Capítulo 15 – Shane "Romântico"

Peguei meu ônibus de volta. Cheguei extremamente feliz em casa, o dia até agora estava perfeito, tudo tinha saído melhor do que eu esperava, ainda bem. Precisava contar pros meus amigos, especialmente pras meninas sobre tudo o que aconteceu, desde ontem, diga-se de passagem. Almocei, tomei banho e fui pra universidade. Cheguei mais cedo e aproveitei o tempo pra contar pro pessoal as novidades do estágio. Eles vibraram. E as meninas ficaram super curiosas pra conhecer o Dr. Jacques Tippens, já que eu havia feito uma propaganda e tanto dele. As aulas seguiram seu curso normal. Fomos pro intervalo. Quando voltamos pras aulas finais, abri meu caderno e tinha algo escrito nele:

“Como foi lá? Deu tudo certo? Abriu algum morto? ;)”

Ass.: S.

Fiquei até um pouco assustada. Quem será que deve ter escrito isso? Pensei por alguns segundos, muitas possibilidades passaram pela minha cabeça, até que outras letras começaram a surgir logo abaixo da mensagem anterior.

“Já sabe quem é? Bora pensa mais um pouco, pelo amor de deus, quem seria a única pessoa que faria uma coisa idiota dessas? Hein? E que a inicial do nome é S? Dã? Sim, sou eu mesmo, seu guardião favorito! :P”

“Shane!”, pensei. Tinha que ser esse leso mesmo, óbvio. Como não pensei nisso de primeira? Sou muito idiota mesmo. Olhei para o vidro da porta e lá estava ele acenando pra mim com um sorrisinho na cara. Fui à porta, abri e sai da sala, ficando bem ao lado de Shane.

EU: O que tu estás fazendo aqui seu doido? – ri, dando um tapinha em seu braço.

SHANE: Vim saber como foi lá no teu “estágio do sonhos” – fez uma vozinha engraçada, debochando de mim.

EU: Muito engraçado ¬¬ - franzi os lábios – Agora que eu não te conto nada mesmo.

SHANE: Tá bom desculpa. Como foi lá?

EU: FOI PERFEITO! – meus olhos brilharam.

SHANE: Tô vendo, tô vendo – sorriu com uma cara de “boa garota!” – Que bom, fico muito feliz por ti... Isso merece um abraço! – quedo mamãe, que fofo ele é. O abracei forte. Ele acariciou meu cabelo logo depois me dando um beijo na cabeça – E também merece um lanche! – Opa! O negócio tá começando a ficar cada vez melhor, botou comida no meio, já gostei. Hahaha – Eu pago!

EU: Shane, já disse que te amo? Casa comigo amor da minha vida?

SHANE: Claro meu amor, caso agora se você quiser!

EU: Só se for agora! – rimos.

SHANE: Então, quando acabar tua aula... Agente vai fazer uma broca em algum lugar, combinado? – piscou.

EU: Combinadíssimo! – nos abraçamos novamente e voltei para aula. No fim, saio da sala e encontro Shane sentado no banco que ficava bem ao lado da porta da sala – Ficaste esperando aqui desde aquela hora?

SHANE: Não, eu dei uma volta por aqui e perto da hora de acabar a aula vim pra cá.

EU: Ah tá, pensei.

SHANE: Vamos para nosso encontro às escuras? – fez graça. Mas mesmo assim alguns colegas meus que ainda saiam da sala olharam pra nós com uma cara estranha, outros só riram. Confesso que fiquei um pouco sem graça, mas não liguei.

EU: Pra onde a gente vai afinal de contas?

SHANE: Pra um lugar especial – deu aquele olhar sedutor engraçado. Entrelaçando seu braço com o meu, indo em direção ao estacionamento.

EU: Sério!

SHANE: PRO MOTEL! – gritou. Algumas pessoas que estavam à nossa volta olharam pra gente. Eu morri de vergonha, mas comecei a rir.

EU: Pro castelinho gente! – falei olhando pra alguns dos alunos que nos observavam, eles começaram a rir. Castelinho é um motel chique daqui da cidade, ele é igual a um castelo, tô falando sério. Sempre tive vontade de entrar lá só pra ver como é que é, mas não vem ao caso - Seu retardado! Fala sério bora! – dei um beliscão nele.

SHANE: Tá, mas não precisa me beliscar!

EU: Ok. Pra onde?

SHANE: Surpresa.

EU: Ah vai cagar no mato! Fala logo.

SHANE: É surpresa, já disse.

EU: Tu é muito chato sabia?

SHANE: É já me disseram isso. Meu irmão me diz isso quase todos os dias – sorriu feito um besta... Mas ele é um besta!

EU: Vieste de carro?

SHANE: É, temos que ter cuidado e não podemos chamar atenção, já te esqueceu desse pequeno detalhe?

EU: Ah sim, perdão – Shane abriu a porta do carro pra mim, entrei. Logo depois ele entrou – Teu irmão não vai notar a falta de alguma coisa na garagem da casa de vocês não?

SHANE: Mas quando, ele tá ocupado agora. E esse carro e de nós dois, pra sua informação.

EU: Sei... Ele tá ocupado com o que?

SHANE: Trabalhando, oras. Pensa que só porque somos guardiões não precisamos trabalhar? Temos que levar o leite das crianças!

EU: E, ele faz o que?

SHANE: Nem eu sei direito, só sei que é no jornal.

EU: Que coisa, nunca iria imaginar ele trabalhando num jornal. Mas e tu? Não trabalha não?

SHANE: Mas é claro.

EU: Onde?

SHANE: No... – me olhou meio desconfiado – Num hospital – o olhei desconfiada.

EU: Tu não trabalhas num hospital, fala logo a verdade!

SHANE: Planetário – falou pra dentro.

EU: O que?

SHANE: No planetário!

EU: Que demais! Porque tu ficaste com vergonha de me falar isso?

SHANE: Sei lá... Parece um trabalho besta pra algumas pessoas.

EU: Que nada, deve ser muito legal. Uma coisa bem diferente de se fazer.

SHANE: Realmente, é bem diferente. Eu gosto muito.

EU: É isso que importa! – sorri afável. Ele sorriu e me deu um olhar doce de reconhecimento.

SHANE: Chegamos.

EU: Hi? Higiri? – abri um sorriso. Higiri é a melhor temakeria de Bilnóis. Delicioso, barato e em porções bem generosas, diga-se.  – Como tu sabes que eu gosto de comer aqui?

SHANE: Não sabia, é que eu adoro fazer uma boquinha aqui. E como nós somos parecidos, achei que ias gostar daqui também.

EU: Acertou em cheio! – Shane me deu um sorriso. Fizemos nossos pedidos, comemos e conversamos. Ele me contou um pouco mais sobre o emprego dele e eu sobre meu estágio. Pedimos a conta, Shane pagou e fomos pro carro. Fiquei pensativa por um momento e ele notou isso.

SHANE: Que foi? Algum problema? – falou me observando preocupado.

EU: É que... Nesses últimos tempos tem acontecido tanta coisa, minha vida... Mudou completamente de um segundo pro outro. Um mundo que eu nunca ousaria pensar que existisse, existe e... – ele me interrompeu.

SHANE: Calma, eu sei que é difícil. Tenta não pensar nisso tudo, deixa rolar. É assim mesmo, não precisa se preocupar – passou a mão em meu ombro me confortando – Se quiser desabafar, tô aqui... Sem falar que faz bem se abrir com outra pessoa, guardar pra si o que te aflige só vai piorar – nem parecia Shane falando. As palavras que saiam da sua boca não eram mais naquele tom engraçado e descontraído e sim num tom sábio e sério. Me admirei com aquele outro lado dele.

EU: Olha, tô impressionada! Shane Leccio filosofando e dizendo palavras sábias para minha pessoa? Gostei de ver, hein?! – brinquei.

SHANE: Deixa de graça – falou meio sem jeito – Meu lado filósofo já foi embora, Tchau, tchau! – disse como se seu outro lado tivesse se despedindo de mim. Foi engraçado.

EU: Poxa, agora que eu ia começar a pedir conselhos.

SHANE: Mas eu posso dar conselhos, só porque eu vivo fazendo graça meus conselhos não valem?! Ninguém me leva a sério mesmo!

EU: Oti bebê, não fica assim... Claro que valem – me olhou com uma cara de “finjo que acredito” e girou a chave ligando o carro.

SHANE: Tens mais tempo?

EU: Como assim?

SHANE: Mais tempo pra dar uma parada em um lugar...

EU: Shane, já te disse que não vamos pra nenhum motel! – fiz graça. Ele riu.

SHANE: Não, sério. Queria te levar em um lugar, achas que dá tempo pra não chegares muito tarde em casa?

EU: Acho que sim, só deixa eu avisar pra minha mãe – tiro o celular do bolso e ligo pra mamãe, digo pra ela que daqui a pouco vou estar em casa e pra ela não se preocupar – Pronto! Mas pra onde tu queres me levar?

SHANE: Pra um lugar que eu sempre vou quando quero espairecer a mente, relaxar...

EU: Pra um puteiro?

SHANE: Há há há – cara de “Mimimi” - não!

EU: Então pra onde?

SHANE: Tu vais ver...

EU: Tu tá muito cheio de surpresas hoje Shane Leccio! E eu sou uma pessoa muito curiosa.

SHANE: Essa é a ideia! – fez uma cara maliciosa.

EU: Credo, eras de ti Shane! Que amigo tu es – ele só me olhou e continuou dirigindo. Percorremos umas ruas por onde eu nunca tinha andado antes. Nem sabia se ainda estávamos em Bilnóis – Eu nem sei mais onde a gente tá!

SHANE: Calma, já tamo chegando – falou enquanto subia um pequeno morro de terra gramado – Aqui estamos! –abriu a porta do carro e saiu pra abrir a porta pra mim.

EU: Nossa, que gentleman! Muito obrigada – sai do carro e examinei o local. Era um alto morro que de lá de cima dava pra ver quase que a cidade inteira. O lugar era todo em grama, havia lavandas e tinha algumas árvores também, o cheiro era ótimo. Cheiro de mato.  Assemelhava-se a alecrim misturado com lavanda ou coisa parecida. Andei mais adiante, ficando no topo do morro ao lado de Shane. De lá observei a bela vista que tinha lá de cima. Como já era noite, as luzes de toda a cidade iluminavam a paisagem, dando um ar tranquilizante e aconchegante. Uma leve brisa fria passava por meu rosto, fazendo o cheiro gostoso das plantas ficar mais evidente. Fechei os olhos e inalei aquele aroma agradável e relaxante. O suave vento não cessava. Estava no mundo rural e urbano ao mesmo tempo, uma sensação conflitante, mas maravilhosa.

SHANE: Lindo né?! – colocou as mãos nos bolsos, admirando atentamente a vista.

EU: Inacreditável – falei encantada. Shane me olhou e sorriu – Como tu descobriste esse lugar? Nunca passou pela minha cabeça que poderia haver um lugar como esse aqui dentro de Bilnóis.

SHANE: É, descobri meio que por acaso... Agora se tornou meu “universo” particular!

EU: É... – estava tentando achar a palavra certa.

SHANE: Incrível?!

EU: Incrível... – sorri. As luzes da cidade bruxelavam levemente. Parecia que estávamos à luz de velas. Lindo. Romântico. Adorável.

SHANE: Só não vale sair contando pra todo mundo sobre esse lugar, hein!

EU: Não vou sair contando pra todo mundo...

SHANE: Ainda não tinha trazido ninguém aqui.

EU: Sério? – ele assentiu – Puxa, então devo me sentir lisonjeada!

SHANE: Deve mesmo. Achei que precisava te trazer aqui, sei lá... Acho que precisas desse refúgio também, por tudo o que estás passando nesse momento da tua vida e tudo mais – seu humor havia mudado, parecia mais leve, sereno e doce. Me sentia assim também a cada respiração. Esse lugar, realmente tem algum poder de nos relaxar, de nos deixar mais sossegados, despreocupados. Senti uma paz interior impressionante.

EU: Brigada Shane... Por tudo. Por tua amizade, pelo lanche, por esse lugar extraordinário...

SHANE: Não precisa agradecer, sou teu amigo. Amigos fazem isso um pelo outro. Sempre vou tá do teu lado... Literalmente também! – fez piada. Colocou seu braço sobre meu ombro. Coloquei o meu em sua cintura e lá ficamos abraçados em silêncio apenas sentindo a energia do local. Me senti extremamente segura o abraçando. Shane pode ser o que for, chato, piadista e até inconveniente em alguns momentos, mas tem um enorme coração – Olha só! – apontou para o céu – Sou um grande admirador dela – A lua estava cheia. As estrelas brilhavam intensamente. Nuvens prateadas deslizavam pelo céu fazendo aquele cenário ficar ainda mais perfeito.

EU: Amo a lua também, é tão linda!

SHANE: Sabe, às vezes quando venho aqui e a lua tá cheia eu me perco no tempo, teve até uma vez que eu amanheci aqui, só fui embora quando o sol nasceu – falou sorrindo, olhando para o céu.

EU: Tá fazendo uma noite magnífica! – disse enquanto admirava o céu enfeitado.

SHANE: Tá mesmo. É ainda melhor quando não estamos sozinhos, quando temos uma boa companhia – olhou pra mim, dando um sorriso fanfarrão.

EU: Tu não perdes uma mesmo, né?! – dei um empurrão nele, nos separando do abraço.

SHANE: É... Perco o amigo, mas não perco a piada! – riu – Mas eu falo sério quando digo que é melhor vir aqui acompanhado. Com todo o respeito claro!

EU: Verdade. Diana sempre diz que todo mundo tem que ter uma pessoa pra chamar de “seu” e eu concordo plenamente – Shane me observava atentamente – Todo mundo precisa de um companheiro pra vida. Sabe, um dos meus maiores medos é morrer sozinha, sem ninguém do meu lado.

SHANE: Eu sei como é... Mas tu não precisas ter medo de isso acontecer, sozinha tu não ficas.

EU: Duvido muito disso. Se não fosse eu ter ficado com o Joseph aquele dia, eu ia tá a mais de anos sem beijar ninguém, sem ter algum tipo de relação com o sexo oposto. Não devo ter o mel que muitas mulheres tem, não devo ser atraente, bonita, chamar atenção e essas coisas.a Ainda por cima sou gorda...

SHANE: Epa, pode já parar com isso moça! Tu es uma mulher bonita, atraente e não é gorda, só voluptuosa, bem avantajada. Sem falar que muitas dessas mulheres gostosonas por ai não tem nada na cabeça e muito menos no coração, coisa que tu tens. Es uma pessoa maravilhosa Miranda. O problema da maioria desses caras é só querer coisas superficiais, se fosse o contrário, se eles te conhecessem como eu conheço iam cair nos teus pés acredita no que eu tô dizendo.

EU: Ah Shane, tu não existe mesmo! Brigada por essas palavras. Minha auto estima agora estourou no nível máximo! – sorri.

SHANE: Que isso menina, eu só falei a verdade e o que eu acho! E a maioria dos homens gosta de mulheres que tem bunda, seios, pernas e tudo mais... Avolumados, por assim dizer. Acredite – olhou para o lado, como se ele estivesse fora desse grupo – Não me olha assim! – estava rindo da cara dele – Tá bom, eu gosto, algum problema com isso?!

EU: Nenhum! – ri – Pra falar a verdade acho isso legal, agora já podemos nos casar...

SHANE: Você escolhe a data.

EU: Mas falando sério, sabia que eu me casaria contigo?! – ele me olhou desconfiado – Tô dizendo a verdade, sério. Tu es um homem e tanto Shane, sortuda vai ser a mulher que te ganhar – sorri.

SHANE: Tá pode parar tá me encabulando – podia perceber que ele tava um pouco sem graça mesmo – Falando em casório, o Joseph ontem chegou em casa todo irritadinho, qualquer coisa que eu falasse ele só faltava descer a porrada em mim, e eu nem tive culpa por isso dessa vez...

EU: E o que isso tem a ver com casório? – tipo: “WTF?”.

SHANE: Não sei, foi a primeira coisa que me veio na cabeça – é um lesado da mente mesmo – Vocês se falaram ontem?

EU: Sim, mas não acredito que tenha sido minha culpa... – disse cínica.

SHANE: Ah, sei... – me olhou torto - Podes saber fazer muita coisa, mas mentir não é uma delas!

EU: Tá bom, pode ter sido minha culpa... Talvez – virei os olhos.

SHANE: O que aconteceu? – hesitei um pouco no início em contar tudo pra ele, mas depois ele acabou me convencendo – Espirraste na cara dele? - começou a gargalhar.

EU: Foi, eu tava muito puta com ele por ficar aparecendo do nada e tudo mais.

SHANE: Tu es uma sem noção mesmo. Queria muito tá lá pra ver essa cena!

EU: Olha quem fala! Mas, realmente, a cena foi cómica. Admito que fiquei com um pouco de pena dele depois, mas ele mereceu!

SHANE: Imagino... Mas tu achas que ele ia te beijar mesmo?

EU: Foi o que pareceu, se aquilo não era pra me beijar não sei o que pode ter sido, sinceramente.

SHANE: Verdade... Eita pau! Olha a hora – olhou espantado pro relógio em seu pulso.

EU: Putz, temos que ir! Se eu não for logo meu pai me esfola viva.

SHANE: É, não queremos isso! – me despedi daquele cenário incrível e entrei no carro, seguida por Shane. Fomos conversando ao longo do caminho sobre o lugar. Eu tava tão impressionada que não parava de falar sobre. Disse pra ele que tínhamos que ir lá mais vezes e ele disse que era sem problemas. Shane me deixou na porta de casa e tudo seguiu normalmente. Dormi tranquilamente e acabei sonhando com o local. Foi um tanto estranho, o sonho. Mas não me deixei abalar, afinal de contas todo mundo tem seus  sonhos estranhos.