Mutação Oculta escrita por Athenaie


Capítulo 3
Capítulo 3




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Os 30 anos trouxeram-me uma fadiga nova. Já não aguento fazer directas e depois ir trabalhar. Esta noitada vai-me custar. Vou andar a arrastar-me até ao fim de semana.
No dia seguinte, ensonada e mal disposta enviei um SMS ao Mário a dizer que não tinha tido novas pistas no Fangtasia mas que ia continuar a procurar. Não tive paciência para lhe ligar, confesso.
O resto da semana não passou, arrastou-se! O trabalho não me andou a correr bem e andei sempre tão cansada que nem arranjei força anímica para pensar na Catarina.
Na sexta, após o trabalho e no regresso a casa, finalmente comecei a rever a minha aventura no Fangtasia e dei por mim a pensar no Eric. Ele era um pedaço de homem….ou de vampiro, ainda me atrapalho com estas designações. Alto, loiro, musculado, parecia ter os seus trinta e tal anos (mas sabe-se lá quantos mais séculos teria?) e aqueles olhos eram uma perdição. Pena que era uma autêntica besta social!!
Não sei o que as pessoas vêem nos vampiros, mesmo os podres de bons como o Eric. Acham-se tão superiores a nós. Que interesse poderá haver em relacionar-se com alguém assim. E que ideia foi aquela que eu era uma infeliz em busca de suicídio assistido? Ora convenhamos, se estou só é porque quero. O que não falta são homens interessados.
Não que eu seja uma beleza rara mas sou magra, loira (mesmo que através de processo químico), tenho uns olhos castanhos enormes e um par de seios que mete qualquer siliconada a um canto. Aqui tudo é verdadeiro, seja bonito ou não. Aliás sempre me disseram que era sexy e que tinha a capacidade de deixar os homens interessados e a pensar como seria sexo comigo. Muitos verbalizam isso regularmente e eu respondo que não estou cá neste mundo para satisfazer curiosidades alheias. Sexo só com quem eu me sentir atraída e que não seja à partida um monte de problemas. Como é que ele se atreveu a achar-me uma infeliz abandonada? Que raiva.
O trânsito estava caótico como sempre a todos os finais de dia e principalmente à sexta-feira.
Já tinha buzinado furiosamente por três vezes a espertinhos que tentavam passar-me à frente. A noite chegou, eu sem jantar e metida no engarrafamento. Tudo a ajudar ao bom humor. Nem o facto de que no dia seguinte poderia dormir até ao meio-dia me ajudava.
O telemóvel tocou e eu atendi:
- Miuda, ‘bamos a bailar esta noite? – Era o meu amigo Bruno.
O Bruno é uma daquelas amizades incompreensíveis. Não temos aparentemente nada em comum e conhecemo-nos através de uma amiga comum. Com a convivência começamos a apreciar a companhia um do outro. Há uma sinceridade nele e um saber estar na vida que faz com que a nossas conversas sejam sempre agradáveis. Pelo lado dele após a fase em que tentou levar-me para a cama, disse-me que já me tinha como uma amiga a quem pode contar tudo, até as suas inúmeras relações amorosas pelo que a haver sexo entre nós, perder-se-ia esse à-vontade que ele gosta tanto, o que seria uma pena. Sendo assim, temos aquele tipo de amizade entre homem e mulher completamente platónica. Sexo é mais fácil de encontrar que um amigo com quem se possa conversar. Não era no entanto o dia que mais me apetecia ir perder mais umas horas de sono mas quase instantaneamente pensei na Catarina e que uma saída à noite poderia ajudar a descobrir qualquer coisa. Não percebo nada disto de
tráfico de drogas mas imagino que os dealers não vão só onde há vampiros, devem frequentar espaços com clientela abastada e curiosa por novas sensações.
Acabei por combinar ir ter com o Bruno por volta da uma da manhã, à porta de uma das discotecas da moda.
Enquanto me arranjava para sair, bebi três cafés. Tinha que tentar manter-me acordada e concentrada.
Vesti um top tipo cai-cai branco e umas calças de ganga bem justinhas. Já que é para sair, vamos no melhor aspecto possível.
A discoteca estava cheia e só através dos contactos do Bruno conseguimos entrar.
Tentei divertir-me enquanto tentava perceber se havia alguém com ar suspeito, alguém que estivesse a vender sangue. Não era fácil. Ao fim de uma hora comecei a achar que era melhor aproveitar a noite pois isto de ser detective privado não era uma das minhas aptidões profissionais.
Afastei-me do Bruno para ir a um dos bares e mergulhei na imensidão de pessoas que dançavam freneticamente. A luz era pouca e apenas conseguia orientar-me usando a
pouca luminosidade quase instantânea das luzes psicadélicas. Finalmente encontrei o bar e esperei a minha vez encostada ao balcão. O mesmo era composto por um rectângulo com clientes espalhados à volta. Através das psicadélicas vi o Eric do outro lado do balcão. Ele estava a olhar para mim e a sua expressão parecia provocadora.
Não sabia se o havia de cumprimentar, ignorar ou manda-lo à real parte. Estava todo vestido de preto outra vez o que fazia um enorme contraste com a sua pele branca e cabelo loiro.
De repente ele desapareceu da minha linha de visão e no segundo seguinte estava atrás de mim.
- Já encontraste a tua amiga? E senti o hálito gelado dele na minha cabeça Se me virasse ficava encostada a ele mas não ia mostrar medo. Virei-me e olhei-o nos olhos.
- Ainda não!
Ele ficou a olhar para mim sem pestanejar e eu comecei a ficar sem ar. Malditas hormonas que não nos deixam em paz.
- Deve ser uma grande amiga para te dares a tanto trabalho! – Continuou ele
E eu tive uma daquelas sensações que me diziam claramente que ele sabia mais do que me queria dizer e nem pensei:
- Eric, tu sabes onde eu posso encontrar esse tal João! Diz-me por favor!
- Depende do que me deres em troca!
- Olha, vai-te f…. E dei-lhe um encontrão para passar. Doeu-me imenso e quase pensei que tinha partido uma costela.
- Espera – disse ele – e agarrou-me por um braço. O Bruno que entretanto vinha em direcção ao bar acelerou o passo com ar preocupado. Fiz-lhe sinal rapidamente que estava tudo bem.
Olhei para o Eric. Ele pensou uns segundos
- Esse João, anda metido nuns esquemas que não vão acabar bem. Era melhor que não te envolvesses mais na história.
. Eu sei dos esquemas – arrisquei – mas preciso encontra-la. Se sabes de algo, diz-me. Nunca direi a ninguém que foste tu que me disseste.
- Como se isso me preocupasse! – e riu-se com ar de gozo
- Ok, hei-de encontra-la sozinha! Obrigado na mesma!
Ele largou-me o braço e a noite acabou ali para mim.
Era uma frustração imensa sentir que ele sabia muito mais do que me dizia. Fazia-me sentir impotente e pequena. Tentava pensar que eu não era responsável pela Catarina mas a sensação que ela estava em perigo, que alguém sabia onde ela estava e que não dizia era quase insuportável.
Passei dias a pensar no assunto. O Mário ultimamente ligava-me quase todos os dias mais que não fosse para desabafar. Não é isento de sofrimento a minha disponibilidade de dar um ombro amigo a quem sofre. Por mais que me tente abstrair acaba sempre por me deixar algumas marcas. Quase sempre o meu estômago é que sofre com o nervoso miudinho que acumulo.
Tinha dificuldade em concentrar-me em qualquer tarefa por mais simples que fosse. Cheguei a esquecer-me para quem estava a telefonar, enquanto ouvia o sinal de chamada.
Já praticamente tinha perdido a esperança que houvesse algo ao meu alcance que pudesse fazer algo pela Catarina quando o telemóvel tocou.
- Estou?
- Menina Alexandra?
Menina?? – Sim sou eu!
- Um momento que o Amo quer falar consigo, Vou passar a chamada.
Ok, agora estou mesmo á espera que o céu me caia na cabeça. O Eric quer falar comigo? E não sabe teclar os números do meu telefone? Precisa de um empregado para isso. Haja mania das grandezas.
- Alexandra?
- Sim sou eu.
- Eric Northman - Só agora pensei que ele realmente não tinha sido um humano de origem portuguesa quando ouvi o nome completo. No entanto Eric também não é um nome português mas pensei que….sei lá o que pensei!
- Sim, já sabia, o capacho que ligou já tinha informado – Sim, eu ao telefone sou muito mais arrogante e desafiadora. Ele pareceu ignorar a minha provocação
- Tenho novidades sobre a tua amiga. Passa esta noite pelo Fangtasia para falarmos.
– e desligou…
Ai! Ai! Ai! Este gajo, vampiro ou não, já me começa a enervar. Nem tchau, nem até logo?? De que pedra saiu este gajo debaixo?
Seja como for o interesse era meu e era eu que me tinha que sujeitar e nessa noite lá fui. Para quem nunca tinha ido ao Fangtasia, ir lá duas vezes no mesmo mês já me torna habitué. Será que já tenho direito a cartão VIP, pensei para mim e até consegui rir.
Quando finalmente me consegui arrastar até ao bar, fui interceptada por um membro do staff.
- Olá. És a Alexandra certo?
Não pude deixar de pensar como raio me reconheceu ele no meio de tanta gente. Que género de descrição tinha ele feito para ele me encontrar?
- Sim sou eu. O Eric pediu….
Nem me deixou acabar. – Ele está no escritório, eu levo-te lá - e virou as costas e começou a caminhar pelo meio da clientela.
Pronto, a simpatia é prata da casa! Não há nada a fazer.
Segui-o até um dos lados do bar onde ele bateu a uma porta e a abriu de seguida.
Entrei e o Eric estava sentado a uma secretaria com um monte de papelada quase tão grande como aquela que tenho sempre na minha própria secretaria.
Sem olhar para mim disse: Senta-te!
Oki donki o senhor meu amo manda – pensei eu.
Sentei-me e ele ignorou-me durante dez minutos. Leu documentos, fez contas, assinou coisas e eu ali de espantalho a olhar para ele. Até que…
- Olha desculpa lá, pediste para eu cá vir para ficar aqui a olhar para ti?
- Não gostas do que vês?
Desculpa??? OH haja pachorra!
- Pensei que tinhas algo para me dizer sobre a Catarina! – Mudei eu rapidamente de assunto.
- Não me respondeste e eu não gosto que não me respondam!
- Temos pena!
Finalmente olhou para mim, os seus olhos azuis brilhavam como um gato a caçar um rato.
- Não gostas do que vês?
E eu engasguei-me! Nem queria acreditar que tinha fraquejado mas fraquejei. Não conseguia pensar em nada naturalmente inteligente para lhe responder e saiu-me um:
- Não!
- Não gostas? Estranho! Não me apercebi que gostavas de mulheres. Já percebo porque andas tão desesperada atrás da tua amiga.
Isto era a discussão mais estranha da minha vida.
- Quando uma mulher não gosta do teu aspecto é porque é lésbica?
- Sim! Exacto!
- Meu amigo, se ego pagasse imposto estavas arruinado! – E com esta senti-me melhor pelo engasgo de há pouco.
- Então não és lésbica?
- Nem pouco mais ou menos!
- Estranho!
- Tens algo para dizer sobre o desaparecimento da Catarina ou chamaste-me aqui para este joguinho??
Ele olhou uns segundos para mim e disse:
- No domingo o assunto será resolvido. – disse ele secamente sem me dar mais qualquer outra informação.
Percebi imediatamente o que estava nas entrelinhas da afirmação dele. Dentro de dias, toda a organização que envolvia a caça de vampiros e posterior venda de sangue iria sofrer um acidente grave, daqueles sem testemunhas, inexplicáveis.
- Deixa-me tirar de lá a Catarina primeiro – Implorei-lhe eu
- E como propões fazer isso?
- Diz-me onde ela está e eu vou lá…. – Abrandei no meu discurso enquanto tentava desesperadamente encontrar um plano – eu vou lá, faço-me de viciada e tiro de lá a Catarina ante de…. – Calei-me
- Vê-se ao longe que nunca ingeriste uma gota de sangue. Eles vão perceber!
- Então eu tomo antes de ir! – Agora passei mesmo das marcas. Vampiros não acham a mínima piada a humanos a beber o seu sangue. Após as palavras saírem da minha boca encolhi-me na cadeira esperando o pior.
O Eric ficou silencioso e o silêncio dele era pior do que quando ele me mostrou as presas, irritado comigo. Esperei o pior…
Finalmente respondeu: - Ok!
Essa não estava a espera. Ele concordou? Fiquei a pensar onde ia arranjar o sangue, não ia ser fácil
- Mudaste de ideias? – Perguntou ele outra vez com ar de gozo
- Não! Estava a pensar onde vou arranjar o…tu sabes…o sangue.
- Eu cedo-te do meu!
Beber o sangue dele? Isto estava a ficar cada vez mais estranho.
- Quando faremos isso então?
- Na noite de domingo!
- Ok… - passava-me tanta coisa pela cabeça ao mesmo tempo que estava com dificuldades de apanhar todas as questões - ….Vou dizer no trabalho que não vou na segunda feira. Não sei como reagirei a isto tudo, nem se vai correr bem….
- Queres desistir?
- Não. Diz-me a que horas devo vir ter contigo e onde, e lá estarei!
- Domingo aparece aí pelas 23 horas. Após ingerires o sangue dou-te a morada do sítio onde está a tua amiga. Tens até às 2 da manhã. Se após essa hora continuares lá dentro morrerás junto com todos os outros.
- Cá estarei – e enquanto tinha força levantei-me para sair
- Alexandra.
- Sim?
- Se contares algo sobre isto a quem quer que seja a tua vida terminou e antes de terminar vais implorar-me mil vezes para te matar mais depressa!
- Não te preocupes.
E com isto, virei costas e sai o mais direita que consegui. Até consegui chegar à rua antes de começar a chorar de nervos.
Nem sei muito bem porque estava a chorar. Se o medo da ameaça, se o medo de ir infiltrar-me numa organização de trafico de droga, se foi o sarcasmo e o ego dele que me deixou mais abalada. E beber sangue dele? Será que o vai pôr num copo para eu beber? Peço uma palhinha ou emborco o copo de vez? Ok, já estou a delirar. E com isto sequei as lágrimas e fui para casa.
Plano: Dormir ate domingo à noite para não pensar em mais nada!!!!


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