Soundless Voice escrita por Isamu H Ikeda


Capítulo 1
Voz muda




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O silêncio tomou conta da minha vida desde aquele dia. Eu, que já era de poucas palavras e expressão séria, cheguei ao limite me tornando o que os outros chamam de amargurado. Não consigo sorrir. Aquela época, tão gloriosa, se foi. Agora tudo está diferente. Os tempos de guerra ficaram para trás e uma paz conquistada após duras batalhas reina consideravelmente.

Eu Lutei, matei, me feri, venci, perdi, sobrevivi e vi o Shinsengumi cair.

Saudosismo é agora, para mim, uma mistura incontrolável de nostalgia e decepção. Os ideais de um samurai já não tem mais tanta importância assim nos dias de hoje... Nem mesmo os jovens demonstram interesse em aprender a lutar. A arte da espada está se perdendo e meu coração endurece cada vez mais em que me deparo com isso.

Vi você cair também...

 

“Na noite em que todos os lugares,
estão em um silencio mortal.
A neve cai
em minha mão, eu a seguro.
A neve cai e derrete em um momento.
Que vida transitória.”

 

Parece injusto. Muitos lutaram e morreram por suas convicções. E, não fosse por um golpe de sorte, eu estaria na mesma situação. Embora tenha sido dado como “morto”. Hoje em dia não passo de um simples policial a cumprir meu dever para com a pátria, chamado Fujita Gorou. Inclusive me casei... Não exijo muito dela, e nem ela de mim. Convivemos tranquilos, apesar dos pesares...

Acredito que vocês se dariam muito bem...

Mas talvez fosse melhor ter morrido mesmo... Quem sabe? Sinto tanto desgosto que me tornei insuportável. Me cansei, já estou velho o suficiente para isso... Todos os meus companheiros já não estão mais aqui e nunca mais soube de Chizuru... Provavelmente deve estar bem, mas muito longe. Soube que Shinpachi está vivo, em algum lugar, escrevendo suas memórias e rodeado pela família que constituiu... Sinto-me feliz por ele. Ouvi boatos de que Harada teria sobrevivido também. Contudo, talvez ele tenha mudado de nome, assim como eu fiz.

É uma prática bastante comum, afinal.

E mudei tantas vezes de nome... Abandonei de vez o nome Saitou Hajime, com o qual obtive minhas mais calorosas conquistas... Me traz lembranças que gostaria de esquecer, mas sei que será impossível. Quero esquecer do meu passado, não como espadachim, mas como indivíduo.

 

“A neve é como uma pilha de luz
sem som
você a junta e sorri
como minha voz esta soando agora?
Mesmo se eu responder,você não consegue ouvir
nada mais.”

 

Um dia, eu disse que acreditava nas coisas imutáveis. Inocência minha pensar assim. Estava convicto de que nada iria se alterar, que os dias seguiriam como sempre seguiram... É como se eu tivesse sido negligente com tudo ao meu redor.

Especialmente ao seu respeito.

Apenas não passava pela minha cabeça que algo tão delicado como saúde fosse mudar de uma hora para outra. Aliás, estava certo de que nada iria transformar a nossa história. Perdi meus companheiros, meus comandantes, meus amigos...

Perdi a minha razão de continuar aqui.

Talvez só não quisesse entender, ou mesmo admitir as possibilidades. Eu apreciava tanto o florescer das cerejeiras e tomar meu chá sentindo a brisa tão reconfortante das manhãs, que confiei cegamente que momentos como esses seriam eternos.

Assim como a sua presença...

Meu amigo, meu melhor amigo... Como eras irritante... Deveras irritante. Me pego muitas vezes desejando egoisticamente que ao invés de Shinpachi ou Harada, fosse o seu nome que tivesse chegado aos meus ouvidos em frases esperançosas. Sou patético.

 

“Me diga que se você sente dor
Me diga se você está solitário
eu vou te encontrar em qualquer lugar."

 

Dizem que a neve é branca, pois esqueceu a sua cor. E eu gostaria de esquecer a minha também. Todas essas lembranças são dolorosas demais para prosseguirem comigo. Elas me assombram ao invés de reconfortar.

Contudo, dou longo suspiros conformados com um meio sorriso no rosto ao me recordar das brincadeiras inapropriadas que somente alguém como Okita Souji seria capaz de fazer. Era o jeito dele... Pensando bem, eu deveria ser sua vítima preferida para todas aquelas tolices. Eu reclamava, mas era feliz naquela época... Refletindo agora, eu era sim... Feliz.

O destino não se muda, o passado não se muda... Mesmo assim por que eu me sinto tão arrependido por algo que eu não era capaz de controlar?

E alguém seria capaz disso? Mudaria tudo? A história? Seria o certo?

 

"Por favor não me deixe sozinho
por favor,eu te imploro,não estamos
compartilhando uma só alma?”

 

Hein, Souji... Constantemente julgo que tudo foi injusto comigo, com vocês... Sinto que fomos traídos, desvalorizados... Fomos abandonados e nós, samurais, somos tratados como escória. Proibidos de exercermos o que nascemos para fazer. Nossas lutas já não fazem mais sentido.

Falta algo aqui, em mim.. Em tudo e todos. Quem sabe fosse muito mais fácil de se acostumar se eu não me sentisse tão estupidamente só. Você me compreendia como ninguém...“Hajime-kun” você dizia...

Por que... Por que você tinha que morrer?

 

“Enquanto a neve se empilha
você vai desaparecendo
eu não consigo fazer nada
além de te segurar firme"

 

Gostaria de te ver de novo. Sinto sua falta de uma maneira que jamais pensei que fosse possível. Até mesmo a ausência do seu sarcasmo me afeta. Não existe outro igual a ti. Astuto e cínico, tal qual uma raposa ardilosa, mas também forte e honrado como um verdadeiro samurai deve ser.

 

"Se possível, só mais uma vez
me deixe ouvir sua voz
mais uma vez, só mais uma vez
chame meu nome...”

 

Isso dói mais que uma ferida aberta. É uma dor insuportável... Qual a cura para a solidão? Qual a cura para a tristeza? Qual a cura para a perda? Se eu não tivesse um coração ou sentimentos, estaria curado? É isso?

Quando a primavera chega, a angustia vem junto. Não aguento mais observar as cerejeiras desabrochando. O brilho delas é como o seu, cativante e peculiar.

Se o vento fosse um mensageiro divino, eu lhe diria para levar todas estas palavras... Que levasse os meus sussurros para longe, que deixasse a minha voz perto de você... Afinal, jamais conheci alguém que me entendesse. Mesmo sendo meu perfeito oposto. Mas é como dizem por aí, eles se atraem.

 

“Seus olhos vazios estão fora de foco
eu vejo uma gota neles
nesse mundo cinzento
tudo é sem emoção

exceto pela neve”

 

Repentinamente, me dou conta de que não sei onde estou agora. Eu não ouço nenhum som. Tudo está... No mais absoluto branco. Um enorme tapete de neve em meus pés. Olho para minhas mãos, elas parecem sem cor, mortas... Penso em mexer os dedos, mas desisto mesmo antes de tentar. Parece inútil.

Novamente, me chamo de patético.

Fecho os olhos por um longo tempo, ouvindo o silêncio. Ao abri-los, percebo que estou no chão e há flocos caindo sob meu rosto.

 

 “Você esta ficando frio, sua voz se foi...
Nós nem podemos derreter ou ao outro como um só.
Me escute, sorria para mim de novo
não tendo mais lágrimas
não posso te derreter
com elas...”

 

Impotente, indefeso e abandonado por mim mesmo. Eu me dei por vencido. Que o tempo faça seu trabalho. De uns anos para cá, a bebida veio a ser o melhor remédio que eu poderia ter, mas também se tornou minha ruína.

“As coisas mudam com a passagem do tempo. O funcionamento do mundo, nossas crenças e até mesmo o Shinsengumi mudarão. Mas isso não significa que todas as coisas tenham que mudar. Eu acredito nas coisas que nunca mudam...”

As coisas que nunca mudam... Nenhum de nós dois mudou até o final... Souji... Estou chorando... Depois de tanto segurar as lágrimas, elas finalmente se libertam. Onde está você para rir da minha cara?

 

“Se possível
leve minha voz embora
e a dê para a minha pessoa preciosa

Se eu vou ser deixado
num mundo sem você,
me deixe
desaparecer
com você”

 

Poderia a neve, me levar até você?

 

 “Eu te amo, mas estou
incapacitado de te dizer.

Nosso mundo
esta alcançando
o fim”

 

Se me permitir dormir, sem me importar com o mundo, você virá em meus sonhos... E me levará contigo?

 

 “Por mais forte que eu grite
nem sua voz nem você irão voltar.
A neve vira tempestade
eu te imploro por favor não pare de cair
e me leve para longe com ela
deixe tudo desaparecer
com minha voz miserável, deixe tudo...
branco.”

 

Hein, Souji... Quando eu acordar... Estarei de volta à realidade? Ou estarei com você? Queria sorrir novamente, mesmo que somente uma vez...

—“ Hajime-kun...sorria!”


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