Livre Arbítrio: Eu Escolho Você. escrita por MilaBravomila


Capítulo 34
Capítulo 34




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Demorou pouco mais de um minuto para imagens começarem a se formar depois que entramos na escuridão do anunciador. Durante esse tempo a única coisa que eu sentia era a mão firme de Cam segurando a minha.
Quando olhei a minha volta reparei que estava em uma festa. O salão era enorme e luxuoso e depois que foquei mais atentamente, percebi que era a sala da casa – mansão - de alguém. Havia pessoas por todo o lugar e, ao fundo, uma suave e bela voz feminina cantava acompanhada pelo som do piano afinado.
Cam estava parado ao meu lado e seu rosto era de total tranqüilidade, ele estava até feliz, eu poderia dizer. Foi então que eu me toquei que estávamos bem ali no meio de todas aquelas pessoas e ninguém tinha reparado em nós - ainda.
- Cam, porque ninguém disse nada a nosso respeito? Parece até que não estamos aqui.
- É porque não estamos aqui. – ele respondeu calmamente – Eu sei que você já teve a experiência de viajar no tempo através dos anunciadores, mas hoje eu fiz diferente. Nós estamos apenas observando, não participando... eu não quero que nada seja mudado. – ele acrescentou misteriosamente.
- Ah... – foi tudo o que eu disse, sem entender direito o significado daquilo.
Nesse momento, eu ouvi a voz doce da cantora no fundo do salão subir alguns tons e meu olhar se prendeu nela. Era muito bonita. Seus cabelos eram de um castanho bem claro e brilhante, cortado em chanelzinho, as feições eram finas e a pele bastante alva. No entanto, foram suas roupas que me chamaram mais a atenção. Definitivamente não estávamos no século XXI.
A mulher estava com um vestido preto justo de corte reto que parava na altura do joelho. Não havia decote, mas isso não a impedia de ser atraente. Vários cordões longos de pérolas pendiam do pescoço e a cabeça estava ornamentada com um lindo e justo chapéu combinando. Luvas brancas cobriam-lhe das mãos aos cotovelos e o batom vermelho completava o look. Eu então reparei na vestimenta dos outros presentes e eram basicamente o mesmo estilo, apenas com pequenas variações pela parte feminina; e quanto aos homens, usavam uma espécie de fraque, bastante elegante. Era uma festa requintada que me pareceu dos anos 20 ou 30, sei lá.
- Em que ano estamos? – perguntei a Cam, que ainda estava com um olhar vago e distante.
- 1924.
- Nossa. – respondi.
- Vamos ver onde você está. – ele disse andando em direção a uma grande porta de vidro próxima de nós.
A porta dava para um imenso jardim e a festa se estendia por ele. No gramado recém-aparado haviam bancos brancos de ferro e muitas floreiras. Nós passávamos pelas pessoas e eu estava deslumbrada pela beleza do local e pela elegância de todos. As conversas se mantinham em
um tom educado e eu me sentia dentro de um filme antigo. A sensação que eu tinha era que a qualquer momento alguém levantaria e gritaria “Corta!”, tipo aqueles diretores de Hollywood.
Nós avançamos através do jardim, que começou a ficar cada vez mais deserto e a doce voz que preenchia o ambiente já não era mais ouvida. O céu estava límpido e a luz da lua cheia irradiava sobre nós.
De repente, Cam parou de andar e eu me postei ao seu lado. Ele estava de frente para o que me pareceu o último banco do jardim, atrás do qual uma moita sem fim servia como cerca, provavelmente para separar o espaço entre as casas vizinhas. Não havia ninguém perto de nós.
- O que estamos fazendo aqui? Perguntei curiosa e um pouco chateada, eu queria mesmo era voltar para a festa.
- Esperando por você. – ele disse simplesmente, pouco antes de eu perceber uma movimentação ao meu lado.
Então eu vi, quer dizer, ME vi. Era eu, sem dúvida. O cabelo e os olhos eram os mesmos, apesar de o resto ser um pouco diferente. A garota – isto é, eu – passou por mim e sentou no banquinho. Ela estava muito bonita, apesar de suas roupas não serem da mesma elegância das dos outros convidados. O vestido era rosa pálido, longo, com um certo volume na parte inferior e mangas românticas. O decote reto não mostrava muita coisa – nada, na verdade- e as mãos estavam cobertas por uma pequena luva delicada e rendada.
O cabelo preto e longo caía sobre a cintura e o rosto delicado passava a nítida impressão de ingenuidade – aff... até nas outras vidas eu tinha que ser tão, sei lá, recatada.
OK, nesse momento algo realmente estranho aconteceu. Eu encarei Cam na intenção de perguntar sobre o que viria a seguir ou o que eu teria que ver, exatamente, mas eu não perguntei. Ele estava total e completamente fixado na garota sentada no banquinho a nossa frente – eu sei que era eu, mas era difícil pra minha mente entender essa parte.
Eu estava completamente chocada, tamanho amor que vi nos olhos dele. Eu podia até dizer que era o mesmo jeito que Daniel olhava pra mim, ou bem parecido, pelo menos, mas a intensidade era a mesma. Meu coração acelerou e eu o fiquei observando observar minha outra eu. Eu quase podia ouvir o coração acelerado dele e um reflexo violeta bem distante apareceu em seus olhos negros.
- Cam... – eu disse encostando levemente em seu braço direito.
Ele piscou forte algumas vezes antes de me encarar – a EU do presente, quero dizer – e quando me olhou de volta, já estava absolutamente normal – para os padrões de Cam.
- E lá vem ele... – Cam disse olhando fixamente para um ponto atrás de mim, bem acima do meu ombro esquerdo.
Eu virei, bem a tempo de ver um rapaz muito bonito se aproximar do banco onde eu estava sentada – a garota. Ele era alto e moreno, com traços másculos. O cabelo ondulado e castanho
estava impecavelmente penteado para trás e sua postura juntamente com suas roupas novas indicavam que era um homem de estirpe.
- Boa noite, Margarett. – o rapaz disse enquanto fazia uma reverência e beijava a mão da garota no banco.
- Boa noite, Sr. Collin. – a suave voz dela – minha! – respondeu. A garota corou levemente. Isso era uma coisa de sempre, então...
O rapaz se aproximou e sentou ao lado dela, sem soltar-lhe a mão.
- Eu já lhe disse que entre nós essa formalidade é totalmente desnecessária, minha querida. – ele disse galante.
A garota soltou a mão educadamente enquanto respondeu:
- Imagina... jamais poderia faltar-lhe com o respeito, Sr. Collin.
Ele abriu um sorriso largo e muito branco.
- Margarett, você pode fazer comigo o que bem entender.
Pronto, as bochechas dela estavam pegando fogo... eu não tinha mudado nadinha.
Eles começaram, então, uma conversa pouco interessante, onde ele, a todo momento, se insinuava e ela esquivava. Os assuntos variavam, indo desde o tempo nessa noite até o cenário político atual – da época. Percebi de cara que eu, naquela encarnação, também era interessada em vários assuntos nos quais meninas, à rigor, não se interessam. E isso, particularmente parecia divertir o tal Sr. Collin. Enquanto Margarett falava com entusiasmo sobre suas idéias avançadas e feministas, ele parecia se entreter. Mas algo me disse que tudo era uma fachada, que ele não concordava com nada daquilo que ela dizia e que apenas balançava a cabeça para agradá-la, mas em todo seu fervor e inocência, ela não conseguiu enxergar isso.
- Cam, ele não está interessado nela, em mim, de verdade, não é? – perguntei pra ele que estava parado bem ao meu lado, assistindo à cena atentamente.
- Sim, ele está. – Cam respondeu um pouco friamente – Mas é apenas um interesse masculino, se é me entende.
Ele me lançou um olhar significativo e eu não precisei perguntar mais nada, algo em mim estava gritando, inquieto, filtrando as palavras dele e prevendo o que de ruim viria a seguir.
Como eu imaginei, o cara começou a se aproximar de mim – Margarett. Eu olhei desesperada para os lados e vi que eles estavam muito afastados da multidão da festa – como eu era estúpida, até naquela época! Aquele cara podia facilmente agarrá-la e fazer o que bem entendesse atrás daqueles arbustos ou até levá-la pra longe e ninguém veria nada.
- Cam! – eu sacudi os braços dele, desesperada – Aquele cara vai fazer mal a ela... a mim? – perguntei encarando-o.
Cam estava calmo, porém sério. Ele me olhou e disse:
- Luce, não esqueça que você está apenas assistindo o que já aconteceu. Você não pode intervir em nada.
- Eu sei, mas ele pode fazer alguma coisa... eu não quero ver.
- Fica tranqüila, não vai acontecer nada. – ele disse abrindo um discreto sorriso.
Voltei-me para a cena que se desenrolava a nossa frente. Collin estava perigosamente perto de Margarett, que já estava incomodada com toda essa proximidade.
- Eu preciso voltar, Sr. Collin. – ela disse educada enquanto se levantava do banco.
Ele estendeu a mão rapidamente e agarrou-a pelo braço. Ela se assustou – assim como eu.
- Por favor, Sr. Collin, está me machucando. – a voz dela já passava os traços de nervosismo.
- Eu já disse, Margarett – a voz fria e objetiva dele congelou minha espinha. Era como um jogo ganho – você tem total liberdade para me chamar de Paul. – Então esse era o nome do sujeito!
- Por favor, me solte. – ela insistiu, fazendo força para sair das mãos dele – Eu preciso voltar.
- Mas eu aprecio tanto sua companhia, não me deixe agora que estamos nos conhecendo melhor.
Ele se levantou e a diferença de altura, peso e força ficou muito mais evidente. Ele estava mostrando a ela quem estava no comando.
- Sr. Collin, se o Sr. Não me soltar agora eu vou...
- O quê? – ele interrompeu bruscamente, colando seu corpo ao dela – Vai fazer o que pobre criança?
Margarett fez força para se afastar, mas foi em vão, e quando ela abriu a boca para pedir ajuda, as mãos dele foram mais rápidas e a impediram.
- Se você gritar, eu juro que quebro o seu lindo pescoçinho. – ameaçou ele já sem nenhum traço de educação.
O desespero dela era evidente agora e eu estava mais que aflita. Eu estava testemunhando uma cena de assédio e possível estupro e, o pior, era EU quem estava lá.
Paul jogou-a violentamente contra o banco e eu ouvi a cabeça dela bater contra o ferro. Ele jogou todo o peso do corpo sobre ela. Uma de suas mãos em seu pescoço e queixo e a outra entrou por baixo do vestido, esfregando-lhe as pernas.
- Você vai ser minha essa noite, Margarett. – ele falava/ sussurrava pra ela, que tentava a todo custo se soltar.
Do meu ponto de vista eu achei que ele estava pressionando tanto o pescoço dela, que o ar já estava começando a ficar escasso. Logo minha hipótese foi confirmada, ela tentava tossir e
respirar ao mesmo tempo e as mãos dela que antes forçavam o peito dele pra longe, já estava perdendo as forças. Ela estava muito vulnerável.
Paul rasgou-lhe o vestido na altura dos seios, expondo a langerie branca, ao mesmo tempo que lambia o rosto dela. Ele a encarou excitado e a todo momento dizia porcarias e obscenidades que faria com ela. Eu estava enojada e me sentindo impotente e violada.
Foi então que ele apareceu. Um par de mãos masculinas agarrou Paul pelos ombros, puxando-o violentamente para longe dela – de mim.
Um alívio enorme caiu sobre mim... até eu ver que foi Cam quem salvou a garota.
Ele estava diferente, é claro. O cabelo repartido de lado e bem penteado, o fraque preto de bom corte. Mas era ele, o outro ele, daquela época de Margarett e dos anos vinte. Eram os mesmos olhos verdes sem fim... que estavam repletos de ódio pelo cara que atacava Margarett.
Minha atenção voltou à cena da luta, bom, corrigindo, voltou à cena da humilhação de Paul, porque o pobre Sr. Collin não teve a menor chance contra Cam, nem sequer deu tempo pra nada, pois o anjo vingador chegou arrebentando a cara dele, fazendo exatamente o que eu queria ter feito. Bastaram apenas dois socos bem dados para desacordar Paul, mas eu senti que os outros três adicionais serviram para Cam descarregar a raiva que sentia por aquele verme.
Estranho, sempre pensei que Cam não ligaria para uma tragédia mundana, mas ligou. E muito. A raiva e o nojo eram evidentes em seu rosto, em seus olhos. Ele se livrou do traste Collin e depositou seu corpo desacordado a alguns metros dali sem, no entanto, desarrumar um fio de seu cabelo negro.
- Você está bem? – Cam dos anos vinte perguntou a Margarett. Ele se aproximou calmamente, mostrando a ela – a mim – que estava ali para ajudar.
Eu estava em um estado lastimável, com os braços cruzados contra o peito segurando o vestido rasgado, o cabelo bagunçado e tremendo igual uma vara verde. Magarett se encolheu contra o banco, meio com medo do que Cam faria com ela, mas o olhar dela não era o de um cãozinho assustado. Ela estava com raiva. Eu sabia o que ela sentia, eu sentia também. Eu estava com raiva por não ter podido me defender dele, por ter sido estúpida o bastante para acreditar e facilitar tudo; e ela também estava com medo.
- Estou. – Margarett respondeu firme, bom era a intenção dela pelo menos, e acrescentou devagar – Obrigada...
Na mesma hora ele retirou o casaco do fraque e a entregou. Margarett o pegou agradecida e o vestiu rapidamente, cobrindo o corpo exposto.
- Eu sou Briel, Cameron Briel. – Ele sentou ao lado dela e começou a examiná-la com os olhos.
Ela assentiu com a cabeça, mas não disse seu nome, ao invés disso seu olhar estava a procura de Paul, que estava desacordado largado no chão do jardim a alguns metros.
- Não se preocupe com ele – Cam se apressou em dizer a ela – ele não vai mais te fazer mal.
- Obrigada... – a voz de Margarett era apenas um sussurro, acho que ela estava finalmente se dando conta do real perigo que passou.
- Eu preciso ir pra casa... – ela disse se levantando e começando a retirar o casaco de Cam.
- Não, por favor, fique com ele. – Cameron disse sacudindo as mãos – Eu vou acompanhá-la.
E assim eles fizeram, mesmo que ela estivesse ressabiada, não protestou... e nós os seguimos. Eles caminharam alguns minutos pelo jardim imenso, se dirigindo para os fundos da parte leste da propriedade. Logo eu avistei uma casinha simples e pequena, que estava aparentemente vazia.
Cam e Margarett pararam na porta e ela finalmente quebrou o silêncio.
- Obrigada novamente. Onde posso entregar seu casaco, Sr. Briel?
- Por favor – ele respondeu – não se preocupe com isso. Vá descansar.
Ele enviou a ela um olhar sério, que passou firmeza e segurança. Em resposta ela finalmente relaxou e uma fina lágrima escorreu do canto de seu olho antes dela se virar e entrar na segurança de seu lar.


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Notas finais do capítulo

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