A Brave New World escrita por Maria Salles


Capítulo 9
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

"Ele ergueu uma sobrancelha e não disse nada. Me pegou no colo de novo sem nem me avisar.
— Hey, eu acho que posso andar sozinha!
— Não, você não pode. Se não seu pé piora. E não tente descer. Eu não vou te soltar. Vai ser pior pra você, Rose."



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Eu estava em um campo lindo. Havia tons de dourado por todos os lados, e o sol brilhava forte sobre mim. Estava usando um vestido tomara que caia na altura dos joelhos, era azul e cheio de delicadas e pequenas flores brancas. Estava descalça e a grama sob meus pés era macia e fria. Havia um pequeno morro e nele uma única e frondosa arvore. E havia alguém ali.

- Adrian! - Ele sorriu pra mim e abriu os braços para receber um forte abraço. Senti cheiro de álcool, mas talvez seja apenas o sonho, para deixa-lo mais real. – caramba, que saudade!

- Pequena Damphir! Que bom poder vê-la. – Ele passou a mão no meu cabelo, e se afastou para me olhar – Você está diferente. Linda, claro. Mas sua áurea esta modificada. Não tem tantas sombras em volta dela. E poderia até mesmo dizer que esta mais dourada. Nunca a vi assim. Pensei que você estaria acabada e irritada e com instintos assassinos, mas não. Você está... feliz? Rose Hathaway está feliz?

Eu ri me sentindo embaraçada. Sim, eu estava feliz. Não, eu não ia dizer a ele o motivo maior de minha alegria. Adrian gostava de mim. Quero dizer, ele gostava de verdade de mim e não queria magoar seus sentimentos dizendo que estava feliz por que ia passar dias com um russo espetacular que conhecera num bar.

- Eu pensava que meu castigo seria pior – respondi, optando por contar quase toda a verdade. – Mas a família que me hospedou é muito gente fina, sabe? São uns amores, todas elas. E acho que vou acabar voltando com o dobro do tamanho, se continuar a comer tudo que me mandam.

- Ah, você sabe que eu não ligo pra isso. – ele piscou e sorriu, abraçando minha cintura – Significa que vou ter mais carne pra apertar.

- Adrian! – exclamei dando um tapa em seu braço – Que abuso é esse? Só em seus sonhos!

- Que bom, então! Estou em vantagem!

Mandei um olhar mortífero e perigoso, que em situações normais o faria temer, mas não onde estávamos. Adrian quem mandava no sonho, ele podia fazer o que quiser ali, até mesmo, sei lá, uma barreira pra impedir um suposto tapa que eu daria nele.

Mas então eu vi algo em seu olhar. Algo que me fez tremer e ficar preocupada.

- Adrian, por que você está aqui?

Me soltei de seu abraço e cruzei os braços. Ele não estava visitando meu sonho por livre e espontânea vontade. Não era apenas saudades, era algo mais. Era bem claro pra mim, a forma cuidadosa que ele me olhava, como se hesitase.

- Eu acho que você sabe por que.

Sim, eu sabia. Um simples e pequeno nome.

- Lissa. – suspirei e me sentei em baixo da arvore, e ele se sentou ao meu lado – o que aconteceu? Eu meio que tenho acompanhado, mas nossos horários são diferentes. Eu a checo de dia, quando vocês estão dormindo. E tudo o que vejo é que ela sente minha falta.

- Devia saber... Ela está te bloqueando. Tem acontecido umas coisas estranhas, Rose.

Eu me senti tremer.

- Estranhas... Como? Ah, Adrian, por favor não me diga que começou tudo de novo!

- Eu poderia até dizer, mas seria mentira. – ele ficou de joelhos e pegou minha mão – Rose, Lissa está mal. Está muito brava. Ela até mesmo discutiu com a titia!

- A Lissa discutiu com Tatiana? Ela discutiu com a rainha? Adrian, não estamos falando da mesma pessoa!

- Não mesmo.

Uma brisa quente embaraçou meu cabelo, o jogando no rosto. Não me dei o trabalho de tirar. O que estava acontecendo com Lissa? Já havia se passado pouco mais de uma semana, e eu a visito regularmente. Não parecia que havia algo errado. Adrian disse que ela estava me bloqueando, mas eu devia saber disso, devia sentir. Não devia?

- Rose, você tem que ajuda-la!

- Fazendo o que, Adrian? Fugindo daqui e pegando um avião para a Corte? Um, eu não tenho dinheiro pra isso. Dois, se fizesse minha vida como guardiã estaria acabada! Eu não posso me dar esse luxo de acabar presa em um prédio cuidando de uma burocracia, ou, pior, num antro de meretrizes de sangue!

- Mas Rose, a Lissa...

- A Lissa tem que aprender a se virar sem mim. – interrompi com a voz ríspida. – Adrian, ela tem que se sentir segura sempre, estando eu ao seu lado ou não. Não sou a babá dela!

- Rose...

- Eu entendo que é difícil, passamos a vida toda juntas, mas não é legal depender  cem por cento da presença de alguém, não é saudável. É como o Dimitri disse, nós duas precisamos disso, precisamos de um tempo. Eu preciso aprender mais se quiser protege-la, e ela precisa confiar nas pessoas se quiser se proteger.

- Quem é Dimitri?

- Eu estou preocupada com ela, mas agora estou com as mãos atadas. Abe não vai me deixar voltar, nem a Olena. Honestamente, eu estou gostando de ficar aqui e tem muita coisa que posso aprender, coisas que nunca vi na Academia.

- Rose...

- Eu quero ficar aqui Adrian. Eu estou gostando e não quero ir embora agora, por mais que magoe a Lissa. Eu também sinto falta dela, muitas, mas não há nada que eu possa fazer pra...

- Rose! – Adrian praticamente gritou para conseguir minha atenção, e só agora percebi que havia desandado a falar – Nossa, calma. Mais devagar. Não precisa se estressar comigo. Eu te entendo. E concordo com você. Eu só estou preocupado com minha prima, e tudo que eu ia fazer era sugerir que você ligasse pra ela, pelo menos.

Eu fui rude com Adrian e nem havia percebido isso. Mas tudo isso estava me deixando louca! Estava dividida entre eu e Lissa e não queria ter que escolher. Mas no momento ficar era a melhor opção, pra todos.

- Lissa está te afetando. – Adrian concluiu, me encarando com a sobrancelha franzida – O espírito, mesmo com você longe, está de afetando. Bem menos que antes, mas eu posso ver, neste exato momento, a escuridão passando pra você aos pouquinhos.

Suspirei e me levantei, cansada dessa conversa.

- Tá, verei o que posso fazer. Agora, será que você pode me deixar dormir?

- Você está dormindo.

Ele se levantou com um sorriso no rosto, limpando as calças com a mão. Revirei os olhos e cruzei os braços.

- Yeah, eu sei. Mas isso é horrível, eu me sinto mentalmente cansada no dia seguinte. E amanhã, ou hoje, sei lá, eu tenho treino logo cedo, então você quer, por favor, me deixar descansar? Pra você pode ser alto do dia, mas eu estou em fuso horário diferente e acompanhando o dia dos humanos, então... poderia?

- Seu desejo é uma ordem, pequena damphir. – ele pegou minha mão e a beijou com cuidado – Mas eu volto, outra noite.

- Tá... mas veja se venha na sexta. Não me deixam treinar no sábado de manhã.

Ele riu, e vi que o campo começava a se dissolver a minha volta. Adrian parecia perder a cor e ficar transparente. E então tudo ficou preto e fui levada de volta para meu sono sem sonho.

***

O cheiro de comida me acordou. Era um cheiro conhecido, quente e delicioso. Joguei a coberta para o lado, animada para o café, quando o sonho que tive com Adrian voltou com tudo pra minha cabeça. Lá se foi meu bom humor.

Viktoria já estava acordada e trocada, arrumando a cama. Ela me viu levantar e sorriu.

- Bom dia, Rose. Nunca pensei que veria o milagre do dia que você acordaria cedo sozinha.

- Não é como se eu quisesse sabe? – resmunguei abrindo o armário que dividíamos para pegar minhas roupas que geralmente usava pra treinar – Um sonho tirou meu sono.

Ela riu enquanto me trocava, vestindo calça moletom azul preta e uma blusa de mangas compridas branca. Dimitri e eu treinávamos em uma espécie de galpão abandonado que ficava um pouco afastada de Baia. Ele havia me dito que com a ajuda de mais uns guardiões que nasceram aqui, reformaram e transformaram em um lugar perfeito para se treinar. Não era tão bom como a Academia, mas quebrava o galho quando eles vinham e não queria deixar de treinar. E, definitivamente, quebrava um galhão agora.

- Mamãe fez um café especialmente pra você. – informou Vik enquanto vestia meus tênis – Assim que você comer, você vai se esquecer dele.

Eu sorri de lado e fui para o banheiro lavar o rosto e escovar os dentes. Prendi o cabelo em um coque mal feito e desci com ela para a cozinha. O cheiro lá estava mais gostoso e mais forte, e ouvi meu estomago roncar. Estavam na cozinha apenas Olena e Yeva, e Dimitri chegou logo após a gente, sentando-se na cadeira à minha frente.

Vários murmúrios de ‘bom dia’ depois, e estávamos todos tomando um delicioso café da manhã. Olena havia preparado panquecas pra mim, estavam deliciosas. As mais gostosas que eu já comi. Como não tomava café, ela preparou chocolate quente, e Vik tomou junto comigo.

- Então, Rose. – Dimitri quebrou o silencio e seu sotaque Russo estava ainda mais evidente – Quem é Adrian?

- Uhn? - Eu estava distraída, pensando na Lissa e em como eu conseguiria contato com ela, que nem prestava atenção na conversa na mesa – Desculpe, não estava prestando atenção.

- Ontem a noite você disse um nome, Adrian, umas duas vezes. Quem é ele?

- Você anda me espionando, Belikov? – pressionei os olhos em ameaça. Não estava com bom humor hoje, e a forma petulante que Dimitri perguntou deixava aberta uma provocação – E enquanto durmo?

- Eu não estava te olhando dormir. – replicou com toda a calma erguendo uma sobrancelha – Eu passei pelo corredor e te ouvi falar.

- Que seja...

- Ele é seu namorado?

- Não. É meu pai.

Zombei, com a voz ríspida, voltando minha atenção para o chocolate quente. A conversa na mesa havia sido silenciada, e me senti um pouco culpada por descontar em Dimitri. Mas era ele quem estava se metendo onde não fora chamado! E dai que disse um nome enquanto dormia? As pessoas nem sempre dizem algo lógico dormindo. E eu não estava a fim de explicar tudo sobre Adrian, o poder do Espírito, e o que ele veio falar comigo. E foda-se se ele acreditasse em mim.

- Misha. – Yeva quem quebrou o silencio – Eu tenho algumas coisas pra fazer hoje de manhã. Você irá treinar Rose em meu lugar.

Ela não deu espaço pra discussão.  E ele nem tentou. Apenas assentiu e tomou mais um gole de seu café antes de se levantar.

- Daqui a meia hora a gente começa, Rose. Não se atrase.

Ele saiu sem olhar pra mim, e me perguntei por que ele estava tão irritado. Estávamos juntos há alguns dias, ele conhecia minha forma ‘amável’ de ser. E Dimitri não era do tipo de cara que se irritava a toa, com uma resposta malcriada. E se se irritava, não costumava demonstrar.

Viktoria abafou uma risada, olhando para mim e para a porta onde Dimitri havia acabado de sair. Yeva disse algo, um pequeno sorriso nos lábios – algo que nunca havia visto! – e todas pareceram ficar satisfeitas.

- Okay. – disse me levantando – Já que vou ficar ai de segredinho, acho que vou escovar os dentes e me aquecer para que o Sr. Mal humorado ali não se estresse mais com meu atraso.

***

- Rose, você está perdendo velocidade.

Rosnei e apertei o passo para alcança-lo. Dimitri estava me fazendo correr quase todos os dias de manhã. Corríamos no bosque ou na estrada e ele estava sendo me fazendo correr maiores distancias e mais rápida. Mas hoje ele estava pior. Ele corria mais rápido que eu e não diminuía, apenas me incitava a correr mais para que eu o alcançasse ou se não me perdia.

- Sabe...eu não sou.... uma máquina de cor...rer. – respondi arfante quando fiquei ao seu lado por um momento – Pode...ríamos parar um... um pouco. Que tal?... Camarada?

Fala sério, essa cara não se cansava? Parecia que ele estava andando! Não suava, não ofegava e nem saia do ritmo. Ele era, de verdade, um deus ou sei lá o que? Um robô, quem sabe?

- Se você não se distraísse com cada folha que cai, cada bichinho que passa, cada passarinho cantando, você não estaria assim cansada e nem atrás e mim.

Puxei o ar irritada, e não respondi. Ao invés disso ignorei a recusa das minhas pernas em irem mais rápidas e quando dei por mim, estava ultrapassando Dimitri. Mas acho que ele deixou, por que não demorou muito e ele já estava ao meu lado, com um sorriso muito convencido no rosto.

- Olha, você sabe correr.

Ele provocou e me apressei. Ele fez o mesmo. Não tinha folego para falar, apenas direcionei minha energia para as pernas. Meu pulmão ardia em chamas, mas eu não parei. Continuei correndo, Dimitri sempre ao meu lado, nunca atrás ou na frente. Por fim eu avistei o galpão logo após o termino do bosque. Eu queria chegar primeiro, e mostrar pra ele o quão foda eu era. Seria uma tentativa um tanto vã, uma vez que ele já havia me mostrado que poderia me ultrapassar quando quisesse, mas eu não poderia dizer que nunca havia tentado.

O galpão estava muito perto. Havia alguns metros apenas de bosque e mais um pouco de cascalho até ele. Eu poderia ganhar. Se eu roubasse poderia. Não seria vitória justa, mas iria me divertir vendo sua expressão irritada e ao mesmo tempo chocada com minha ousadia. Mas, como tudo que estava acontecendo na minha vida ultimamente, o plano não deu certo.

- Ai!

Havia uma raiz alta na ultima arvore do limite do bosque. Eu não a vi, concentrada demais em correr e no objetivo do que no caminho que tomava. Acabei prendendo o pé e caindo feio no cascalho. Eu não sabia se o barulho de algo quebrando era do galho ou do tornozelo, mas a bosta doía pra caralho.

- Mas que merda!

Estava sem folego pela dor e pelo cansaço. Nem sentia o chão frio sob mim, apenas a pontada que parecia separar meu pé do resto do corpo. Dimitri já estava ao meu lado, agachado e preocupado.

- Rose, caramba, você está bem?

- O que você acha? – toquei de leve o tornozelo direito e não doeu. Apliquei um pouco mais de força, mínima, e dor me cegou.  – Acho que quebrei meu tornozelo!

- Não se mexa.

- Ah é, por estou mesmo em condições de me mexer.

Ele ignorou minha resposta e passou os braços em baixo de mim, me segurando no colo com uma facilidade que parecia que eu era feita de penas. Ele andou com todo o cuidado, para impedir que me machucasse mais. Com um suspiro de dor, escondi o rosto na curva de seu pescoço, respirando fundo e expirando pela boca. Seu cheiro me ajudou a me acalmar mas, merda, como isso doía!

Entramos no galpão e ele me colocou sobre uma mesa com gentileza e começou a analisar meu tornozelo. Eu mordi o lábio para não gritar ou dar sinal de fraqueza. Dimitri era gentil e suas mãos habilidosas e leves.

- Você não quebrou, mas teve uma torção feia.

- Que ótimo. Pra completar minha manhã.

Ele ergueu uma sobrancelha e não disse nada. Me pegou no colo de novo sem nem me avisar.

- Hey, eu acho que posso andar sozinha!

- Não, você não pode. Se não seu pé piora. E não tente descer. Eu não vou te soltar. Vai ser pior pra você, Rose.

Não podia protestar. Ele tinha razão. Deixei que ele me levasse para casa, e pra esquecer a dor, me concentrei em como era bom estar nos braços dele, e ver seu olhar preocupado, e ter suas mãos em minha pele, por mais que estivesse machucada. E seu perfume era ainda mais gostoso assim, com ele pertinho de mim.

- Não se preocupe – disse ele quando chegávamos em casa – minha mãe é uma curandeira excelente. Vai estar bem nas mãos dela e logo estará curada.

Ele sorriu de leve, e eu não deixei de sorrir de volta. Agora percebia o quão dura tinha sido com ele esta manhã. Eu tentaria ser mais... agradável, nos próximos dias. Nem ele, nem ninguém na casa tinha culpa nos meus problemas pessoais.


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Notas finais do capítulo

Esse capitulo ficou pequeno, mas os próximos serão maiores. E também, os capitulos completos estão acabando. Tenho até o 12 escrito, e já comecei o 13, então não deixem de deixar reviews, indicar e sei lá mais o que se vocês estão gostando da história!

"Nós dois rimos e encostei a cabeça em seu ombro. Ele passou o braço por baixo de mim, envolvendo minha cintura em um meio abraço com todo o cuidado.
— Obrigada pelo voto de confiança."