- Daniel. – eu falei o mais controlada possível, mas qualquer um perceberia facilmente minha histeria.
Ele continuou na mesma posição, como se eu não tivesse dito nada, ou como se eu nem estivesse ali. Eram apenas Daniel e Cam se encarando. O anjo loiro e o demônio moreno, totalmente contrastantes e, ainda assim, incrivelmente semelhantes. A tensão no ar era quase tangível e um gélido tremor passou pela minha espinha quando percebi um tom rubro misturado ao violeta dos olhos do meu anjo.
- Daniel... – eu tentei de novo só que desta vez eu me atrevi a levantar a mão lentamente e tocar suavemente seu braço ameaçador.
Mesmo com toda a concentração dele em seu adversário em potencial eu percebi que meu toque o afetou, o desarmou em certo nível.
- Daniel... – eu sussurrei mais uma vez, me aproximando de seu corpo.
Ele não respondeu ou se mexeu, ainda encarava Cam fixamente. Em uma tentativa desesperada de chamar-lhe a atenção e evitar outra briga entre eles, eu abracei Daniel apertado. Fechei meus olhos e esperei.
Os segundos passaram lentamente e se transformaram em minutos, longos minutos, nos quais eu apenas ouvia as ondas do mar revolto quebrando na areia se misturando a minha respiração acelerada, além de sentir o firme corpo dele em meus braços.
Minha cabeça estava apoiada em seu peito e meus braços já começavam a ficar doloridos tamanha a força de meu aperto. De repente eu ouvi o som familiar de Daniel recolhendo suas asas e seu corpo relaxou brevemente enquanto ele me abraçava de volta – sua espada dourada já não estava em suas mãos.
Eu continuei na mesma posição, abraçada firmemente a ele e com os olhos fechados.
- Você está bem? – a voz contida dele atingiu meus ouvidos.
- Sim. – respondi fracamente.
Mais alguns segundos se passaram até que ele segurou meus ombros com as mãos e me afastou um pouco. Abri meus olhos e percebi que ele me estudava avidamente, eu não sabia dizer o que sua expressão representava, preocupação, medo, ciúmes, desconfiança...
- Você foi por vontade própria? – ele perguntou ainda com aquela voz esquisita, que eu não estava acostumada a ouvir.
- Sim. – respondi.
- E o que ele te mostrou?
- Margarett. – falei o nome que era meu naquela vida, na vida em que amei Cameron.
Ele não respondeu ou emitiu som algum, mas percebi sua inquietação. Ele expirou forte e a distância entre nós aumentou milimetricamente. Eu rapidamente me apressei em esclarecer... ou tentar.
- Daniel, eu só queria ver mais, descobrir mais sobre mim, eu não sabia o que veria lá... mas não muda nada entre nós.
- Não? – ele perguntou me encarando. Em seu rosto eu lia a incerteza e a dúvida, além de um traço marcante de dor.
Sacudi a cabeça em negativa e meus olhos estavam implorantes para que ele acreditasse em mim, mas, ao mesmo tempo, nem mesma eu sabia a resposta.
Ele respirou fundo e um sorriso triste surgiu em seu rosto perfeito. Ele se aproximou de mim e beijou minha testa de forma afetuosa, enquanto sussurrou:
- Eu sempre vou respeitar você e sua decisão, mas nunca esqueça que meu amor por você é eterno.
Dito isso ele se virou e voou para longe, na direção de Shoreline. Logo depois Cam passou voando suavemente ao meu lado e senti uma de suas asas acariciarem meu rosto quando ele passou e foi na direção em que Daniel tinha ido. E eu, fiquei lá de pé, parada, com o coração descompassado e dolorido.
...
Eu estava ferrada. Tipo, muito ferrada mesmo. Minha aventura impensada no passado tinha resultado em um desastre total: primeiro com Daniel e depois com minha situação em Shorelione, pois a semana de provas tinha começado e eu simplesmente não compareci a nenhuma delas naquela segunda-feira, conclusão: eu já estava em prova final nas matérias que tinha perdido a avaliação. Por sorte – se é que posso dizer que tive sorte em alguma coisa – as disciplinas eram todas normais, quero dizer, da grade normal de qualquer escola. Biologia e História Avançada seriam as provas finais que eu teria que encarar. Bem, pra falar a verdade, não eram as provas que estavam me preocupando...
A semana passou lenta e difícil. Shelby e Miles tinham quase me matado por eu ter sumido na segunda e ter perdido as provas. Eles me contaram que tinham entrado em parafuso quando perceberam meu “desaparecimento” e que os anjos e alguns nephilins guerreiros fizeram uma varredura no campus atrás de mim. Foi Daniel quem percebeu que meu sumiço poderia estar ligado ao de Cam e ligou os pontos. Eu só imagino o que ele deve ter pensado que eu estava fazendo...
Eu também tomei um mega esporro de Arriane que falou e falou em meu ouvido por horas sobre como eu tinha sido irresponsável e tudo mais. Também tive que prestar esclarecimentos à Francesca que, mesmo não liderando os anjos nas batalhas, estava a frente em Shoreline.
Nos dias dessa semana horrenda que se seguiu, nós três – Shelby, Miles e eu – não parávamos nem para comer direito. Sempre no fim das provas já estávamos atolados de livros na biblioteca para as provas do dia seguinte e eu estava com trabalho triplicado por ter perdido as três primeiras. Eu estava exausta física e mentalmente. O que mais me deixou pra baixo, entretanto, foi a falta que eu senti de Daniel. Nós não nos vimos ou falamos durante todos esses dias, tanto por eu estar ocupada quanto por ele também estar. Arriane me disse que eles estavam investigando algumas coisas a respeito dos banidos, sobre a descoberta de um provável ataque planejado deles à Shoreline. Com isso, Daniel e os outros estavam totalmente focados em nossa segurança, especialmente a minha.
Eram quase cinco horas da tarde de sexta quando tínhamos, finalmente, acabado a maratona de provas – bom, menos eu, é claro.
- Graças a Deus! Minha cabeça parece que vai explodir! Já não agüentava mais tanta pressão! – Shelby exclamou levantando as mãos pro alto e se jogando em minha cama. Miles tinha se ajeitado na cadeira da minha escrivaninha.
- Aguentava? Diz isso pra você. Eu ainda tenho provas amanhã. – falei em lamento sentando na beirada da cama e deixando a mochila cair aos meus pés.
Sábado a tarde era o período que todas as provas finais eram aplicadas. Em Shoreline tudo era em tempo real, a gente fazia as provas num dia e no mesmo dia a noite tinha o resultado, que era enviado pro email pessoal de cada um de. Assim, todos sabíamos que provas deveríamos refazer, caso fôssemos reprovados em alguma disciplina. No meu caso, eu não havia levado pau em nenhuma prova que fiz, mas ainda tinha que fazer as que faltei na segunda.
- Bom, eu também. – Miles disse meio frustrado.
- Você ficou em alguma? – perguntei a ele duvidosa, ele era muito inteligente e eu duvidava que tinha reprovado em algo.
- Bom, se você não lembra, amanhã é o teste final do treinamento de batalha... e eu ainda estou matriculado nele, assim como você. – ele disse calmamente.
- Nossa! É verdade! – exclamei batendo com a mão na testa.

Eu tinha me esquecido completamente disso. Amanhã era o grande desafio com os guerreiros, todos estaríamos no ginásio lotado e passaríamos por uma prova que eu ainda não fazia idéia de como seria. Depois da minha cena patética da última vez – aquela em que eu tinha desafiado Daniel e perdido vergonhosamente – e do meu sumiço com Cam, eu ainda teria que encará-lo em uma aula tudo-ou-nada e depois ainda fazer provas finais... Sábado seria um longo, longo dia.