Coroa de prata escrita por Eleanor Blake


Capítulo 11
Olhos em brasa




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Calcei as sapatilhas e encarei meu patético vestido vermelho enquanto me punha em pé. Meu peito martelava frenético enquanto eu descia as escadas indo ao encontro daquele homem e de Nathaniel. Olhei ao redor e havia tanta gente, mas eu me sentia irremediavelmente sozinha.

Jen apontou pra porta e eu não parei pra pensar enquanto empurrava a madeira fria tal como as lágrimas que queriam sair.

O ambiente era decorado por inúmeros tapetes pendurados nas paredes, repletos de brasões ladeando armas violadas pela guerra e o sangue de homens que arriscaram suas vidas por uma causa que não era deles.

Um sorriso nasceu dos olhos daquele homem e se espalhou até chegar a sua boca enquanto eu olhava ao redor. Suspirei pesadamente e fui até a mesa me sentando da forma mais afastada possível dos dois. Eu sentia meu coração arredio, desconfiado de cada movimento que qualquer um deles fazia.

Um riso abafado saiu de Nathaniel enquanto ele me olhava, e, quando viu que eu o observava uma sobrancelha se arqueou. Seus olhos azuis me sondavam tão profundamente que me sinta um livro aberto e ele o hábil leitor. Encarei a mesa vazia e comecei a mordiscar o nó dos dedos distraidamente.

—Temos coisas a conversar não acha?Que tal começarmos por seu irmão?

Levantei os olhos e o homem parecia implorar por uma passagem por entre meus escudos firmemente colocados ali.

Criados e mais criados entraram servindo um imenso banquete matinal a minha frente. O último deles era tão pequeno, praticamente uma criança.

Sua bandeja fechada parecia pesada pra ele, parecia algo que suas pequenas mãos não suportariam sozinhas.

Levantei-me e fui até ele apoiando a bandeja junto com ele. O garoto então me olhou assustado e eu só sorri brevemente enquanto íamos até a mesa.

Um choro lamentoso irrompeu do garoto enquanto ele caía de joelhos na minha frente. Passei nervosamente as mãos pelos cabelos e abaixei até que ficasse ao nível dele, e, com uma mão levantei seu rosto até que seus olhos encontrassem os meus.

—Levante-se- eu murmurei secando uma lágrima quente.

O garoto permaneceu ali e baixou seus olhos. Suspirei impaciente e me pus em pé e me curvei até meu rosto estar perto do dele.

—Como se chama?- eu perguntei afagando seus cabelos.

—F... Felipe - ele sussurrou.

—Belo nome, agora escute bem Felipe, se não se levantar agora eu mesma o colocarei em pé.

Pus-me reta e o encarei séria com os braços cruzados. O garoto finalmente assentiu e se levantou olhando em meus olhos.

—Escute bem Felipe, nunca mais se curve diante de mim. Eu sou uma pessoa como qualquer outra entendeu?

O garoto franziu o cenho enquanto eu sequei a última lágrima teimosa de seus olhos. Sorri abertamente pra ele e fui até a mesa pegando uma grande maçã vermelha e joguei-a em suas mãos.

—Coma se quiser – eu sussurrei sorrindo.

O garoto fez uma pequena reverência e saiu sorrindo como se aquela fosse a noite de natal. Olhei pros dois e o que eu via ali me confundia. Nunca tinha visto tantas emoções numa única feição.

—Sua mãe era como você é, era simples e autêntica, porém não tinha tantos escudos. Tenho orgulho de você minha filha.

Filha

Aquela palavra ecoou por minha mente e eu meu estômago revirou interminavelmente junto com minha mente. Aquilo era doloroso, era difícil e naquele momento não era nada com que eu pudesse lidar.

Respirei fundo e olhei pra Nathaniel que me parecia preocupado e fui até o escudo que me parecia ser o mais antigo de todos eles, porém o helmo acima deles reluzia e refletia meu rosto.

Eu não sabia o que via, não sabia como reagir a mim mesma. Não sabia que deveria correr dali pra nunca mais voltar, não sabia de nada que aquela dor no peito não quisesse me contar.

—Annie?

Olhei pra trás e Nathaniel vinha devagar pra perto, como se tivesse medo de me ferir ou que eu acabasse correndo dele. Abracei meus ombros e dei um passo pra trás.

—Venha, vamos tomar o café da manhã juntos- ele disse firme.

Assenti e ele veio até mim me puxando pela mão. Na mesa ao invés de voltar pro lugar onde eu estava Nataniel fez questão de que eu me sentasse ao seu lado.

—O que você costuma comer no café da manhã?- Nataniel interrompeu o silêncio.

Olhei pra mesa e bem atrás e vi pequenos pãezinhos com um enorme pote de geléia ao lado e, na frente uma grande chaleira estava posta.

—Pão com geléia e chá- eu sussurrei sem graça.

O homem então sorriu mais confortável e colocou os pães e as geléias na minha frente me entregando uma faca de prata nas mãos.

Eles começaram a comer enquanto eu cortava um pãozinho em quatro partes e começava a passar geléias diferentes em cada uma delas. Puxei uma xícara e me servi de um pouco de chá vermelho.

Comi meus pedaços de pão e bebi lentamente o chá até que me senti satisfeita. Limpei a boca num lenço e coloquei as mãos sobre as pernas.

Olhei pro lado e Nataniel me olhava com uma sobrancelha arqueada enquanto mastigava um pedaço enorme de queijo.

—Não vai comer mais nada?- ele perguntou de boca cheia.

Neguei com a cabeça e os dois me encaravam incrédulos enquanto continuavam a mastigar.

—O que foi?- eu perguntei arqueando uma sobrancelha.

—Você não comeu praticamente nada f... Annice- o homem disse.

—Comi sim, e se comer mais alguma coisa vou passar mal- eu murmurei mexendo no vestido.

—Annice me diga, o que acha de cavalos?- ele perguntou passando manteiga em mais um pão.

“Acho que se continuar comendo desse jeito nenhum cavalo vai suportar seu peso”- eu pensei.

Sorri discretamente de minha piada e pigarreei baixinho.

—Nunca vi um de perto, mais pareciam muito bonitos pela televisão- eu disse.

Nathaniel então não se conteve. Sua risada ecoou pelas paredes incontrolavelmente e a do homem fez uníssono com a dele. Quando percebeu sua reação exagerada e minha expressão confusa; Nathaniel tentou se conter sem muito sucesso e o homem tentava se segurar na cadeira como se o fato de eu nunca ter visto cavalos de perto fosse a coisa mais engraçada no mundo.

Quando o homem estava prestes a dizer mais alguma coisa um velho senhor entrou no cômodo seguido por outro rapaz moreno.

Diferente de Dave, o garoto tinha a pele dourada, os olhos escuros como a meia noite e uma expressão pouco amistosa em sua face. Pus-me reta e arqueei uma sobrancelha pro velho senhor que fazia uma reverência floreada, versus o garoto que mal se movia.

—Sou Robert Vanshyre, costureiro e sapateiro da nobreza- ele se apresentou a mim.

Nataniel fechou o cenho e foi até o garoto quieto e o fulminou com seus olhos sem nem pensar em disfarçar.

—O que o trás aqui senhor?- Nataniel disse com os punhos cerrados.

Finalmente a expressão do garoto mudou pra um sorriso assustador colocado estrategicamente sob seus dentes reluzentes de tão brancos, e, seus olhos negros me queimavam enquanto um passo era dado em minha direção.

—Jason, o que o trás aqui hoje?

Olhei pro lado e o homem também estava irado, porém por sua postura me parecia que o homem estava cauteloso.

—Meu pai lhes manda saudações, e, eu em nome dele vim dar minhas saudações a princesa que retornou a seu lar.

Sua voz me dava arrepios, seu tamanho descomunal me dava medo, porém, sua tentativa de postura superior me dava nojo.

—Se já deu as saudações necessárias já pode ir embora.

Todos na sala me olhavam incrédulos, exceto pelo garoto que me fulminava com seus olhos negros que pareciam flamejar.

Ele deu um passo à frente e eu por minha vez me pus em pé sem desviar meus olhos dos seus. Eu não me rebaixaria a um rapaz que nunca vi na vida.

—Você não veio aqui somente pra me dar boas vindas senhor. O que quer?- eu perguntei ácida.

O garoto não me respondeu, simplesmente saiu da sala pisando duro depois de me dar um sorriso intrigado.

O dia correu por entre medidas de vestidos, cores de tecidos e sapatos. Porém, a única coisa em que eu pensava era nos olhos daquele garoto e por fim naquele sorriso cruel em seu rosto.


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