precauções quanto a isso.

— Como? - Ele não pôde evitar, ele parou o carro em frente à casa deles sem nem ao menos se incomodar em estacionar na garagem. - Como assim ‘quando você quiser’? Como ‘quando você quiser’? Como ‘quando minha filha inocente quiser’, Melanie? 

Mel revirou os olhos e saiu do carro, ainda segurando a rosa amarela recebida de presente nas mãos. Seu pai desceu logo atrás e foi atrás dela, repetindo a mesma pergunta. Melanie entrou, deu um beijo na mãe que, pela forma como estava jogada no sofá em cansaço, havia acabado de chegar.

Edward ainda resmungava. - Melanie, eu estou falando com você e espero uma resposta.

Isabella abriu um dos olhos. - O que está acontecendo?

Sem dar muito ao crédito ao seu pai que parecia ter travado na mesma pergunta, Mel largou a mochila de qualquer jeito no sofá e deitou a cabeça no colo da mãe.

— Papai está surtando por que eu disse que um dia vou querer transar.

Edward piscou para a palavra ‘transar’ saindo dos lábios de sua filha e encarou a esposa em busca de algum apoio moral.

Isabella o encarou de volta, com seu apenas um olho aberto. - De novo, Edward? Você já não surtou sobre isso na semana passada?

Ele a encarou, irritado. E começou a falar um monte de impropérios sobre como aquilo era um absurdo, sobre como sua filha não iria transar por que ela ainda era uma criança, e que ele não iria permitir aquilo, e que-

— Edward. - Com o tom de Isabella, ele calou a boca em um instante e até Melanie levantou os olhos para a mãe. Seus dois olhos estavam abertos agora. - Eu estou morrendo de dor de cabeça. Então, você vai calar a boca neste minuto e eu não quero mais saber desse assunto hoje. Eu vou tomar um banho e já que você parece estar com tanta energia, você vai começar o jantar. Thomas virá jantar com a gente hoje.

Ele balançou as mãos. - O quê? Por quê?

— Por que eu o convidei. Faz muito tempo que meu afilhado não janta aqui. Você tem algum problema com isso?

Edward engoliu o que ia dizer, e ao invés disso, murmurou entre dentes. - Não.

— Ótimo. - Ela se levantou e sem dizer mais nada, seguiu para o quarto.

Melanie e Edward se encararam, o assunto de discussão de minutos atrás já esquecido.

Ela murmurou. - Aconteceu alguma coisa no hospital.

— Eu sei.

A expressão da menina se suavizou quando seu pai, mesmo sem saber o que era, parecia estar sofrendo com a mesma intensidade apenas por que Bella estava sofrendo. Os dois sabiam que Isabella só agia daquela forma quando tinha tido um dia difícil, e aquilo significava apenas uma coisa: algum de seus pacientes estava em estado preocupante.

Ou que ela não havia conseguido salvar alguém. Mas geralmente quando aquilo acontecia, ela se trancava no quarto sem falar com ninguém por que não queria que a vissem chorando. Principalmente seus filhos. Depois de um tempo, ela apenas deixaria o marido entrar.

— Você vai ou eu vou? - Mel questionou, embora já soubesse o que ele ia responder.

— Eu vou.

Ele sempre ia primeiro. Melanie assentiu e abraçou o pai rapidamente. Quando Edward também seguiu para o quarto, com a expressão que partia o coração dela e que ao mesmo a orgulhava por que a garantia mais uma vez quanto ele amava sua mãe, ela mesma foi preparar o jantar.

••

Quando Adam chegou a casa, o maravilhoso cheiro o levou até a cozinha e lá ainda estava a irmã. Beijando o topo de sua cabeça, ele roubou um pouco do molho a bolonhesa que fazia para o macarrão e apenas sorriu quando ela lhe olhou enviesado.

— Foi com essa mão suja que você provou do meu molho?

— Relaxa, Mel, eu usei uma colher. E minha mão não está suja. Que tipo de futuro médico seria eu se andasse com as mãos sujas por aí? - Ele assegurou. E era a verdade, a primeira coisa que ele sempre fazia ao chegar a qualquer lugar era ir ao banheiro lavar as mãos. - Onde estão nossos pais?

Reconhecendo o olhar da irmã, ele engoliu a piadinha que ia fazer. - Você já sabe o que aconteceu?

Ela negou com a cabeça, despejando o macarrão recém-pronto em uma travessa. - Não. Eles ainda não saíram de lá. Já faz uma hora.

Adam assentiu com a cabeça, a expressão preocupada. - Ela estava muito mal?

— Não necessariamente, parecia mais irritada com algo. O que me leva a crer que não aconteceu o pior. Ao menos, ainda. - Ela respondeu. - Eu realmente não sei se é bom ou ruim a mamãe ainda ter essa sensibilidade depois de tantos anos como médica. Eu detesto a ver triste.

— Eu também. Mas eu ainda a prefiro assim, é triste pensar que alguns se acostumam com o sofrimento só porque o vê o tempo todo.

Naquele momento, a campainha tocou. Melanie saltou, sobressaltada.

— Deve ser o Tom. Mamãe disse que ele vinha jantar aqui. Você pode abrir? Eu preciso ir tomar banho. E coloque a mesa!  

Adam franziu os olhos desconfiadamente quando notou a irmã checando os dentes com uma colher bem polida. Curioso. Ele falaria com seu pai sobre aquilo mais tarde. Por que ele era tão parecido na personalidade com Edward que podiam ser a mesma pessoa, Adam checou Thomas por um tempo quando abriu a porta.

— Você vai me deixar entrar ou vai continuar me namorando? Sem ofensas, mas eu prefiro a sua irmã. - Thomas murmurou, com um sorriso e lhe deu um soco no ombro que era metade amigável e metade para tirá-lo do caminho.

Bastante íntimo para cerimônias, Thomas entrou e imediatamente ficou apaixonado pelo cheiro maravilhoso.

— E falando na minha paixão, onde ela está? - Ele perguntou andando até a cozinha, mas a encontrando vazia.

— No banho. Agora, já que nós estamos sozinhos, eu gostaria de levar um papo.

Thomas sorriu e casualmente seguiu para a sala e se sentou no sofá. Tranquilamente, ele pegou o controle e ligou a televisão no canal de esportes. Bella chamava de íntimo, mas Adam o chamava de abusado.

— O que você quer falar, Adam? - Thomas questionou, sem tirar os olhos do jogo que passava.

Irritado, Adam retirou o controle da mão dele e desligou a televisão. - De um assunto que vai requerer sua total atenção e que é de interesse de nós dois.

Thomas levantou uma sobrancelha e sorriu. - Adam, eu já falei que prefiro a sua irmã. Será que eu estou tão irresistível assim que você precisa insistir?

Adam não se deu ao trabalho de responder. - Tom, pela consideração que eu tenho por você, eu vou começar te avisando para ficar longe da Melanie. Antes eu achava que você estava apenas brincando de ser cafajeste. Mas como eu percebi que claramente você não conhece mais os limites de com quem deve ou não brincar, eu me sinto no dever de te alertar. E eu acho que é melhor você me ouvir bem ou do contrário-

— Adam, pelo amor de Deus, pare de atormentar o pobre Thomas. Ele não veio aqui para ser aterrorizado. - Isabella entrou na sala, trajando um vestido florido e cabelos molhados pelo recente banho.

Edward vinha logo atrás, também com os cabelos molhados, e lançou um olhar ao filho que dizia ‘Abortar interrogatório. Por agora’. Adam suspirou em frustração, mas assentiu com os braços cruzados e observou enquanto o acusado beijava sua mãe levemente nos lábios.

— Olá, Madrinha.

— Oi, querido... - Ela enlaçou um braço com o dele, e o guiou para se sentar na cozinha, mas não deixou de lançar um olhar de aviso a Edward por cima do ombro. - Então, como você está? Um passarinho me contou que você já está praticamente com o emprego garantido quando você terminar a faculdade.

Adam, após confabular um pouco com o pai, seguiu para tomar banho e Edward também seguiu para a cozinha a ponto de ouvir a resposta de Thomas.

Ele sorriu, modestamente. - Eu aposto que foi meu pai quem está espalhando as notícias por aí. Mas não é bem assim, Madrinha. Pelo fato de que eu faço estágio lá, eu tenho uma vantagem. Mas as coisas podem muito bem mudar até eu terminar a faculdade esse ano, e ainda assim, eu precisaria passar por um período de treinamento. Se, e somente se, eu passasse, eu conseguiria o emprego.

— Bobagem, você é brilhante. - Isabella comentou, e enquanto lhes servia de suco de abacaxi, permitiu-se suspirar com o cheiro na cozinha. - Sério, isso é tão injusto. Eu passo minha vida inteira me esforçando e minha filha de dezessete anos consegue cozinhar melhor do que eu.

Suco esquecido, Thomas olhou em direção a porta da cozinha e simplesmente sorriu até que seu rosto se deformasse quando o objeto da discussão apareceu. Melanie ignorou o olhar de aviso de seu pai e andou até Thomas, que levantou prontamente para abraçá-la.

Um minuto. Isabella sorriu sobre seu copo quando os dois permaneceram abraçados, e Edward pigarreou alto. Melanie se afastou primeiro e sorriu para Tom. Depois encarou seu pai.

Edward encolheu os ombros e bebericou de seu suco. - O que foi? Eu estou gripado, não posso tossir?

Ela revirou os olhos e foi abraçar sua mãe. - Você está melhor?

Isabella sorriu e acariciou a bochecha da filha. - Estou, meu amor. Desculpa preocupar você.

Entendendo tudo, Thomas puxou Mel pelo braço para que se sentasse ao seu lado. - Claro que ela está melhor, eu já estou aqui.

***

Havia tanto tempo desde a última vez que Thomas jantara na casa deles que Melanie e Bella quase tinham esquecido como elas simplesmente mal conseguiam comer de tanto rir quando ele estava presente.

Adam demorou um pouco até finalmente ceder e se render às brincadeiras, mas Edward não achava nada engraçado. Ele estava muito consciente de Thomas tocando sua filha a qualquer mínima oportunidade.

Como, por exemplo, quando ele puxou a cadeira para que ela pudesse ir se limpar quando, depois de tanto rir da pequena explosão que o colega de estágio de Thomas causou em um dos laboratórios, ela derrubou suco em cima de seu short jeans.

Quando Thomas anunciou que iria embora após conseguir recusar comer sua terceira taça de sorvete de flocos, Edward quase cantou o coro de aleluia enquanto Isabella insistia que ainda estava cedo.

— Amanhã todos nós temos que levantar junto com o galo, Madrinha. Mas como eu sei que você vai sentir muito minha falta, eu prometo que não demorarei a voltar.

Que sorte a nossa.

Lançando o que parecia ser o centésimo olhar de advertência ao marido naquela noite, Isabella finalmente se deixou ser convencida. - Eu acompanho a você até a porta, então.

— Pode deixar. Mel vai me levar.

Edward arqueou a sobrancelha para aquilo e já ia começar a reclamar quando Melanie, sabendo disso, puxou-o pela mão para sair.

Ela não tinha se candidato a levá-lo, mas não queria mais shows de seu pai aquela noite. Thomas abriu a porta para que ela passasse, e Melanie fingiu não notar que ele fazia aquilo apenas para que ela saísse junto a ele.

Observando a cena, Edward não fingiu não notar. Virou-se para a esposa como se a culpa fosse toda dela por ter o impedido de ir atrás dos dois. - Está vendo aí? Desde quando nossa porta virou o carro dele?

E definitivamente Tom parecia pensar isso quando segurou a mão de Melanie até que eles estivessem em frente ao seu carro. Ele insistiu que ela entrasse para que eles pudessem conversar, mas Melanie balançou a cabeça.

Em parte por causa do coração de seu pai, e em parte por que ela estava tentando evitar maiores tentações.

— Você realmente não tem medo que meu pai atire em você, não é. - Ela comentou, risonha.

Thomas acariciou sua bochecha com um dedo e deliberadamente pressionou o corpo dela contra a porta do carro com o seu. - Por um beijo seu valeria a pena uma dúzia de tiros, Mel.

Ele estava a encarando como se esperasse que ela finalmente fosse dizer que sim. Fingindo que seus neurônios não estavam se desfazendo como sorvetes no deserto, ela sorriu um sorriso fácil. Antes mesmo que ela fizesse, Tom já sabia o que diria.

— Meu pai pode estar nos espiando pela janela neste exato momento.

— Pare de trazer seu pai para a conversa, Melanie. Você sabe que eu quero você e a ameaça de Edward não diminui isso.

Inteligente demais para perceber quando uma batalha estava perdida, ao menos temporariamente, Mel suspirou e lhe deu um beijo na bochecha.

— Boa noite, Tom.

Ela sabia que ele não tentaria impedi-la naquele momento, por que ela estava com o olhar definitivo. Thomas detestava, mas respeitava a decisão dela. Melanie ainda mudaria de ideia, ele não ia desistir.

Ela ficou parada na calçada até que ele tivesse ido. Ele a observou por mais um momento antes de entrar no carro, mas ele não sorriu. Mel sabia que ele não a trataria mal por causa daquilo, mas o conhecia bem demais para saber que Tom não era uma daquelas pessoas que tinham paciência como seu forte.

Melanie suspirou um pouquinho antes de entrar e sorriu ao ouvir seu pai e seu irmão reclamando da tarefa enquanto lavavam a louça na cozinha. Ela trocou de roupa e foi procurar Isabella no quarto de seus pais. Perguntou se podia entrar e quando a mãe revirou os olhos em resposta por cima do livro que lia, adentrou o quarto e fechou a porta atrás de si.

Com uma olhada na filha, Isabella colocou o livro na cabeceira depois de marcar a página e observou enquanto Melanie deitava na cama ao seu lado. Mãe e filha deitaram a cabeça nos travesseiros, e encararam uma a outra enquanto se aqueciam sob o edredom macio.

Conhecendo-a bem demais para saber que ela precisava conversar, Isabella colocou uma mecha de cabelo atrás de sua orelha. - Ele beijou você?

— Não.

— Mas você queria? - Isabella não fez soar como uma pergunta, e sim como uma afirmação.

— Muito. - Ela suspirou. - Eu já teria aceitado se eu soubesse que iria acabar aí. Mas eu sei que não vai, mamãe. Claro que eu sei que o Tom quer mais que isso, mas o verdadeiro problema é que eu provavelmente vou querer a mesma coisa. Eu já quero agora, mas depois que eu realmente sentir como é, vai ficar pior para evitar. Você entende?

Isabella achou que ela parecia tão menina e confusa naquele momento, embora elas estivessem falando sobre algo tão adulto. Ela queria lhe responder algo simples, lhe beijar a testa como quando era criança e fazer toda a confusão ir embora. Mas Mel não era mais criança e não havia resposta simples a dar.

Ela não sabia exatamente o que era mais difícil de aceitar.

— Mel, eu entendo o que você quer dizer. O que eu não entendo é por que, se você sabe o que quer, ainda está hesitando. - Ela pausou e completou. - É por causa do seu pai?

— Não. Também. - A menina já não mais tão menina respirou fundo. - Mamãe, você sabe que eu já saí com caras antes, e inclusive mais velhos. O papai também sabe e nunca se comportou assim, ao menos não tão mal, e é exatamente esse o ponto. Eu não poderia sair com Tom sem considerar o que isso vai causar na família. Não é simplesmente o fato de que fomos criados juntos tanto quanto é o problema de que eles não vão conseguir aceitar que é casual. Eu não tenho ilusões quanto a isso, eu sei que com ele seria apenas algo rápido e não estou esperando mais do que isso. Mas para eles, seria como se ele estivesse me usando por que conhecem Tom e sabem como ele age.

Seu bebê, Isabella pensou, era tão mais inteligente do que lhe davam créditos. - Você tem certeza de que pode lidar com o fato de que será apenas mais uma?

Bella nunca escondia a verdade de seus filhos ou usava eufemismos desnecessários. Melanie sabia no que ela estava se metendo e mesmo amando seu afilhado por inteiro, inclusive com as falhas, Isabella sabia muito bem que ele não adotava compromissos. Para alguns podia parecer que ela não fazia objeções ao relacionamento dos dois, mas ela fazia.

Fazia desde quando ela começou a perceber o olhar de Thomas mudar em relação a sua filha anos antes. Isabella sabia, no entanto, que Melanie já era bem grandinha para tomar suas próprias decisões e fazer suas próprias escolhas. Ela respeitava a filha o bastante para permitir isso, e sempre estaria ali caso a mesma precisasse de conselhos. Assim como fazia agora.

Se fosse a decisão dela, Isabella não aconselharia sua filha a sair com Thomas. Ela não era diferente de nenhuma mãe quanto ao fato de que não queria sua filha na lista de conquistas de alguém. Se Melanie entendesse relacionamentos da mesma forma que ele não haveria problema, mas não era o caso. Sua filha se entregava a tudo totalmente e era isso que ela temia.

Após um longo suspiro, Melanie respondeu. - Eu posso, mamãe. Eu sei que sim. E eu nem sei até onde as coisas iriam entre a gente. Você sabe que eu sou realista e que eu deixo as coisas acontecerem. Se eu sentisse no momento que a única coisa que queria dele eram beijos, não sairíamos dali. Se eu sentisse que queria algo mais, eu iria aceitar sem culpa e ia me cuidar. Eu sei que Tom respeitaria minha decisão. Eu o conheço, mamãe, e é exatamente por isso que eu sei o que esperar. Mas a família é super protetora, essa é nossa maior virtude e nosso maior defeito.

— Se você está tão certa disso, Mel, eu só posso dizer uma coisa: nenhuma opinião importa tanto quanto a sua. É sua vida, sua decisão. Com a família, lidaremos depois. Se é isso que você quer, é isso que você deve ter. E com o seu pai, pode deixar que eu lido.

Melanie riu e apertou os braços contra Isabella. - Eu amo você.  

Com o coração pesado, ela abraçou a filha de volta e orou para que o destino fosse gentil com ela.

***

Enquanto Melanie decidia seu futuro, Thomas estacionava o seu carro na garagem em frente ao carro de seu pai.

No caminho para casa, ele tinha manejado se livrar de parte da impaciência pela resistência de Melanie e quando entrou em casa, já estava mais calmo. Ele estava satisfeito por ter controlado seus nervos, apenas assim sua mãe não começaria a surtar em preocupação.

Ele não entendia como as mães, e pais também por sinal, conseguiam sentir tanta preocupação e ainda arranjarem lugar para outros sentimentos sem explodirem. Quando ele estava com raiva, Tom já sentia como se houvesse sensações demais ao mesmo tempo. Com mais do que isso, como ele viveria?

Quando Thomas passou pela sala e deu um beijo no rosto da mãe, Rosalie sorriu.

— Boa noite, meu amor. - Ela franziu o cenho ao perceber sua expressão. - Está tudo bem?

Talvez ele não tivesse controlado tão bem seus nervos. - Está. Onde está o papai?

— No banho. - Ela não se convenceu com sua resposta. - Vamos, Thomas. Eu conheço você melhor do que isso.

Ele balançou a cabeça. - Serve como resposta se eu apenas disser que você não pode resolver?

Quando ele seguiu para o quarto, seguiu atrás. - É alguma coisa no estágio, na faculdade?

Ignorou as bufadas que ele deu e não desistiu quando ele balançou a cabeça em negação, ela cruzou os braços. - É mulher, então?

Contrário ao seu humor, Thomas riu. - Como se essas fossem as únicas coisas possíveis para me causar algum problema?

Rose pensou um pouco. - Bom, é.

— Obrigado, mãe.

Ela suspirou. - Meu amor, você está com algum problema, sabe, naquela área?

Divertido, Thomas arrancou a camisa pela cabeça. - Eu estou indo tomar banho. Você se importa?

Ela acenou displicentemente com uma mão. - Não há nada aí que eu nunca vi antes. Você está com problemas naquela área ou não? Sabe, ereção...

Thomas a encarou, sabendo mais de sua informalidade com palavras para ficar envergonhado. Não havia necessidade de ela ficar enumerando os diversos assuntos, ainda assim. - Mãe, se eu tivesse problemas como esses, acho que saberia resolver.

Quando ela percebeu que não ia tirar mais nada dele, suspirou outra vez. - Tudo bem, então.

Thomas olhou para trás e percebeu que sua mãe já tinha saído. Ele sabia mais do que para acreditar que ela iria largar o assunto, e foi tomar banho ainda prevenido.

Tanto que não se surpreendeu quando saiu do banheiro, apenas usando boxers e encontrou seu pai sentado em sua cama. Ele respirou fundo, sem estranhar o fato de Rosalie recorrer a seu pai, mas impaciente ainda assim.

Emmet estava com uma expressão tão séria e concentrada, que chegava a ser hilária. Thomas sabia melhor do que para rir, ainda assim.

Seu pai foi direto. - Sua mãe me disse que você está tendo uns probleminhas no âmbito sexual.

Tom não sabia se era melhor rir ou chorar. - Santo Cristo, eu não estou tendo nenhum tipo de probleminha! Ela que colocou isso na cabeça por que eu não quis contar o que estava me incomodando. Você sabe que ela inventa umas ideias ridículas quando está preocupada.

Thomas andou pelo quarto e ligou a televisão para ver se estava passando algo que se prestasse. Doce ilusão se ele achou que seu pai largaria um assunto como quem larga um mal-entendido e o deixaria sozinho.

— Isso é bom. - Emmet comentou, e por que estava de costas, Thomas perdeu a expressão de alívio que assolou o rosto do grandão ao não ter que lidar com aqueles probleminhas logo com o seu filho. - Mas então o que há de errado?

— Não há nada de errado. - Irritado por que não estava passando nada de bom, Tom foi então ligar o notebook e Emmet se perguntou se seu filho achava mesmo que ele não sabia que o mesmo estava fazendo isso para evitar encará-lo. - Minha mãe está com ideias na cabeça, já disse.

Emmet balançou a cabeça, achando engraçada a forma como ele tentava ser evasivo. O grandão sabia que ele se comportava do mesmo modo, às vezes, e se perguntou se ele também era engraçado para os outros nestas situações.

— Ela me disse que você foi jantar na casa de Edward hoje. - Emmet comentou casualmente.

Tom colocou qualquer música para tocar e se sentou na cadeira em frente ao notebook, apenas aí encarou seu pai. - Eu fui

— Thomas, eu acho que já está na hora de nós conversarmos sobre esse seu assédio a Mel. Antes eu achava que era apenas brincadeira, mas...

— Nunca foi brincadeira.

Ele não conseguiria evitar a conversa, então era melhor que ele fosse sincero e assim terminaria mais rápido.

Emmet passou uma mão no rosto. - É, eu sei. Olha, filho, provavelmente a culpa é minha. Eu tinha que ter te dado mais foco nos limites em relação a mulheres, mas eu não dei. Provavelmente eu tinha que...

— A culpa não é sua por que não há erro algum aqui, pai. - Thomas comentou e não suportando continuar olhando para seu pai, voltou-se para tela do notebook. - Eu não estou fazendo nada de errado.

— Você está, Thomas, e você sabe que sim. - Emmet insistiu, e de repente seu tom era muito sério. - Eu sei como é ficar vidrado em alguém, filho. Assim como eu sei que isso passa. Isso que você está sentindo pela Melanie vai passar.

— Não, não vai.

— Thomas... - Emmet pausou e tentou outra tática. - Você acha que o que você quer fazer com ela está certo? Ela faz parte da família. Ela é importante. Você pode se esforçar para conseguir qualquer mulher, filho. Você não precisa causar um enorme problema na sua família por que está sendo teimoso.

— Eu quero a Mel.

Emmet trincou o maxilar. - Além de teimoso, você está sendo egoísta. Eu não quero mais saber dessa história, Tom. Ela é minha afilhada e eu não quero que ela acabe magoada por que você cismou em querê-la.

— Por que você não entende? - Ele virou-se para encarar o pai novamente, e seu maxilar também estava trincado. - Eu quero a Melanie. Melanie. Não é uma Cinthya, nem uma Deborah, nem uma Abbie. Eu quero a Melanie. É simples assim. E eu estou sendo insistente por que ela também quer, nós somos bons juntos.

— Thomas, eu não quero que você faça isso. - O tom de Emmet era definitivo.

— Você está me proibindo?

Havia bastante sarcasmo no tom de seu filho para que Emm quisesse berrar com ele. - Estou!

— Eu tenho vinte e dois anos.

— Você mora na minha casa. E enquanto você morar na minha casa, você pode ter quarenta anos, mas vai continuar me devendo respeito e obediência.

Thomas encarou o pai e não disse nada, por que achou que o que ia dizer não valia à pena e que ele provavelmente iria se arrepender depois. Tom apreciava sua qualidade de pensar antes de falar.

Emmet baixou um pouco a bola por que estava pensando a mesma coisa. - Tom, nós estamos exagerando. Eu sei que você vai enxergar a razão. Eu sei que você vai acabar percebendo que isso é um erro e que a família é mais importante do que isso.

— Eu só queria que você entendesse. - Thomas murmurou, e não pensou em retirar a frase mesmo que soasse infantil.

Emmet amoleceu. - Filho, simplesmente não é certo. Você diz que são bons juntos, mas isso é agora, e quando não for mais? Quando você cansar? Quando enjoar? Ações têm consequências e elas permanecem para sempre.  

Thomas não respondeu por que não era como se ele pudesse negar, não era como se acreditasse que tivesse algo duradouro a oferecer a ela, mas por que para ele parecia tão certo? Por que parecia que estar com ela era exatamente o que deveria estar fazendo?  

Emmet levantou e depositou a mão sobre o ombro do filho. Ele estava aliviado, ele sabia que seu filho entendia. Ele não tinha feito um péssimo trabalho afinal. Ele estava aliviado porque sabia que seu filho em algum momento iria perceber que aquilo só poderia resultar em dor.

— Tudo bem, foi uma boa conversa. Agora eu vou poder assegurar sua mãe e Edward vai finalmente sair do meu pé antes que eu precisasse arrancá-lo de lá a força. - Emmet gargalhou, mas Tom não compartilhou a piada. - Você deve estar cansado, eu vou deixar você dormir. A gente se vê amanhã. Boa noite, filho.

Emmet deu um beijo no topo da cabeça de Tom e apertou seu ombro firmemente, antes de sair do quarto satisfeito consigo mesmo. Thomas fechou os olhos depois de um tempo.

Ele murmurou para si mesmo. - Desculpa, pai, mas eu vou ter que te decepcionar.

 

### - X— ###

 

Ethan estava perfeitamente calmo.

Sério, ele nunca estivera tão calmo em toda a sua vida. Ele fingiu que sua indecisão para escolher uma roupa era completamente normal. Ele observou as roupas jogadas em cima da cama e seu armário agora vazio. Suspirou.

Ethan voltava a tentar escolher uma das roupas em cima da cama quando bateram na porta. Ele arregalou os olhos e respirou fundo. Ele estava calmo, ele estava calmo. Estava tudo bem. Estava tudo normal.

Quando seu filho demorou mais de três segundos para abrir a porta e Alice já estava impaciente, ela abriu a porta ela mesma com a chave que sempre carregava para essas eventualidades.

Ethan xingou e assegurou-se que a toalha enrolada em sua cintura estava firme. - Mãe, eu estou me vestindo!

Alice revirou os olhos. - Oh, claro. Desculpe. Millie já chegou. - Ela percebeu a bagunça na cama de seu filho e perdeu o olhar de desespero que Ethan a lançou. - Qual o problema aqui?

— Nada. Diga a ela que eu já vou. - Ele abanou as mãos para que a mãe saísse, mas Alice permaneceu parada no mesmo lugar, encarando-o curiosamente. - Tchau, mãe. Eu preciso me vestir!

Com um olhar suspeito, ela cruzou os braços. - Parece que tem alguém nervoso...

Ethan a encarou, e suas orelhas ficaram vermelhas. - Pois está parecendo errado. Nós só vamos estudar.

— U-hum. – Ela ainda o encarou desconfiadamente. - Ok, então. Eu estou saindo. Vou dizer para ela te esperar na biblioteca.

Ele esperou até que sua mãe estivesse do lado de fora para respirar fundo por três vezes, e repetir para si mesmo em voz alta que estava super tranquilo. Ele vestiu uma calça jeans.

Por que diabos eu concordei com isso? Isso não vai dar certo.

Ele colocou qualquer camisa.

Por que diabos eu estou fazendo isso?

Ethan colocou os óculos e se encarou no espelho, achando que ele estava parecendo um fracasso. Imediatamente se repreendeu. A aparência dele não importava, eles iam apenas estudar. Estudar. Certo. Estava tudo ótimo.

Estava tudo péssimo. Ele estava à beira de um colapso nervoso.

**

Millie estava rondando a biblioteca e checando os livros nas estantes quando Ethan entrou. Ela não o ouviu e isso deu a chance de ele respirar fundo mais uma vez. O cheiro dela não o acalmou nenhum pouco.

— Oi. - Ele murmurou e preocupou-se em fechar a porta bem quando ela virou e olhou para ele, sorrindo.

— Eu simplesmente não acredito em todos os livros que você tem aqui! É incrível!

Ele ajeitou os olhos no nariz em nervosismo. - Ah. É, meu pai me ajudou a montar. Foi a única coisa que eu sempre gostei, então ele se empenhou. Enfim. Eu disse que não precisava, mas ele insistiu e...

— É incrível.

Ethan corou. - Hã, obrigado.

Ele se encaminhou até a grande mesa que ficava bem em frente as amplas e altas janelas da biblioteca. Millie pegou uma das cadeiras e se sentou bem ao lado dele.

Ethan a encarou como se ela estivesse ficando louca. Ele estava quase tocando nela, pelo amor de Jesus! Como ele iria se concentrar assim?

Quando ela o encarou de volta e arqueou uma bem feita sobrancelha, ele desviou o olhar. - Ah.. Se você quiser, pode levar alguns para casa.

Os olhos dela se iluminaram. - Sério, qualquer um que eu quiser?

Ele sorriu para sua animação, mesmo nervoso. - Sim.

— Obrigada! - Ela estalou a bochecha dele em um beijo, inconsciente de que tinha feito o coração de Ethan parar por um instante.

— Ah. - Ele ajeitou os óculos no nariz, sentindo-se idiota. Trouxe para perto deles uma pilha de livros grossos que estava no canto da mesa. - Então... Eu comprei esses livros no mês passado. Eles são os necessários para o primeiro período do curso de Ciências Políticas.

Millie assentiu, repentinamente séria. Ethan constatou que ela era linda ainda que não estivesse rindo ou sorrindo, e nestes momentos ela parecia ter roubado a luz do sol inteiramente para ela.

Ela avaliou os livros, um por um, e leu seus títulos. - Quantos destes já leu?

— Todos.

Millie o encarou, e quando ele corou, ela percebeu que ele não estava brincando. Então riu. - Está bem, definitivamente a informação você já tem.

Dan abriu a porta da biblioteca sem cerimônia e engoliu as palavras que ia dizer quando viu Millie com seu irmão.

— Olá, você. - Ele sorriu lentamente, e Millie revirou os olhos para o olhar dele, antes sorrir de volta.

— O que você quer? - Ethan questionou de forma dura.

Millie o encarou, espantada. Embora ela nunca tivesse visto os dois irmãos particularmente se dando bem, era a primeira vez na história que via Ethan sendo grosseiro com alguém.

Dan lançou um olhar curioso em direção ao irmão e para irritá-lo mais e por que não perdia a oportunidade de pôr as mãos em uma mulher bonita, o rapaz seguiu até Millie e lhe deu um lento beijo na bochecha e um abraço.

Ethan o encarava com os dentes trincados.

— O que você quer, Daniel? - Ele repetiu.

— Ora, que maneiras são essas, maninho? Quer um beijo também? - Ele soltou Millie, que voltou a encarar Ethan, e apenas sorriu quando seu irmão nem lhe deu o trabalho de responder. - Nossos pais vão sair para jantar fora e eu vou pedir uma pizza daqui a pouco, vocês querem?

Ethan já ia começar dizer que não queria nada e que era para ele dar o fora naquele instante, mas lembrou-se de Millie. Ele a encarou em uma silenciosa pergunta.

Millie sorriu, tentando amenizar o clima. - Você por acaso me viu piscar?

Dan gargalhou, e Ethan voltou a encará-lo com desgosto.

— Já perguntou o que veio perguntar, agora sai. - Ethan anunciou.

Dan lhe lançou um olhar frio da mesma forma e depois se voltou para Millie. - Cuidado com as presas dele. Estão mais afiadas do que nunca. E se você decidir que o outro gêmeo é mais simpático, eu vou estar no meu quarto. Vou esperar você.

— Daniel, sai agora. Millie não veio aqui para isso.

Dan ainda pensou em responder, mas por que percebeu o olhar de Millie, deixou para lá e saiu. Era ruim o suficiente ter que lidar com seu irmão em particular, não precisava envolver um público no espetáculo.

— Desculpa por isso. - Ethan disse uma vez que seu irmão estava do lado de fora.

Millie balançou a cabeça e começou a dizer cautelosamente, por que ele ainda não parecia estar estável. - Está tudo bem, ele só estava brincando. Você sabe como Dan é.

— Eu sei exatamente como ele é.

Millie ficou em silêncio por um momento, e depois tocou no braço dele. Ficou aliviada quando ele corou, por que significava que ele estava voltando a si.

— Eu não sabia que vocês não se davam bem.

Ethan balançou a cabeça. - Nós não nos damos. Basicamente, nos ignoramos. Até o momento em que ele resolve ser mais estúpido do que o normal e aí eu sou obrigado a intervir. Como agora.

— Por que vocês não se dão? - Ela perguntou, com uma expressão preocupada.

— Sério, Millie, eu não quero falar nisso. E você não vai ver muitas amostras grátis como esta agora, nós evitamos esse tipo de discussão por causa dos nossos pais.

— Mas deve ter um motivo para vocês não se falarem.

Ethan foi incisivo. - Não há motivo. Eu não gosto da personalidade dele e ele não gosta da minha. Nós tivemos o azar de nascermos irmãos sem ter nada em comum. É só isso.

Millie não achava que era só isso. E ela podia ver algo que eles tinham em comum, sim: os dois eram evasivos. Ela tinha certeza que se perguntasse ao Dan o motivo, ele evitaria a resposta da mesma forma. Mas ela não estava preocupada com isso.

Ela acharia melhor se os dois brigassem como cão e gato, a indiferença era que era preocupante. Por enquanto eles ainda conseguiam sentir raiva um do outro, mas com o tempo até isso poderia se esvair.

Ela abriu um dos livros. – Está bem então. Vamos começar?

••

Millie e Ethan começaram a traçar pontos importantes do curso que, respectivamente, ela tinha feito e ele queria fazer. O objetivo era encontrar pontos em comum entre a teoria e como seriam as discussões em sala de aula a fim de que ele pudesse se familiarizar melhor, mas logo passaram para o ponto mais importante que era a entrevista. Ali é que Ethan travou e Millie tentou assegurar que eles não precisavam conquistar o mundo em um dia e que se fosse preciso, eles podiam se encontrar mais vezes para treinar.

Após um tempo, Dan ressurgiu anunciando que a pizza já tinha chegado e então os três seguiram até a sala de jantar.

Ethan encarou as pizzas. - Você não achou que era sensato perguntar a Millie de qual sabor ela gostava antes de pedir?

Dan sentou do outro lado, de frente para o irmão e guiou Millie para se sentar na ponta da mesa.

Adorando uma provocação, Dan segurou a mão de Millie e levou aos lábios. - Eu sei do que ela gosta. - E acrescendo uma piscadela à frase maldosa, sorriu. - Ao contrário de você, eu já saí com ela.

Pressentindo outra briga, Millie interveio. - Dan, você não espera que eu devore esta maravilhosa pizza a seco, certo?

Daniel balançou a cabeça, e lhe lançando mais um sorriso, seguiu até a cozinha. Millie encarou Ethan, e esperou até que ele encontrasse seu olhar. Ele não o fez.

E, você não precisa ficar com essa cara. Se você levar o que seu irmão diz na brincadeira como todo mundo... - Ela parou de falar quando ele finalmente olhou para ela.

Ele ainda assim não disse nada, mas ela não gostou nenhum pouco do que viu no olhar dele. Millie não sabia o que era, mas ela não gostou do que era.

O que ela não sabia era que ela iria gostar menos ainda quando descobrisse mais tarde.

Dan voltou naquele instante com uma garrafa de vinho na mão e uma latinha de refrigerante na mão.

— Mamãe vai provavelmente querer meu fígado quando descobrir que abrimos o seu vinho, mas eu lido com ela depois. - Dan piscou para Millie, e então encarou o irmão. - Claro que seu complexo de obediência não vai te deixar desrespeitar as regras, então refrigerante para você.

Ethan levantou os olhos e depois de dois segundos, levantou-se e saiu da sala.

Millie balançou a cabeça para Dan e ele deu de ombros. - Relaxe, ele vai voltar. Ele é extremamente sensível com a verdade. Eu vou pegar as taças.

••

Millie comeu um pedaço de pizza e esperou, mas Ethan não voltou. Ignorando Daniel que dizia que ela não precisava se preocupar com aquilo, que seu irmão era um bebê chorão e ia voltar, ela cortou um pedaço de pizza para ele.

Pensou se devia levar o vinho, ou o refrigerante. Na dúvida, não levou nenhum dos dois e foi até o quarto que Dan, depois de muito reclamar, lhe disse que era o dele.

Ela bateu na porta três vezes e abriu quando ele não respondeu, sem se importar se estava sendo abusada. O quarto estava escuro, a não ser pela luz da lua que entrava pela grande janela.

Millie não pôde evitar, ela notou que o quarto dele era do tamanho dos dois quartos juntos de seu pequeno apartamento. 

— Ethan?

Ela percebeu a cama de casal encostada na parede embaixo da janela, a mesa com um computador, a televisão de plasma embutida na parede, mas não ele.

Pensou que talvez estivesse no banheiro, mas percebeu que a porta estava aberta. Ela estava virando para sair e ir procurar em outro lugar quando um vulto se materializou na sua frente.

— Por Deus, Ethan! De onde você veio? - Ela colocou uma mão no peito e não se surpreendeu de sentir seu coração batendo forte.

Ela levou alguns segundos para acalmar seu coração e quando ele não disse nada, estendeu o prato com o pedaço de pizza. - Eu trouxe para você.

Ethan encarou por um momento e quando Millie já estava pensando que ele não ia pegar, segurou prato e andou até a mesa do computador, depositando-o ali intocado.

Houve um silêncio desconfortável. Ele não agradeceu, e também não disse mais nada. Inconscientemente de que era um modo de defesa, Millie passou os braços em volta do corpo. 

— Eu sinto que estou perdendo algo aqui. Qual o problema, Ethan?

— Eu achei, eu realmente achei que isso era por minha causa. Foi estupidez minha de novo. Eu estranhei quando comentei sobre o assunto com a minha mãe e ela disse que na verdade a ideia tinha sido sua. Eu não pensei nada sobre você ter mentido, pensei que você queria me ajudar e apenas estava sem graça de oferecer.

— Mas era exatamente isso que...

Ele ignorou e continuou em seu discurso, encarando-a daquele jeito que Millie não gostava nenhum pouco. – Claro que não fazia nenhum sentido, afinal nunca fomos próximos, mas eu não conseguia pensar em nenhum outro motivo para que estivesse interessada em me ajudar. É claro que, desconsiderei meu irmão. – ele balançou a cabeça para si mesmo, como se não acreditasse em sua própria burrice. - Isso já aconteceu antes, algumas vezes. É claro que sempre tem que ser o Daniel.

— Mas o que o Dan tem a ver com.. - Ela deixou as palavras morrerem, finalmente entendendo a implicação que ele fazia. A expressão de Millie mudou. - Se eu estivesse aqui por causa dele, por que então eu estaria com você?

Seu tom era irônico quando falou. - Eu não sei. Pela minha experiência no assunto, eu posso destacar duas razões plausíveis. Em todos os casos, Daniel tinha dado um pé na bunda das garotas. E eu acredito que isso tenha acontecido com você.

Então é aí que mora o problema, Millie pensou, o que Daniel havia dito sobre ter saído com ela. Millie suspirou, mas não teve a chance de dizer nada porque Ethan parecia, pela primeira vez na vida, estar inspirado para falar.

— Então é claro que elas, não cientes de que ele é um ser desprezível sem consideração pelos sentimentos dos outros, precisavam de uma desculpa para se aproximar dele de novo: e que conveniente ele ter um gêmeo, não é mesmo. Ou a segunda possibilidade, em um universo paralelo e impossível, quando elas acreditavam que já que não poderiam ter Daniel de volta, o irmão poderia servir como um substituto adequado ou uma perfeita ferramenta para causar ciúmes. O que é uma ilusão, já que não somos parecidos em nada e nunca vamos ser. Eu não sei qual foi o caso com você, mas eu não posso ter errado muito.

Houve um minuto de silêncio e então Millie perguntou com a voz baixa. - Você acabou?

Ethan não respondeu. Ele queria que ela fosse embora para que ele ficasse sozinho e esquecesse que tudo aquilo tinha acontecido. Ele não sabia exatamente por que se sentia pior, mas tinha consciência de que não havia sido a primeira vez e não seria a última. Ele não sabia por que era diferente com ela, mas era, de algum modo com ela era pior.

Ele havia sido cegado por essa ilusão apenas uma vez, a primeira vez, antes de Millie. Depois, mesmo que ele soubesse que as garotas só se aproximavam dele por causa de seu irmão, ele aproveitava o que podia ter até que elas percebessem que ele não tinha nada em comum com o irmão ou então que ele não era bom o bastante nem para fazer ciúmes para alguém.

As duas garotas com quem ele havia tentado transar haviam sido largadas pelo seu irmão. Ethan não sabia se era por isso que não havia conseguido, e desconfiava que a maior parte tivesse sido essa. Sempre uma sombra de seu irmão, a ponto de não conseguir nem ao menos captar o interesse de alguém por ele mesmo.  

— Eu vou ser breve. - Millie começou e se virou para a janela. - Você sabe que nós nos reunimos ao menos uma vez por mês para sair: Tom, Adam, Mel, Dan, eu, e Angelinne. Minha irmã também antes de ir para Austrália, e provavelmente agora que retornou. Você nunca quis ir com a gente ou do contrário saberia que geralmente pizza é nossa escolha democrática, então, claramente seu irmão o sabor que eu gosto. Ele deu a impressão errada por que é isso que ele gosta de fazer, e para alguém que acha que o conhece tão bem, você devia ter notado isso.

— Eu...

— Eu nunca saí com Dan do jeito que você está pensando. E mesmo se tivesse acontecido, Ethan, eu tenho vinte e seis anos. Eu tenho meu emprego e tenho minha vida. Eu não tenho tempo para bancar a adolescente com joguinhos estúpidos de fazer ciúmes ou qualquer uma das besteiras que você falou. Se por acaso seu irmão tivesse me dispensado, seria azar o dele. Nunca fui de correr atrás de quem evidentemente não me queria, e eu não ia começar agora. - Ela olhou para ele, agora. - Se você estava buscando razões por trás de eu estar aqui agora, talvez devesse ter escolhido o caminho mais curto do esclarecimento e simplesmente me perguntado. Era somente isso que deveria ter feito.

Ela estava chorando, ela estava chorando por causa dele e Ethan não sabia o que fazer. Ele havia acabado de acusar seu irmão de não ter consideração com os sentimentos alheios; e o que ele havia acabado de fazer com os sentimentos dela?

— Millie, eu sinto muito. Eu só... Eu só pensei que...

— Eu sei o que você pensou, você não precisa me dizer outra vez. Eu vou embora agora. Não por que eu quero fazer uma saída dramática, embora eu vá fazer uma ainda assim, mas por que você me magoou. E eu não tenho vergonha de admitir isso. Eu não estou com raiva de você, Ethan, por que sei que você apenas cometeu um erro assim como qualquer um poderia cometer. Mas como você me magoou, acho que tenho razão em dizer que não estou gostando muito de você no momento. Então eu vou embora, vou pensar, você também vai pensar se quer que eu continue ajudando você e depois nós conversaremos.

— Millie, me desculpe...

Enquanto saía, ela não deu a menor indicação de que tinha o ouvido.

Mas ela tinha. Tinha ouvido o remorso na voz dele, e por isso Millie se apressou em sair após buscar sua bolsa. Se ela tivesse olhado para trás, iria desmoronar.

Ela ficaria bem. Só precisava chegar a casa e chorar um pouco, afinal era seu primeiro impulso. Havia poucos momentos em que ela detestava sua sensibilidade e aquele era um deles.

••

 

Foi um verdadeiro sacrilégio, mas Ethan esperou dois dias até procurar Millie.

Aos sábados, ele pegava mais tarde na biblioteca onde trabalhava. De qualquer modo, ele acordou às seis da manhã sem mais conseguir dormir e ficou rolando na cama em ansiedade.

Depois de uns quinze minutos, ele chegara à conclusão de que se ele demorasse muito mais tempo, ela poderia simplesmente decidir que ele era um idiota completo e nunca mais o perdoar.

O resultado foi que às oito da manhã daquele sábado, ele estava tocando a campainha do apartamento dela. E ele estava com uma orquídea amarela nas mãos. Ethan voltou a se repreender por ter comprado aquilo ao invés de um buquê enquanto tocava a campainha pela quinta vez.

Ele apenas achou que devia levar algo a ela para melhor se retratar. Ah, bobagem. Ele queria mesmo era que ela olhasse para a flor e se derretesse, perdoando-o mais rápido.

Seu impasse interno foi interrompido quando a porta foi aberta bruscamente e ele se viu diante de Tess que trajava uma minúscula camisola e um semblante irritado. Ela cerrou os olhos quando o viu.

— Você.

— Ah- oi. - Ele ajeitou os óculos no nariz. - A Millie- ah, eu queria falar com ela.

— Você queria, não é? Bom, mas isso não vai ser possível. Tenha um bom dia.

Desesperado, ele impediu com o braço quando Tess tentou fechar a porta. - Mas por que não?

Impaciente, Tess afastou uma mecha de seu cabelo ainda bagunçado pelo sono que caía sobre seus olhos e o encarou. - Escuta aqui, moleque. Um: minha irmã ainda está dormindo, e eu não a acordaria por alguém como você. Dois: eu não quero mais que você diga algo que possa magoá-la. Millie tem um coração bom, bom demais e o que ela não precisa é de pessoas como você se aproveitando disso. E agora vá embora. Eu já estava irritada com toda essa história antes, mas já que você fez o favor de me acordar... Eu gosto menos ainda de você.

Ethan estava pronto para implorar o perdão da princesa, mas não sabia que também teria que lidar com seu dragão. Ele não tinha outra escolha, no entanto.

Ele respirou fundo e continuou com o braço na porta quando ela novamente tentou fechá-la. - Tess... Eu sei que magoei a Millie, eu concordo que você tem toda a razão de não querer me deixar entrar, mas eu sou homem. E como mulher, você tem que compreender que pela minha natureza eu sou praticamente obrigado pelos instintos a cometer estes tipos de erros estúpidos.

Ainda meio desconfiada, Tess arqueou a sobrancelha.

— Eu não estou justificando, e sim explicando. É um fato comprovado. Alguns erram mais do que outros, sim. Mas por que eles se arrependem e melhoram depois que são perdoados por quem eles magoaram. Eu quero, Tess, que, por favor, você me deixe falar com ela para que assim eu também possa melhorar.

Ela se manteve séria. - Tudo bem, você ganhou um passe verde. Eu não garanto que ela vai levantar, no entanto. Deus sabe o que é que leva alguém a tirar Millie da cama.

Tess pensou em ameaçá-lo um pouquinho para evitar que ele magoasse sua irmã outra vez, mas depois desistiu. Ele estava certo: era homem e definitivamente esta raça tinha um grande problema em não cometer erros.

— Isso não é um elogio por que ainda estou irritada com você, mas a flor é linda. - Tess comentou enquanto fazia o caminho até o quarto da irmã, com Ethan atrás dela.

As pontinhas das orelhas dele coraram. - Millie gosta de orquídeas?

Agora Tess o encarou, parando em frente a uma porta. - Millie é a pessoa mais romântica da face desse Sistema Solar e de todos os outros Universos que o ser humano descobriu e ainda descobrirá. Tudo relacionado a romantismo está perfeito para ela. Minha irmã não gosta simplesmente de orquídeas, ela gosta de flores, de bombons, e essa coisa toda.

Ethan assentiu para tudo e Tess tirou alguma satisfação de vê-lo tão nervoso e inseguro. Ok, ela tirou toda a satisfação daquilo. Rindo para si mesma, bateu na porta com um forte murro.

— Millie!

Ouviram um resmungo baixo vindo do lado de dentro. Tess lançou-lhe um olhar que dizia ‘isso vai ser difícil’ e tornou a bater. Quando houve outro resmungo, Ethan se moveu ansiosamente.

— Millie! Eu não vou ficar te acordando para sempre, não. Você tem visita!

— Ainda é madrugada!

— São oito da manhã, na verdade. Levante e resolva que eu quero voltar a dormir! - Tess contradisse.

Outro murmúrio abafado. - Quem é?

— Saia e verá.

— Mande voltarem outra hora.

Tess fez sinal para ele tomar a iniciativa e Ethan respirou fundo. - Millie, sou eu. Eu preciso falar com você.

Silêncio durante quinze segundos. Quando responderam outra vez, dava para se ouvir bem do outro lado da porta.

— O que você está fazendo aqui uma hora dessas?

Ethan encarou Tess, que entendendo, seguiu para seu quarto e fechou a porta. Apenas para grudar o ouvido contra a mesma, tentando ouvir a conversa dos dois.

— Millie, você pode sair para conversar um minuto? - Ele pediu com a voz mais gentil que conseguia.

Dentro do quarto, do outro lado da porta Millie levou uma mão a garganta lutando contra as emoções e respirou fundo. - Você vai ter que esperar. Eu preciso me arrumar.

— Quanto tempo você vai demorar?

— Uma hora.

— Uma hora? Millie, eu preciso falar com você agora. Por que você não sai?

— Eu acabei de levantar da cama. - Ela respondeu como se aquilo fosse uma explicação dispensável a um fato auto explicável.

Ethan tentou não se deixar notar que tecnicamente estava conversando com uma porta. - E qual o problema nisso?

— Você vai ter que esperar. Ou então, pode falar assim mesmo.

— Millie, eu tenho que falar para você e não para a porta.

— Ou é assim ou então espere. Escolha.

Ethan suspirou em infelicidade e olhou para a flor que deveria amolecer o coração dela antes da conversa. Não era assim que ele tinha planejado que as coisas fossem acontecer.

— Ao menos abra uma fresta da porta para eu poder te dar uma coisa.

— O quê? - Do outro lado, Millie arqueou uma sobrancelha em curiosidade.

— Eu trouxe algo para você.

Ele ia fazê-la abrir para descobrir. Mordendo os lábios, Millie colocou as duas mãos sobre a porta de madeira e se inclinou como se fosse conseguir ver através dela.

— Ok.

Imediatamente a porta foi aberta, e um braço claro como porcelana apareceu pela fresta com a mão estendida. Se Ethan não estivesse tão nervoso, ele teria sorrido com o gesto. Utilizando de seu autocontrole para não tocá-la, ele depositou a flor em sua mão.

Reconhecendo o que era pela textura, Millie recolocou o braço para dentro e fechou a porta depressa. Com um sorriso idiota no rosto, ela levou a flor até o nariz.

Diante do silêncio, Ethan engoliu em seco e ajeitou os óculos. - Você gostou?

— Você me trouxe uma flor. - Millie murmurou em puro encantamento.

— Sim. Eu na verdade queria que isso ajudasse no que eu vou dizer. - Ele começou e em nervosismo, sua língua travou.

Do outro lado, Millie encarava a porta como se pudesse vê-lo. - Eu estou ouvindo.

Ethan engoliu em seco por três vezes. - Eu sei que já disse que sinto muito, e embora o propósito seja todo esse, e eu odeio me repetir, vou tentar explicar o que aconteceu para que assim você tente me perdoar. – ele fez uma pausa e então se forçou a continuar. - Eu julguei você como outras pessoas e isso foi errado. Não apenas por que toda pessoa é única, independente de quem seja, mas por que foi você. E eu realmente acredito que você é uma das pessoas mais especiais que eu conheço. Aconteceu um mal-entendido e eu me deixei levar por que a situação parecia a mesma, mas mais por que eu queria entender um motivo para você estar me ajudando sem pedir nada em troca. E porque eu não tinha coragem de fazer algo simples como perguntar, sacrifiquei a imagem da pessoa que você é e a imagem que eu tenho de você. Por isso eu sinto muito.

Ethan descobriu, covardemente, que falar sem olhar nos olhos dela era mais fácil. Ele se perdia quando olhava para ela e logo perdia sua linha de raciocínio. No quarto ao lado, Tess pensava que o moleque sabia mesmo falar quando se esforçava.

— Eu lamento ter magoado você, Millie. E se você puder me perdoar, eu gostaria que você continuasse me ajudando. Eu não posso garantir que não magoarei mais você ou que não direi algo que possa te machucar mesmo sem intenção por que a verdade é... - Ele pausou e continuou. - A verdade é que eu entendo muito sobre política, ciência e até números, mas nada sobre sociabilidade. Mas eu prometo que, se puder me perdoar, eu vou tentar errar o mínimo possível com você.

Pelo fim de seu relato, Ethan sem saber tinha conseguido amolecer até o coração de Tess. A bióloga não cairia em promessas infundadas e palavras bonitas embrulhadas em uma ilusão, mas ela admirava a forma como, em poucas palavras, ele tinha dito o que devia dizer de maneira sincera. Ciente daquilo, a mulher só imaginava como a irmã devia estar se sentindo após ouvir aquilo.

Nervoso quando o silêncio permaneceu, Ethan deu um toque de leve na porta. - Millie? - Quando ouviu um soluço, ele se desesperou. - Você está chorando? O que houve? Eu disse algo de errado? Eu sinto muito por isso também.

Em meio ao choro, Millie começou a rir. - Eu vou me arrumar para sair.  

— Mas foi algo que eu disse? - Ele insistiu, alarmado.

Ela sorriu. - Foi tudo o que você disse.

***

Dito e feito, Millie demorou uma hora. E deixara Ethan esperando em desespero sem saber se ela tinha o perdoado ou não.

Quando ela apareceu, estava sorrindo. - Olá.

Ethan sentiu o alívio deixando seu corpo leve. Ela estava o olhando do jeito de antes, como se ele nunca tivesse a magoado.

— Oi, Millie.

Ela sorriu e o envolveu em um abraço no qual ele congelou antes de corresponder. Ethan fechou os olhos e apreciou a sensação de que o cheiro dela, depois de inalado, começou a habitar cada espaço de seu corpo.

— Você me perdoa?

— Já nem lembro mais qual era o problema.

Ethan balançou a cabeça e continuou respirando o mais rápido possível até não sentir nada além do aroma de Millie. Ela se afastou apenas para não constrangê-lo mais.

— Você quer tomar café?

— Ah- eu não quero me intrometer. Eu só queria falar com você...

— Deixa de besteira, Ethan. - Sem modéstia, Millie segurou sua mão e o guiou até a cozinha. Lá chegando, dirigiu-se imediatamente para o armário buscar pó de café. - Você toma café, chá, suco?

— Café.

Ela sorriu. - Eu não vivo sem. É a primeira coisa que tomo de manhã e a primeira coisa que faço quando entro na cozinha ao levantar.

Ela continuou lhe dizendo coisas aleatórias depois de lhes servir de café e começar a preparar o desjejum. Alguns minutos depois, ela depositou sobre a mesa da cozinha um prato com ovos fritos, bacon, linguiça e uns cubos do bolo de chocolate que ela havia feito no dia anterior.

Ela começou a fazer panquecas enquanto dizia. - Se você quiser, eu tenho suco também. Laranja, eu acho. E um dos meus sucos, que ninguém mais toma, de tomate com espinafre.

Ethan fez uma careta. - Por que você se tortura?

Ela encolheu os ombros. - Eu me permito comer muita besteira, por isso tento equilibrar malhando duas horas todos os dias e bebendo sucos, evitando, sempre que possível, beber refrigerante.

O cheiro do que ela estava fazendo desviou o pensamento de Ethan do assunto em pauta. - Millie, por que você está fazendo panquecas com tudo isso que já tem aqui?

Ela sorriu. Porque eu quero te agradar. Claro que não respondeu isso. Pelo contrário, deu de ombros normalmente.

— Eu tenho fome de manhã. E Tess também.

— Senta para comer comigo? - Ethan pediu com aqueles grandes olhos verdes que ele usara anteriormente sem saber quando ela terminou de se arrumar.

Como se ela fosse capaz de negar algo para aqueles olhos tão expressivos.

Ele é tão, tão fofo. Forçando-se a não sorrir idiotamente, ela assentiu.

— Eu só vou terminar isso aqui... Ah, eu vou fazer alguns omeletes também e...

— Millie, não. - Sabendo que ela não ia ouvi-lo, ele se levantou para se aproximar dela.

— Mas eu só vou...

— Você vai sentar para comer comigo. - Parando atrás dela, Ethan esperou até que ela passasse a última panqueca da frigideira para o prato e então segurou seus pulsos. Tudo bem, está tudo bem. Não há nada de errado com fato de que os corpos deles estavam se tocando. Sua voz saiu mais rouca do que o normal quando ele falou. - Vem.

Sim, eu vou para cama com você. Agora, Millie pensou e se repreendeu. Repreendeu-se outra vez quando cogitou negar se sentar apenas para que ele continuasse naquela mesma posição que estava.

— Ok então, né. Já que você me deixou escolha. - Ela levou o prato com as panquecas até a mesa e se sentou junto a ele.

Depois de alguns minutos comendo em silêncio, ela murmurou. - Eu tive uma ideia. – Quando ele a encarou esperando que completasse, ela se esforçou para utilizar um tom neutro. - Algo para você complementar seu pedido de desculpas.

Ele instantaneamente parou de comer e aqueles grandes, lindos e agora preocupados olhos verdes a encararam bem no fundo de sua alma. - Eu achei que já tivesse me perdoado.

— Mas eu perdoei. - Ela disse depressa, temendo que seu plano acabasse por chateá-lo. Apelando ridiculamente para o teatro, ela mordeu os lábios e piscou. - É só que... Eu achei que você poderia me dar um bônus pela minha incrível rapidez em compreender o motivo pelo qual você errou.

Millie bebeu de seu café, fingindo que estava tranquila enquanto ele a encarava. Por dentro, a realidade era diferente. Pergunte o que é, pergunte o que é, pergunte o que é.

— Tudo bem, eu acho. O que quer que eu faça?

Ela sorriu. – Bem, você poderia me levar para sair hoje à noite.

Ele franziu o cenho. - Sair?

— Hum, sim. Nós poderíamos ir comer alguma coisa. Eu vou para agência daqui a pouco, mas pelo fim da tarde já devo estar de volta.

Sair, Ethan pensou. Sair com Millie. Um homem e uma mulher quando saiam juntos daquele jeito... Bem, não que ela estivesse interessada nele... Era A Millie, e ele era... Era melhor nem tentar classificar.

Mas movido por uma força estranha, Ethan ainda teve a coragem de perguntar. Depois, é claro, de corar e ajeitar os óculos. 

— Sair... tipo, um encontro?

Como se ela fosse chamá-lo para um encontro, como se uma mulher como a Millie fosse olhar para um magricela sem graça que nem ele... Independente de suas crenças, os grandes olhos verdes a encararam em expectativa.

Millie, que enfrentava suas próprias aflições, encarou o nervosismo de forma errada e com medo de assustá-lo, disse. - Seria apenas meu bônus, entende. Se você não quiser, tudo bem, eu não vou ficar chateada.

Ela iria ficar chateada. Millie iria se trancar no quarto com um pote de sorvete de chocolate assim que ele saísse, se ele não quisesse. Mas ela fingiu que estava tudo bem.

Claro que ela não ia ficar chateada, por que ela não se importava de verdade. Não daquela forma. Ela só estava sendo legal, Ethan repetiu a si mesmo pela quinta vez tentando apender a não criar determinados tipos de esperança. Ele não precisava deixar suas interpretações tomarem o lugar da realidade novamente.

— Não, eu quero. Eu, ah- venho buscar você?

Deus, ele era tão fracassado.

Resolver uma equação de três folhas sobre Matemática Aplicada seria um trilhão de vezes mais fácil do que fazer aquilo.

Millie sorriu. - Se quiser.

Ela queria. Aquilo, Ethan se sentiu ridiculamente orgulhoso por tal feito, ele conseguia enxergar tão bem como a cor do céu.

— Est-tá bem. Que horas prefere?

— Pode vir às oito.

— Oito. Ok. - Ele assentiu. Sentindo-se subitamente ainda mais tímido, Ethan se levantou e Millie o acompanhou. - Eu vou indo, então. Você tem que trabalhar. E eu também, daqui a pouco. Obrigada pelo café da manhã, Millie. Desculpa ter vindo tão cedo e desculpa ter acordado você.

“Você pode me acordar sempre que quiser.” Ela respondeu automaticamente e deu um sorriso sem graça quando ele corou. - Eu levo você até a porta.

Millie acabou o levando até os elevadores e depois de acionar o botão deu-lhe um longo abraço. Em parte por que realmente era a característica de sua família e em parte por que ela realmente gostava de abraçá-lo.

Ethan descobriu que estava se acostumando com aquilo já, e ficou feliz quando não corou pelo ato.

— Até mais tarde. - Ele disse enquanto entrava no elevador.

— Até, E.

Quando ela voltou ao apartamento, Tess estava na cozinha, tomando sua segunda xícara de café.

Levantou os olhos para a modelo. - Eu achei que você me tinha dito que não estava interessada nele. Ao menos, acho que isso que queria dizer o ‘eu não penso nele nessa forma’.

Millie corou. – Eu não sabia que... Eu não tinha certeza. E você não teria parado de me perturbar.  

— Verdade. - Tess admitiu. - Mas, Millie, sério... Com tanto cara da nossa idade, por que logo um garoto? É fetiche ou o quê? Ele tem quantos anos, quinze?

Millie crispou os lábios. - Se Ethan não tivesse a mente que tem, eu não iria me interessar por ele. Não importa a idade. E você, já se perguntou por que o Adam?

Tess instantaneamente fechou a cara e bebeu de seu café como desculpa para tapar o rosto. - Adam é mais velho.  

— Um ano mais velho que o Ethan.

— E não importa, porque eu não estou interessada nele.

— Claro que não. Mas me diga, Tess, ainda está queimando?

O temperamento da bióloga era o mesmo da irmã, e muito mais difícil de controlar. - Ele é atraente. Isso não quer dizer que...

— Quer dizer exatamente o que está dizendo. O problema é que você gosta de se manter muito segura de tudo e Adam não estava nos seus planos. - Millie interrompeu e continuou antes que a irmã pudesse falar. - Você pode me chamar de romântica incurável e o que for, sou sim e com orgulho. Mas se por acaso eu vir a minha frente algo ou alguém que sinto que me fará feliz, eu vou tentar conseguir. Independente dos detalhes pífios. É por isso que eu digo para você que vou fazer o Ethan se apaixonar por mim. Isso me fará feliz, tendo ele dezenove anos ou trinta. E você, ao invés de continuar nesta ridícula negação, tinha que criar coragem de admitir o que você quer. Eu estou fazendo isso.

Sem esperar por resposta, ela saiu da cozinha. O dia tinha começado bastante interessante e a perspectiva era melhorar.

 

### - X— ###

 

Desde que Daniel havia terminado o colegial, ele tinha expurgado de sua vida a rotina de acordar cedo. Mas na manhã daquela sexta-feira, ele tinha um compromisso matinal em seu antigo colégio.

Após ter tomado um bom banho, seguiu para a cozinha e em uma maré de sorte, encontrou Jasper quase saindo de casa para o hospital e ainda não teve que olhar para a cara do irmão, pois ele já tinha ido para a biblioteca.

Dan saudou. - Bom dia, pai. Posso pegar seu carro emprestado?

Jasper, que se despedia de Alice com um beijo, o encarou. Acostumado demais com aquele tipo de indagação vindo de seu filho, mal arqueou a sobrancelha.

— E como você está planejando que eu vá trabalhar?

— Com o meu carro, ele vai sugerir. - Alice respondeu, sentando-se e passando geleia em uma torrada. - Ele vai até o colégio hoje e é claro que, meu carro sendo feminino demais, ele quer o seu para construir uma ilusão para as menininhas bobas que caem aos pés deles.

Dan concordou. - Basicamente é isso.

— E para quê você vai ao colégio tão cedo? Eu sei que você fica rondando por lá para sair com os seus muito corretos amigos que repetiram por dois anos consecutivos, mas nunca a essa hora da manhã. - Jass questionou.

— Na verdade, pai, eles repetiram por três anos. - Dan sorriu, achando graça. - E acontece que pela primeira vez na história, eu resolvi finalmente aceitar a proposta da reitora, que por sinal é completamente apaixonada por mim, e participar do Musical de Primavera.

— Ex-alunos podem participar? - Alice questionou, mordiscando a torrada.

Dan começou a se servir de panquecas. - Não sei, querida mãe. Mas eu não sou um mero ex-aluno. Sou Daniel Cullen, eu posso tudo.

— E por que você resolveu participar logo agora se nunca quis antes? - Preso no mistério que era seu filho, Jasper esqueceu que estava se atrasando para o trabalho.

Por que eu estou sentindo falta do colégio e eu preciso fazer alguma coisa com a minha música.

— Por que eu estou com pena da pobre Sra. Miles, sério. A mulher já está com uma idade avançada, ela merece um agrado a essa altura da vida e eu não quero ser responsável se algo acontecer com ela em vista de mais uma desilusão por não me ver tocar. - Daniel explicou em um tom solidário.

Alice revirou os olhos infinitamente, considerando como seu filho conseguia ser ainda pior do que ela. - Aposto que tem mulher envolvida na história.

Uma imagem de Angelinne lhe invadiu os pensamentos, e em irritação Dan a afastou da mente. Ela provavelmente participaria do musical, como fazia anualmente, mas aquilo de nada tinha a ver com ela.

— Não dessa vez, não. Mas por acaso, depois de elas me verem tocar, você tem noção de quanta carne nova aparecerá com mais facilidade? Mulheres não resistem a uma boa música, sério. Ou melhor, à ilusão que uma boa música cria.

— E você é feito e movido à ilusão, não é mesmo. - Jasper comentou, profundamente incomodado com o comportamento estúpido do filho. - Eu não tenho tempo para essa mesma ladainha outra vez. Até mais tarde, amor. E não Dan, você não pode pegar meu carro emprestado.

Mesmo depois de Jasper ter saído, Dan continuou comendo suas panquecas em silêncio. Com o coração de mãe apertado, Alice colocou uma mão sobre a do filho.

— Meu amor, você sabe que seu pai não disse por mal. Ele só não gosta quando você começar a agir assim.

— Então ele não gosta nunca por que eu ajo assim sempre. - Tendo perdido a fome, Dan afastou o prato de sua frente quase intocado. - Mas não se preocupe, mamãe. Eu já me acostumei com o papel de fracassado, vamos deixar o papel de filho prodígio pro Ethan por que ele sabe o que está fazendo.

Alice o encarou seriamente. - Nós tratamos vocês dois da mesma forma, Dan. Mas vocês dois são muito diferentes, e sim, você nos causa mais preocupação.

Sentindo a revolta lhe subir à cabeça, Dan sorriu ironicamente. - Claro, por que Ethan sempre faz tudo certo e eu sou sempre contrário tudo, não é? Pena que o filho prodígio não tem tanta coragem assim, ou do contrário não teria amarelado na entrevista de Yale. Acho que ele não é tão perfeito no fim das contas.

— Você está sendo injusto com o seu irmão.

— Claro, por que sou eu, mamãe. Lembra? Eu que não trabalho, que não sei o que quero fazer da minha vida, e que não dou a mínima para os outros.

— Se você está insatisfeito com a forma como leva a vida, então faça alguma coisa a respeito. - Alice respondeu com autoridade. - Eu estou cansada de você culpar a mim e a seu pai por favoritismo por que você não suporta olhar para o seu irmão e ver como você não tem rumo algum.

Daniel se levantou bruscamente. - É, é, eu sou tudo isso, mas todos já sabem. Isso não vai a lugar nenhum e eu tenho que ir. E você, vai poder me emprestar o carro ou o que?

Alice passou uma mão pela testa, subitamente cansada. - Você sempre faz a mesma coisa. Você sempre foge quando estamos conversando sobre isso.

Irritado por que era verdade, Dan explodiu. - Exatamente, eu também sou um covarde. Parece que Ethan e eu temos algo em comum, afinal. Mas obrigado pela lembrança, vou adicionar à minha lista. E pode ficar com as chaves de seu carro, eu vou de metrô!

***

Tendo parado para tomar cerveja no caminho, quando Dan chegou ao colégio, ele já estava mais calmo. Sim, ainda era manhã, mas você encontrava qualquer coisa em NYC se soubesse aonde ir. Após saudar o porteiro e levar uma rápida conversa sobre o último jogo de Baseball dos Yankees, ele avistou Melanie com um grupo de amigas no pátio do colégio. Entre as amigas estava Angelinne.

Tirou uma bala de menta do bolso e a colocou na boca. Daniel queria evitar as reclamações que Mel ia fazer se sentisse em seu hálito que ele já tinha bebido àquela hora da manhã. Ultimamente ela começara a se preocupar com seus hábitos alcoólicos.

Como se ela não bebesse também e como se todo jovem não adorasse uma ‘birita’ da mesma forma, Dan pensou com uma revirada de olhos mental.

— Bom dia, flor do dia. - Ele cumprimentou e girou Mel para lhe dar um rápido beijo nos lábios. - Bom dia, meninas.

— Bom dia, Dan.

Dan sorriu para as meninas, recordando-se vagamente que tinha transado com duas delas. Ele fingiu que não via Angelinne, mas ainda que contra a vontade, estava bem consciente de sua presença. E de que ela estava o ignorando. Como se ele se importasse, é claro.

— A que devemos a honra de sua adorável presença tão cedo, priminho?

— Eu vim ver a Sra. Miles.

Mel sorriu lentamente. - Você saiu do colégio, mas continuou fazendo merda a ponto de ser chamado pela ex—reitora. Você é meu herói.

Dan gargalhou. - Juro que dessa vez eu não sou culpado de nada. Só dessa vez.

Quando o sinal soou indicando o início das aulas, Angelinne foi a primeira a se afastar dizendo um mero ‘até logo’ e logo as restantes também dispersaram, e Melanie disse que já as alcançava. Quando estavam sozinhos, encarou o primo.

— O que aconteceu entre você e Angelinne? - Perguntou sem rodeios.

Dan sorriu e deu de ombros. “Nós nunca nos suportamos, você sabe disso.”

— Você nunca odiaria uma mulher, do contrário perderia a chance de dormir com ela. Então eu vou reformular a pergunta: o que você fez com a Angel?

Lutando contra a impaciência, Daniel respondeu outra vez. - Nada demais.

Melanie sabia que se continuasse insistindo, poderia conseguir mais alguma coisa. Mas infelizmente ela não tinha tempo, então resolveu deixar o assunto em reserva. Por hora.

— Dan, me escuta. Eu sei que você tem seus problemas e suas maluquices, sei que você sabe ser egoísta e muitas vezes insuportável.

— Pare, Mel. Mais elogios e vou começar a ficar vermelho.

— Eu estou falando sério. Eu sei de tudo isso, mas mesmo assim eu amo você por que sei que tem um coração bom. E é para isso que vou apelar agora, deixe Angelinne em paz. Ela nunca te suportou, ok, e você nunca foi muito com a cara dela, tudo bem. Mas ela é uma boa pessoa e ela não merece passar por aquilo de novo.

— Pelo quê ela passou? - Dan perguntou, esquecendo completamente da farsa de fingir que não se importava.

Ela pareceu perceber tarde que havia falado demais. – O ponto a que eu quero chegar é que...

— Melanie. O que aconteceu com Angelinne?

— Bom dia. - O inspetor mais temido de todo o colégio se aproximou dos dois. – Não deveria estar na sua sala, Srta. Cullen? Não ouviu o sinal?

— Eu já estava indo. - Ajeitando a mochila sobre um ombro, Mel acenou casualmente, embora seus olhos ainda carregassem a intensidade pelo assunto antes discutido. - Até depois, Dan.

O inspetor então se voltou a Daniel. - E você, o que faz aqui, Sr. Cullen? Que eu bem me lembre, não é mais aluno desta instituição ensino.

Aquele inspetor sempre detestou Dan, e o sentimento era recíproco.

— Eu tenho horário marcado para conversar com a Sra. Miles. - E sem esperar por resposta, virou as costas e se afastou.

Ele ainda estava buscando em sua mente alguma ideia do que poderia ter acontecido com Angelinne e porque razão ele não sabia sobre o que quer que fosse.

••

Após conversar com a reitora, que praticamente soltou fogos de tanta animação com a notícia de que Dan tinha aceitado seu convite, ela o guiou até a Srta. Dennis, responsável pela área cultural do colégio.

— Ora, ora... Daniel Cullen finalmente decidiu que nosso Musical é bom o bastante para ele. - Milla, seu primeiro nome, comentou quando a reitora lhe deu a notícia.

Daniel sorriu, lentamente. - Isso nunca foi verdade. Eu apenas era muito ocupado quando estudava, e eu treinava basquete, como poderia estar nos dois lugares ao mesmo tempo? Mas agora... Eu tenho tempo livre.

— Ótimo. Nós vamos ter uma reunião aqui no teatro na hora do intervalo com todos os que participarão do Musical para distribuir os papéis.

— Eu voltarei, então.

Ele saiu do teatro e ficou rondando pelo colégio por um tempo e encontrou alguns de seus antigos colegas de classe que estavam matando aula. Ele conseguiu imaginar seu pai questionando como eles queriam finalmente terminar o colegial daquele jeito. Lembrar-se de Jasper fez seu humor mudar, e por isso espantou o pensamento.

Ele também encontrou Melanie enquanto se encaminhava para a aula de Ed. Física na quadra, tentou novamente abordá-la sobre o assunto que tratavam antes, mas espertamente, ela conseguiu escapar.

Dan não ia desistir, no entanto. Ele não descansaria até descobrir exatamente o que de tão grave havia acontecido com Angel.

••

Ele já estava no teatro pela hora do intervalo, cantando Milla descaradamente. Quando os alunos começaram a chegar, alguns os cumprimentaram com entusiasmo por vê-lo e com mais animação por saber que ele ia participar do Musical – a maioria feminina.

Angelinne mal podia acreditar no que estava vendo. Quando entrou no teatro, acompanhada de sua amiga e avistou Dan, teve vontade de dar meia volta e sair por onde entrou. Ela não queria ter que lidar com ele novamente, mas tinha um compromisso bem ali e por isso ficaria.

Ela não se questionou o porquê de sua presença, apenas procurou um lugar para sentar assim como todo mundo. Angel não vacilou quando sentiu o seu olhar a perfurando e muito menos o encarou de volta. Eles tinham feito um acordo de se tratar com a mínima educação exigida e nada além daquilo.

— Bom dia, estrelas. - Milla saudou com um grande sorriso. - Como vocês sabem, hoje eu vou distribuir os papéis para apresentação entre vocês. Mas antes, quero lhes dizer que tive uma surpresa muito agradável hoje.

Dan, que sentava há algumas cadeiras de distância de onde Milla estava, e rodeado por suas admiradoras, sorriu. - Claro que eu fui a surpresa.

Alguns riram de sua frase, a maioria feminina, e outros rangeram os dentes àquilo – os rapazes que invejavam sua popularidade mesmo depois de ter saído do colégio. Angel meramente revirou os olhos e Maria, a amiga ao seu lado, tocou-a no braço em apoio.

Milla também revirou os olhos. - Sim. Para quem não o conhece, este é Daniel Cullen e ele deixou o colégio no ano passado. - Ela pausou enquanto Dan acenava, ciente de que cada pessoa ali já havia ouvido falar dele. - Embora isso vá inflar seu ego já incrivelmente grande, Dan sempre foi um ótimo músico e este ano resolveu participar do nosso Musical de Primavera.

Houve alguns murmúrios em resposta aquilo e muitos olhares em direção a Dan, que continuou sorrindo.

— Eu não sabia que ex-alunos podiam participar. - Comentou um dos rapazes, com claro desagrado.

Calmamente, Milla respondeu. - Ex-alunos podem participar, mas ninguém nunca havia se interessado até hoje. Não pelo Musical, ao menos. - Ela esperou até mais murmúrios cessassem. - Bom, tendo dito isto. Vou dizer agora quais papéis vocês exercerão.

Ela começou a dizer nomes, primeiro os que iriam participar da peça musical. Haveria também apresentações individuais e o Gran Finalle que seria um dueto. Milla havia decidido cada papel dias antes, incluindo Daniel, após a reitora ter a contado que pela primeira vez ela achava que tinha chance de ele aceitar.

Se por acaso ele houvesse recusado, ela teria feito ajustes de última hora, mas felizmente não fora necessário. Por ser uma peça, a maioria dos alunos tinham papéis nas mesmas devido a seu grande número de personagens. Antes mesmo de, ao final, ela anunciar o dueto, todos já estavam ciente dos quais estavam faltando.

Discretamente, Angelinne se levantou e foi até Milla, mantendo a voz baixa o suficiente para que apenas quem estivesse na primeira fila pudesse ouvir. Para todos, no entanto, era ciente de que ela estava reclamando. 

— Srta. Dennis, deve haver alguma coisa errada. - Angelinne começou, procurando manter a voz estável, embora seus nervos estivessem agitadíssimos. - Eu me inscrevi para fazer a peça.

Milla sorriu como uma serenidade que lhe era característica. - Eu sei, Angel. Mas eu já havia dito que se eu precisasse fazer algumas mudanças, eu faria...

— Eu sei, mas...

— E acontece que eu achei muito mais apropriado que você fizesse o dueto junto ao...

Angelinne interrompeu, antes que ela completasse e tornasse tudo mais real. - Mas eu não quero fazer o dueto. Eu não gosto da atenção. E ele nem ao menos estuda mais aqui, por que é justo que ele tenha um papel tão importante?

A menina encarou os rapazes invejosos em busca de apoio à sua causa, mas dessa vez eles se mantiveram calados. Bem que alguns achavam que era injusto, mas daquela vez agradeciam por tal fato. O dueto era a parte mais temida de toda a apresentação, a responsabilidade era triplicada. E era de conhecimento geral quantos pares já foram massacrados pela audiência ao apresentarem um final indigno.

A última atração não tinha apenas que ser boa, ela tinha que ser... A atração final. ‘Maravilhosa’ nem começaria a descrever.

Milla queria responder que sua escolha se baseava no fato de que eles eram os melhores para o papel, ele como músico e ela como dançarina, era quase como escrito nas estrelas.

— Angel, você já fez o dueto uma vez. No ano passado. Como não gosta da atenção? - Milla contradisse e não se surpreendeu quando a menina não teve o que responder.

Ela sabia muito bem, assim como a maioria do colégio, que o relacionamento entre Angelinne Braden e Daniel Cullen era o pior possível. Ela sabia que era um risco colocar os dois para trabalharem juntos, mas ela acreditava que podia dar certo.

E ninguém sabia ainda, mas ela recebera uma proposta irrecusável para trabalhar fora do país, era bem provável que aquele fosse o último Musical que organizaria naquele colégio. Ela queria sair, deixando como legado um Musical que o colégio nunca mais esqueceria. Para isso, Milla precisava dos melhores.

— Eu confio em você, Angelinne. - Milla continuou. - E sei que, independente de conflitos pessoais, vocês podem realizar o melhor Gran Finalle de um musical que esse colégio já viu.

“Srta. Dennis...” Angelinne insistiu mais uma vez.

— Ah-ha. Já está decidido. - Milla se manteve firme e em voz alta, declarou. - Para o dueto, foram escalados Daniel Cullen e Angelinne Braden.

Houve um silêncio então, e Milla sabia que a maioria das pessoas ali estava pensando que aquela fora a pior escolha que ela poderia ter feito. Após Angelinne voltar a ocupar seu lugar com uma expressão desolada no rosto, Milla distribuiu folhetos com os horários dos ensaios.

Milla apontou mais alguns detalhes e terminou bem na hora que o sinal tocou indicando o fim do intervalo. Os alunos começaram a se levantar.

— Não esqueçam! O primeiro ensaio é nessa segunda-feira, às cinco da tarde. - Ela os lembrou, enquanto saíam. - Daniel e Angelinne, venham aqui um momento.

Angelinne, que já se virava para sair, lançou um olhar de desgosto a ele e se aproximou. Daniel fez o mesmo, mantendo uma expressão calma.

— Dan, geralmente os alunos apenas tocam uma música já conhecida, mas como eu sei que você compõe suas próprias músicas, eu iria adorar que compusesse uma especialmente para a apresentação, se tiver de acordo. Acho que daria um toque único. Angel, você está careca de saber isso, mas vou repetir para reafirmar. Você deverá montar uma coreografia baseada na música que ele compuser ou na música que escolherem. Vocês serão os únicos a trabalharem sozinhos, e poderão usar as instalações do colégio para os ensaios. Mas é importante que reservem com antecedência e se possível, que ensaiassem fora daqui também.

Angelinne estava com os dentes tão trincados que seus maxilares estavam doendo, mas ela não relaxou. Daniel assentiu para tudo o que Milla disse, como se fosse perfeitamente aceitável.  

Após uma pausa, Milla suspirou. - Eu sei que vocês não... se dão muito bem, mas é realmente importante que vocês se esforcem. Eu sempre achei vocês brilhantes, e finalmente eu tenho a chance de colocar vocês trabalhando juntos. Não estraguem, por favor.

— Não vamos estragar. - Os dois disseram ao mesmo tempo e se encararam brevemente.

— Ótimo. - Milla sorriu, mas não estava aliviada. - Depois eu quero marcar com vocês alguns dias para me mostrarem o progresso de vocês e talvez eu possa dar algumas ideias. Agora você pode ir, Angel, eu já te atrasei para sua aula.

A menina assentiu. - Até depois, Srta. Dennis.

Quando estavam sozinhos, a mulher se voltou a Daniel. - Não a provoque, Dan. Não faça com que eu me arrependa por ter te escolhido.

— Agora, por que você acha que eu faria isso?

Milla revirou os olhos. - Para cima de mim, não.

Daniel a encarou. - Eu não estou planejando estragar isso. Eu vou fazer funcionar e Angelinne é orgulhosa demais para não fazer o mesmo.

Ela assentiu. - Eu vou dizer o mesmo que disse para ela: estou confiando em você.

***

Naquele sábado de manhã, lá pelas dez horas, Angelinne tocava a campainha da casa de Alice e Jasper. Foi a estilista que atendeu e embora seus olhos houvessem registrado uma breve surpresa, logo ela abriu um grande sorriso.

— Angel, é bom ver você. - Ela lhe deu um beijo na bochecha. - Entre, você chegou na hora certa. Eu acabei de pôr a mesa do café. Nos sábados aqui, todos acordam tarde... Exceto por Ethan que saiu hoje cedo e não quis me dizer para onde foi. Agora, isso foi estranho. Ele não é de fazer isso, não mesmo.

Enquanto as palavras jorravam dos lábios da mulher como de costume, ela a guiava para dentro de casa.

Gentilmente, Angel interrompeu. - Na verdade, Alice, eu vim falar com Daniel.

Os olhos de Alice se cravaram no rosto da menina. - O que foi que ele fez?

— Nada, dessa vez. É sobre o Musical. Ele falou para você que fomos escolhidos para o dueto final?

— Ah, sim. Ele comentou. - Alice concordou com a cabeça e recordando que isso foi logo antes de Jasper voltar do trabalho e Dan de repente se lembrar de que tinha algo para fazer e sumir pela porta da frente.

Seu filho só voltara quatro da manhã, e Alice percebera pelos passos dele que estivera bebendo. Aparentando um súbito cansaço, a estilista suspirou.

— Ele ainda não levantou. Eu realmente gostaria de dizer que consigo acordá-lo, mas nessas ocasiões ele só acorda quando quer. - Alice explicou e Angel, que percebendo seu tom, assentiu gentilmente. - Ele chegou tarde ontem.

— Se você não se incomodar, eu quero esperar. Eu só quero acertar algumas coisas com ele, mas me pouparia tempo. - Angelinne comentou.

— Claro que você pode esperar. Venha tomar café com a gente enquanto isso. - Alice a guiou até a cozinha.

Jasper estava se servindo de uma xícara de café e levantou os olhos quando a esposa lhe chamou a atenção. Angelinne notou que ele parecia que não tinha dormido nada aquela noite, e observando melhor, Alice também tinha olheiras.

— Bom dia, Angel. - Jasper fez um esforço para sorrir.

Ela sorriu de volta. - Bom dia.

Embora ela já tivesse tomado café, Angel aceitou o pedaço de bolo e suco que Alice oferecia, percebendo nitidamente o esforço que os dois estavam fazendo para que ela não se sentisse desconfortável com o clima.

De nada adiantou, no entanto.

E uma hora e meia depois, quando Daniel entrou na cozinha, a temperatura já baixa pareceu diminuir uns bons graus. Ele atravessou a cozinha sem olhar para nenhum dos pais, o que em si para Angelinne já era um verdadeiro crime, e sem dar bom dia. O silêncio permaneceu.

Ele abriu a geladeira, serviu-se de um copo de leite e apenas quando deu meia volta para sair foi que ele percebeu Angelinne. Ele franziu os olhos e piscou como se pensasse que ele estava imaginando coisas.

Quando confirmou que não estava, perguntou. - O que você está fazendo aqui tão cedo?

— Já é quase meio dia. - Jasper respondeu. - E a garrafa de leite que você deixou em cima da pia, guarde-a.

Dan o encarou, trincou os dentes e guardou a garrafa, batendo a porta da geladeira com uma força desnecessária. - Mais alguma coisa que eu estou fazendo errado?

Jasper não se preocupou em responder, apenas balançou a cabeça com infelicidade. - Alice, vamos? Nós marcamos com Rose e Emmet meio dia.

— Ok, ok. - Ela se levantou e deu um beijo em Angelinne. - Foi bom te ver, Angel.

— Bom te ver, Alice.

Ethan havia voltado para casa um pouco depois de ela ter chegado, e Angel tinha testemunhado mais uma vez a diferença entre os dois irmãos. Ele havia abraço e beijado os dois pais, sem hesitação mesmo estando na frente dela. Enquanto Dan... Era tão distinto, ela realmente não compreendiam como eles eram gêmeos.  

Alice então foi até Dan, murmurou algo que o fez grunhir e lhe deu um beijo na bochecha. - Comporte-se, filho.

Jasper se despediu de Angelinne e lançou um olhar de aviso a Dan antes de seguir a esposa. Como, Dan pensou, se ele me olhasse de outra forma em algum momento. O rapaz tinha consciência de que era uma decepção ambulante, e ambos os seus pais não faziam questão de esconder aquilo.

Bloqueando suas emoções, ele se sentou de frente à Angelinne, parecendo muito confortável em sua calça de moletom que era a única coisa que usava. A menina não desviou o olhar do rosto dele, mas, sentia repulsa em admitir, ela tinha desviado o olhar para seu peito enquanto ele não estava olhando.

— Você veio falar comigo.

— Sim. Sobre o Musical. - Angelinne começou, mantendo a voz formal. - Já que eu estou presa com você nisso e levo a sério todos os meus compromissos, eu vou garantir que você faça o mesmo. Eu quero marcar com você os dias que vamos ensaiar.

— Por mim pode ser qualquer dia. - Dan respondeu, tentando colaborar.  

Claro que Angelinne não viu nada de bom em sua resposta. Ela apenas pensou em como ele era desocupado e adicionou mais um ponto negativo à lista dele em sua mente. Durante toda a sua vida, o único ponto positivo que ela se permitiu reconhecer em Daniel fora a música.

— Pois é, mas para mim não pode. - Ela retirou de sua bolsa uma agenda e Dan observou enquanto ela a abria e folheava rapidamente. - Já que você tem os dias livres, eu vou agendar os ensaios de acordo com os meus horários. Ok com você?

— Eu não acredito que você realmente marca seus compromissos em uma agenda. Você planeja tudo o que você faz? - Ele comentou em um tom de incredulidade.

Angel apenas lhe lançou um olhar e continuou folheando. - Sim, dessa forma eu não esqueço o que tenho que fazer. Algumas pessoas valorizam a responsabilidade. Você não iria entender. - Antes que ele pudesse responder ao comentário, ela continuou. - Seria bom se você anotasse os dias também, não quero depender da sua memória para se lembrar do nosso compromisso.  

Dan lutou para encontrar alguma paciência. - Você realmente está falando da mesma coisa que eu, não é? É apenas um Musical, Angelinne.

— Eu já disse que levo a sério todos os meus compromissos. Pegue alguma coisa para anotar.

Ele reclamou, mas saiu da cozinha. Voltou um minuto depois com um pequeno bloco e uma caneta.

— Fala. - Daniel disse bruscamente.

— Bem, na semana que vem... - Ela começou a dizer os dias e os horários em que estava disponível. Quando ela terminou de falar e ele de anotar, a menina recolocou a agenda em sua bolsa com organização. - Eu vou tentar reservar o teatro para esses dias e te aviso depois se consegui.

— Se eu me lembro bem, todos vão querer usar o mesmo lugar para ensaiar, Angel. Você sabe tão bem como eu que a disputa é enorme no colégio.

— Não me chame de ‘Angel’. Apenas pessoas íntimas me chamam assim. - Ela corrigiu, ainda com um tom formal. - E onde você sugere que ensaiemos?

Daniel revirou os olhos duas vezes, dizendo a si mesmo que ele podia se manter calmo, embora ela fosse irritante. Lembrou-se que ele sempre acabava se arrependendo quando dizia coisas para ela por impulso, e também se lembrou de que até descobrir o que havia acontecido com ela, precisava ser cuidadoso.

— Vem comigo. - Ele disse e se levantou.

Angelinne pensou em negar, desconfiada de que ele estava armando para cima dela. Mas Ethan ainda estava em casa, e qualquer coisa era só chamá-lo. Não que ela achasse que fosse precisar, a menina acreditava que sabia lidar com ele. Tendo isso em mente, seguiu-o.

Daniel fez o caminho até o segundo andar da casa, que apenas era composto pelo quarto e banheiro de seus pais e pela sua sala de música. Andou até o final do corredor para a esquerda, ouvindo os passos de Angelinne atrás dele e abriu a porta.

— Nós podemos ficar aqui. Além da sala no colégio, teríamos que reservar os instrumentos e não sei exatamente o que vou usar ainda. - Ele explicou e observou quando Angel hesitou para entrar. - Não há nenhum bicho-papão aqui dentro, Angelinne.

A menina lhe lançou um olhar frio, e erguendo o queixo, entrou. Seu queixo instantaneamente, há pouco atrás tão no alto, foi ao chão.

Ela não parece tão inatingível agora, Dan pensou. E não tentou negar a onda de satisfação que sentiu ao ver os olhos correrem o grande cômodo em puro encantamento. Ethan tinha ganhado sua biblioteca e Dan, sua sala de música.

— Você toca todos eles? - A menina perguntou, tentando olhar para todos os instrumentos dispostos pela sala e não reconhecendo por nome alguns deles.

— Sim. - Dan sorriu. - Impressionada?

Angelinne voltou a erguer o queixo, com um pigarro. - Não por você, mas é legal aqui.

Ele gargalhou. – ‘Legal’? Fala sério, Angel, admita que essa é a melhor sala de música que você já viu.

Ele fala, Angel pensou, como se fosse um filho. Não gostou que o pensamento a agradou mais do que devia.

— Eu já disse para você não me chamar de ‘Angel’. - Ela pausou. - Mas tudo bem, eu admito que é a melhor que eu já vi.

Ele sorriu. - E como você pode ver... - Andou até bem o centro da sala, enquanto ao seu redor jaziam seus instrumentos. - Tem bastante espaço para você dar suas piruetas.

Angelinne cerrou os olhos. - Ballet é muito mais do que piruetas.

Dan revirou os olhos. - Pelo amor de Deus. Eu não estava criticando, só te explicando que é bem melhor nós ensaiarmos aqui. - Ele esperou ao menos que ela se retratasse por ficar lhe apontando suas garras todo o tempo, mas ela permaneceu calada. - Sério, o que foi que eu fiz a você? Eu não me lembro de despertar tanto ódio nas pessoas, dessa forma. Ao menos não sem ter feito algo. E, por favor, se eu estava bêbado, não conta.

Angelinne o encarou. - Eu não gosto de tipos como você.

— Ah. - Ele se sentou no banco em frente ao seu piano e a observou. - E que tipo eu seria?

— Arrogante, despreocupado, irresponsável, mimado, desatento, mulherengo e com um ego maior do que o Empire Estate.

Daniel sorriu. - Como você sabe que eu sou tudo isso?

— Eu conheço você toda a minha vida.

— Eu acho que agora tenho direito de traçar um perfil para você também.

Algo passou pelos olhos dela, mas rapidamente Angel escondeu. - Eu não tenho tempo para ficar de conversa fiada, Daniel. Já disse que eu vim dizer. Agora, eu...

— Está com medo de que eu acerte na mosca? - Ele incitou, conhecendo-a bem demais para saber sua reação.

Como ele previa, o queixo dela se ergueu novamente em desafio. Eu não tenho medo de tipos como você.

Ele assentiu. - Certo. Bem, vamos começar pelo mais notório. Você é linda, e não de um jeito óbvio.

Ele reconheceu a surpresa que queria ver nos olhos dela e se satisfez por alguns segundos com aquilo antes que ela se lembrasse de esconder.

Angel pigarreou. - Você deve ter algum distúrbio bipolar, por que não era essa sua opinião há semanas atrás.

— Eu estava com raiva. E quando eu estou com raiva, eu falo sem pensar.

Ela deu um sorriso irônico. - Você está sempre com raiva, então?

Os lábios dele se curvaram, ignorando o insulto. - Característica dois: você tem uma mente rápida e um temperamento forte. Uma língua afiada também. É irritantemente organizada e sempre planeja tudo nos mínimos detalhes. Você é absurdamente responsável e por isso, travada demais.

— Eu não sou travada! - Ela contradisse furiosamente.

— Você é - Ele continuou. - também talentosa e dedicada, com apenas um toque de ambição. Você sabe ser insuportável quando lhe convém e durona quase vinte e quatro horas por dia. Às vezes parece preocupada demais com seus compromissos para se importar com os outros, mas o fato de querer ser advogada já prova o contrário. Você é uma pessoa fácil de tirar do sério. É transparente demais pelos olhos; eles brilham quando você acha graça de alguma coisa e escurecem quando você está concentrada. Eles também escurecem... - Ele olhou bem fundo nos olhos dela. - Quando você está excitada. E isso eu apenas descobri recentemente.

— Eu não sei por que eu estou parada aqui ouvindo esse tipo de coisa. - Ela passou uma mão pela testa, mas não fez nenhum movimento para sair.

— Você está aqui por que é orgulhosa, uma forte característica sua, mas também por que estava curiosa sobre o que eu ia dizer. Você percebeu a diferença entre o que falamos? Eu citei qualidades suas, e não apenas defeitos.

— Você não tem qualidades.

Dan sorriu rapidamente, mas logo seus olhos se tornaram intensos. - Uma língua afiada com certeza. - Ele se levantou e começou a se aproximar dela. Cerrando os olhos, ela ergueu o queixo se recusando a recuar. - Não se preocupe. Eu não vou beijar você de novo até que me peça.

A menina deu um sorriso amargo. - Você vai observar seus cabelos ficarem grisalhos antes disso acontecer.

— Eu esperaria, mas sei que você não vai demorar tanto.

— Vá sonhando, Cullen.

— Quer apostar?

Eles se encararam por um tempo, e tentando não pensar nisso como um ato de covardia, Angelinne desviou os olhos primeiro.

— Segunda feira, quatro e meia, Daniel.

Dan observou enquanto ela se afastava, perguntando-se por que ele estava se dando o trabalho. Havia muitas mulheres que lhe dariam menos dor de cabeça, fazer um esforço nunca havia sido seu forte.

Daniel lembrou-se vagamente do que dissera a Tom sobre Angel, mas seu amigo não poderia falar muita coisa por que estava no mesmo barco. Havia alguma coisa nela, e ele não conseguia identificar o que, mas fosse o que fosse era algo que lhe prendia e o pensamento era perturbador.


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