Sim, vampiros podem chorar. Eu descobri isso no momento exato em que disse o que sentia, “Eu... me sinto em paz com você... sinto... sinto que posso ser outra pessoa... que posso ser eu novamente, Gabriel.”

 Paz, era esse o sentimento que eu tinha ao estar com ele.

Senti quando minhas lágrimas se misturaram ao beijo, mas nada mais importava pra mim, apenas Gabriel e aquele sentimento bom que ele me fazia sentir. Ali, naquele pequeno espaço de tempo, eu me senti plenamente feliz. Ele era tão carinhoso e me beijava de um jeito que eu não saberia explicar, era perfeito, era como... amor, eu acho.

- Gabriel?!

Eu me assustei - e isso não era uma coisa fácil de acontecer. Senti as mãos de Gabriel apertarem gentilmente o meu ombro. Mesmo assim, não pude evitar soltar um leve grunhido para o Anjo que apareceu de repente.

Gabriel se pôs na minha frente, de maneira protetora, e falou algo naquele idioma que eu não conseguia compreender. Anariel rebatia e eu senti que aquela discussão estava além da minha compreensão.

- Olha, eu não quero bancar a chata, mas vocês vão ficar discutindo ou nós vamos atrás de Julius? – eu perguntei, já sem paciência, tentando fazer Anariel voltar ao foco e esquecer o que viu entre nós, embora eu soubesse que isso era impossível.

Os dois ficaram apenas se encarando e eu até perdi a noção do tempo. Era como se estivessem tendo uma conversa silenciosa, como se estivessem sentindo as emoções um do outro.

- Anariel, vamos terminar o que começamos, depois a gente resolve esse assunto. – Gabriel disse finalmente.

O outro concordou, embora ainda estivesse claramente abalado com a cena que presenciou. Anariel fechou os olhos e Gabriel fez o mesmo. Alguns instantes depois ele falou:

- Julius está aqui, tenho certeza. E não está sozinho, tem pelo menos mais três com ele.

- Sim – Gabriel concordou – Também cheguei a esta conclusão. Mas a questão é, como vamos nos aproximar sem que eles nos percebam? Com certeza já esperam por nós... bom, pelo menos por mim. Eles têm idéia da sua presença na cidade, irmão?

- Não sei, é difícil dizer. – Anariel respondeu – Eu estava fazendo tudo muito discretamente, tentando ir pelas beiradas. Mas não acho que sejam tão indiferentes assim a minha presença.

- Bom, nesse caso, eles devem estar esperando por nós dois... e por MIchaela.

- Não existe maneira de nos aproximarmos sem que eles percebam, estão nos esperando... Assim que estivermos perto o suficiente, Julius vai saber. – Anariel ponderou.

Parecia que não havia chance de entrarmos lá sem sermos reconhecidos, a menos que...

- E se... – eu falei, capturando a atenção dos Anjos pra mim – E se ao invés de dois Anjos e uma vampira, eles fossem surpreendidos por três anjos? Isso seria o suficiente para ficarem alarmados e assustados o bastante para que um de vocês ataque Julius. Com o chefe neutralizado, os outros tenderão a fugir, não a lutar.

- Bom, mas somos apenas dois, vampira, então acho que seu plano genial tem um belo furo. – Anariel estava realmente com raiva de mim.

- Bom... Julius consegue sentir a presença de vocês por causa de seu sangue divino. Podemos usar isso para distraí-lo.

- Vampira, quer ser mais direta? Nós não temos a noite toda!

Eu perdi a paciência com ele.

- Seu idiota, eu tenho a capacidade de sugar o sangue dos outros, se você ainda não percebeu. Se eu tiver sangue de Anjo o suficiente em meu sistema, acho eu posso confundi-lo. Deu pra entender ou quer que eu desenhe?

Dessa vez, foi Anariel quem perdeu a cabeça. Ele fez sua espada sagrada se materializar e em fração de segundos estava com ela apontada na minha direção.

- Nem pense em se aproximar de mim, Filha do Pecado.

Eu rosnei e me pus em posição de defesa. Gabriel interveio, novamente.

- Espera Anariel, se acalma! – ele foi na direção do irmão, que abaixou a espada – Michaela, quanto tempo até seu sistema processar o sangue?

- Eu não sei, alguns minutos, eu acho... – respondi.

- Gabriel, você está louco? Não está pensando em concordar com isso, está?

- É nossa única chance, Anariel. Se Michaela tiver meu sangue em suas veias, podemos nos aproximar os três, um em cada direção. Ele não vai saber que é ela, vai pensar que é outro de nós, vai ficar confuso, teremos nossa chance!

- Não vou permitir que doe seu sangue a essa vampira!  - Anariel falou exaltado.

- Mas não é escolha sua, irmão.

Anariel baixou a cabeça ante as palavras do irmão e estava visivelmente transtornado. Pronunciou mais algumas palavras na língua estranha e disse baixinho:

- Então que assim seja.

Gabriel se virou em minha direção e se aproximou. Vi sua espada se materializar na mão direita. Anariel também portava a sua e estava muito tenso. Ele também se aproximou.

- Assim que tiver tomado o necessário, nós vamos nos separar e cada um de nós vai entrar pelo apartamento por um ponto diferente. Eu calculo que estejam no terceiro andar, na parte da frente. Aparentemente um deles está mais afastado e os outros dois estão perto de Julius. Vamos fazer isso rápido e o vampiro mais antigo é nossa prioridade. Entendido?

Anariel confirmou com a cabeça e eu fiz o mesmo. As instruções de Gabriel foram claras.

- Temos que nos apressar, resta menos de uma hora pro nascer do sol. – Gabriel falou me encarando.

Eu sabia o que tinha que fazer e esperava que nosso plano desse certo. Aproximei-me de Gabriel com cuidado e minha boca salivou em antecipação. Minha respiração começou a acelerar. Ele parecia calmo e decidido. Quando cheguei perto ele estendeu o braço esquerdo, expondo o pulso em minha direção.

Segurei delicadamente seu pulso quente e o direcionei para minha boca. Nossos olhos mantiveram o contato a todo instante e eu vi que o azul profundo brilhava pra mim. Pouco antes de mordê-lo, senti a lâmina da espada de Anariel em minha garganta.

- Se tomar mais que o necessário, eu mato você, vampira, mesmo tendo prometido a meu irmão que não o faria.

Eu acenei e senti a lâmina sendo retirada vagarosamente. Gabriel assentiu com o olhar e eu o mordi, mais uma vez.