Coroa de prata escrita por Eleanor Blake


Capítulo 8
Porcelana


Notas iniciais do capítulo

Oi gente,eu sei que demorei muito mesmo,mais eu não abandonei a fic,espero que vocês também não.



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A tarde caiu e eu já tinha adormecido. O médico mais uma vez apareceu dentro do quarto e me analisou parecendo muito preocupado, e todos nós já sabíamos o porquê. Eu tinha me deixado destruir.

Depois que novamente fiquei sozinha, eu me pus sentada e olhei pros meus dedos finos e patéticos, lembrando da primeira vez em que minha mãe me colocou sentada em frente a um piano e se pôs a tocar pra mim. Daquele dia em diante eu adormecia todas as noites assim.

As notas ecoavam por minhas memórias enquanto eu me sentia caindo numa vala negra, era esse então o sentimento que a morte trazia?

Era como se eu tivesse sido enterrada viva.

Novamente a porta se abriu e ele estava ali. O homem nojento que me tirou a vida me encarava atônito com seus orbes azuis, suas mãos então vieram até meu rosto.

—Não me toque com essas mãos sujas, se vou morrer, que seja em paz- eu sussurrei fracamente, tão baixo que pensei que talvez ele não tivesse escutado mas seus olhos marejados diziam que sim.

O homem levantou-se e gritou desesperado ao lado de minha cama enquanto a porta se abria trazendo guardas e as serviçais. Todos me olhavam como se eu já fosse um cadáver frio.

Encarei-o fixamente e depois devagar consegui levar minhas mãos ao peito, e depois fechei meus olhos lentamente até conseguir projetar perfeitamente a imagem de minha mãe. Seus cabelos, seu sorriso, suas mãos, sua voz, seu cheiro.

Senti meu rosto se abrir fracamente num sorriso, porém cedo demais ele se desfez. Ele então levantou meu corpo devagar e me aninhou em seus braços me apertando contra seu peito que subia e descia frenético. Abri os olhos e aquele homem chorava copiosamente acariciando minha cabeça.

—Eu vou te tocar agora por que você não vai morrer agora. Eu vou te proteger nem que seja de você mesma- ele disse entre soluços.

Todos saíram confusos do quarto e só nós dois ficamos ali. Um choro baixinho saía de mim, e, quando dei por mim ele estava me balançando devagar em seus braços.

—Não chore minha querida, vai passar, vai passar- ele sussurrava em meu ouvido.

A tarde caiu e Jen trouxe uma grande bandeja de prata com o que parecia ser uma grande tigela dentro. Ele então sorriu e me pôs quase sentada em seu colo pegando a colher.

—Pode deixar, eu dou a ela- ele murmurou.

Jen assentiu e fez uma pequena reverência pra mim. O cheiro de sopa tinha invadido o quarto.

—Vamos comer um pouco agora, abra a boca- ele disse firme.

As colheradas quentes daquela coisa sem gosto desciam por minha garganta e depois ele se manteve ali até eu adormecer, sem uma única palavra enquanto meu peito martelava frenético.

Dias incontáveis se passaram com ele ali, sempre chegando cedo e saindo quando eu pegava no sono. O tempo passava pela janela e meu corpo se curava enquanto eu ia morrendo por dentro, porém algo sempre me puxava de volta, não sabia o que era aquela vontade, mais sabia o quanto ela era forte e não me deixava desistir.

Num dia em que o sol ainda não estava em pé eu me levantei e caminhei devagar até o jardim contemplando a beleza das flores. Meus joelhos se dobraram e eu fiquei ali enquanto o sol cobria o campo e iluminava os vitrais.

Como esperado todos vieram frenéticos atrás de mim. No silêncio do amanhecer eu ouvia pessoa se mobilizando e me procurando por todos os cantos até que uma série de “graças aos céus” quando mulheres corriam até mim.

Levantei-me com algum esforço e andei devagar até o quarto com os cabelos úmidos pelo sereno. Dentro do quarto tirei o vestido e fui até o banheiro,olhei-me no grande espelho enquanto a água quente caía dentro da banheira.

Meu corpo estava frágil, magro, meus cabelos desgrenhados e sem vida como meus olhos.

Entrei na água e me deixei afundar até que somente meu nariz estivesse fora da água escaldante e fechei os olhos deixando o som cessar e minha mente vagar.

Hoje minha mente me trazia pequenas lembranças de minha infância, brincadeiras, brigas, choro, tudo sempre debaixo dos olhos de minha mãe, sempre correndo pros seus braços quando algo dava errado ou quando dava certo.

As horas se passavam até que a água tinha ficado muito fria, o vento batia nas janelas enquanto eu me levantava. Saí do banheiro e entrei no quarto; enrolada na toalha com David ali me olhando, parecendo muito preocupado.

Soltei a toalha e parei nua em frente a ele. Seus olhos saltaram e sua boca formou um perfeito “O” por instantes antes de ele levantar e voltar a me enrolar na toalha.

—Está frio hoje não acha?Quero te mostrar um lugar legal, se troque e nós vamos lá- ele murmurou antes de chamar as serviçais.

Nessa tarde eu vestia um vestido azul com sapatilhas brancas e por cima um casaco branco de pele. David me pegou pela mão e me conduziu por alguns corredores até que eu me cansei e ele me tomou nos braços sem esforço algum. Ele estava quente, ele era quente, e as batidas de seu coração eram fortes, intensas como seus olhos.

Finalmente ele parou e abriu uma porta revelando uma biblioteca imensa e aconchegante, além de incontáveis livros e andares ela tinha um piano preto e alguns instrumentos de sopro ao lado de uma lareira onde o fogo crepitava, e, em frente ao fogo havia vários tapetes dispostos harmonicamente formando um lindo mosaico de todas as cores imagináveis.

—Achei que você gostaria de vir aqui, a biblioteca é ótima pra dias frios e tristes, e, ultimamente você tem os dois- David sussurrou pra mim.

—David?Conhece todo o castelo?- eu perguntei olhando o piano, com uma pequena chama de esperança tentando nascer.

Por alguns instantes, David nada disse, somente ficou ali parado, até que suspirou pesadamente e saiu parando na porta.

—Ela não está aqui, nunca esteve aqui- ele disse com voz abafada antes de sair pela porta.

Andei cambaleante até o piano e deixei a cabeça cair sobre as teclas reluzentes de marfim. Por que eu estava viva?Por que tudo isso tinha de acontecer?

Levantei-me e fui até a lareira crepitante e me deitei sob tapetes e lágrimas. O fogo dançava lento, triste enquanto era refletido por meus olhos.

A porta se abriu e aquele garoto entrou carregando algo branco.

Ele veio até mim e agachou-se ao meu lado observando o fogo vermelho dançar. Por fim, ele sentou-se ao meu lado e me entregou um embrulho. Encarei seus olhos azuis e puxei as fitas revelando uma linda boneca de porcelana pálida e loira como eu, tão delicada, tão bonita, e, seus cabelos loiros tinham cachos nas pontas como os meus, e eram macios como os meus foram.

—Sei o quanto não é justo pra voce te manterem longe dela, mas pense no quanto não foi justo pra nós você crescer tão longe- ele disse chateado.

—Ela está bem?Está machucada?- eu perguntei sentindo a garganta apertar.

Ele então negou com a cabeça e passou a mão em meu rosto.

—Ela está bem e já sabemos suas razões, mas você não pode vê-la ainda, por favor, entenda- ele sussurrou.

—Onde estamos?Por que não posso sair daqui?- eu sussurrei.

O garoto coçou a cabeça e então se pôs em pé lentamente e se distanciou de mim.

—Ainda não é a hora certa meu bem; boa noite- ele disse antes de sair.

Eu pensei que choraria, mais não. Olhei pra boneca e queria quebrá-la, porém seus olhos refletiram os meus e a única coisa que pude fazer foi abraçá-la até adormecer.

A boneca se parecia comigo mais do que eu queria admitir, ela era fria, paralisada, impotente. E, depois de enxergar isso entendi o quanto éramos iguais.



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