Sentado sob a sombra, com a luz do sol transpassando a copa da árvore iluminando seu caderno, Sai esboçava desenhos sem sentido. Pareciam abstratos, os traços suaves de mesclas de cores vivas, formando até, uma bela gravura. Mas era só um desenho. Não significava nada. Rabiscos coloridos sobre um papel, nada mais. Esforçava-se ao máximo para melhorar sua relação com os demais da vila. Claro, sua personalidade mudou drasticamente, mas seu comportamento continuava o mesmo. Sentiu uma folha de bordo cair sobre sua cabeça. Pegou-a na mão e começou a analisar. Analisava-a como fazia com cada passo de cada integrante de seu grupo. Naruto, Kakashi, Yamato, Sakura. Poderia até chamar de felicidade, o fato de estar em um time onde os integrantes são amigos. “Amigos”.

            Podia ouvir o atrito entre o giz e o papel. Enquanto organizava seus pensamentos, continuava a rabiscar. Estava só desperdiçando a folha, já que nem estava prestando atenção ao desenho. Recordava sobre a missão de resgate de Sasuke. Naquela hora... No exato momento em que pode sorrir. Mas sorrir de verdade, com a emoção. E não somente para mascarar a frieza. Podia até jurar que sentiu seu coração aquecer naquela hora. Jogou o giz no estojo e fechou o caderno. Olhou para os lados e não viu nada além da relva balançando com o vento. Tirou um livro de sua mochila.

            “Como as palavras revelam os sentimentos verdadeiros de alguém”, da série “Entendendo os sentimentos dos outros”. Era a segunda ou terceira vez que lia esse livro. Sua leitura se prendia a auto-ajuda ou, no máximo, mangás. Esse livro em especial, era usado para que ele pudesse compreender as ações e reações das pessoas. Graças ao árduo treinamento que tivera na Anbu Ne, tinha se desacostumado a refletir sobre os sentimentos das outras pessoas, afinal, isso atrapalhava a missão. Mas, se uma coisa aprendeu com o novo time – além de que, chamar garotas de feias resultava em socos –, era que os sentimentos moviam e motivavam as outras pessoas. Sai fora mais um, dos muitos que Naruto ensinou o que é a verdadeira amizade.

            Deu uma breve folheada e fechou. Apenas deu uma olhada nos últimos ensinamentos do livro. Levantou-se, guardou seus pertences na mochila e se dirigiu a área de treinamento, onde os demais integrantes do grupo estavam. Enquanto passava pelas árvores, recebeu um aviso da Hokage, preso na pata de um pombo. Lá dizia que era para todos os membros do Kakashi-han de dirigirem para a sala da Hokage, com exceção de Naruto. Guardou o pergaminho e dispensou o pombo. Quando já podia avistar a cachoeira, parou. Ficou um minuto escondido, e observando. Yamato estava sentado, no meio das estátuas de madeira, controlando o chakra de Naruto, que estava treinando seu novo jutsu. Kakashi estava deitado num banco, lendo seus contos eróticos – Icha Icha Paradise –, e Sakura, sentada, com uma cesta cheia de suas pílulas de soldado, ou como foram apelidadas,  bolas de barro.

            Sai focou sua atenção em Sakura. Ela tinha uma expressão desolada estampada em seu rosto. Passava de leve os dedos no cabelo, pausando entre suspiros. Era estranho olhar para ela. Quieta, ela parecia diferente. Quando não manifestava suas idéias, seu semblante, mesmo que triste, era mais tranqüilo. Parecia até mais feminina. De vez em quando ele conseguia arrancar confissões através das palavras dela. Graças ao livro, claro. Porém ainda não tinha uma imagem nítida dos sentimentos dela. Poderia até especular sobre seus pensamentos, já que ela não era o tipo de pessoa que escondia suas emoções. Lembrou-se repentinamente sobre o recado que recebera da Hokage e recompôs seus pensamentos. Foi até Kakashi, e entregou o pergaminho.

             - Nanda’ttebayo? Porque eu não posso ir?

             - Você tem que ficar aqui treinando, Naruto. – Respondeu Kakashi

             - Mas eu quero ir nessa missão! – retrucou, pegando seu casaco jogado no chão – Eu vou também!

             - Baka, Naruto! – gritou Sakura, dando um soco na nuca de Naruto – Você não viu que foram ordens da Tsunade-sama?

             - Maa! A Tsunade-baa-chan ainda quer que eu repouse?

             - Deve ser isso, então, Naruto-kun, fique aqui e treine.

             - Fazer o que’datteba... Não quero levar mais um coco na cabeça. – terminou, resmungando.

            Depois de finalmente se livrarem de Naruto, foram até a sala da Hokage. Eram uma missão Rank-B. Nada muito sério. Tinham apenas que capturar o Missing Nin, não muito forte, mas habilidoso, que estava causando caos a uma vila satélite de Konoha. Depois de ouvirem até o fim as ordens de Tsunade, foram todos para suas respectivas casas. Sai não tinha muito que pegar para a missão, já que tudo o que precisava, kunais, shurikens, pergaminhos e tinta ninja; já estavam em sua mochila. Olhou para sua mesa e tocou em um livro com gravuras nas duas capas. O presente para seu falecido irmão. Ele sempre o leva consigo, mas dessa vez, decidiu não levar. Colocou apenas mais um de seus cadernos de desenho dentro da mochila e partiu para o portão da vila, onde se encontrou com os outros.

            O céu já escurecia quando partiram. Não levaram nem duas horas para chegar à vila. Era pequena, com pouco comercio e pouca comunicação com a matriz, o número de habitantes, que já era pequeno, tinha sido reduzido a mínimo graças aos ataques do missing nin. Os ataques foram registrados de dia, e como já era noite, decidiram ir para um pequeno alojamento para viajantes no fim da vila, já que não tinha espaço disponível para que Yamato realizasse um jutsu de mokuton, construindo uma casa. Tiveram que ficar todos no mesmo quarto, porque os demais estavam ocupados por moradores das vilas, que temiam serem atacados, mesmo tendo ciência de que as agressões só ocorriam de dia. Todos sentaram no chão, em cima de seus futons, em torno de um castiçal, já que lugar era muito simples, então a iluminação era à vela.

             - Vamos dividir o time em dois – disse Kakashi – eu fico com Yamato, como equipe um e Sakura com Sai, como equipe. Ao amanhecer, a equipe um fica no centro da vila e a equipe dois vai para a periferia, para dar suporte. Objeções? – todos balançaram a cabeça negativamente – então, ok. Vamos dormir, porque, pelos rumores que eu ouvi, amanhã teremos um dia longo. – terminou, apagando a vela.

~x~

            Na manhã seguinte, as equipes já estavam em suas determinadas posições. Yamato se escondia, já preparando uma armadilha para o missing nin, e Kakashi ficaria de isca. Na periferia da vila, Sakura orientava os moradores, para evitar que se ferissem durante a luta. Sai só estava encostado em uma árvore – já que terminou seu afazer –, com seu caderno na mão, novamente, desenhando. Ele estava completamente concentrado. Não era um desenho qualquer. Não era uma gravura... Era diferente. Especial. Talvez nem tão especial quando seu livro, mas tinha um certo valor. Podia-se sentir a aplicação dele ao passar a tinta no papel, com traço firme, mas ao mesmo tempo, suave.

             - Oi! Sai! O que você está desenhando? – perguntou Sakura

             - Nada... Nada de especial. – respondeu, levando o caderno para trás de suas costas.

             - Qual é... Deixar eu ver – insistiu, esboçando um leve sorriso.

             - Quando eu terminar, eu te mostro.

             - Ai, ai – reclamou – não precisa ficar assim também. – Silêncio. Sai não era muito bom em puxar assunto, e naquele momento, estava concentrado demais em seu desenho, para que pudesse conversar. Sakura então, continuou: - Nee, o que será que o Naruto está fazendo agora?

             - Deve estar treinando. – respondeu, sem fitá-la.

             - Ah é... Será que ele... vai mesmo conseguir?

             - Não sei. Ele conseguiu desenvolver o RasenShuriken... Só que foi falho.

             - Como assim?

             - Você não prestou atenção? Ele não pode usar o RasenShuriken, se não, vai acabar debilitando o corpo.

             - É verdade. Mas mesmo assim, é jutsu bom!

             - Do que adianta ser bom, se ele não pode usar? – retrucou, ainda com os olhos voltados para o caderno.

             - Ah! Mas dessa vez eu sei que ele vai conseguir!

             - Assim espero.

             -... – Nervosa. Sakura já estava perdendo a paciência. Estava a ponto de estourar.

             - Tomara que ele consiga, se não, todo o esforço terá sido inútil, e o tempo desperdiçad-

            Sakura se preparou para dar um soco em Sai, quando ia encostar, ele desviou, deixando o caderno cair, mostrando o desenho. Não tinha terminado, mas ao que parecia, era um garoto segurando a mão de uma garota. – Eh? – resmungou Sakura – Então é isso? – disse, pegando o caderno na mão. Sai... você está gostando de um garota? – perguntou, esquecendo-se completamente de sua raiva.

             - Não. Isso é só um desenho. E eu não terminei.

             - A~ah! Mas esse aqui – disse apontando para o desenho – parece ser você! Só que não dá pra saber quem é essa, já que você não terminou.

             - Por favor, devolva.

             - Ah, não fique assim – disse devolvendo o caderno – eu não vou contar pra ninguém!

             - Sakura... Acredito que os meus sentimentos não te dizem respeito. Afinal, se você não confessa que gosta do Naruto, eu também não tenho que dizer se eu gostou ou não e quem é a pessoa.

             - Eu não gosto do Naruto!

             - Como é que eu vou saber?

             - O Naruto... O Naruto é só um amigo!

             - Então você gosta do Sasuke-kun?

             - N-não. Pelo menos... Não mais. Eu não sinto mais nada por ele!

             - Hm – resmungou.

             - E-e o que você tem com isso, hein? – perguntou, desviando do assunto.

             - Não sei... Você que começou esse assunto de ‘gostar’.

            Silencio novamente. Sakura encarava o chão, com a face levemente corada. Tentava pensar no que disse, e só podia chegar à conclusão de que tinha absoluta certeza sobre seus sentimentos. Não sinta mais nada pelo Sasuke. No máximo, saudades. Mas não era nada. Ela só sinta atração por ele, quando mais jovem. E pelo Naruto... Não. Ela tinha certeza de que não se sentia assim pelo Naruto. Pôde até balançar por ele. Só que não era amor. E nem paixão. Era uma amizade. Uma grande amizade. “Isso” – sussurrou para si mesma. Sai tirava os pedaços de grama que tinham ficado em seu desenho. Ele olhava a garota do desenho. Nem ele... Nem ele sabia quem era. Talvez... Não. Não podia ser. Sentiu um grande pulsar. Não compreendia o porque seu coração estava acelerado. Nunca sentira isso antes. Será que... – seus pensamentos foram interrompidos. - Ratos de Konoha, vocês não vão me pegar! – gritou um homem, pulando pelos telhados.

            Rapidamente, Sai retirou o pergaminho de sua mochila, juntamente com a tinta, e logo, o desenho de uma enorme águia já saía do papel. Subiu nela e puxou Sakura, pelo pulso. Ignorando completamente os acontecimentos anteriores, os dois perseguiram o missing nin até chegarem à emboscada de Kakashi e Yamato. Porém, antes que pudesse ser pego pelo mokuton, o homem correu em direção a mais alta torre da vila. Sai e Sakura o seguiram ainda montados na águia, Kakashi e Yamato o seguiram pelo chão. Ao chegar na torre, puderam notar que a face norte dela, dava para um lago. Sakura desceu do bicho de tinta, para confrontar o inimigo corpo-a-corpo. Kakashi já subia as escadas da torre para dar apoio. Mas, antes que pudesse chegar ao terraço – onde estavam lutando – ao tentar dar um soco, Sakura foi surpreendida por um Kage Bushin e foi jogada pela ponte que saía do mezanino. Sai foi pegá-la com a águia, quando um outro Kage Bushin o surpreendeu, detonando a pintura, com um jutsu de raiton.

            Não tinha outra escolha agarrou-se ao corpo de Sakura e seguiu em queda livre, tombando com um bote na margem do lago. A força da queda fora tanta, que o bote acabou furando numa das pedras da beirada da lagoa. Quando já estavam montando em uma outra figura alada, Kakashi deu o sinal de que tinham capturado o missing nin.

~x~

             Já era noite de novo, então, resolveram ficar mais um dia na vila. O time um cuidava do prisioneiro enquanto o time dois coordenava os habitantes. O céu nem um pouco estrelado já dava indícios de chuva. Antes que pudessem voltar para o alojamento, os pingos começaram a cair intensamente. Sakura passou a mão no cabelo e sentiu apenas algumas gotas. Olhou para cima e reparou que Sai segurava um guarda-chuva, em alguma forma bizarra, iguais aos seus desenhos.

             - Desculpe... – começou Sakura – Eu não... Queria ter forçar a nada. Eu não preten-

             - Você.

             - Hã?

             - Eu... – tentava organizar os pensamentos – eu gosto de você.

             - O que?

             - Eu... Não sei bem me expressar. Na verdade, eu não sei nem o que eu sinto. Mas... Eu só consigo chegar à conclusão de que eu gosto de você.

             - Sai...

            Antes que pudesse terminar a frase, foi surpreendida pela aproximação repentina do rosto de Sai ao seu. Ela podia desviar. Podia até bater nele se quiser. Mas não queria. Não gostava mais do Sasuke... Sabia que seus sentimentos por Naruto não passavam da amizade... Será que gostava do Sai então? Não fez nada. Só ficou ali parada, sentido os lábios do outro nos seus. Os suaves movimentos de sua boca equivaliam ao seu pincelar. Eram calmos, sem pressa. Sentiu algo pegar em seu braço. Era o guarda-chuva. Sai agarrou o guarda-chuva no braço dela para que pudesse abraçá-la, sem perder o contato dos lábios. Sakura estava perdida. Não sabia mais nem o que pensar e nem como agir, então passou os braços pelo ombro de Sai, deixando a mão passear pela nuca e os dedos amaciarem os finos fios marrons. E ele? Ele que não estava acostumado com coisas do tipo, mantinha a calma por fora, mas por dentro estava confuso. Só sabia que não queria parar, não queria deixar de sentir os doces lábios dela nos seus, a palpitação sincronizando com a sua e carinho em seu cabelo. Mas acabaram apartando o beijo. Foi um susto. Ouviram uma trovoada que forçou os corpos a se separarem. A partir do momento em que os olhares se encontraram, tiveram a certeza momentânea de que aquele contato tinha que cessar ali. Não por falta de sentimento ou falta de amor. Mas para que a terna lembrança do primeiro beijo ficasse guardada com carinho. Aproximaram-se de novo, para que não se molhassem mais. Sai passou a mão na cintura dela e Sakura encostou a cabeça no peito dele. E ficaram lá, até a chuva parar.

~x~

            De volta a vila, depois de passar o relatório a Hokage e escoltar o missing nin a prisão, cada um tomou seu rumo. Sai voltou a aquele mesmo bordo, onde sempre ia desenhar. Queria terminar aquele desenho. Chegou à conclusão que começou a fazê-lo, para não terminá-lo. Gostaria apenas visualizar como seria, ele com uma garota. Só que agora, ele sabia quem era. Passava o giz de leve, com carinho no papel. Depois que terminou de colorir, começou a passar a tinta para finalizar. Parou. Ele sentiu algo estranho. Foram seus músculos que se movimentaram inconscientemente. Passou a mão no rosto e notou que estava sorrindo. Um sorriso verdadeiro, raro. Daqueles que podem comprovar que algo além de amizade habita o coração.