O Grande Ladrão de Cavalos - Livro I escrita por Uzi


Capítulo 3
Boaz Lame




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/126937/chapter/3

...O ÚLTIMO LADRÃO DE CAVALOS

Desfiladeiros de Dópsia, 1402 CE

Samanta Hayek era tudo o que um homem poderia desejar em sua cama. Sua pele morena de sol, seus longos e sedosos cabelos negros, os lábios grossos e o nariz levemente arredondado. Possuía um olhar castanho escuro e falsamente ingênuo, aparência rústica, mas fogosa das mulheres namalkahnianas. Seu corpo era esplendido, de coxas grandes bem torneadas, seios empinados, pouco volumosos, mas macios, e uma voz doce e sedutora. Hoje usava um vestido pardo que ia pouco além dos joelhos, roupa comum para camponesas no verão do país. O vento das pradarias balançava seu cabelo e levantava a saia revelando as pernas. Era uma jovem de 19 anos, no auge da sensualidade.

O olhar distante percorria toda planície até o horizonte, era ansioso, impaciente e preocupado. Esperava na varanda de um velho casebre abandonado o retorno de seu amado, ou quem sabe, alguma notícia ruim. À oeste ela via as formações rochosas e imponentes dos desfiladeiros. Admirava-se com o tamanho daqueles montes, que para viajantes experientes nem eram tão impressionantes em altura, mas para uma menina que passou a vida toda em vilarejo rural, o cenário e a situação eram o mais próximo possível de uma aventura épica. A região de Dópsia era muito perigosa para uma moça permanecer sozinha, trolls, certas vezes, desciam dos morros para emboscar forasteiros despreparados; mas ela não tinha medo dos monstros ao redor, e sim da decisão que havia tomado, algo que mudaria para sempre sua vida e a de seu amor.

Finalmente a figura de um cavaleiro surgiu na paisagem, galopava na direção do sol poente em uma velocidade extraordinária, com poucos minutos ele estava bem próximo. Já distinguia a fisionomia de Boaz, aquele que a havia retirado da casa de seu pai e a apresentado o mundo. Montava a lendária Tulapar, a mais bela de todo o reino e a mais cara também, diziam ser filha do próprio deus-cavalo. A égua Palomino era o lírio das planícies, a pelagem dourada e a crina prateada, a caminhada compassada quase hipnótica, como as danças cerimoniais de Namalkah, era o que convencia aos homens da ascendência divina do animal.

Samanta retornou para casa enquanto o recém-chegado dava a volta, e pelos fundos, entrava com sua montaria. O lugar mais parecia um estábulo, pois realmente só tinha acomodações para cavalos. Mesmo assim era pequeno demais, no máximo dois animais ficariam confortáveis ali. O chão era de pedra e, as paredes de uma madeira velha meio apodrecida, que não durariam por muitos outonos. Além de palha seca espalhada pelos cantos, tudo o que mobiliava o único cômodo eram duas cadeiras tortas, uma mesa capenga e um fogão improvisado com tijolos. Havia também um armário que usavam para guardar mantimentos. A moça ignorava quem havia construído ou fosse o dono de tal prédio tão fedorento e isolado, mas já estava acostumada, Boaz Lame não permitia perguntas sobre seus negócios; e ela preferia assim, tudo ficava muito mais intrigante e emocionante.

O homem sentou no chão, desembrulhou uma lebre, e começou a limpá-la sobre uma tábua de pedra. A mulher foi até o armário e retirou uma panela, cebolas cenouras e pães, e os pôs em cima da mesa. Não se cumprimentaram, nem mesmo um beijo silencioso, ambos eram pouco formais e pouco falantes. Ela foi criada por um pai bêbado e pedófilo; ele era um bandido de estradas.

— Você demorou... – foi a iniciativa para quebrar o silêncio.

— Não resisto. É o lombo desta égua; parece que estou sobre uma nuvem. E é o bicho mais rápido que já montei. – foi sua tentativa de desculpas.

— Você sabe que não gosto de ficar sozinha aqui, é perigoso. Tem monstros por aqui, e ratos que fizeram ninhos na madeira. – fez um muxoxo, expressando em seu rosto um desânimo.

— É bom, além de te fazerem companhia, te protegem de algum troll. – respondeu com algo próximo de um sorriso, tentou fazer alguma piada.

— E você ri?! Sua sorte é que não gosto de homens engraçados. – partiu uma cebola, uma lágrima rolou sem resistência.

— Você irá rir também, daqui a um mês, quando estivermos morando em um casarão em Valkaria...

Terminaram juntos de preparar a ceia e comeram. Aquela refeição pobre e sem temperos caiu estranhamente bem no paladar de Boaz, ao final do jantar declarou que fora a comida mais saborosa que havia provado em vida. Pegou fumo e um cachimbo na mochila de viagem e arrastou uma cadeira para a varanda. O céu lá fora estava límpido, como um oceano negro, cada estrela lhe parecia infinitamente mais brilhante do que já vira em outras vezes. Nunca havia parado para contemplar o firmamento como naquela noite. Sua vida havia sido dura, dizia que isso, de admirar os céus era coisa de bardos efeminados. Mas parou ali, hoje, e olhou, respirou fundo, sentiu um calor e uma alegria invadir o peito. Estava realmente feliz. Havia realizado o golpe perfeito, estava com a mulher que amava e em breve eles mudariam de vida.

— Ei, vem sentar comigo aqui fora. A noite está fantástica! – disse Boaz num tom de raro bom humor e satisfação.

Samanta saiu. Realmente achou a noite muito bonita. Ela gostava de observar o céu. Foi contando ao companheiro o nome de cada estrela e constelação que reconhecia. Havia aprendido todas aquelas coisas com a mãe, quando ainda era muito pequena. Nunca havia esquecido. Começaram a surgir estrelas cadentes.

— Faça um pedido! – Boaz sorriu. Ele raramente sorria, mesmo na companhia dela. Ela fechou os olhos e imaginou, imaginou como seria sua vida se não tivesse tomado a decisão que tomou. Uma lágrima rolou. O rapaz mudou o semblante para uma moderada preocupação

— O que você pediu? – perguntou curioso.

— Minha mãe falava que as estrelas cadentes são, na verdade, espíritos dos antigos cavalos lendários que serviram à grandes heróis ou mesmo deuses. Agora correm como a luz pelos céus, indomáveis e invencíveis... Hippion os colocou lá como recompensa. E se a gente observar bem, pode reconhecer cada um deles. Feche seus olhos. – Samanta desviou o assunto dos desejos. Boaz obedeceu. – Dá para ouvi-los relinchando, você escuta?

Boaz abriu os olhos – Não ouço nada. Isso são só besteiras, histórias que a velha contava para te fazer dormir. – de novo seu semblante era fechado.

Agora várias lágrimas desciam pelo rosto de Sam. – Você não acredita em nada!

— Eu acredito em minha espada... E... No meu amor por você... – Disse isso tentando consolá-la...

Fungou e tentou conter as lágrimas. - Um dia, essa égua que você roubou vai estar lá, no céu, cavalgando com os outros. Quando olha pra ela não sente isso? Que ela é especial, realmente obra de algum deus? Eu sinto, quando toco nela, que o destino não é ser montaria de um ladrão, mas de um grande herói. – disse isso com sinceridade, sem procurar ofendê-lo. Ele também não ligava muito para ofensas.

— Tanto faz – foi sua única resposta. Continuou fumando o cachimbo.

Ficaram em silêncio por algum tempo, olhando para cima.

— Essa mulher misteriosa de Yuden, que pagou você e os rapazes para roubar Tulapar... Como ela é? – tentou retomar o assunto.

— Já disse que não gosto de falar dos meus negócios com você, nem com ninguém. – tentou encerrar a conversa. Sam ficou muda.

Depois de alguns minutos, meio arrependido, tocado pela tristeza no rosto da moça, pensou. Fechou seus olhos e sorriu, a lembrança da patrocinadora de seu roubo, da aparência dela, era motivadora, uma motivação diferente.

— Era uma mulher média e magra, cabelos castanhos claros e olhos verdes. Tinha um jeito de sulista, sotaque de Deheon. Quando a encontramos, usava uma armadura leve, botas pesadas e trajes típicos de viajantes e aventureiros. Seu olhar era muito diferente do das mulheres que conheço... Mas lembrava o seu. Não tinha nada de aflito, e seus gestos eram suaves e confiantes. Sua voz era serena mas poderosa, confiável. Mesmo vestida como uma pessoa comum, a presença dela era imponente.

Samanta sentiu ciúmes, via pelo jeito de Boaz, que ele falava de uma mulher realmente bela. Mas como ela adorava histórias, pediu para que continuasse.

— Ela sempre segurava em uma das mãos um mangual, que tinha uma aparência curiosa. Não sei dizer em que ele parecia diferente. Com certeza era uma arma mágica... Até entendo o porquê de desejar um cavalo tão magnífico, mas o preço que se propôs a pagar é realmente muito alto. E ela não parecia uma mulher tola. Creio que o próprio Silloherom, como bom negociante que é, aceitaria de bom grado o preço que a guerreira misteriosa acertou conosco. E penso que ela sabia disso. Quando nos despedimos, disse que pagaria a quantia não só pelo valor do animal, mas pela aventura, por esta e pelas outras que eu teria a partir desse evento... Falou parecendo um oráculo... Vai entender?!

— Mas você não disse que se aposentaria depois desse roubo? – a garota realmente ficava curiosa sobre assuntos proféticos. Enxugava o rosto e sorria forçosamente.

— E pretendo sim. Não sei de onde aquela louca tirou essa ideia! Coisas desses mercenários deheonnis... Sempre buscando aventuras.

Boaz bocejou. Apagou o cachimbo e levantou. – Estou cansado, amanhã vamos começar a viagem até Drekkelar, onde marquei de encontrar essa doida. Vamos entrar?

— Vamos sim, Bo. – respondeu de forma carinhosa.

— Detesto quando você me chama assim. Meu nome já não é suficiente curto? E o que os rapazes vão pensar de mim, quando vêem o chefe deles sendo tratado dessa forma tola. Não sou criança.

— Não há mais ninguém aqui, e creio que nós nunca mais veremos os rapazes.

— Mesmo assim, eu não gosto! – encerrou a conversa.

Boaz entrou na frente, forrou um lençol sobre o maior monte de palha acumulada perto da parede ocidental. Tirou a camisa, exibindo o estranho amuleto de família que nunca tirava do pescoço. Ele era vaidoso com seu corpo, fazia exercícios todos os dias, a vida que levava também exigia que fosse um homem forte. Apenas de ceroulas, via-se como era belo, seus tórax e braços bem musculosos, a pele morena escura, cabelos compridos e lisos, sempre soltos, o davam um ar selvagem. Deitou na cama improvisada e Samanta achou estranho ele não a procurar por sexo, talvez estivesse realmente cansado. Mesmo ela não estando também disposta, quis dar a ele um presente de despedida.

— Essa é nossa última noite antes da viagem de nossas vidas, temos vinho e achbuld e, você quer dormir? – perguntou ela meio frustrada

— Achbuld me deixa lerdo de manhã, e eu demoro pra me recuperar do efeito. Estou cansado...

Ela ignorou sua resposta. Preparou o vinho com a erva alucinógena e colocou o odre na mão dele. Acendeu uma vela e apagou a lanterna.

— Você não vai querer? – perguntou Boaz insatisfeito por sua recusa não ter sido ouvida.

— Depois. Primeiro farei uma coisa para você.

Ele bebeu o vinho. Ela se colocou de pé, de costas para a cama, e começou uma a cantar uma canção sensual namalkahniana que Boaz gostava. Enquanto cantava, a menina dançava vagarosamente, mexendo os quadris. Pegou pelas pontas da saia e a foi subindo enquanto rodopiava pela sala de forma provocante. Brincava sozinha com sua sombra, meio que ignorando o parceiro, que continuava deitado assistindo a exibição. Devagar o vestido foi subindo, exibindo seus joelhos, as coxas, a calçola branca e apertada, que dava um contorno a seu bumbum. Ele começou a ver a pele de suas costas, a cor escura dela tinha um efeito excitante na mente do homem, aumentado pelo efeito da bebida. Tirou todo o vestido, exibindo a pequena blusa também branca que usava por baixo. Ela olhou diretamente nos olhos dele, cantando. Fechou os olhos e foi suspendendo a roupa de baixo, exibindo os belos seios eriçados, com os bicos marrons apontando para o teto. Seu peito era realmente lindo. Virou-se de novo de costas, jogando o cabelo, que de tão cumprido, ultrapassava a cintura. Foi descendo a calçola, enquanto rebolava. Voltou a encará-lo, agora totalmente nua.

Boaz, a essa altura, já sentia seu corpo queimar. Virou a garrafa de vinho e, em seguida, tirou as calças de uma vez, apressadas. Sentou na cama e ela se aproximou dele. Começou a acariciá-la nas nádegas, enquanto a beijava nas coxas. O aroma da vulva molhada o instigava cada vez mais. Levantou e a beijou de forma doce, enquanto apalpava cada curva, se regozijando com o corpo da bela mulher ali. Ela se afastou de novo, bastante excitada, e voltou a dançar. Observava o pênis comprido, mas não exageradamente grosso do amante, estava muito rígido, e ele agora, se masturbava. Aquilo a enchia de desejo. Virou de costas para não o admirar, e continuar concentrada em sua interpretação.

Não mais conseguindo conter-se, Boaz a empurra até a parede, ela estica os braços e a espalma. Samanta sente-o afastar suas coxas e começar a esfregar o membro em sua vagina encharcada. Ele a penetra, devagar vai colocando e retirando, agarrando-a firme nos seios. A empolgação aumenta e ele começa a estocar com mais força. Mesmo entorpecido, ele ainda tinha o vigor de um garanhão. Dominava-a com força, e suas pernas já bambeavam com a o ímpeto do sexo dele dentro de si. Os dois se abaixaram, e em posição engatinhada ela continuava a receber o mastro dele por trás. Ficaram nessa posição por algum tempo, até o efeito do alucinógeno ficar mais intenso, Boaz então começou a cansar. Levantaram-se e ela o guiou de volta para cama. Deitou com o pênis ainda muito duro, a cabeça inchada e toda melada apontava para o assoalho. Chupou com gosto aquele homem. Depois, se colocou sobre ele, segurou firme o membro em sua mão e o masturbou, antes de colocar de novo dentro da vulva. Cavalgou sobre ele por muito tempo, gemia alto e gritava. O arranhava no peito e ele retribuía com agressivos tapas no traseiro. Terminaram o sexo com um orgasmo fortíssimo, a bebida tomou conta de todo o corpo de Boaz e ele desmaiou logo depois. Dormiu como uma criança.

Exausta, mas satisfeita, Samanta andou até a mochila, desembrulhou o pacote de fumo e enrolou num papel de cigarro. Colocou de volta o vestido, ascendeu o cigarro na vela e ficou fumando na janela.

Achbuld era uma erva entorpecente muito poderosa, viciante. Seu poder era o de dar bons sonhos, quase reais, àqueles que a ingeriam misturada ao vinho. Sonhou que era um rico comerciante de cavalos em Deheon. Tinha o próprio rancho, com centenas de animais valiosos. Viu seu irmão, amigos, e pessoas importantes, até o próprio regente Borandir Silloherom e o Imperador-rei Thormy participando de uma ceia em seu palacete. Deitado na cama, ele sorriu de satisfação. Samanta olhou intrigada para aquele sorriso e tentou imaginar que sonhos o Achbuld estava lhe trazendo.

Acendeu um segundo cigarro, agora sozinha podia revisar os planos de como faria no dia seguinte. Chorou de novo, angustiada. Andou até onde Boaz dormia, tentou acordá-lo, mas o sono dele era muito profundo. Se recompôs, tomou um gole de vinho sem mistura, recuperou a coragem, faria o que precisava ser feito.

Homens como Boaz Lame não eram confiáveis, pensou ela. Havia traído todos os seus companheiros nesse último assalto. Na frente deles, dizia amá-los como irmãos. Ele dizia que a amava... Ela não podia, não devia colocar sua vida nas mãos de alguém assim. Mas e se fosse verdade? Se ele enganasse o mundo inteiro, só pelo amor que sentia por ela? Talvez a amasse de verdade... Mas Silloherom era o regente, tinha ótimas relações com o rei de Deheon. Mesmo que Valkaria fosse mesmo uma cidade três vezes maior que Palthar, não teriam paz, seriam caçados lá também. Seu amante era o homem mais procurado de Namalkah. Viveriam fugindo, sempre . Casa grande, banquetes... ilusões.

Arrumou sua bolsa, deu um último beijo no adormecido, acariciou seu cabelo, se desfez em lágrimas. Encarou o amuleto, era feito de couro e no centro tinha um olho de cavalo, mas ao contrário do esperado o orbe não apodrecia, brilhava como uma maçã. Com certeza aquilo tinha poderes místicos. Talvez o roubasse, seria uma última lembrança; e de qualquer forma, se ela não o pegasse os guardas confiscariam. Poderia mantê-lo a salvo, devolvê-lo quando Boaz finalmente fosse solto. Melhor não, aquilo cheirava a maldição, claramente seu companheiro era um homem amaldiçoado. O jeito que ele domava qualquer montaria, cavalos, mulas, garanhões selvagens e ariscos. Já o tinha visto montar até em um unicórnio! As lendas diziam que esses seres fantásticos só se deixavam guiar por crianças e virgens! Que objeto horrível era aquele, colocava sobre seu jugo até as criaturas mais livres do mundo, os animais mais sagrados! Afastou-se depressa do corpo adormecido, iria deixá-lo.

...

Boaz foi acordado com o som de cascos de cavalo, alguém chegava. Passou a mão pelo leito, ninguém deitado ao seu lado. Levantou com um pulo, mas a ressaca quase o atirou de volta na cama.

— Sam? Cadê você? Eles nos acharam, precisamos sair agora! – gritou para a casa vazia. Sem resposta ele pensou que ela estaria fora da casa. Talvez já a tivessem pego, ou se entregara com medo... Mulheres são covardes. Vestiu a calça as pressas, gritava o nome dela enquanto preparava a bolsa.

— Boaz Lame, renda-se em nome de Namalkah. Sabemos que está aí, a casa está cercada! – uma voz autoritária veio de fora.

“Como me acharam? Não tinha como saberem que estava ali. E onde estava Samantha?”Juntou um mais um e achou dois. Ela o entregara. “Vadia”

Os soldados lá fora ouviram os gritos – Ah! Ah! Vadia! Vadia – repetia diversas vezes. Boaz chorava. Montou em Tulapar. – Só posso contar mesmo com você, meu anjo. – conversou com a égua.

Saíram pelos fundos, devagar. Três soldados já o esperavam ali. Um arqueiro apontava em sua direção. O ladrão cavaleiro avançou em direção a eles, tinha apenas uma espada na mão. O arqueiro atirou. Um grito. Tulapar, mais rápida que o olho, mais rápida que uma flecha, driblou os guardas. Eles só sentiram o vento deixado por sua passagem.

Deram a volta na casa. Mais um disparo, dessa vez, certeiro. Boaz quebrou a flecha cravada entre o ombro e o peito. – Me leva daqui, me leva daqui. – Repetia para a égua. Que driblou todos os outros, escorregava como água entre os cavaleiros inimigos. Boaz foi atingido mais duas vezes vez, nas costas agora, talvez no pulmão, também no quadril. Fugiram. O sangue escorrendo na roupa, o vinho latejando na cabeça. Mas ele estava acompanhado da filha de um deus, não havia vantagem maior. Tentou retira as flechas, mas só partiu seus cabos. A dor não é forte num homem embriagado. Mas o cansaço o fez adormecer por uns minutos na sela.

Tulapar fugia, e o perigo se afastava. Mas sem as instruções de seu cavaleiro, ela foi diminuindo o passo. Margeavam a grande ravina, animais selvagens não eram preocupação, a égua já havia mostrado que era mais rápida que qualquer criatura terrestre que existisse por ali. Mas os poucos minutos de tranqüilidade se foram. Logo seuss perseguidores os alcançaram, gritos furiosos despertaram o homem ferido. O efeito do achbuld retornou, e agora, mesmo acordado tinha alucinações, murmurava coisas sem sentido sobre Samantha, seus companheiros traídos. A montaria só se deixava domar pelo poder do amuleto, sem ele, Boaz Lame já teria sido jogado da sela. Mas não tinha como se concentrar naquele momento, pouco podia fazer para guiar o animal, que corria sem a mesma agressividade de antes. Cada vez mais eles se aproximavam, mas não atiravam, pois Tulapar não devia ser ferida.

— Você é filha do grande Hippion. Um dia vai voar no céu com outros cavalos fantásticos como você. – Dizia o delirante rapaz. Olhou adiante, viu um espaço de mais ou menos 50 metros entre as margens do despenhadeiro. – Mas hoje você pode voar, não pode? O amuleto te fará voar! Voe Tulapar! Voe! E me salve, nunca precisei tanto de sua ajuda! Hippion há de nos abençoar!

Olhou para trás, os soldados jaziam há apenas quatro corpos de distância. Se não saltassem, os pegariam. – Jamais me pegarão com vida – ameaçou aos gritos, em tom profético. Desatou a rir e a chorar descontroladamente. Segurou firme nas rédeas e começou a guiar até a boca do penhasco.

— Você está louco Lame! Vai se matar junto com a égua! Pare já e desça desse cavalo, homem! – Foram as últimas palavras que ouviu do capitão da guarda.

Cada passo mais perto do fim, e a expectativa de um novo começo do outro lado. Nada seria como antes. O Desfiladeiro de Dópsia não dividia apenas o sudoeste de Namalkah, dividia a vida e a morte, a sorte e o azar, alma e espírito, fim e renascimento, culpa e misericórdia. No céu, dois deuses observavam apreensivos e esperançosos àquele momento. Boaz e Tulapar, depois desse evento, muitas coisas passariam até se reencontrarem. Saltaram, e por poucos segundos, realmente voaram...

...

Tulapar, a égua divina, pastava tranquilamente na planície. Um ancião caminhava apressado em sua direção. Era tão pequeno que não chegava a metade de um homem. Era calvo, mas ao redor da corona possuía longos cabelos brancos, olhos azuis brilhantes como duas jóias eram jovens como os de uma criança, e uma expressão misteriosa, mas gentil, espontaneamente forçada, dissimuladamente agradável, e falsamente consoladora. Usava um manto chamativo, escarlata. Carregava uma rabeca presa às costas e um cajado na mão. Era um bardo. Aproximou-se da Palomino e começou a acariciá-la na pata.

— Tulapar... Tulapar, minha doce Tulapar... – Um sorriso leve e descontraído se fez no rosto do gnomo. A égua o ignorou.

No norte surgiu uma figura feminina, corria com o vento. Cabelos castanhos rebeldes e capa marrom esvoaçavam. Ainda distante, o pequenino percebeu seus incandescentes olhos verdes, humildes e altivos. A mais bela das mulheres, mas nenhum pouco frágil, em suas mãos carregava o mangual Desbravador.

— Que faz aqui? – A moça não era dada a comprimentos formais. E os cabelos brancos só iludiriam mortais, as duas pessoas ali eram de idades semelhantes.

— Minha senhora é sempre ansiosa. Deveria aproveitar sua recente liberdade com mais calma, muitos séculos ainda virão. – o semblante sereno no velho permanecia.

— Você me conhece bem. Mais uma vez peço que não me chame de senhora, somos iguais. – A mulher respondeu firme, mas sorridente.

— Não me peça tamanha injustiça, como posso me comparar a toda-poderosa rainha dos homens. Vim certificar que meu presente chegasse sem problemas em suas mãos.

— Não é um presente. Fizemos um acordo, e creio que ambos cumprimos nossos deveres.

— Viu... E ainda há alguns que desconfiam de mim, sempre cumpro a minha parte.

— Não confio em você.

A mulher assobiou para a égua, que caminhou até ela. Rapidamente a montou.

— Estarei com Boaz Lame em breve, se quiser deixar a recompensa dele comigo, farei com que chegue em suas mãos. – perguntou o gnomo generoso.

— Não se preocupe com isso, já providenciei uma forma segura de pagá-lo por seu serviço. – foi uma despedida.

O pequenino observou as duas criaturas de natureza divina se distanciarem no horizonte. A velocidade de Tulapar era realmente fantástica. Ficou ali parado até vê-las sumir depois de uma colina. Soltou um breve suspiro e se dissolveu no ar, como se nunca houvesse aparecido ali.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Grande Ladrão de Cavalos - Livro I" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.