Preguiça, Gula e Vaidade escrita por Diego Lobo


Capítulo 9
Capítulo 8 - A porta




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/133707/chapter/9

O sol já estava em sua hora, mas as nuvens pesadas e escuras do céu não permitiam que, quem quer que estivesse naquele campo, apreciasse os raios dourados. Sendo assim, o que iluminava aquele lugar, eram os trovões impacientes anunciando uma tempestade iminente.

Alphonse olhou para o céu tempestuoso, parecia preocupado com alguma coisa.

 — Cherry... — disse baixinho.

O vento gelado surgiu arrastando folhas e gravetos, e tornando a cena mais sinistra do que já era.

— Não consigo entender! — resmungou Richard entre dentes — O que esta acontecendo aqui?

Alphonse ergueu o olhar rapidamente para o campo à frente, haviam formas escurecidas pela noite espalhadas por toda parte, como bonecas despedaçadas.

— Eu disse para cuidar melhor dos “seus”, Richard meu amigo. Principalmente depois da ultima vez.

Ali estavam alguns jovens de pé. Alphonse com as mãos nos bolsos pensava em varias coisas, Richard estava estático no mesmo lugar. Julius também estava ali, de braços cruzados ele observava a cena com certa calma. Haviam outros, jovens que receberam o pecado da ira e que seguiam Richard fielmente, observavam aterrorizado muito de seus amigos sem vida por todo o campo.

— Julius o que acha? — perguntou Alphonse sem se virar.

Julius caminhou até seu lado.

— Não sei o que esta atacando esses jovens, mas precisamos ter cautela...

— Tão próximo das minhas terras! — exclamou Alphonse abismado — Com uma tempestade dessas, como eu não...

— Esta claro que não é um inimigo comum, eu não conheço um pecado que seja capaz de fazer isso, não com tantos de uma vez.

— Como sabe que foi de uma vez?

Julius estreitou os olhos para olhar melhor.

— A forma como morreram, é quase como se o inimigo estivesse esperando que todos se reunissem, eu diria que foi com um só golpe.

Richard parecia pálido, muito diferente de um ano atrás, o rapaz tinha um aspecto doente e fraco, ainda mantinha sua fúria, mas parecia que ela o estava destruindo aos poucos.

Alphonse colocou sua mão envolta por uma luz azul no ombro de Richard, e esse imediatamente se acalmou.

— Vou vasculhar esse lugar inteiro meu amigo, eu prometo! — Richard aceitou — Agora vá, esses caras não merecem ver cena tão horrível!

E assim Alphonse desapareceu nas nuvens.

— Tudo é tão simples quando se pode desaparecer... — falou Julius.

Horas depois, Stevan teve que acordar de um sono pesado com as fortes batidas na porta.

— Não intendo porque você se da o trabalho de bater, o castelo é seu — resmungou Stevan abrindo a porta, ele se assustou por um segundo, pois não era só Alphonse que estava ali e sim uma dúzia de pessoas.

Alphonse bateu em sua cabeça.

— E você deveria ter descido para tomar café! — Alphonse olhou ao redor, o quarto de Stevan era uma completa bagunça — Meu deus Stevan! Se quiser te arranjo um outro quarto. Um para você habitar e outra para guardar sua bagunça.

Julian que também estava ali, parecia andar com extrema cautela, mal escondendo seu nojo. Basicamente o quarto de Stevan era um amontoado de papel, meias, e livros. Muitos livros.

Era bem escuro também, porque ele sempre mantinha as cortinas bem fechadas. Alphonse marchou irritado até elas e as abriu em um só golpe. A luz entrou com violência, não havia mais céu nublado, Stevan fugiu para as sobras como um pequenino camundongo.

Alphonse foi atrás do garoto e o puxou pelos pés, enquanto esse se agarrava na cama.

— Podemos ser sérios aqui? — falou Richard irritado, Alphonse resmungou e soltou o garoto, que já estava erguido do chão.

— Stevan, houve mais um ataque. Dessa vez foi nas proximidades das minhas terras, eu diria que foi bem próximo.

Stevan caminhou para os lados, pisava descalço na sua calça amarrotada, parecia ter uns treze anos de idade. Inclinou-se para uma mesinha, lá estava um tabuleiro de xadrez, as peças negras faltavam.

Com sua mão ele movimentou um peão para frente, todos os outros pareciam já ter sido movimentados.

— De acordo com os outros ataques... Esse provavelmente foi o ultimo— disse vagarosamente.

Richard e Alphonse respiraram aliviados.

— Mas porque iriam parar de atacar assim do nada? — perguntou o loiro sem compreender.

— Ah, me desculpe... Não quis dizer que parariam de atacar — Alphonse amarrou a cara — Eu me referia a o ultimo ataque, fora do território de Newcastle.

— Isso quer dizer... — Alphonse arregalou os olhos.

— Que agora os ataques serão diretos — completou Julius de olhos fechados.

— Sim — afirmou Stevan — Os outros ataques foram só um aviso... Não, foi uma maneira de intimidá-los, de mostrar o que o inimigo é capaz, e o quão próximo ele pode chegar.

— Esta brincando conosco! — urrou Richard.

— Ou talvez testando... — disse Stevan olhando para as outras peças do xadrez.

Alphonse pôs a mão no ombro do garoto e suspirou.

— Obrigado Stevan — ele se voltou aos outros — Farei uma viagem até os Estados Unidos, preciso me informar mais a respeito... Ficarei uma semana ausente.

— Uma semana? — perguntou Richard — É tempo demais Alphonse!

Alphonse sabia disso e não conseguiu esconder sua aflição.

— Não teremos uma tempestade até o mês que vem... É um período fraco e isso me impede de viajar da minha maneira. Uma semana será o bastante para que eu visite alguns lugares, e colha algumas informações.

— Podemos estar mortos até lá! — resmungou um dos jovens da Ira.

— Temos algum tempo — falou Stevan deitando em sua cama. Não dava a mínima para as pessoas em seu quarto que o observavam nervosas — Acredito que quem quer que esteja fazendo isso, vai estudar com cuidado todos os seus passos antes de atacar a todos nós.

— Então esta realmente atrás de nós? — perguntou Alphonse.

Stevan fechou os olhos, mas continuou falando.

— Eu tenho certeza que sim, mas posso estar enganado. Não sei vocês, mas quando houve o primeiro ataque a primeira coisa que fiz foi verificar o estado de cada uma das pessoas que transformei no pecado da preguiça.

— E o que descobriu? — Richard parecia concentrado.

— Houve apenas um suicídio meio que inexplicável, mas nada incomum entre nós. Julius não possui nenhuma criação, nem Jenny. Christopher e Verônica não podiam transformar outras pessoas...

— Seus cachorros foram mortos! — disse Richard, feliz em se lembrar — Lembro de Richard comentar algo, foi um verdadeiro massacre.

— Entendo... — Stevan se remexeu na cama como se estivesse sonhando — E quando foi isso?

— Ano passado, mas foi muito longe da fronteira das terras de Alphonse. Antes que fosse expulso do castelo... Talvez tenha sido no mesmo dia.

Stevan abriu os olhos.

— Isso é interessante — disse de repente.

— Não compreendo — falou Richard.

— Se os cachorros foram mortos no dia de sua expulsão, significa que foi no mesmo dia em que Christopher e Verônica tentaram retirar a vida de Cherry White. Os cães não podem ficar muito longe de seus criadores...

— Ou seja, o massacre foi nas redondezas de onde os ciganos fizeram o festival! — Alphonse associou as idéias, sabia onde era ao lugar é claro, já havia levado Cherry naquele lugar antes.

— E você se lembra de ter visto algo incomum? Alem dos acontecimentos daquele dia...

— Não — falou sincero, mas era difícil de se recordar. Alphonse só tinha a imagem de seu amigo Alex o atacando enlouquecido, enquanto Cherry morria nas mãos de Christopher.

— Alguma coisa aconteceu naquele dia... Um evento paralelo — falou Stevan pensativo — Se os cães estavam agindo em outro lugar nesse dia, cruzaram com alguma coisa que os destruiu.

— Será impossível descobrirmos — resmungou Richard.

— Mas é claro que não — disse Julius finalmente, todos prestaram atenção no jovem de encanto sobrenatural que os observava com um sorriso — Tudo o que tem fazer é perguntar ao Avareza.

Houve um certo silencio no local. No dia em que Christopher foi expulso do castelo, Alphonse quase o despedaçara, mas Julius surgiu com a idéia de mandá-lo para longe, alegando ter uma pequena mansão, muito alem do território de Alphonse.

Tanto Richard quanto Alphonse não gostaram da idéia de ter que visitar Christopher.

— A resposta esta ai — falou Stevan, agora sentado ele olhava para a mesa de xadrez.

Alphonse bufou.

— Merda — soltou sua indignação — Pra mim esse ser já estava morto.

— Quase isso — comentou Julius.

— Podemos ir juntos — falou Richard esperançoso.

— Sim, mas isso ficará pra depois da minha viagem — como o jovem loiro também não desejava fazer aquela visita naquele momento, ele não fez nenhuma objeção.

— Deixemos essa reunião para depois, quando tivermos mais informações — falou Julius se retirando tranqüilo.

— Eu prometo — falou Alphonse, e Richard assentiu, também saindo do quarto, levando seus seguidores.

O jovem ficou ali parando, soltando suspiros longos.

— Stevan, uma semana fora será tempo o bastante para Cherry tentar te convencer a entrar na mente dela novamente. Eu lhe proíbo que isso aconteça na minha ausência, esta ouvindo?

Stevan concordou.

— Cherry é bem persuasiva quando quer, e você dirá não para todas as suas investidas!

— Eu acho que já compreendi a sua ordem Alphonse.

— Ótimo! — ele olhou para as cortinas fechadas do quarto, não se deu conta que Stevam as fechara novamente — E eu quero essas porcarias abertas, e você fora do seu quarto!

Cherry fechou seu livro de química com força esperando que alguém percebesse sua impaciência com a aula, mas o som impensável de conversas paralelas abafaram seu descontentamento.

— Conseguiu acertar qualquer uma das questões? — perguntou nervosa para David que viera em sua mesa.

— Impossível já que o professor fez questão de passar brevemente sua explicação e ir direto aos exercícios — ele ajoelhou no chão e apoiou-se na mesa da garota, pareia um tanto cansado.

Ela pensou que David não fazia aquela matéria. Teria escutado errado.

— O que foi?

Ele levantou a cabeça de vagar.

— Esse ano começou muito puxado, já nem me lembro como era ficar a toa em casa... Alem dos estudos estou tendo treino dobrado de futebol, cada centímetro do meu corpo esta dolorido.

— Gosto quando você sofre, me da uma sensação boa.

David olhou surpreso para Cherry, que sorriu. Ele levou aquilo como brincadeira e afundou a cabeça em seus braços soltando um longo suspiro.

 No intervalo a garota optou por ficar na sala de aula, precisava adiantar aquela tarefa. Deixou bem claro para Alphonse que não queria encontrá-lo nos intervalos, a escola era um lugar que ela precisava buscar concentração.

Ela abriu seu caderno e fez um enorme círculo com sua caneta. Desenhou uma arvore pequena, ao menos tentou, um lago, alguns relevos e o anjo de gelo. Aquele era o mapa do lugar que visitara em sua mente. Retornou algumas vezes sob a supervisão de Alphonse, ma só intervalo de uma semana para cada nova tentativa era absurdo para ela.

Todos as tentativas foram em vão. Ela não conseguira encontrar a porta para prosseguir e isso a estava deixando estressada. Olhava o rabisco que fizera, tentando imaginar onde estaria a porta, já passara por aquele lugar repleto de neve varias vezes.

— Onde ela esta? — se perguntou mordendo o dedo.

As horas passavam como se a garota contasse os segundos. David estava disperso como ela, mas sua atenção parecia longe, então a garota ficou sozinha com seus pensamentos. Os professores não davam à mínima se um aluno não estava “presente” em sua aula, na verdade eles gostavam de deixar bem claro que isso era problema dos pais que pagavam preços exuberantes para seus filhos não fazerem absolutamente nada na escola.

Mas Cherry não conseguia evitar. Tinha essa estranha sensação de que haviam coisas mais importantes a tratar, o colégio era só uma faze que ela tinha que passar diariamente, a vida mesmo ficava do lado de fora. Ela olhou da janela, imaginou as coisas que havia passado. Pecados mortais tendo acabar com sua vida, duas experiências de “morte”.

Ela gostava de pensar na mais particular de todas. O lago.

Aquilo foi aterrorizante demais, não conseguia sair da água, estava presa em desespero...

— O LAGO!

Os alunos olharam assustada para ela, mas Cherry incrivelmente os ignorou. Estava alegre demais consigo mesma, tinha certeza de ter descoberto onde estava a porta. Mas seria possível? Tinha a certeza de que precisava retornar a sua mente, agora que sabia onde estava a porta. Alphonse lhe impôs um prazo de uma semana de espera, mas isso não importava agora com sua maravilhosa descoberta.

Esse na verdade estava igualmente disperso. O garoto Luxúria segurava a mão de Cherry, mas estava em outro lugar. Ela não se importou com aquilo também, apesar dele acariciar os seus dedos como se estivesse em um “modo automático” maluco.

No castelo, a jovem praticamente corria pelos corredores pensando onde poderia estar o quarto de Stevan. Alphonse apareceu na sua frente meio sério.

— Cherry, você tem um minuto? — perguntou, aquela maneira tão incomum fez com que a garota parasse imediatamente.

— O que foi Al? — ela estava assustada — Aconteceu alguma coisa?

— Sim — disse sincero — Os ataques... Sabe aqueles que aconteceram com os que foram “criados” pelo Richard? Então, dessa vez foi uma verdadeira chacina.

Cherry levou a mão a boca para conter seu assombro.

— Vou precisar fazer uma visita a Albert nos Estados Unidos, ele é mais informado que eu...

— E não estamos na temporada de tempestades! — exclamou ela se lembrando. Adotara o estranho costume de acompanhar as tempestades na TV e na internet.

— Sim. Então vou demorar um pouco pra voltar — Cherry o abraçou imediatamente e Alphonse se assustou.

— Ah Alphonse, droga! Porque você que tem que sair e resolver as coisas? Não gosto nada disso! Que droga!

Ele apoiou seu queixo na cabeça da garota e fechou os olhos abrindo um sorriso tranqüilo.

— Porque Richard é minha família. Depois dele pode ser Jenny, Stevan, Julius... Você. Não vou permitir isso — ele se separou dela com seus braços injustamente fortes.

— Mande um oi pra Zahara, eu perdi contato com ela tem meses...

Zahara era a Gula original que morava junto com Albert. Os dois formavam um casal bastante incomum, mas Cherry encontrava varias semelhanças.

Alphonse suspirou, dês que a garota fizesse um drama maior, mas ele sabia o que porque de ter sido daquele jeito.

— Quero te informar que deixei bem claro ao Stevan que ele esta terminantemente proibido de suar seus poderes em você na minha ausência. Eu fui bem sério quando disse isso a ele.

Cherry revirou os olhos nervosa, parecia que ia explodir em argumentos.

— Não quero saber dos seus argumentos Cherry querida, essa foi minha ordem! — ele sorriu — Agora venha comigo que tenho uma surpresa pra você antes de ir. Se eu morrer no caminho é provável que você se martirize para vida toda com esse meu presente.

— Veremos — disse ela, ainda furiosa com essa medida preventiva de Alphonse.

O garoto tampou os olhos de Cherry com as mãos, ela amarrou a cara tentando imaginar o que a esperava.

— Não esta muito longe!

De olhos fechados algo aconteceu. Cherry sentiu o frio daquele lugar na sua mente, mesmo que não fosse possível ver nada, ela sentia a neve em sua pele. Alphonse estaria inconscientemente fazendo isso com ela? Afinal suas mãos estavam tocando a garota.

Ele a guiou até onde queria levá-la.

— Não pode espiar! — disse animado.

A sua suspeita era de que estava parada de frente a uma porta, não era tão difícil ver o que estava na sua frente. Alphonse deu um chute leve na porta, ela abriu por completo. Guiou a garota mais alguns metros a frente, o lugar parecia bastante iluminado.

— Pode olhar — falou, retirando as mãos rapidamente.

A luz atacou os olhos de Cherry imediatamente, fazendo-a fechar nervosa. Mas aos poucos ele espiou onde estava e soltou uma exclamação alta.

— Minha nossa!

Trava-se de um gigantesco salão repleto de livros. Mas não estavam em estantes como em bibliotecas. Não, foram presos a parede, por toda a parede. Os livros circulavam todo o salão até quase o teto, e haviam varias escadarias, como se fossem andares, permitindo um tranqüilo acesso a cada livro. De fato alguma bibliotecas eram assim, mas Cherry jamais vira alguma coisa parecida com aquele tamanho colossal. Eram muitos livros.

— Não consigo acreditar! — falou boa girando no mesmo lugar.

— Costumava ser aberta ao publico... Mas depois que minha faleceu ninguém se dispôs a supervisionar esse lugar, eu não tenho tempo pra isso.

— Alphonse... Esse lugar é incrível! — Cherry não estava nem ai se parecia ridícula, o lugar era magnífico.

Não era só livros jogados na parede. Era tudo perfeitamente organizado, com vários detalhes de ouro por toda a parte, a estrutura era toda trabalhada, como se fosse um santuário dos livros.

— Você gostou? — perguntou ele encantado com a expressão de Cherry.

— Sim... — ela olhou para Alphonse — Não se atreva a dizer que é meu!

Ele abriu um sorriso safado.

— Não se atreva a dizer que é meu! — disse ela tentando não rir e chorar — Não permito!

Cherry o abraçou mais uma vez, bem apertado.

— Eu nem ia te dar nada...

— Cala boca! — falou ela se acomodando em seus braços.

Ficou lá por horas. Alphonse foi embora meia hora depois de abraçá-la, conseguindo deixar a garota de coração apertado com sua viajem. Nesse tempo ela pegou vários livros para dar uma olhada, era uma verdadeira raridade de coleções. Não só em inglês, mas também em muitas outras línguas. Cherry imaginou como aquilo deveria ser importante para a cultura da cidade, deveria ter obras ali que não seriam encontradas em parte alguma.

Susan a criada amiga de Cherry, apareceu com biscoitinhos e chá. Ela não estava com muita fome, mas acabou comendo. Novamente sozinha, perfeitamente acomodada em uma das varias poltronas que haviam ali, sentiu novamente a necessidade de retornar a sua mente. A essa hora Alphonse estaria bem longe de Newcastle.

— Preciso tentar...

Uma coisa engraçada que ela percebeu era que Alphonse quisera fazer uma surpresa pra ela, mas não havia necessidade nenhuma em tampar a sua visão por todo o caminho.

— Por todo o maldito caminho! — exclamou ela nervosa, estava completamente perdida — Custava tampar meus olhos na frente da porcaria da porta?

Ela imaginou que o garoto deveria estar gargalhando de iria naquela hora. “Maldito!”, resmungou. O castelo sendo gigantesco era facilmente propicio a perdas. Ela jamais visitara aquela parte do castelo, não era possível se localizar, pois haviam muitos corredores e escadas, e as janelas não davam um noção de onde exatamente a garota se encontrava.

— Mas merda! — ela chutou uma escultura angelical, que machucou seu pé por ser bastante solida.

De repente ela ouviu uma conversinha vindo de perto de onde estava. Não sabendo porque, ela se esgueirou pelas paredes e espiou. Lá estavam um grupo enorme de garotas magricelas, pareciam modelos. Julius estava lá também, e um homem de terno conversava com ele.

— Que irritante! — falou Julius olhando para as garotas, por algum motivo elas não se importaram com o comentário — Já lhe disse tantas vezes que não suporto modelos aqui na minha casa! Veja que bagunça!

As garotas pareciam em estase. Nenhuma falava inglês, então obviamente Julius poderia xingá-las à-vontade.

— Senhor, elas fazem parte da promoção que o senhor concordou em participar. São ganhadoras! Ganharam a chance de conhecer pessoalmente o maior modelo da Ingla...

— Do mundo — corrigiu ele impaciente — Estou lembrando disso... Maldição, não tenho disposição nenhuma para dar atenção a essas garotas!

Ele fingiu um sorriso para elas.

— Mandem elas entrar! Vou ficar uns cinco ou dez minutos com ela, então você mostra um pouco do castelo, lhe de brindes, não me importa! — uma das garotas foi para cima de Julius e pegou em seu cabelo, Cherry viu a expressão esquisitíssima do rapaz. Ela riu baixinho.

O homem de terno levou o grupo imediatamente para dentro, o que deixou as modelos e maior alegria. Sozinho ali no corredor, uma criada com um avental enorme cheio de bolso passou tranqüilo.

— Poderia me emprestar uma tesoura? — perguntou ele gentil.

A criada corou, e lhe entregou uma tesoura imediatamente. Julius pegou o objeto e cortou uma mecha de seu cabelo reluzente. A mulher exclamou surpresa.

— Sujou — explicou-lhe sorrindo.

Cherry observou aquilo com bastante estranheza. O jovem entrou em seu quarto e ela prosseguiu naquele corredor, imaginando que estaria no caminho certo. Mas estava errada.

— Com licença voe poderia me informar onde é meu... — ela começou  pergunta para a criada que passava no corredor, quando lembrou-se de seu objetivo — Poderia me informar onde fica o quarto do Stevan?

A mulher bastante educada se ofereceu a levá-la diretamente até lá, e foi bem demorado por sinal. “Nunca iria achar!”, pensou. Agradeceu a criada e bateu na porta meio nervosa.

— Ah, é você Cherry White — respondeu um sonolento Stevan.

— Oi, tudo bem? — ela abriu o sorriso mais falso da terra.

— Tudo bem. Mas devo te informar que Alphonse deixou bem claro que...

— Ah, que se dane Alphonse! — falou irritada — Eu vim te visitar oras... O que você faz de bom pra passar o tempo?

Stevan suspirou.

— Devo considerar isso uma pergunta sincera?

— Sim.

E dizendo isso Cherry entrou no quarto do garoto a força, ficando horrorizada com tamanha bagunça. Imediatamente ela abriu as cortinas.

— Você e Alphonse devem ter alguma coisa contra cortinas! — ele se enfurnou no lado escuro do quarto. Seu computador estava ligado em algum tipo de site erótico.

— Até que são bem naturais, o Mike gostava das mais loiras e artificiais — falou Cherry clicando no computador.

— São os hormônios que tenho que lidar, meu corpo sente a necessidade de ver essas imagens algumas vezes por mês — explicou o garoto sentando em sua cama e apanhando um livro.

— Você precisa falar das coisas como se fosse um robô? — ela o encarou, era difícil sentir desprezo por aquele garoto, parecia tão infantil e bonito, como uma criança mesmo.

— Desculpe... É que nós os pecados da preguiça avaliamos as coisas do mundo de uma maneira diferente. Acabo de me lembrar que perdi minha aula de violino.

— Você faz aula de violino? È tipo um lance de gente esperta?

— Pode ser... Parando pra analisar, eu faço aula de violino, piano, flauta e violão. Não acho que pessoas comuns se interessariam por tanto. É uma boa pergunta.

Cherry estava estressada demais, queria entrar logo em sua mente, mas Stevan parecia bem decidido. Haviam vários livros espalhados pelo chão, ela se aventurou a pegar um grande e grosso “Psicologia da mente”.

— Não se importa se eu ficar aqui com você não, é? — falou ela se atirando na cama com o livro na mão.

— De forma alguma, por favor, fique à-vontade, vou estar um tanto ocupado aqui no meu computador — Cherry espiou a tela, dessa vez pareciam sites de textos e noticias.

E realmente ficou ocupado. Por uma hora ou mais o garoto ficou de frente a tela do computador observando imagens e lendo textos e mais textos. A garota afundou em um livro de psicologia, era um pouco interessante, “estudo dos sonhos” entre outros assuntos que pareciam fazer total sentido.

— Preciso te contar uma coisa... — falou Cherry de repente.

Stevan não disse nada.

— Hoje mais cedo, eu tive uma experiência estranha... Alphonse tampou meus olhos com as mãos e eu tive a sensação de que estava naquele lugar frio novamente.

Stevan continuou digitando, mas falou:

— Os poderes de Alphonse instigaram a “lembrança” de seu cérebro, tornando a sensação de estar lá, real. Porém, o fato dessa lembrança ser tão facilmente acessada só mostra como ele estava certo em estipular uma semana de visita mental a outra. Você esta claramente desejosa por voltar para o “seu mundo” e isso pode ser algo ruim, causar dependência e uma série de etc..

Cherry queria jogar aquele livro pesado na cabeça do garoto que parecia nunca terminar de falar. Verdades.

— Desculpe.

— Não se desculpe — falou chateada e virando para o lado.

Adormeceu por alguns minutos, Stevan parecia estar falando com alguém pelo computador. Ela espiou para ver com que ele conversava.

— Desculpe se te acordei...

— Pare de se desculpar!  — disse zangada, havia alguém na tela do computador. Um garoto da mesma idade que Stevan.

Usava óculos e tinha cabelos bem compridos e uma pele bastante pálida e cheia de espinhas, extremamente diferente de Stevan. Ela não sabia o que era, mas conseguia identificar que ele não era normal como as outras pessoas, provavelmente era um pecado.

— Stevan os dados que você me passou são bastante interessante, mas receio dizer que me carece fontes de pesquisa para a questão. Já tentou comunicar com a preguiça da escócia? Ou alguma americana?

Stevan parecia meio desapontado.

— Como havia lhe informado, a preguiça da escócia cometeu suicídio... Não consigo estabelecer contato com nossos amigos da America — disse ele como uma voz serena — Essas informações não foram divulgadas ainda porque não quis causar um alarde antes da hora. Precisamos agir com o Maximo de calma, sem precipitações.

— Stevan, é sensato ignorar que o suicídio foi cometido por nosso “membro” mais informado? E não ignore as mensagens que ele deixou sobre ter menções religiosas que podem vir a ser interessantes...

— Ele nunca as mencionou, demorou semanas para nos contatar novamente. Tudo indica que foi tomado por algum sintoma depressivo. Você sabe que é comum entre nós, e por favor não vamos aderir a teorias conspiratórias tão precipitadamente.

O garoto no computador finalmente notara a presença de Cherry no fundo, e ficou distraído. Stevan olhou para trás e explicou:

— Cherry White. Estou ajudando-a a entrar em sua mente, e aproveitando para testar algumas coisas que aprendi lendo psicologia.

O olhar do amigo de Stevan não escondia o seu desejo, demorando demais nas curva da garota.

— Ela é bem sensual — falou de repente. Cherry ficou admirada com o comentário repentino.

— Obrigada... — ela pensou rapidamente — Estou aqui o dia inteiro esperando que o Stevan me ajude, mas não tive sucesso.

Ela fez um beicinho.

— Boa tentativa Cherry, mas ainda não posso — falou Stevan sorrindo.

— Eu posso! — falou então o outro jovem, chamando atenção dos dois — Se quiser eu posso te ajudar.

— Não seja patético! — disse Stevan, meio nervoso pela primeira vez — Alphonse ordenou que ela esperança uma semana.

— Ordenou? — disse Cherry indignada.

— Ah mim ele não ordenou nada — o rapaz olhou para Cherry repleto de esperança que a garota aceitasse sua ajuda.

Stevan virou sua cadeira para encarar a garota.

— Ele só esta querendo te ajudar porque te achou extremamente atraente, e também por sua falta de contato com outras garotas — explicou sério — Isso somado ao fato de ser bem inesperiente no uso de seus poderes.

— Calunia! — disse o rapaz horrorizado na tela.

— Você deixou seu professor em coma por três semanas!

— Não foi minha culpa, eu estava dormindo e ele me tocou = tentou se explicar.

— Você a deveria ter aprendido a evitar situações assim.

Ela bufou alto nervosa.

— Calem a boca vocês dois! — disse, ela levantou e apoio na tela do computador — Stevan, se você não me ajudar eu vu recorrer a seu amigo aqui. Tenho certeza que Alphonse vai ficar muito feliz de me ver em coma quando voltar.

A garota abriu um sorriso vitorioso quando viu que Stevan ficou sem resposta.

— Você é bem persuasiva... Alphonse me falou que seria, mas não imaginei que conseguiria.

Ele suspirou profundamente.

— Deite na cama, por favor — pediu.

Stevan andou de vagar até ela, que parecia bem decidida, e tocou sua testa. Cherry adormeceu imediatamente, como das outras vezes.

— Alphonse não vai ficar feliz se descobrir que eu permiti isso — falou Stevan temeroso, seu amigo no computador não estava mais lá.

No escuro, a garota correu para frente. Achou a porta que levava para sua mente rapidamente, atravessando o corredor as pressas e descendo as escadas. Estava, afim, no salão de neve.

Porque não me contou que sabe onde esta aporta?

Stevan começara o processo de varredura em sua mente, que ela detestara, mas não havia como evitar.

— Acho que fiquei zangada quando você disse que não iria me ajudar hoje.

Se tivesse me contado talvez eu teria considerado...

— Isso não importa agora! — falou desinteressada — Preciso achar aquele lago.

Ela atravessou a neve fofa, que dificultava muito sua caminhada, e encontrou o anjo de gelo na mesma posição.

— Eu estou falando, mas nada aconteceu. Pensei que eu não poderia fazer nenhum som...

Digamos que estamos trapaceando sua mente. Eu coloquei a sua presença em uma espécie de modo silencioso.

— Isso vai nos causar problemas?

Até agora, não vejo nada de errado.

A garota correu por toda parte, passou pela arvore torta que estava envolta por um fogo azul intenso.

“Cherry, Cherry, cereja de gelo!”

— O que é isso? — perguntou ela, haviam vozes repetindo aquilo por todo lugar. Pareciam crianças.

Ignore Cherry, você deve estar perto.

E de fato estava. O lago reluzia com a luz do lugar, como se fosse feito de prata. Seu pé parou antes de pisar na superfície fina do lago.

— Não vejo porta nenhuma — disse ela soltando um sopro gelado de fumaça.

Enxergou a si mesma no lago. Usava um vestido azul, e um laço branco. Havia algo estranho naquele reflexo. Cherry inclinou-se até a fina camada de gelo e tomou um susto.

Acalme-se.

 Não Era seu reflexo, apesar da semelhança, e sim ela mesma. Uma outra Cherry estava pó baixo do gelo, de olhos fechado como se estivesse dormindo. E não era só uma, haviam varias, milhares de Cherry.

Precisa continuar.

Ela respirou fundo, buscar alguma coragem naquele frio era muito difícil. Quando pisou no gelo, todas garotas adormecidas começaram a se debater com violência respondendo aquele passo. Aquilo lhe provocou um pavor imenso, mas continuou andando, enquanto as figuras se debatiam tentando sair daquele lugar, seus punhos acertando a camada de gelo, que afinal de contas não era tão fina assim.

Cherry apertou o passo a frente, não queria olhar para baixo, mas não conseguia ver porta alguma. Era como se o lago se estendesse a cada passo seu. Então ela resolveu correr.

As garotas se multiplicavam, quase não se via a água, milhares de pernas e braços se debatendo loucamente. Eram agora corpos nus, sem cabelos, expressões contorcidas e olhos bem abertos. Arrepiou a espinha de Cherry, que corria sem parar.

Ela tropeçou em algo, batendo com força no gelo, que se quer rachou.

— Uma maçaneta! — falou sentindo-se ridícula. Mas sim, era uma maçaneta saindo do lago congelado.

Cherry olhou para baixo, havia uma porta enorme do outro lado do gelo. O anjo movimentou a cabeça lentamente em direção da garota, e ela pode sentir seu olhar gélido.

— Quero sair desse lugar! — ela pôs a mão na maçaneta extremamente gélida e girou.

Nada aconteceu.

— Stevan! — chamou — Stevan me ajude, não quer abrir!

Não houve resposta nenhuma. O mar de criaturas parecia incessante e aterrorizante, emitiam um som assustador, como se houvesse milhões de pessoas se atingindo. Um som abafado, uma sensação conhecida, um silencio mortífero. Tudo fazia terrivelmente sentido.

Tentou girar a maçaneta com mais força, mas a porta não se mexia, o gelo não partia. O vento soprou com violência, levantando a neve.

— STEVAN!        — berrou com medo.

O anjo em seu lugar, movimentou seu braço para um sinal de silencio. Tudo começou a desaparecer, mas antes disso a garota baixou os olhos na maçaneta, logo a baixo dela haviam hum buraco coberto pela neve, que ela não vira antes.

— Uma fechadura! — falou despertando agitada.

Stevan estava ao seu lado, parecia meio preocupado.

— A porta... Tem uma fechadura nela — falou ofegante.

— Você precisa da chave...

Ela percebeu que ele estava bem pensativo.

— O que foi?

— Cherry, acho que você não deveria continuar com isso. É o meu conselho — Cherry balançou a cabeça em negativa, mas ele continuou — A sua mente percebeu a trapaça e criou uma chave, dificultando ainda mais as coisas. Nunca vi isso, é uma defesa muito grande... Não sei quais serão de fato as conseqüências se você entrar naquela porta. Pode ser extremamente perigoso.

— É só minha mente! — resmungou levantando da cama — Nada vai acontecer!

Ela caiu no chão.

— Cherry! — Stevan foi sem eu auxilio.

Cherry não conseguia movimentar as pernas, era como se lhe faltasse forças. Sua cabeça girava sem parar, vomitou imediatamente. A musica do musical Grease lhe veio a cabeça, começou a repetir um refrão sem parar.

— PARA COM ISSO! — berrou — FAÇA PARAR!

Stevan colou os dedos na testa da garota, que relaxou um pouco.

— Alphonse estava completamente certo — disse, enquanto colocava a garota na cama.

A visão da garota começara a escurecer, e ela sentia que iria dormir em breve. Stevan a olhava com uma expressão ilegível, pensativa.

— Me desculpe...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Se tiver alguém lendo ainda, deixe review xD
bjus



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Preguiça, Gula e Vaidade" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.