Pesadelo do Real escrita por Metal_Will


Capítulo 13
Capítulo 13 - Interpretação




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"Para mim, é muito melhor compreender o universo como ele realmente é do que persistir no engano, por mais satisfatório e tranquilizador que possa parecer."

~ Carl Sagan


Capítulo 13 - Interpretação

- Desculpe - Monalisa fala gentilmente - O senhor disse...Mestre dos Relógios?

- Sim - respondeu o barbudo dono da ótica - Costumam me chamar assim

 A garota coloca a mão nos lábios, pensativa. Se ela havia interpretado corretamente os últimos acontecimentos, deveria ter se encontrado com o Mestre das Chaves, já que havia escolhido sacrificar sua jóia azul. Mas também não poderia ter certeza se essa era a mesmo a maneira correta. Ao que tudo indica, ela se enganou em algum momento.

- Hehe. Parece que não gostou muito de saber disso - ri o homem, enquanto pegava uma flanela e limpava o balcão, tranquilamente.

- Bem, na verdade não era bem o que eu queria escolher...

- Mesmo? - diz ele - Pensei que se chegou aqui é porque fez uma escolha, não?

- O Gato de Cheshire havia me dito que a opção da esquerda me levaria ao Mestre das Chaves e à da direita ao Mestre dos Relógios...imaginei que tivesse algo a ver com as jóias que recebi.

- Jóias?

 Monalisa retira sua esfera vermelha do bolso e mostra ao Mestre. Ele a examina cuidadosamente e, por fim, diz:

- Ah, sim. Os olhos.

- Então estava certa em associar essas esferas ao meu sonho?

- Como era exatamente o seu sonho?

 Claro que ele sabia do que se tratava, mas Monalisa achou melhor não contrariá-lo. Pacientemente ela começa a narrar os dois pesadelos, passando pelo poço, pela garota que arrancava seus olhos e como eles eram substituídos em cada caso: o esquerdo por um azul e o direito por um vermelho.

- Oh, sim. Um sonho bem curioso.

- Se essas jóias estão associadas aos olhos do sonho, imaginei que o azul representasse o esquerdo e o vermelho representasse o direito.

- Sim. Era isso mesmo. Receber duas jóias tão parecidas com olhos no mesmo dia em que teve esse sonho não podia ser apenas coincidência. Você já deve pressentir quando o Labirinto se comunica, não é?

- De certa forma, sim - responde ela, sentando-se em um banquinho - Tenho alguns insights, como da hora em que minha professora pediu para ver uma das jóias. Imaginei que isso fosse a representação do símbolo de sacrificar um dos olhos...e entreguei o olho azul na intenção de me encontrar com o Mestre das Chaves.

- Hehe. Acho que entendi o que aconteceu - disse ele. Claro que sabia. Afinal, ele fazia parte do Labirinto.

- Como?

- Bem...quando se diz escolher um olho, não é exatamente escolher qual quer sacrificar e sim com qual você quer ficar

- Então... - finalmente ela entendeu o que aconteceu.

- Sim. Escolher sacrificar o olho azul significa ficar com o olho vermelho, a opção da direita. Você escolheu se encontrar comigo.


 Agora tudo fazia sentido. O problema não era o olho sacrificado e sim o olho que você não escolhe sacrificar. No fim das contas, ela havia escolhido ficar com o olho vermelho.

- Então...eu interpretei tudo errado.

- Infelizmente sim - concorda o homem - Vamos pensar no seu sonho novamente...você sacrificou um olho para pegar a água do poço e, assim que o faz, tem ele substituído por um azul ou um vermelho.

- Sim. Quando a garota arrancou meu olho esquerdo ele é substituído por um azul e quando arrancou o direito é substituído por um vermelho.

- Mas você lembra o que ela diz no final?

- Algo como...aquele olho jogado nunca mais será meu. Alguma coisa assim.

- O que é verdade

- Bem, parando para pensar...

- Você sabe o que o símbolo do olho significa, mocinha?

 Monalisa dá de ombros. O homem esfrega mais uma pequena sujeira no balcão e continua a falar.

- Bem, há vários significados. Na mitologia egípcia, atribuíam a olho de Hórus o poder de proteger do mal. Na Bíblia, é dito que os olhos são o espelho da alma. Na Maçonaria, o olho que tudo vê representa Deus observando toda a humanidade. Mas o Labirinto tem sua própria simbologia.

  A garota se lembra quando Cheshire disse que o Labirinto é cheio de metáforas. Mas qual seria o significado do olho para o Labirinto?

- Os olhos - continua o homem - São os órgão da visão, o sentido que mais permite o acesso ao conhecimento.

- Conhecimento?

- No seu caso, cada olho simbolizava acesso a uma via de conhecimento diferente. No entanto, você abdica dessas vias quando lança fora o olho correspondente.

- O olho que nunca mais será meu...

- Exatamente. O olho que você recebeu não é mais seu. Se sacrificou o olho esquerdo, não tem mais acesso à via de conhecimento a que o olho esquerdo levava.

- E a esquerda...levava ao Mestre das Chaves. Quer dizer que nunca mais poderei encontrá-lo?

- Não disse isso.

- Então...

- Mas não poderá encontrá-lo da mesma maneira. Ter escolhido o olho direito, significa que você escolheu uma via de conhecimento que leva por eventos totalmente distintos do que seria se tivesse escolhido outro.

- Não sei se entendi muito bem.

- Como não? Você tem feito isso desde o começo

- Desde o começo?

- Desde que escolheu continuar ciente do Labirinto e enfrentá-lo. Essa escolha te levou a um caminho totalmente oposto do que seria se tivesse escolhido permanecer na ignorância e evitar toda essa dor de cabeça.

 Monalisa não gostava muito do tom que ele falava. Então seria melhor ignorar tudo? Continuar sendo a marionete do Universo inteiro? Não conseguia suportar essa ideia.

- Você pode pensar em tudo como uma grande árvore - continua o barbudo - Onde o tronco se divide em vários ramos que por sua vez se  dividem em vários outros ramos e assim vai. Não é a toa que chamam isso de Labirinto.

- E o meu objetivo é saber o que tem na ponta do galho - responde Monalisa - Vou levar essa ideia até as últimas consequências!

- É. Eu sei. Você não é do tipo que se abala tão fácil.

A garota ainda mantém um olhar sério. O homem continua a falar.

- Sabe. Devem ter te falado que depois de decidir enfrentar o Labirinto não há como voltar atrás, mas isso não é bem verdade..

- Como assim?

- Tudo que precisa fazer é ignorar. Viva sua vida normalmente e tudo caminhará como sempre foi. Mesmo que esteja ciente do Labirinto, pode continuar vivendo como se nada estivesse acontecendo. Sua vida não vai se alterar em nada. Não precisa gastar energias à toa.

- À toa? Está falando para me conformar em ser a vítima do Universo todo? Eu...eu nunca conseguiria..

- Imaginei que responderia algo assim, mas, como tutor, devo dizer que se quer mesmo continuar, as coisas não serão tão fáceis assim.

- Desde o começo não está sendo fácil

 O homem faz uma pausa e muda para uma expressão um pouco mais séria. Monalisa estranha, mas ele continua a falar.

- Você não tem mesmo ideia de onde está se metendo

- Não mesmo. E é o que eu quero saber! Afinal, o que é o Labirinto?

- Bem, esse é o seu objetivo, mas, mesmo não podendo falar diretamente o que é, posso permitir que você mesma reflita.

- Já refleti muito. Não consigo achar nenhuma explicação racional para estar presa em um mundo feito só para mim.

- Tente responder essa pergunta: essa prisão é boa ou ruim?

- É claro que é ruim! Estão escondendo a verdade de mim! Como pode ser boa?

- Então você concorda que a verdade deve ser boa, não é?

 Monalisa para por um instante. De fato, ela não sabia bem o que encontrar e talvez a verdade fosse mais assustadora do que ela pensasse, mas já estava envolvida demais para voltar atrás e ignorar tudo.

- Não sei se a saída do Labirinto me levará para um lugar bom ou não. Mas eu preciso saber o que tem fora daqui. Qualquer coisa é melhor do que o peso de ser brinquedo desse lugar.

- Bem, se essa é a sua vontade...só me resta cumprir com o meu papel.

- Então...pode me ajudar? Mesmo não sendo o Mestre das Chaves você também deve ter mais poder por aqui, não é?

- Bem, ter me escolhido ou ter escolhido o Mestre das Chaves não tem muita diferença no final das contas. Podem ser dois caminhos diferentes, mas nenhum dos dois será fácil. Bom, talvez o meu caminho seja até mais difícil...

- Como já disse. Estou disposta a ir até as últimas consequências.

- Se é assim.. - o Mestre dos Relógios suspira, guarda o pano em um canto e coça a cabeça - ...sua jornada continua.

- Que seja. O que devo fazer agora?

- Não é exatamente eu que devo te dizer isso.

- Não? Mas você é um tutor! Espera-se que me dê alguma dica do que fazer agora, não?

- Minha dica é justamente essa: não sou eu a pessoa quem deve te dizer o que fazer.

 Isso só podia ser brincadeira. Tanto trabalho para nada? Por que ela teve que procurar um dos Mestres afinal? Eles não iriam dizer porcaria nenhuma!

- Está...tirando uma com a minha cara, não é? Se não vai me dizer nada, por que tive que vir até você?

- Porque você teria que vir até mim mais cedo ou mais tarde.

- Pra nada, né? - ela retruca, bufando de raiva.

- Como nada? Acabei de dizer que se não sou eu a pessoa que deve te dizer o que fazer, significa que existe uma pessoa capaz de te falar o que deve fazer, alguém que possa te orientar devidamente em suas escolhas.

A garota fica mais interessada.

- E quem é essa pessoa?

- Isso...você terá que descobrir sozinha.

 Ela bufa mais uma vez. Iria demorar séculos para sair daquele Labirinto se todo tutor que encontrasse só dissesse a mesma coisa. Como poderia avançar se só recebia mais enigmas cada vez que pensava ter descoberto algo novo.

- Deixe eu adivinhar...isso virá em outro sonho?

- Sempre preste atenção em seus sonhos...mas, além disso, preste atenção à sua volta.

- O que tem à minha volta?

- A pessoa que melhor pode te orientar está mais próxima do que você imagina.

- Isso não diz muita coisa

- Desculpe, não posso falar mais do que isso.

- Esperava mais de um Mestre dos Relógios...

- Você vai se lembrar de mim quando chegar a hora.

- Quando chegar a hora?

 O Mestre olha para o bolso dela, onde estava a esfera vermelha e pede para vê-la mais uma vez.

- O quê? A esfera.

- Essa esfera vermelha...ou o olho vermelho - diz ele, ao examiná-la novamente - Não se esqueça dele, tudo bem?

 Ele devolve a jóia para Monalisa que ainda não parecia nada satisfeita com seu encontro. Como poderia sair do lugar se não tivesse mais nenhuma pista?

- Não tem mais nada a me dizer

- Creio que por enquanto...é só isso

- Legal - ironiza Monalisa - Tanto trabalho para nada. Esse Labirinto só piora a cada dia. Começo a duvidar se existe mesmo um jeito de sair daqui.

- Certamente que sim. A questão é se você vai conseguir saber como fazer isso. Mas mesmo que não consiga, sua vida continuará do mesmo jeito.

- Minha vida nunca mais será do mesmo jeito! - diz ela, já virando as costas para ir embora, totalmente decepcionada com os poucos frutos que obteve, até que o Mestre dos Relógios dá um último aviso.

- Vamos nos ver de novo, Monalisa. Não precisa se preocupar.

 Ela apenas acena com a cabeça e sai da ótica, ainda nervosa por ter saído mais confusa do que entrou. Maldita a hora que escolheu ficar com o olho vermelho. Mas talvez o Mestre das Chaves também não fosse facilitar as coisas. Ao pegar a esfera vermelha que ainda carregava no bolso, começa a imaginar o que aquela jóia teria de especial. Por que ninguém pode dizer logo a verdade para ela?

"A única coisa de útil que ele disse foi que existe alguém capaz de me orientar e está perto de mim. Quem será?", pensa ela, "Talvez...seja melhor esperar o próximo sonho".


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Notas finais do capítulo

Se você também esperava mais do Mestre dos Relógios, faço das palavras dele as minhas: espere a hora certa. ^^

Lembre-se: não seria um Labirinto se fosse fácil achar a saída. E fique atento aos próximos capítulos.

Até!