Alterego escrita por Gavrilo, Drablaze


Capítulo 2
Capítulo 2




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Seria um longo caminho à capital, possivelmente cheio de dificuldades uma após a outra, já que Daisuke não podia se dar ao luxo de ser visto fora de um "ponto seguro", mas mesmo assim sentia um certo alívio. Finalmente podia voltar a viver ao invés de simplesmente sobreviver; tinha feito suas próprias escolhas a respeito de seu futuro e estava seguindo o plano.

A longa jornada era apenas uma caminhada, como as que dava há muitos anos... Daisuke voltava para casa após passar a tarde com seu amigo Masaru, apesar dos protestos de seus pais. Diziam que não era boa influência, se metia em empreendimentos estranhos e acima de tudo era órfão. Mais de uma vez Daisuke o surpreendeu em suas excentricidades.

Em certa ocasião, Daisuke notou que alguns móveis haviam sumido da sala de estar, apenas para encontrar seus resquícios em um armário. Estavam praticamente desintegrados, mas por algum motivo eles transmitiam a sensação de terem sido móveis antes. Ao lado estavam páginas de anotações que mais pareciam ser provenientes de um livro de feitiços, principalmente com a caligrafia rústica de Masaru.

Esquisitisses à parte, Daisuke achava muito divertido o modo de vida de seu amigo, sem ter que se preocupar em agradar a ninguém. Até porque, de modo geral, Masaru podia ser chamado de um verdadeiro hedonista, sempre com alguma nova diversão. O que vivia não podia ser chamado de liberdade; bastavam algumas grades na janela de seu quarto para tornar-se um prisioneiro propriamente dito. Mas logo aprendeu que tudo é relativo.

De fato não havia grades na janela de Daisuke quando este regressava, nem vidro. A porta da frente estava escancarada, e um calafrio subiu pela espinha do garoto. Por que não fugiu? Seria a chance perfeita de passar um tempo fora de casa, e ninguém o julgaria por fazer a escolha mais segura no momento. Bastava ligar para a polícia... mas já era tarde, seu horrível futuro o aguardava.

Interrompido por uma picada dolorosa na nuca Daisuke mal teve tempo de olhar para trás antes de desmaiar — não que a ligação serviria para alguma coisa, tampouco fugir para a casa de Masaru, como posteriormente descobriria. Não sabia quanto tempo permanecera imóvel, mas tinha a impressão de estar consciente, pois sonhava uma espécie de recapitulação de fatos aleatórios.

"Evidências de vida alienígena", "Meteorito avistado", "Cientistas estudam a origem do conhecimento humano", "Os homens magnéticos"... enfim, todo o tipo de notícia que buscava ignorar. Mas os sonhos persistiam com tal frequência que Daisuke foi obrigado a render-se e fazer o que fosse preciso para acordar.

Tocou em um misterioso meteorito localizado no meio do nada e viu-se em uma enorme sala branca, preenchida apenas com uma cadeira e seu corpo acorrentado. Não demorou muito para surgir uma grande tela de televisão do alto, mas apenas o áudio parecia ser transmitido. Enquanto via estática, uma voz sinistra preencheu os tímpanos de Daisuke:

— Não se preocupe, vai acabar logo. Senhor Kubo Daisuke, você é justamente a pessoa que estávamos esperando, bem como o mestre Evige previu. Esperamos por sua colaboração a fim de nos desenvolvermos tanto mental quando física e espiritualmente.

— Espere, que porcaria é essa? — exclamou com ódio implacável nos olhos — Que direito você tem de me manter aqui contra minha vontade, por acaso é um policial?

— Oh, sangue quente, acredito que vou me divertir muito com você. Quanto aos meus direitos, ei-los aqui — conforme falava, três outras telas desciam, mostrando o pai, mãe e irmã de Daisuke na mesma situação —. Posso te chamar de Daisuke? Enfim Daisuke, deixe-me avisá-lo que cobaias como eles são dispensáveis.

Daisuke contorceu-se furiosamente para conter sua fúria, mas continuava com seu olhar obstinado.

— Muito bom, você é esperto, mas quando despertar seu alterego verá que não está sendo racional. Deixando-se manipular por estranhos que por coincidência compartilham do mesmo sangue? Faz-me rir.

— Pode tentar fazer o que quiser, mas nunca vou abandonar minha família.

— Veremos sobre isso.

Todas as telas se retiravam enquanto homens vestindo trajes antinucleares que ocultavam suas faces e corpos traziam um conjunto de equipamentos cirúrgicos. Daisuke logo protestou:

— Ei, ei, o que vocês estão fazendo? Não vão começar uma cirurgia aqui, certo?

— Não se preocupe, não precisamos ter pressa. Ainda faltam 102 anos... mas vou pedir sua colaboração aqui — respondeu aquele que parecia ser o médico, com a mesma voz sinistra de antes, enquanto colocava uma mordaça em Daisuke e aplicava uma injeção.

Daisuke agora estava em uma ilha cercada por um mar amarelado. Como viu-se livre, logo tentou escapar, mas o máximo que fez foi encontrar algumas pessoas, todas com o mesmo uniforme. Daisuke surpreendeu-se a ver sua irmã e foi em sua direção, exclamando:

— Kyoko, você está bem?

— Dai... não, seu nome não é Daisuke, e o meu não é Kyoko — respondeu com desgosto —. Você não recebeu as instruções?

— Instruções? Ah!

Tudo tinha passado tão depressa que Daisuke nem percebeu quando o doutor passou um conjunto de instruções, mas por alguma razão conseguia lembrar-se claramente: "Todos vocês acabaram de morrer e nasceram de novo. Seu antigo "eu" apenas servirá para atrapalhar; deem razão ao seu "outro eu", seu "alterego". Se averiguarem em suas mentes verão um nome mais apropriado à sua nova vida".

— Meu nome é Morph, prazer em te conhecer.

— Que palhaçada é essa? Seu nome é Kyoko, o meu é Daisuke, e vamos sair daqui agora mesmo.

Daisuke tentou agarrar sua irmã pelo braço, mas foi repelido com um empurrão.

— Desculpe... mas eu não te conheço — disse com lágrimas nos olhos e recuou.

Aos poucos Daisuke foi se lembrando, contra sua vontade, o que estava acontecendo. As cobaias foram separadas em grupos e postas em ilhas isoladas umas das outras, com um simples objetivo: sobreviver. No centro da ilha há um pedaço de meteorito, disponível perpétuamente para aumentar suas habilidades... "Mas tentem não morrer por muita radiação, por favor".

As coisas não eram tão simples assim, entretanto. Desafios aleatórios impostos pelos cientistas, mudanças climáticas, comida escassa e traidores dentro do grupo tornavam a atmosfera insuportável. Pouco a pouco o grupo foi se separando em subdivisões, mas essencialmente era cada um por si. Identidades, famílias e vínculos afetivos não importavam mais.

Daisuke era o mais são do grupo, e ele sabia que isso não podia ser coisa boa. Recusava-se a se expor à radiação, ignorava a maioria das ordens e exigia ser chamado por Daisuke. Esse comportamento inspirava uns, mas a maioria ficava simplesmente mais irritada ainda, gerando certos rumores de que ele só estava ali para atrapalhar e/ou recebia tratamento especial.

Esse foi o início do fim.

Eventualmente as coisas ficaram tão fora de controle que os cientistas não conseguiam monitorar as atividades do grupo de Daisuke por um tempo. Quando a conexão foi reestabelecida, a primeira fase estava completa: apenas um sobreviveu. Não Daisuke, mas um recipiente sem vida, sem expressão, sem vontade. O garoto foi então transportado de volta à sala branca, de onde nunca realmente saíra.

Até pouco tempo atrás, Daisuke mal podia esperar para alcançar a maioridade e sair de casa para enfim ter sua "liberdade" da família, mas não importava. A única coisa que mantinha sua sanidade era a esperança em seus familiares. Só neles poderia confiar até o fim, e nunca os trairia. Com efeito nunca os traiu de verdade, mas o fato é que sua irmã estava morta, e isso era pior que sua própria morte. Nem notou a figura do cientista que se aproximava, dizendo:

— Você é realmente especial, Daisuke. Quer dizer, pelo menos baseado nos resultados das três outras cobaias... Quer saber o que aconteceu?

Daisuke manteve-se em silêncio.

— Excelente! Tem razão, o destino de estranhos não importa mais; não ao seu novo "eu". Como prêmio eu vou esclarecer algumas coisas.

De acordo com o cientista, aquela era uma base de experimentos onde localizava-se o meteorito que atingiu o planeta. Ficava em um lugar praticamente inóspito e tinha o apoio de grandes influências, então ninguém poderia interferir. A família de Daisuke foi escolhida como as primeiras cobaias do "Projeto Neo-Humano", que buscava meios de utilizar a radiação do meteorito como meio de aumentar as capacidades humanas.

Toda pessoa possui suas peculiaridades, maneiras, medos, objetivos... é o que constitui o ego. Mas o ego é formado por vários fatores distintos interferindo na verdadeira essência do ser, então não é possível dizer que o ego é a verdadeira natureza de alguém. Culturas ensinam a honrar a família, mas será isso que realmente queremos? Aprendemos valores inúteis, virtudes desvantajosas, limites estritos...

Mas então onde estaria nosso "eu" verdadeiro? Na tal alma, dizem muitos. Mas o que é a alma? Se até o núcleo de uma átomo, por menor que seja, é revolto por elétrons, devemos também poder encontrar a alma pela parede que a protege — mesmo sem sequer sabermos o que ela é. Aí entra o meteorito.

A níveis normais, a radiação não teve nenhum efeito observável pela ciência, mas foi notado que ratos expostos a ela assumiam comportamentos completamente diferentes. Se antes, devido a outros experimentos, evitavam comer um certo tipo de queijo, agora o faziam sem hesitar. Seria um sinal de que a alma tinha sido exposta, e portanto seu "eu" natural se manifestava? Seu alterego?

As pesquisas buscaram desenvolver modos de materializar esse alterego, chegando a resultados teóricos espantosos. Quando fizeram a primeira simulação, notaram o surgimento de uma área amarelada que protegia o usuário de danos, denominado campo AE, e habilidades além dos limites humanos.

— Dito isso, foi impressionante como você conseguiu lidar com a simulação só com uma amplificação das aptidões físicas, mas não foi culpa sua. Não duvido mais de suas capacidades, mas bem que você podia ter adquirido uma habilidade mais útil do que...

Daisuke libertou-se de seu transe — e das correntes também — e suspendeu o velho pela cabeça, levando-o violentamente ao chão em seguida. Imobilizado, o cientista pôde apenas observar enquanto Daisuke o golpeava repetidamente, segurando sua força pois não queria matá-lo tão depressa. Em seguida um gás verde invadiu o local e Daisuke novamente perdeu a consciência, mas não sem antes ter certeza de cuspir na cara da vítima.

Daisuke foi posto em uma câmara refrigerada de onde saíria quando fosse desenvolvida tecnologia o suficiente para testar, e conter, suas habilidades no futuro. Mas esse tempo nunca chegou. Poucos dias depois houve uma enorme explosão que espalhou a radiação modificada pelo mundo inteiro e transformou todos em "super-humanos". Isso é, todos os que não morreram.

Sendo achado por Natt apenas 100 anos depois, Daisuke não demorou para perceber que era tanto uma ameaça quanto uma esperança aos seus inimigos. Que inimigos eram esses? Não sabia, mas primeiro tinha que aprender a sobreviver sozinho lutando contra feras famintas e soldados, roubando armas e vivendo naquele ambiente terrível. Quando terminou seu "treinamento", enfim podia dedicar-se à sua causa: vingança.


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