The Fire escrita por Sparky


Capítulo 1
SongFic - The Fire


Notas iniciais do capítulo

Sei lá de onde veio isso.

Enquanto vocês estiverem lendo a fic, por favor o façam como se vocês estivessem lendo em voz alta (no aspecto velocidade). Assim a música vai se encaixar melhor, creio eu.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/131108/chapter/1

The Fire, by Imogen Heap - http://www.youtube.com/watch?v=e8NmZQpiJnc

--

As chamas da lareira crepitavam incansáveis. Os estalidos e faíscas enchiam o ar com uma estranha melancolia, numa nuvem vermelha de desespero quente e abafado que parecia engolir qualquer lampejo de esperança sem a menor piedade. As labaredas dançavam com movimentos rápidos, incertos e ao mesmo tempo precisos, como se a arrastassem em sua coreografia, contagiantes, hipnotizantes, perfeitos em suas imperfeições. Abraçada às próprias pernas, com o rosto alvo quase enterrado em seus joelhos, olhos atentos, buscando, tentando aprender, tentando entender, querendo ver, sentir, ser.

Era jovem, ainda. Uma jovem bailarina, confusa, que durante toda sua breve vida foi protegida de tudo e de todos; do mundo, do fogo. Era pura, incapaz de ver maldade no que quer que fosse, em atos, em pessoas. Em si mesma. Por essa razão, sentava-se diante da lareira, sozinha, pensativa, apenas observando as chamas envergarem-se como se numa ilusão. Buscando nelas o que buscava dentro de si.

Queria a leveza, a excelência na imprecisão. Quanto mais treinava, quanto mais tentava trazer a tona seu lado mais obscuro, mais distante esse encontro parecia ficar. Queria tanto, mas tanto encontrar aquela Nina mais diabólica que, algumas vezes, quando se olhava no espelho, via sua imagem se distorcendo, ainda que levemente, num sorriso torto, olhos vermelhos, asas negras.

Respirou profundamente, deslizando sua testa sobre um dos joelhos, e mordeu o lábio, demonstrando a delicadeza da qual Thomas sempre falava, tão distante da força, da imponência, da sensualidade do Cisne Negro. Sentia que dentro de si não havia nada além de uma fraca chama, que gastava toda sua energia apenas para arder brevemente, por um mísero instante, e então se apagar, sem sequer tentar resistir. E queria - ah, como queria - que esse fogo queimasse e devastasse tudo, que escapasse dela e contagiasse a todos, que incinerasse todas as suas falsas expectativas e a ela mesma, no fim.

E, nesse fim, tudo não passava de uma mera ilusão. Não passava de um sonho, de um pesadelo, de um delírio, de uma insana loucura.

Por um instante, jurou ter escutado uma voz sibilar, muito perto de seu ouvido.

Doce menina, doce menina, doce menina...

Cerrou os olhos, sentindo um arrepio, sentindo frio, como se por aquele momento o fogo tivesse parado de aquecê-la, de defendê-la; de inflamá-la, de machucá-la. Covarde era a palavra que reboava em seus pensamentos, que cutucava suas entranhas, que a fazia odiar Thomas, odiar sua mãe, odiar Lily, odiar a si mesma. Tinha tantos objetivos e tantos medos e tantos sentimentos, sentimentos estranhos, de revolta, receio e repulsa. Sua vontade era pedir perdão a todos por sua insipidez, sua fraqueza; no entanto, isso só faria dela uma covarde ainda maior.

Se pedissem para que “pusesse sua mão ao fogo”, recuaria. E por maior que fosse a ironia, aquilo era exatamente o que Thomas lhe ordenava todos os dias desde que ganhara o papel. “Deixe-se levar”, “solte-se mais”, “perca o controle”. Todas aquelas palavras soavam exatamente da mesma maneira para ela: “Não tenha medo de se arriscar”. Em seus anos como bailarina, sempre prezara muito mais o controle nos movimentos do que qualquer outra coisa; e levava isso tão intimamente que não sabia o que poderia acontecer se jogasse tudo para o alto. Se permitisse essa transformação numa uma nova dançarina.

Era uma perspectiva, de certo modo, engraçada. Tinha medo de conseguir e tinha medo de falhar. Riu para si mesma, castigando-se mentalmente por sua impotência, por sua inutilidade. Ela não entendia, não queria entender; e queria entender, mas não sabia como. Queria que o fogo em sua alma continuasse a queimar, e queria que o fogo do mundo, do medo, parasse de feri-la. Queria continuar sendo o inocente Cisne Branco, puro e gracioso, transformando-se também no Cisne Negro, malicioso, diabólico, dissimulado.

Queria continuar sendo a mesma Nina depois que tudo aquilo acabasse. E não queria acabar como Beth MacIntyre. Não queria dar tudo de si até perder a si própria para depois ser jogada fora, como se jamais tivesse sido necessária. Não queria achar que nunca fora necessária.

Queria apenas... Apenas...

Ser perfeita.

Mas por que isso tinha que ser tão difícil?

Por que tinha que estar tão fora de seu alcance?

Por quê?

Esticou seu braço em direção a lareira. Arrisque-se, arrisque-se, arrisque-se, sussurrava aquela voz que a chamava de Doce Menina. Precisava decidir-se; precisava escolher. Escolher se iria deixar seu fogo se apagar, ou se iria deixar-se consumir pelas chamas negras do real, do seu próprio medo. Sentiu o calor esquentar sua mão, numa temperatura suportável, enquanto ainda perscrutava. Enquanto pensava no que viria a partir de sua decisão.

Sua vida inteira dependia daquele instante. Todo o tempo que dedicara ao balé, tudo que deixara de fazer, que deixara de viver, para tornar-se sublime, e tudo o que aconteceria depois de O Lago do Cisnes, as portas que se abririam, sua relação com sua mãe, com Thomas, e até com Lily, culminaria naquele lance. Alongou mais um pouco seu alcance, e quando sentiu uma labareda lamber seus dedos, recuou instantaneamente, assustada. O que estava fazendo?

Estava sendo idiota, era isso que estava fazendo.

Que tipo de metáfora inútil era aquela que estava tentando criar? Uma desculpa para o medo infantil que sentia perante a mudança? Uma justificativa para não desistir do conceito que sempre tivera de perfeição? Ou simplesmente um caminho de fuga para aquela turbulência de pensamentos completamente infundados e confusos que corriam por sua cabeça, para poder admitir que desistiria de uma vez por todas?

Colocou seu dedo na boca, sentindo a carne quente em contato com a língua. Ingênua, era o que ela era, e jamais deixaria de ser. Virou seus olhos para o espelho às suas costas, vendo a reflexão da chamas, a reflexão dela, e a enorme sombra trêmula que projetava na direção daquele canto já escuro.

Qual era Nina, qual era a verdadeira Nina, e qual era a Nina que ela queria se tornar?

Era a sombra, o reflexo, ou a que se sentava perante a lareira?

O Cisne Branco, o Cisne Negro, ou ambos?

Ela já não sabia mais.

FIM


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu gostei de Cisne Negro. (Não, sério?)

Por favor, deixem reviews!
Senão a Nina-cisne-mutante vai puxar o pé docêis.
—-brinks
ou não.