PRÓLOGO

As reminiscências vinham em um turbilhão de flashes na velocidade da luz. Grande Morávia, atual Eslováquia. A transformação. O fogo implacável. Confusão. Medo. Angústia. O fogo não impede a mente de encontrar uma explicação para aquilo freneticamente. O que estava havendo? Quem era aquela mulher? O que ela fez comigo? Por que eu estava em chamas? Eu gritava. Alguém respondia. Seria ela? Ela ainda estava aqui? Eu não conseguia compreender o ela dizia. Não parecia ser o idioma que eu falava. Eu não conseguia compreender o que eu mesma gritava. De repente, alívio intenso começou a subir pelos meus membros, pelo corpo todo em direção ao coração. Meu coração... O que está havendo com ele? Está pulando insanamente. O alívio crescia, meu coração acelerava desumanamente... Até a derradeira batida...

“Eu sou Sasha!” Ela falou agora em minha língua. Tinha os olhos vermelhos, mas sorria.

Dez séculos de lembranças. Rússia. São Petersburgo. Uniu-se a nós Katrina, a talentosa; depois Irina, a impetuosa. Nossos olhos faiscavam em escarlate. Ainda assim, era muito fácil seduzir. Tantas vezes eles nos buscavam. Iam até nós. As histórias das lendas corriam de vilarejo em vilarejo. Criamos um mito. Quantas vezes ríamos das expedições de caça aos vampiros dos homens que empunhavam tochas de fogo, crucifixos e estacas de madeira... Acabavam quase todos em nossos leitos. Delirando de prazer, implorando por mais, jurando escravidão eterna. Depois os sugávamos até drenar por completo. Tão fácil...

Havia leis, a realeza italiana as impunha. Éramos cuidadosas e hábeis.

As lembranças continuavam atormentadas. Nove séculos de lembranças. Europa. A hipocrisia da Igreja. Os mesmos padres e monges que vendiam indulgências e enganavam o povo pobre e ignorante pregavam humildade e temor a Deus, santidade e retidão. A esses fazíamos visitas noturnas nos mosteiros. Seduzíamos e matávamos. Seus líderes do clero? Eram depravados e revelavam sua pior faceta com as cortesãs. Também os usávamos. Sobrevivíamos unidas. As quatro. Formávamos uma... Família? Não. O que faltava? Não sabíamos.

Outros vampiros? Eram escassos. Não ofereciam atrativos. Sasha, então, conheceu Vasilii e mudou... Perdemos Sasha...

Ganhamos respeito à lei e ao ofício deles... Os italianos.

As recordações continuavam céleres. Olhos dourados há oito séculos. O carinho aos homens humanos suplantou a sede, o instinto.

Descobrimos que animais poderiam aplacar a sede e nos manter fortes.

Descobrimos que ainda precisávamos dos homens humanos.

Descobrimos o que faltava para sermos uma família. E agora éramos... Mesmo sem Sasha.

Era o fim das lendárias succubi.

O turbilhão desenfreado que eram os meus pensamentos, as lembranças em minha mente passaram por todos os acontecimentos da História da humanidade que presenciamos e muitos dos quais fizemos muito mais parte do que podem imaginar os historiadores. Estivemos com a realeza e com os plebeus, com os burgueses e o proletariado. Proporcionamos prazer a nobres, bandoleiros, cavaleiros, ciganos, religiosos, negros, indígenas. Corremos mundo em aventuras de vitórias e perdas.

Liberdade que se consumia despreocupadamente.

Até que, há três séculos, cansadas de tanto cinismo e malícia, sofrimento e ódio, violência e desalento, viemos nos refugiar na mansidão de neve, em uma terra muito pouco explorada. No Novo Mundo! Atravessamos o estreito. Aqui nos tornamos mitos longínquos e cada vez mais esquecidos pelo homem moderno. Enterramos o passado distante e nos permitimos encontrar um pouco de paz.

Denali. Apaixonamo-nos pelo lugar.

Meu sobrenome humano; não pude informá-lo a Sasha, porque não o lembrava. Usei o dela por muitos séculos. Atualmente, em meus documentos falsos trago um sobrenome aleatório, de origem inglesa, que não diz nada sobre mim. Mas gosto de pensar em mim mesma como Denali. Adotei o nome do lugar no qual encontrei paz como um sobrenome só meu.

Simplesmente Denali... Tanya Denali.