Pesadelo do Real escrita por Metal_Will


Capítulo 1
Capítulo 01 - Tédio


Notas iniciais do capítulo

Seja bem-vindo a mais uma história do Metal_Will. Bem, apenas reforçando os avisos de notas das história, essa é uma história de ficção, mas contém alguns elementos que te ajudem a pensar na realidade.

Embora eu tenha classificado em gêneros como Terror e colocado avisos de Tortura, isso será mais psicológico do que físico. Você sabe que a mente pode ser bem assustadora...


O primeiro capítulo é mesmo só um aperitivo do que está por vir, porque, só para variar um pouquinho, essa história promete ser longa...então, prepare-se!

Expectativas? Bom, tenho as melhores possíveis. Fazendo uma auto-avaliação, não sei se vai tirar Casa dos Jogos do posto de melhor história que escrevi, mas tenho esperanças nela.

E, vamos ao que interessa. Boa leitura.



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"O tédio é o pior de todos os estados"

~ Voltaire

Capítulo 01 - Tédio

 - Com licença, mocinha - diz uma velha senhora de saia e blusa branca, aproximando-se de uma adolescente loira em uniforme escolar no ponto de ônibus - Poderia me dizer que horas são?

- Seis e meia - responde a garota, após um olhar de relance os ponteiros de seu relógio de pulso rosa.

- Muito obrigada - agradece a senhora, continuando sua caminhada. A garota sorri e suspira. "Seis e meia", pensa ela, após a velhinha já estar a alguns passos de distância, "Mas, na verdade, são seis e vinte e nove". Uma diferença ínfima para qualquer um. Com um relógio de pulso ninguém costuma prestar muita atenção na posição exata dos ponteiros, mas dizer que são seis e meia ao invés de seis e vinte e nove não seria uma mentira? Mas e se o relógio dela atrasou? Talvez realmente fossem seis e meia. Pelo menos, seis e meia ali, naquele país, naquela cidade. Porém, existiam outros lugares onde o fuso horário era diferente, e, naquele exato momento não seriam seis e meia, tampouco seis e vinte e nove. Tempo. Como entendê-lo? Como a pessoa que calibrou o primeiro relógio sabia que horas eram? Talvez ela tivesse calibrado ao meio-dia, no momento em que a visão do Sol estivesse bem no meio do céu. Mas mesmo o instante em que vemos o Sol bem no meio do céu muda de acordo com as estações do ano, não é verdade? Talvez ninguém tenha certeza da hora certa, se é que existe uma hora certa. Tudo foi só uma invenção para que tivéssemos um referencial de tempo. Tempo...ele de novo. Talvez ninguém nem saiba o que é o tempo, não é verdade?

 Todos esses pensamentos passaram pela mente de Monalisa após uma simples pergunta. Pensar era tudo que podia fazer, naquele momento de espera de um ônibus que a levaria para o colégio. Apenas duas pessoas compartilhavam aquele momento de espera com a garota. Uma moça, na casa dos vinte anos, com roupa social, provavelmente se dirigindo para o trabalho e um homem de camisa vermelha, com fones no ouvido que talvez também estivesse aguardando sua condução para o trabalho. Talvez, talvez. Não poderia saber. Não poderia ter certeza de nada. Eram apenas pessoas aguardando o ônibus, assim como ela, uma estudante de treze anos, na sétima série do Ensino Fundamental, magra, olhos esverdeados, longos cabelos loiros presos por uma chuquinha (um loiro mais voltado para o castanho, mas ainda assim loiro), brincos pequenos, uma pulseirinha roxa em um pulso e o relógio rosa no outro. Seu uniforme denunciava o nome de sua escola: Colégio Buena Fonte, fundado por imigrantes espanhóis. Fonte...era quase igual a seu sobrenome. Monalisa era um nome não muito comum, mas Fontes era um sobrenome bem usual. Monalisa Fontes, estudante do Colégio Buena Fonte. Era isso que ela era, não?

 Mas a garota achava aquilo meio injusto. Ela não sabia onde seus companheiros silenciosos de ponto de ônibus iriam, mas eles tinham uma grande pista sobre seu destino, afinal, seu uniforme a denunciava claramente. Pelo menos, era o que se podia concluir numa primeira impressão. Afinal, como garantir que ela iria mesmo para a escola? Ela poderia simplesmente pegar outro ônibus e matar aula. Era uma possibilidade, mas que dificilmente se realizaria. Não era do feitio dela. Monalisa é uma menina obediente e disciplinada, com notas regulares. Não era a primeira da classe, mas era inteligente o bastante. Na verdade, as matérias da escola não despertavam muito seu interesse. Embora ela lesse e estudasse tudo que os professores indicasse, nada daquilo parecia realmente surpreendente. Eram vários tópicos e assuntos que caíriam numa prova ou trabalho no decorrer do semestre, cujo conhecimento ela deveria ter se quisesse passar de ano. Mas e além disso? Nenhum de seus professores dava uma motivação realmente boa para aprender tudo aquilo.

 Quando questionados, seus professores normalmente diziam que aquilo seria importante para a faculdade. Mas se ela quisesse estudar Letras teria mesmo que saber a equação da elipse? Monalisa não tinha nenhum irmão mais velho (e nem mais novo), mas seus pais tinham curso superior. Tanto a mãe quanto o pai eram profissionais de Informática, trabalhando em empresas distintas e sempre ocupados com montes de projetos. Talvez nenhum deles precisasse se lembrar de que Togo fica na África. Aparentemente, ao se decidir por uma carreira, você acaba deixando de lado muitas outras opções. Talvez a escola fosse o último lugar onde você poderia ver de tudo um pouco, mas por que esse pouco de tudo não parecia nada interessante para Monalisa? Por que ela sentia que existiam coisas que não se poderia aprender em nenhuma escola do mundo?

 Era um tipo de sentimento que ela não conseguia explicar muito bem. Mas não eram apenas as matérias da escola que ela tinha dificuldades de entender a motivação. As pessoas ao seu redor também pareciam misteriosamente inexplicáveis. Não demora muito para seu ônibus chegar e a garota iniciar seu caminho motorizado para a escola, deixando de lado o rapaz ouvindo música (a moça que também estava no ponto pegou o ônibus antes dela). Dentro do veículo, ela procura um lugar para se sentar, coloca a mochila no colo e fica olhando a movimentação pela janela. E entra aqui mais um comportamento que qualquer menina de treze anos é capaz de perceber. No próximo ponto, entram mais duas pessoas e cada uma se senta em algum outro banco no lado da janela. O lado da janela é atraente para a maioria das pessoas e Monalisa estava incluída nessa categoria. Porém, parando e pensando, qual a diferença de se sentar no lado da janela ou do corredor? Caso sente alguém do seu lado, estar na janela torna a saída até mais difícil, não é? Mesmo assim, ela ainda preferia sentar na janela e ver o mundo lá fora.

 Por que ela preferia isso? Não sabia bem ao certo. Talvez as pessoas sempre desejem mais o que elas não tem do que aquilo que já possuem. Por que admirar tanto o exterior do ônibus? Seria uma vontade inconsciente de estar fora dele? O mundo exterior é mais interessante do que o interior? Talvez as pessoas de fora estejam numa maior liberdade do que ali, dentro das paredes daquela caixa que te desloca de um local a outro. Seria um desejo de se libertar logo dali? Não demoraria muito. O ônibus sempre vai parar, mais cedo ou mais tarde. Logo você irá descer, chegar em seu destino, fazer o que tem que fazer e tomar outro ônibus. Pelo menos essa era a rotina de Monalisa. Iria para o colégio, teria aulas, conversaria com as amigas, voltaria para casa, faria as lições, descansaria um pouco e retornaria no diaseguinte para a mesma rotina de sempre.

 Era uma vida previsível, sem dúvida. No entanto, a garota não tinha muitos outros interesses para acrescentar em sua rotina. Parece que tudo ao seu redor, de alguma forma, não tinha cor. Mesmo que fizesse algo relativamente excitante, talvez esgrima ou algum outro esporte, iria se sentir do mesmo jeito. Sua mãe a colocou num curso de inglês à tarde e ela já havia feito natação quando menor, mas mesmo que isso a ocupasse por algum tempo, no fim, não via graça em nada daquilo. Parece que todos fazem alguma coisa além das atividades normais para se distrair, passar o tempo. Alguns procuram cursos de línguas, outros praticam esportes, outros escrevem histórias. No entanto, parece que nenhuma atividade que ela escolhesse mudaria o fato de que sua vida continuaria tediosa. Você apenas acrescenta coisas a mais na sua vida, mas sua vida realmente muda? No fim, tudo acaba se tornando uma rotina, por mais coisas que você coloque em sua agenda. Quando sua aula de karatê acabar, você vai voltar para casa e ir para a escola no dia seguinte do mesmo jeito. O que muda? Será que realmente existe uma forma de mudar sua vida completamente? Provavelmente não.

 Monalisa dá sinal e desce no ponto para a escola. O caminho do ponto que descia até o seu colégio era curto. Bastava cruzar dois quarteirões e estaria lá de novo, no velho prédio da Buena Fonte. A mesma rotina de sempre. Ela suspira. De alguma forma, seu tédio naquele dia estava maior do que de costume. Será que nada iria mudar? Nada, simplesmente nada de extraordinário havia acontecido em seus longos treze anos de existência. Ela nunca viajou na vida, sequer havia saído daquela cidade. Seus pais eram tão ocupados que em alguns momentos ela até duvidava que eles lembravam da existência dela. Suas amigas tinham assuntos tão previsíveis que ela podia até adivinhar quantas vezes as palavras "roupa", "cabelo" e "Rafael da sala B" iriam aparecer. Isso, claro, as que conversavam um pouco com ela.  Mesmo sendo bonita, a personalidade introspectiva e apática de Monalisa não atraía muito os colegas. Mas o que ela poderia fazer? Tudo era tão misteriosamente chato e sem graça. Como ter tantas opções ao redor e nenhuma ser interessante? Monalisa não estava sendo ingrata. Podia dizer que tinha tudo que precisava para viver e não negava isso, mas nada do que tinha parecia tirar aquela sensação de vazio dentro dela. Aquela sensação de que nada parecia mudar e que iria permanecer assim para sempre.

 Enquanto se aproximava do primeiro quarteirão, ela olha para a rua à sua esquerda. A escola estava próxima e ela estava adiantada. Chegaria lá em menos de cinco minutos e ainda teria que esperar mais quinze até sua aula começar às sete e meia. Outros alunos seguiam pelo caminho, alheios à garota parada, diante do cruzamento entre a avenida da escola e uma rua estreita bem ao seu lado. Era uma rua residencial, só com casas de classe média, alguns vasos de flores nas varandas, carros nas garagens. Nunca havia passado por aquela rua. Sempre seguia o mesmo caminho. O mesmo caminho sempre. Ela olha mais uma vez para o relógio. Tempo...ela tinha de sobra. E se desse a volta por aquela rua? E se mudasse o caminho pelo menos uma vez? Era só seguir até o final, dar a volta e passar pela rua do outro lado. Não tomaria nem dez minutos, mas seria pelo menos uma forma de variar. Por que não?

 É o que ela decide fazer. Havia algumas crianças saindo das casas no carro dos pais e dava para ouvir algumas televisões ligadas no jornal da manhã. Era, de fato, um dia comum. Monalisa passa pela rua, vira à direita, depois à direita de novo e passa pela outra rua. Essa era um pouco mais vazia, mas ainda era residencial. Tinha um local com uma porta de ferro fechada que deveria ser alguma loja e ela vê um gato preto pulando em uma das casas. Gatos se assustavam fácil, não é? Em menos de dez minutos depois, ela estava de volta a seu caminho habitual. Foi isso. Nada demais.

"É como eu digo", pensou Monalisa, "Mesmo quando você quer mudar, tudo volta a ser como antes, mais cedo ou mais tarde".

 De fato, seu dia foi a mesma coisa de sempre. Amigas com os mesmos assuntos. Almoço na escola. Curso de inglês à tarde. No fim da tarde, era hora de voltar para casa.  Morava em uma residência relativamente espaçosa, embora não usufruisse quase nada de seu espaço. Vinha uma empregada uma vez por semana fazer a faxina e seus pais chegavam praticamente no mesmo horário que a garota.

- E então como foi seu dia, filha? - pergunta a mãe, dona de cabelos "loiros quase castanhos" como os da filha, enquanto cortava a carne comprada pronta, sem sequer olhar no rosto da filha. Coisa que Monalisa também não fazia muito.

- Normal - é tudo que a menina responde.

- E o seu, querido? - pergunta a mãe, enquanto tomava um gole de suco. O pai dela, cabelos curtos e óculos fora de moda, fazia algo em seu palmtop enquanto comia.

- Também normal - também é tudo que ele fala. Ele era o tipo de pessoa que levava trabalho até para casa - Desculpem...mas preciso mesmo resolver isso aqui. Eu como depois.

- Já terminei - diz Monalisa, se levantando e indo para seu quarto.

 Mas era mesmo assim. Poucas palavras com os pais,  jantar e  ir para o quarto. Aos fins de semana, a única mudança é que Monalisa ficava no quarto o dia todo, seja lendo algum livro ou assistindo filmes, e, mesmo com seus pais em casa, também não conversava muito com eles.

 Ao chegar em seu quarto, ela liga o computador para ver seus e-mails. Nada de novo.  Como sempre, nada de novo. Só restava dormir e aguardar a chegada de mais um dia tedioso. Talvez sonhasse com alguma coisa...mas mesmo seus sonhos costumavam ser sem graça. Nem mesmo durante o sono sua vida parecia ganhar cor. Estaria assim para sempre?

 Mas é aí que, em algum momento da noite, um sonho se inicia. Monalisa estava descalça, usando um vestido branco, leve e relativamente curto, de frente a uma garota  vestida exatamente igual a ela, mas parecia desconhecida. Parecia ter a mesma idade de Monalisa, mas tinha cabelos mais curtos e ruivos. Era bonita e de olhos distantes. Elas pareciam estar no topo de um edifício, desconhecido também, mas era no meio da cidade, onde se podia ver claramente todos os enormes prédios e arranha-céus. Era bem parecido com sua cidade, mas por que estava ali? Quem era aquela menina? Do nada, a companheira de sonho de Monalisa dá meia volta e começa a caminhar lentamente, sem olhar para trás, na direção da borda do edifício.

- O que está fazendo? - pergunta Monalisa, estranhando a ação da garota, que chegava cada vez mais perto das bordas. A ruiva misteriosa continua andando, sobe o pequeno degrau e fica bem na ponta do abismo, sentindo o perigoso vento que soprava e fazia seu leve vestido branco farfalhar. Ela se vira para trás e lança um sorriso para Monalisa.

- É perigoso - diz a loirinha, com um olhar assustado - Saia daí

- Não - responde a ruiva, balançando a cabeça - Eu tenho que fazer isso

- Fazer o quê? - Monalisa parecia mesmo assustada. Aquela cena já estava dando agonia e o vento só deixava tudo ainda mais perigoso.

- Monalisa...eu...descobri a verdade.

- Verdade? Que verdade?

 A garota não fala mais nada e só lança mais um sorriso antes de se deixar levar pelo peso e cair prédio abaixo. Monalisa arregala os olhos e tenta gritar, correndo até a garota, mas seu corpo parecia se mover em câmera lenta. Tarde demais. A moça misteriosa havia se jogado da imensa altura do prédio. Ao ver aquilo, ela só consegue se ajoelhar e tremer, tremer de medo e dúvida. O que havia acontecido? Como assim verdade? Que verdade ela havia descoberto?

 Monalisa abre os olhos e se vê em sua cama, coberta e olhando para cima. Um sonho? Ou pesadelo? Não sabia ao certo. Mas ela se lembrava do sonho, de cada instante, de cada passo que a ruiva misteriosa dava em direção à morte. O que foi aquilo?

"O que...foi aquilo?", pensa a mocinha, olhando para o teto, mesmo que a escuridão, na verdade, não a permitisse ver nada. Parece que alguma coisa havia mudado.


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Notas finais do capítulo

Como eu disse, o primeiro capítulo não mostra muita coisa, mas, como eu também disse, isso é só um aperitivo. Se a sinopse não te falou muito, os primeiros capítulos vão lançar mais dúvidas e mistérios ainda, mas isso que é a parte legal! XD

E então? Quais são suas expectativas? Deixe um review e se gostou mesmo, clique em Acompanhar História para receber as atualizações. Nosso pesadelo está só no começo...