Pesadelo do Real escrita por Metal_Will


Capítulo 32
Capítulo 32 - Afinidade




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"O espelho e os sonhos são coisas semelhantes: é como a imagem do homem diante de si próprio."

~ José Saramago

Capítulo 32 - Afinidade

  Ao que parece, Monalisa tinha tudo para compensar seus erros aproximando-se de Ariadne, a guia. Naquele momento anterior ao início da aula, a loirinha consegue puxar conversa com ela e descobre que a colega tinha interesse em um assunto que vive ocupando o tempo de Monalisa: sonhos. Seria coincidência? 

- Sim, sonhos - diz Ariadne, sorrindo simpaticamente - Gosto bastante de ler sobre isso. Apesar de que eu gosto bastante de ler qualquer coisa.

- Sério? Bem, eu não sou nenhuma leitora assídua, mas também acho sonhos um assunto interessante - diz Mona.

- Muito. Ainda não cheguei nem na metade desse livro, mas se quiser posso te emprestar quando terminar.

- Ah, obrigada.

- Err...você queria me dizer alguma coisa? - perguntra Ariadne, curiosa do porque Monalisa ter se aproximado.

- Eu? - espanta-se ela, esquecendo completamente de criar uma desculpa razoável - N-Não era nada...só estava de passagem e cumprimentei.

- Ah - sorri Ariadne - Você parece ser bem boazinha.

- Você acha? - pergunta Monalisa timidamente.

 Nisso, o sinal toca, lembrando o horário de ir para a sala. No entanto isso não era problema, já que as duas sentavam uma ao lado da outra.

- Opa. O sinal tocou. Vamos subindo? - pergunta Ariadne, carregando sua bolsa e sem perder o bom humor.

- Ah, claro - concorda Mona - Temos aula de História hoje, né?

- Sim, sim - responde Ariadne, enquanto subiam juntas - Também gosto bastante. Apesar de que prefiro Português. 

- Português?

- Gosto de escrever histórias - responde ela - Acho incrível poder colocar no papel qualquer coisa que você quiser. É como criar seu próprio mundo ou fazer seus próprios sonhos.

- Oh, interessante.

- Não é? A imaginação das pessoas é o máximo! Podemos criar praticamente tudo aqui dentro - diz Ariadne, apontando para a própria cabeça.

- Tem razão...é bem incrível - concorda Monalisa, embora não tivesse o mesmo entusiasmo que a colega.

 As duas até poderiam conversar mais, quando uma outra colega cumprimenta Ariadne mudando de assunto para outra matéria. Quando chegam na sala, foi apenas o tempo de sentar nas cadeiras e logo a professora de História chega. Teria que esperar o intervalo para conversar com Ariadne mais calmamente, mas por outro lado já conseguiu o mais difícil: aproximar-se dela. Agora era questão de desenvolver mais esse relacionamento amigável. Se Ariadne tinha interesse em sonhos, talvez tivesse algo a dizer sobre os sonhos de Monalisa. Mesmo que ela não tivesse consciência de ser uma guia, poderia agir como uma mesmo sem conhecimento disso. Teria que se aproveitar disso se quisesse mesmo sair daquele Labirinto, mesmo achando que isso não parecia muito justo: omitir os fatos de Ariadne era ser igual ao que todos no Labirinto faziam com ela. Era confuso. Alguém pertencente ao Labirinto era mais vítima do Labirinto do que ela mesma. Curioso, para não dizer paradoxal.

 Por fim, o sinal para o intervalo toca. Ariadne estava terminando algumas anotações. Monalisa hesita um pouco, mas não podia perder muito tempo. Assim que a ruivinha terminou de escrever, ela resolve entrar logo no assunto que queria.

- Err...você disse que tinha interesse em sonhos, né? - pergunta Monalisa.

- Sim - concorda Ariadne, sempre sorridente - Bastante.

- Sabe...pode parecer meio bobo o que vou dizer.

- O quê?

- Bem...ultimamente tenho anotado todos os meus sonhos.

- Sério? Isso é ótimo! - exclamou a colega, enquanto as duas desciam para o pátio.

- Bem, não sei se isso seria útil para alguma coisa.

- É extremamente útil! - falou Ariadne, enquanto se dirigiam para um dos bancos. A ruivinha se senta, Monalisa faz o mesmo em seguida, aguardando o que sua animada colega tinha a dizer - Sabe...eu também tentei fazer isso, mas não tinha muita disciplina e acabava esquecendo, mas anotar sonhos é algo muito importante para o seu auto-conhecimento.

- Meu auto-conhecimento?

- Bem, no livro que estava lendo, sonhos são manifestações do seu subconsciente. Segundo Sigmund Freud, sonhos são uma linguagem simbólica para pensamentos que estejam ocultos na sua mente.

- Interessante - comenta Monalisa, embora soubesse claramente que seus sonhos não vinham bem de seu subconsciente, mas sim de algo bem maior que isso.

- Não é? Afinal, o que a gente pode conhecer da nossa própria mente, né?

- Já pensei sobre isso algumas vezes...

- Eu também. Nós pensamos, né? Mas o que é exatamente um pensamento?

- Como assim?

- Ah, é meio doido, mas...como os pensamentos podem existir? Quando estou pensando em uma praia, consigo ter imagens da areia, do mar, do céu azul, embora não esteja em uma praia e sim dentro de uma sala de aula.

- Ah, é verdade - concordou Monalisa.

- Ou quando falamos que uma música não sai da nossa cabeça - continuou Ariadne - Não está tocando música alguma, mas conseguimos ouvir alguma coisa dentro da nossa cabeça. Acho isso muito legal!

- É...curioso.

- Ou uma coisa ainda pior..

- Pior?

- Como o próprio mundo à nossa volta - disse Ariadne, agora mostrando um olhar mais desafiador.

- C-Como assim? - gagueja Monalisa. Agora ela tocou em um ponto mais delicado.

- Pense comigo - continua Ariadne - Não basta apenas termos olhos para enxergar. A luz que chega nos nossos olhos precisa ser interpretada pelo nosso cérebro como uma imagem, certo?

- S-Sim. Vimos isso na aula de Ciências - disse Monalisa.

- Da mesma forma que a música que entra nos nossos ouvidos precisa ser interpretada pelo cérebro como som - continuou a colega - Em resumo, nosso mundo é o que nosso cérebro interpreta e não o que passa pelos nossos sentidos.

- Não sei se entendi muito bem.

- Pense nos animais. Lembra do que a professora de Ciências falou? Um cachorro não enxerga as mesmas cores que nós enxergamos, assim como uma abelha enxerga muito menos. Mas como podemos garantir que o mundo que vemos é mais certo que o mundo que um cachorro ou uma abelha vê?

 Monalisa não responde nada. Mas tudo que ela dizia parecia sentido. E quando se sabe que sua realidade é uma farsa, fazia muito mais sentido ainda.

- É...parece fazer sentido - concorda Monalisa, querendo ver até onde o raciocínio da colega iria chegar.

- Não é? O mundo que vemos é apenas aquilo que nosso cérebro pode interpretar. Como saber que nosso cérebro não interpreta o mundo de uma forma totalmente diferente de como deveria ser?

- Como assim?

- Bem, posso ver o seu rosto, posso tocar o seu rosto, mas isso é apenas o que meus sentidos dizem. Como posso garantir que meus sentidos e minha mente não me enganam e eu esteja vendo e sentindo uma coisa totalmente diferente do que deveria ser.

- Então...você acha que o mundo pode ser totalmente diferente do que é?

- É completamente possível. Talvez por sobrevivência, nossa mente interpreta o mundo da melhor maneira possível, para nos poupar de uma realidade feia e assustadora.

- Feia e assustadora você diz - balbucia Monalisa, identificando o discurso da colega com sua situação atual - Ou talvez seja mais bonita.

- Não sei se mais bonita - comenta Ariadne - Mas eu defendo a ideia de que nosso mundo é definido pelo que nossa mente interpreta. Vamos voltar aos sonhos. Alguns sonhos dão uma sensação de realidade tão grande que é como se realmente estivéssemos lá, não é? 

- Sim. Isso acontece bastante.

- Eu acredito que nós realmente estamos lá! Por isso temos essa sensação!

- Mas...estamos dormindo na nossa cama, não estamos?

- Nosso corpo está na cama, mas não nós. Você não é só o seu corpo, é?

- Então você acredita que corpo e mente são coisas diferentes?

- Sim. Também acredito nisso. Acredito que nós somos a nossa mente, nossa alma, algo assim. O corpo é apenas algo que temos.

- Hmm... - Monalisa estava pensando em algo para dizer. Pelos pensamentos de Ariadne, Monalisa estava quase achando que ela acreditaria no Labirinto mesmo que não tivesse consciência dele. Mesmo assim, ela prefere fazer as coisas devagar.

- Oh, desculpa - diz Ariadne - É que me empolgo com as minhas ideias. Você deve me achar uma louca!

- Não, não. Na verdade, tudo que você diz faz muito sentido.

- Na minha outra cidade, nunca tive ninguém para conversar sobre essas coisas comigo. Todos os meus amigos só gostavam de falar sobre programas de TV, internet e fofocas, mas nunca achei alguém que aguentasse me escutar sobre essas doidices.

- Eu acho que tudo que você disse é bem interessante - diz Monalisa, tentando parecer o mais natural possível e não acabar falando do Labirinto desnecessariamente - É difícil achar pessoas interessadas nisso na nossa idade.

- Você também acha? Eu sempre tive interesses em coisas maiores, sabe? Na minha outra cidade, enquanto todo mundo preferia sair para o shopping, eu sempre gostei mais de visitar instituições de caridade ou ajudar outras pessoas. Apesar de que eu também saía, mas sempre gostei mais de usar meu tempo para ajudar os outros.

- É, eu sei - balbuciou Monalisa, lembrando-se de quando visitou um orfanato junto com Ariadne no futuro (por mais estranha que essa frase possa soar, mas já sabemos que ela está no passado).

- O que disse?

- Não, nada. Acho que pensei alto. Mas então...acho que tudo que você falou é bem interessante. Eu..sempre achei que tinha algo de estranho com o mundo também. 

- Não é? Não dá para afirmar nada sobre o mundo. Ele é só aquilo que nosso cérebro interpreta.

 Monalisa fica em silêncio por alguns instantes. Será que deveria abrir o jogo com Ariadne? Ela até poderia acreditar no que disse, mas mesmo que ela tivesse um pensamento mais aberto para alguém naquela idade, seria muito estranho falar que ela fazia parte de uma conspiração contra uma única pessoa no Universo e que não tinha consciência disso. Por mais terrível que fosse, a verdade do Labirinto era extremamente egocêntrica para quem olhasse de fora. E a menos que ocorressem eventos, todos iriam negá-la até o fim, por mais que estivessem rindo por dentro. Não tinha jeito. Teria que fingir estar tudo bem até ativar o evento de Ariadne como guia. Talvez ela mesma a conduzisse para isso. Só precisaria se aproximar cada vez mais dela.

- Tudo bem. Monalisa? - pergunta Ariadne - Ficou meio aérea.

- Só estava pensando no que você falou. Faz bastante sentido.

- Sério mesmo? Bom saber que tem alguém que não me acha louca! - exclama a ruivinha, pegando nas mãos de Monalisa amigavelmente. As duas riem.

- Sabe - fala Monalisa - Agora fiquei ainda mais curiosa para saber o que você acha dos meus sonhos.

- Hmm. Claro. Adoraria ver as anotações dos seus sonhos.

- Você...err...

 Monalisa fica meio tímida, mas Ariadne mantinha seu bom humor.

- O que é? Pode falar?

- Pode ver isso hoje mesmo? - pergunta a loirinha - Poderia passar na minha casa hoje à tarde.

- Sério? Sério mesmo?

- S-Sim - balbucia Monalisa - Se você não tiver mais nada para fazer..

- Eu adoraria - Ariadne sorri simpaticamente.

- Então...podemos ir para lá depois do almoço - falou a loirinha - Bem...é que meus pais não deixam almoço pronto e eu sempre tenho que comer alguma coisa fora.

- Ah, tudo bem. Podemos almoçar juntas e vamos para lá depois.

- T-Tá - concorda Monalisa. As duas sorriem juntas. Parece que realmente se deram bem.

 "Até que foi mais fácil do que eu pensei", pensa Monalisa, sentindo uma intensa paz interior. "Agora preciso estar sempre perto dela e tentar interpretar as orientações certas...pelo menos enquanto eu não ativar a guia dentro dela. Vai dar certo. Tem que dar."


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