Preguiça, Gula e Vaidade escrita por Diego Lobo


Capítulo 3
Capitulo 2 - Fingindo


Notas iniciais do capítulo

(Perséfone) Capitulo Betado *.~
espero que gostem :)



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Cherry procurou guardar o máximo possível daquele cenário maravilhoso visto de sua janela, quantas inspirações literárias vieram daquele lindo jardim. Suas malas já haviam sido levadas para o carro, ela resolveu abandonar alguns livros, não fazia mais sentido guardá-los. Sentia-se meio apreensiva com tudo aquilo.

— Senhorita — chamou à voz chorosa, Christine a criada baixinha abriu a porta com cuidado, fungava sem parar — A limusine já esta esperando...

A mulher chorava quietinha, Cherry sorriu e a abraçou.

— Vou sentir sua falta Christine, você foi uma verdadeira mãe pra mim nesse lugar!

— Eu já lhe disse senhorita, que minha grande amiga Susan trabalha naquele castelo e ela vai estar a sua disposição!

Ela agradeceu a sua única amiga no castelo e olhou para seu quarto uma ultima vez até enfim descer as escadarias. Não se preocupou em se despedir de sua avó Ana Belle, essa nem estava no castelo, o motorista veio lhe ajudar com algumas bagagens de mão. Cherry não sentia que seria difícil abandonar aquele lugar, e sim morar com Alphonse.

Já na estrada, ela suspirava imaginando que tipo de planos, Alphonse estaria aprontando para sua chegada, imaginava um grandiosa festa ou algo relacionado, nada simples viria dele. Aqueles pensamentos a alegraram um pouco, pois era sempre divertido pensar nele. O castelo desaparecia aos poucos e ela tinha essa sensação de que não voltaria mais para aquele lugar nunca mais.

É claro que ela estava errada.

— Podemos pegar o caminho longo? — pediu ao motorista que imediatamente concordou, passaram então pelo centro de Newcastle.

A cidade que a primeira vista parecia pequena sempre se revelava gigantesca, Cherry não saberia se localizar se o motorista simplesmente a deixasse em qualquer rua. As maravilhosas pontes em com seus gigantescos aros eram um grande atrativo da cidade, sem se esquecer do majestoso rio Tyne que cortava a cidade tranquilamente permitindo que várias embarcações navegassem por suas águas.

Ela fitou a margem do rio com tristeza, lembrando dos eventos que ocorreram no ano anterior. Passava tudo tão rápido em sua cabeça que preferiu fechar os olhos e tentar focar em outra coisa.

“Jenny parou de me ligar... Isso seria um bom ou mal sinal?” pensou ela, referindo-se ao fato da amiga ter ligado durante a manhã inteira. Estava muito ansiosa com a chegada de Cherry ao castelo, listou vários afazeres que as duas desempenhariam todos os dias com bastante empolgação.

Empolgação que Cherry não conseguia corresponder.

— Senhorita. Irei fechar as janelas, vem um temporal aí. Por favor, se certifique de estar usando o cinto de segurança — e dizendo isso, as janelas da limusine se fecharam. Poucos minutos depois se podia ouvir as fortes trovoadas no céu.

Apoiou o queixo com a mão revirando os olhos, as gotas começaram a bater no vidro com força, mas Cherry não ligou para isso. Sua preocupação era outra.

— Não dava pra esperar a minha chegada como uma pessoa normal? — falou ela sem tirar os olhos da janela.

Uma risada conhecida surgiu do nada junto com a voz masculina de alguém, que respondeu:

— Não resisti você estava demorando tanto... — disse Alphonse bem perto da garota — Vim me certificar que esta tudo bem!

Cherry suspirou.

— Não acredito que vou fazer isso Al, parece que ultimamente eu perdi a capacidade de raciocinar corretamente.

Alphonse fez a conhecida expressão de quem não entendera absolutamente nada, e aquilo irritou a garota.

— É tudo na base do impulso entende? Não existe mais lógica e nem bom senso, você tirou isso de mim!

— Cherry minha cereja doce, não me culpe por você ter se apaixonado perdidamente por mim. — respondeu ele com a simplicidade de sempre.

— Paixão é uma palavra muito forte, doença mental seria um termo melhor... — resmungava ela olhando a cidade.

De repente o jovem apanhou sua mão livre, imediatamente todos os pelos do corpo de Cherry ganharam vida. Ela corou.

— Estou te esperando no meu castelo minha doce  e linda cerejinha — disse ele com um sorriso.

— Como não teve luz azul dessa vez? — ela de repente se lembrou.

— Hm... Você reparou? — disse ele desconcertado — É meio complicado de explicar...

— SEMPRE É COMPLICADO ALPHONSE! — assim como Alphonse, Cherry se espantou com sua repentina explosão.

— Senhorita você disse alguma coisa? — o motorista olhava preocupado para a garota, mas ela não entendia nada. Alphonse estava bem ao seu lado, ele não achava isso estranho?

O cérebro de Cherry fez um “clique”.

— Não é nada, me desculpe. — disse ela envergonhada, o homem voltou-se para frente.

— Ele não pode vê-lo não é? — disse ela um pouco séria.

— Não pode — respondeu ele.

— Agora você consegue ficar invisível? — perguntou ela um tanto aborrecida — Poxa, os truques de vocês parecem não ter fim não é mesmo?

— Cherry querida... Não estou invisível — ela o encarou, nervosa — É que eu não estou no carro.

— Do que você esta falando? Onde diabos você esta?

— No meu castelo, te esperando. — a simplicidade da resposta lhe deixava furiosa.

— Como? Você esta bem aqui do meu lado seu idiota! — Alphonse fazia uma cara extremamente exagerada com o ataque repentino, era um deboche — Eu sei que pode aparecer e desaparecer dos lugares quando tem um porcaria de tempestade, mas nunca em dois lugares ao mesmo tempo!

— Mas eu já disse que estou no castelo, e não no carro...

Cherry explodiu mais uma vez erguendo o punho para socar o rapaz, mas algo estranho aconteceu. Seu punho atravessou a cabeça de Alphonse, em uma cena bizarra em que seu braço parecia perfurar um dos olhos do rapaz.

— O que esta havendo? — perguntou espantada, retirando rapidamente a sua mão.

Alphonse continuava intacto.

— Você é um holograma ou alguma coisa do tipo? — perguntou ela considerando ser impossível não pensar nos filmes de ficção científica.

— Mais ou menos — ele deu de ombros — Só você pode me ver, a imagem esta sendo projetada de sua mente.

— Da minha mente? Você esta se comunicando comigo da minha mente? — ela parecia horrorizado.

— Cherry minha querida guloseima, não entendo o seu espanto. Eu lhe disse que aos poucos eu conseguia decifrar o complexo código que é a sua mente, com isso vem essas vantagens.

Milhões de coisas passaram pela cabeça de Cherry na velocidade dos raios do céu, e então a imagem de Alphonse começava a ficar distorcida.

— Vai com calma nas suposições Cherry querida! Você esta provocando interferência!

— Eu não sou uma televisão!

— Mas o funcionamento é parecido, quando sua mente estiver cheia de pensamentos fica difícil de acessá-la...

— Invadi-la você quer dizer! — interrompeu ela.

— Não se preocupe, o seu maior medo deve ser se os seus olhos se tornam os meus; não é?

O coração de Cherry disparou com violência.

— Por mais que a idéia de vê-la tomando banho ou se despindo seja extremamente, e deliciosamente tentadora, eu nunca fiz nada parecido... Mesmo porque eu ainda não decifrei esse código — a ultima parte ele falou com bastante rapidez.

Cherry fechou os olhos e suspirou.

— Escuta Alphonse... Eu gosto muito de você, infelizmente você sabe disso. — ele a olhava concentrado — Mas se eu for morar no seu castelo, você vai precisar mudar alguns... Hábitos seus.

— Como assim?

Ela massageou o nervo da testa.

— Digamos que eu não estou feliz com você nesse momento, e com seu comportamento. Quero que reflita um pouco sobre suas atitudes e veja o que precisa melhorar, ou vai tornar minha estadia nada prazerosa, esta me entendendo agora?

Alphonse ficou paralisado por alguns minutos, enquanto Cherry se sentia a mãe de alguém.

— Olha Alphonse, morar com você é um passo muito importante, diferente de só namorar... Diferente do que tínhamos antes.

— Diferente como? — perguntou ele extremamente intricado.

— Diferente em todos os sentidos! — ela disse entre dentes.

Mais uma vez Alphonse ficou paralisado.

— Preciso ir — e dizendo assim ele simplesmente desapareceu.

— Alphonse? — ela chamou de repente — Alphonse! Volte aqui, eu não estou brigando com você, seu idiota cabeça de vento!

Mas não houve resposta.

Com o silencio ela voltou aos seus pensamentos, tentando ignorar o motorista que a encarava com certo medo. Com razão já que a garota havia falado sozinha esse tempo todo.

A lembrança das férias lhe vieram a mente, quando ela e Alphonse foram a Baltimore nos Estados Unidos visitar seus pais.

Cherry abraçou seu pai com força, pois dessa vez havia uma boa noticia. Após serem injustamente acusados, os pais da garota precisaram se afastar dos filhos, mas Jenny, em sua versão adulta graças aos poderes da gula, conseguiu livrá-lo das acusações.

— Fiquei tão feliz quando soube! — disse ela apertando o pai, esse era uma verdadeira versão mais velha de Mike.

— Sua amiga foi de grande ajuda! — disse a mãe aparecendo por trás, Cherry também sorriu para ela.

— Agora querida você e Mike podem finalmente voltar para casa! — de repente o sorriso da garota se desfez, e ela nem se dera conta disso.

— Vamos, entrem vocês dois! Tem jantar na mesa! — disse a mãe rapidamente.

A mãe de Cherry tinha cabelos lindos e loiros que lhe desciam até as costas, usava chinelos e um vestidinho ambos confortáveis, enquanto arrumava a mesa ela passou ligeira pelo marido e bagunçou seus cabelos castanhos perfeitamente arrumados para trás.

Alphonse sorria o tempo todo, apreciando qualquer coisa que a mãe de Cherry servia, como sempre os dois pareciam possuir alguma ligação misteriosa.

— Me diga Denise tem lido algo interessante ultimamente? Confesso estar meio ausente no mundo da leitura nesses últimos dias.

— Eu não tive tempo de comprar livros novos, então eu reli “Encantada” algumas vezes, nunca me canso!

Cherry afundava na cadeira conforme os dois discutiam sobre os romances eróticos que compartilhavam em comum. O pai de Cherry, Hector, como sempre não fazia idéia de que livros eram.

— Mike não vai descer? — perguntou Hector meio aborrecido, o filho chegara mais cedo que Cherry e Alphonse, mas assim que os dois chegaram, ele se trancara em seu velho quarto.

Apesar de tudo Mike não conseguia suportar o fato de ter que dividir o mesmo espaço que Alphonse, o pecado da Luxúria.

— Deixe Hector, quando ele sentir fome ele vai atacar a geladeira — falou Denise calmamente.

— Não está certo, é um jantar em família! — resmungou o homem.

— O senhor me permite ir chamá-lo? — pediu Alphonse de repente.

Cherry lhe chutou e sussurrou em avisos:

— Não Alphonse, péssima idéia! — mas Alphonse já havia se levantado — Al!

Ela sorriu em disfarce para o pai, fitando o rapaz desaparecer da sala. Cherry nunca soube o que houve naquele quarto, mas depois de minutos Mike se juntou a eles.

— E então Alphonse... Já fez seus dezoito anos? — perguntou Hector olhando para sua comida.

— Quase senhor, quase mesmo! — respondeu ele abocanhando um rosbife.

Cherry estava mais interessada em Mike, ele olhava para Alphonse pensativo, o que fez ela ficar bastante inquieta de curiosidade.

— Querida você emagreceu? — perguntou a mãe um pouco aflita.

Não havia como esconder, Cherry já havia notado isso nas ultimas semanas.

— Sim, mas vou ganhar tudo de volta na minha estadia aqui! — disse ela rindo.

— Estadia? — disse o pai com rispidez — Querida, a situação se estabilizou. Você vai voltar para sua casa, que é o seu lugar!

O assunto retornou mais cedo que Denise esperava. Alphonse passou a mão nas costas da garota, e ela se sentiu um pouco segura.

— Olha papai, se o senhor não se importar... Eu gostaria de terminar meus estudos em Newcastle.

— Negativo! — respondeu o pai com seriedade — Não existe motivo algum para que você continue naquele lugar com sua avó, seu lugar é com sua família.

— Me deixa terminar meus estudos...

— Por favor, Cherry! Não tente enganar seu pai, todos dessa mesa tem plena consciência do verdadeiro motivo que a leva querer ficar na Inglaterra! — ele encarou Alphonse com alguns segundos de atraso.

Os olhos de Cherry começaram a encher de água, não conseguia discutir com seu pai, ela o amava demais. Mas ao mesmo tempo sentia a dor que seria ter que ficar em Baltimore e ver Alphonse voltar para Newcastle sozinho. Como se fosse tudo um sonho e que estava na hora de acordar.

— Mas papa... — ela iria chorar quando Mike interrompeu.

— Eu também vou voltar! — disse ele de olhos fechados mastigando a comida.

— Mas o que é isso agora? — perguntou o pai em alto tom, parecia mais nervoso — Meus dois filhos querem abandonar a família?

— Eu tenho alguns assuntos para resolver em Newcastle pai — disse Mike sério, como nunca havia sido perto de seu pai.

— Você quer é sair da minha casa é isso o que quer!

— Eu tenho dezessete, vai acontecer de qualquer jeito — disse Mike ainda de olhos fechados, comendo.

— Eu devo achar então que agora você virou uma pessoa bastante madura, capaz de tomar suas próprias decisões. Como se sua reprovação na escola não fosse nada!

Cherry teve a estranha sensação de que o assunto se voltaria para Mike, e que não acabaria nada bem.

— Eu já me decidi pai! — falou Mike rígido encarando o homem ­— Vou ficar com Muriel até resolver algumas coisas!

Hector levantou da mesa encarando o filho e em seguida se retirou da sala de jantar sem falar nada. Denise olhava triste o marido deixar o lugar.

— Você deveria falar com seu pai Mike, os dois deveriam. Ele ficou tão feliz em saber que vocês poderiam voltar pra casa!

Então com essas palavras Cherry se sentiu um monstro horroroso e egoísta. Imaginou o pai feliz com a notícia e como ela e seu irmão arrancaram essa alegria dele, a idéia de poder ficar com os filhos novamente.

— Vai dar tudo certo Cherry — disse Alphonse, mas nem ele estava tão seguro assim, parecia mais uma vez compartilhar de seus pensamentos ou sensações. Mesmo assim ela retribuiu um sorriso torto.

— Alphonse me ajuda com a louça? — perguntou a mãe se levantando levando os pratos.

Imediatamente o jovem foi atrás da mulher, deixando Cherry e Mike sozinhos em um silêncio perturbador. Seu irmão juntou as mãos olhando para a mesa, pensativo demais.

— Então você vai voltar? — disse ela de repente, Mike não se mexeu.

— Tenho assuntos para resolver...

— É você disse! — interrompeu — Esses assuntos envolvem essa bobagem de enfrentar os pecados com Muriel?

Mike a encarou finalmente e aquilo serviu de resposta.

— A sua burrice Mike, não limites — ela o encarou também — Como você pode ser tão estúpido para entrar nessa guerrinha pessoal...

— Guerrinha pessoal? — Mike interrompeu a irmã com um tom ameaçador e dominante — Cherry, enquanto você vive a sua fantasia ridícula com seu namoradinho pessoas morrem a todo tempo, sofrem, graças aos pecados. Enquanto você se preocupa com essas futilidades sem futuro, o mundo esta cada vez pior!

Ela ficou paralisada por alguns segundos, seu sangue fervendo loucamente, sua boca se mexeu involuntariamente.

— O que você sabe sobre qualquer coisa Mike? Acha que agora que esta vivendo isolado do mundo com aquela velha maluca você virou um homem? — Cherry soltou uma gargalhada forçada — Você continua o mesmo moleque chorão de sempre! Não sabe lidar com situação nenhuma, quem é você pra falar qualquer coisa sobre mim? Quando é você que perde a razão com qualquer garota que aparecer por acaso!

Mike arregalou os olhos absorvendo a insulta.

— Ah não me venha agora me dizer que você cresceu e seus problemas são maiores, você continua tão infantil como sempre. Sem vontade própria, sempre seguindo as ordens dos outros! Quando foi que você viveu sua própria vida Mike?

O rapaz levantou nervoso para sair da sala enquanto Cherry gritava:

— NUNCA! — ela continuou — NUNCA VIVEU A PROPRIA VIDA!

Cherry estava de pé quando sua mãe se aproximou e tampou sua boca de repente, ela se arrependeu depois, mas na hora ela nem se quer pensou, quando se livrou de Denise dando um tapa no braço da mulher.

Denise a olhou assustada como se outra pessoa estivesse na sua frente, Cherry sentiu muita vergonha, antes que pudesse dizer qualquer coisa à mão se manifestou.

— Minha querida, você... — ela respirou fundo e abriu seu sorriso perpétuo — Você precisa resolver seu problema logo, precisamos concordar que essa Cherry já cansou a todos, e que a velha viria em hora perfeita.

— O que você quer mamãe? — disse ela de repente em prantos — Que eu volte a ser aquela criatura bizarra que ninguém compreende?

— Não — disse ela passando a mão nos cabelos arrumados da garota — Quero que volte a ser feliz.

Cherry encostou a cabeça no vidro da janela, sentindo as dores de sempre, e o conflito interno que a deixava enlouquecida. Ela tinha expectativa em chegar logo no castelo, pois Alphonse prometera ajudá-la com seu segredo, mas ao mesmo tempo existia um medo de que em nada aquilo tudo a ajudasse e ela, sem escolha, precisasse continuar fingindo.


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