Alterego escrita por Gavrilo, Drablaze


Capítulo 15
Capítulo 15




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A cruel realidade se confundia com lembranças angustiantes à medida em que Daisuke se aventurava furiosamente pelo interior do laboratório. Por que fazia isso não sabia ao certo; não devia encontrar nada diferente do que já esperava. Cadáveres conservados, câmaras de tortura, máquinas estranhas e odor de produtos químicos preenchiam o local.

Se o alterego fazia tantas maravilhas no mundo, tudo foi graças às pesquisas feitas por homens inescrupulosos. Como dispunham de total apoio de muitas organizações influentes, podiam realizar os mais bárbaros testes pelo puro ato de ver o que aconteceria. Quando Daisuke pareceu se acalmar, Masaru lhe dirigiu a palavra:

— Você já deve ter notado, mas este lugar não é uma herança de 100 anos atrás.

— Então... Evige ainda está vivo?

— De certa forma, sim — respondeu o amigo, com um sorriso sombrio —. Sim, Evige morreu neste local e um novo Evige tomou seu lugar.

— Você o matou?

— Digamos que tínhamos diferenças irreconciliáveis, e que sua fórmula para a vida eterna não serviu para muita coisa. Mas Daisuke, Evige deveria ser a menor de suas preocupações no momento.

O cientista tinha companheiros, tão perigosos e ambiciosos quanto ele, senão mais. Evige e seu grupo trabalharam com a Aliança sob o pretexto de estarem interessados no alterego, o que não era mentira; entretanto, o principal interesse sempre foi a vida eterna. Após a catástrofe, os cientistas deixaram a Aliança com os segredos obtidos e depois disso assumiu-se que estavam mortos.

Longe disso. Muito tempo depois de se juntar à Aliança, Masaru obteve informações sobre o paradeiro do grupo com o próprio Evige, não mais líder ou sequer membro.

— Devia ver o cara, estava tão acabado que eu quase comecei a sentir pena.

E não era para menos, considerando o que Masaru descobriu. Não conseguiu capturar os fugitivos, mas achou uma de suas bases e estudou cuidadosamente suas atividades no laboratório.

— Então isto é... — interrompeu Daisuke.

— Sim, o local de trabalho deles. A imortalidade que Evige descobriu não é algo que se obtém só com recursos e conhecimento. O processo todo é bastante circunstancial, de forma que este lugar não foi escolhido à toa. No máximo eles conseguirão enganar a morte por mais alguns anos, e por isso já começaram a agir. Ah, primeiro preciso dizer como tudo funciona.

Simplificando, era algo como transferência de mente. Era necessário um hospedeiro, de preferência morto, para alojar a alma daquele que desejasse viver eternamente. Entretanto, como o corpo eventualmente começaria a rejeitar uma essência que não é sua própria, o processo devia ser repetido continuamente com outros hospedeiros. O maior impedimento era o alterego original, que protegia os resquícios de alma do hospedeiro.

Para impedir o alterego de agir, os cientistas de forma bem literal remodelavam suas próprias almas e assim enganavam a proteção por um tempo. Claro que era um processo não apenas perigoso como desgastante. Imagine viver com alguém diferente dentro de si, absorvendo todas as suas memórias, gostos, pecados e defeitos? Viver anos explorando a natureza humana e seus mais vis defeitos?

Assim, muitos membros desertaram até sobrarem uns poucos, que cansados do doloroso processo decidiram fazer do mundo inteiro um objeto de experimento. Exatamente em um ano a partir de então, quando a absorção da radiação chegaria ao seu nível máximo, utilizariam as ondas para criar uma "vacina" forçosa contra o alterego. O choque então anularia as defesas da maioria da população e as tornaria alvos fáceis.

— Enfim — concluiu Evige —, parece que esses idiotas estão interessados em usar você para contribuir ao plano, então esteja avisado. Já enviei ao Novivida de Natt dados sobre os ataques do grupo, caso tenha algum interesse.

Evige mal podia conter sua empolgação por poder ver Daisuke em ação, e talvez por isso não notou a aura sinistra ao redor deste. Quando fez menção de aproximar-se, Daisuke o impediu:

— Não dê mais um passo se gosta de sua vida.

— Oh, então você notou. Acho que eu realmente não sirvo para ser um vilão neste caso...

Estava mais do que claro que Evige desejava a imortalidade para si próprio, aproveitando as pesquisas deixadas no laboratório. Mas por quê?

— É tudo para o projeto Daisuke, amigo.

Sim, desde o início o que mais interessava a Masaru não era um super-herói fantástico. Se já fosse difícil ser um protetor fiel da justiça, suportando todos os obstáculos com a única condição de assegurar a paz, imagine como seria aquele que pudesse derrotá-lo? O projeto Daisuke foi criado para dar um início e fim ao mais forte dos heróis.

Ficou claro o verdadeiro significado por trás da frase de Evige: "saiba que desse jeito provavelmente vai ser morto logo logo, e não vai ser por seus inimigos". Mesmo naquele momento, Daisuke não considerava Evige um inimigo. O Evige que queria inventar coisas interessantes era o mesmo Evige que não via problemas em sacrificar os outros para sua satisfação pessoal. Por quê? Porque era interessante.

— Mas não sou só eu quem vai matá-lo, Daisuke, é você mesmo. Eu venho acompanhando seus movimentos já faz algum tempo e fico feliz por não ter mudado muito, mas esse será o seu maior erro. Mesmo quando infringe algum ferimento fatal no inimigo, por extrema necessidade, sempre tenta fazer o possível para salvá-lo. Até hoje não há nenhum registro de um soldado morto em combate contra Kubo Daisuke. Acredito que até na sua recente luta contra Fremme você pelo menos congelaria o ferimento causado pelo golpe no pescoço se não fosse pelo alterego dele, não?

Era verdade, e Daisuke não negava. Sabia que não era o estilo de vida mais racional e que ideais bonitos eram apenas defeitos. Aceitando seu destino como um eterno tolo, um palhaço que desafia o mundo para o entretenimento das massas, Daisuke sorriu e disse suas últimas palavras ao amigo:

— Sim, mas e daí?

Após isso, Natt insistiu que o garoto tratasse de seus ferimentos em um hospital, então passaram um dia na cidade. Reabilitado, mais por sua incrível capacidade de recuperação do que perícia dos médicos, Daisuke retomou sua jornada junto a Natt. O destino seria uma pequena vila a leste dali, onde soldados da Aliança desapareceram durante uma missão de caça aos cientistas renegados.

Daisuke explicou o que tinha presenciado e seus planos para o futuro, sem muito ânimo, e depois retornou ao seu estado de silêncio absoluto. Natt já estava acostumada à atmosfera um tanto desconfortável e não insistia em mudá-la, até porque não saberia sobre o que conversar. Por algum motivo, entretanto, sentiu-se insatisfeita com a situação e tomou coragem para iniciar a conversação:

— Ei... É uma pergunta estranha, mas por que você está fazendo tudo isso?

— An? — surpreendeu-se Daisuke.

— Ah, n-nada, pode ignorar o que eu disse — desculpou-se Natt, enrubescida —. Foi uma pergunta estranha mesmo.

— Tudo bem, eu acho que nunca falei muito sobre mim, apesar de saber tanto à respeito de sua vida. É apenas justo que saiba pelo menos isso, já que somos parceiros.

— S-sim, claro, tudo pelo bem da parceria!

— Parece um desejo vazio, mas eu apenas quero ser o guerreiro perfeito.

Natt sabia o que Daisuke queria dizer com isso. Fora treinada com esse fim, então entendia a mensagem por trás da frase. Um bom assassino nada mais é do que um bom guerreiro, que encerra suas batalhas antes mesmo de elas começarem. Mas Daisuke queria mais. Ele queria encerrar todas as batalhas antes de surgirem como possibilidade, sem derramar uma gota de sangue.

O garoto não pensava assim por ser prático ou racional. Simplesmente era assim que imaginava ser o herói ideal, protegendo o mundo ideal. Não, talvez precisasse ser o vilão no final das contas, mas não importava.

— É estranho, não? — indagou Daisuke — Eu sei que você não deve entender, mas é algo que eu preciso alcançar.

— Não, eu entendo. É verdade que você é estranho, por mais de um motivo, mas de alguma forma consigo vê-lo como o guerreiro que deseja ser. Provavelmente é o único tipo de pessoa que consegue salvar o mundo afinal.

— ... Obrigado, acho.

Seguiram o resto do caminho no mais sereno silêncio agora que Natt havia resolvido essa questão. Mesmo ela, uma falha criada artificialmente como soldado perfeito, podia compreender o que Daisuke pensava. Evige estava certo: a garota não se importava com ideais, Aliança, revoluções, política e coisas do tipo. Mas enquanto estivesse ao lado de Daisuke, sabia que estava no caminho certo.

No funesto laboratório, Evige admirava sua mais incrível invenção, que estava prestes a ser completa. Diante dele estava um grande tubo cheio de um líquido amarelado no qual encontrava-se mergulhado um jovem muito parecido com Daisuke, com o corpo coberto por fios e cabos metálicos. Logo chegaria a hora de seu despertar, quando o herói seria traído por seus ideais e sofreria uma morte ridícula nas mãos de si mesmo. E assim foi...


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