Amz escrita por MissBlackWolfie


Capítulo 2
Clair


Notas iniciais do capítulo

Meninas>> só posso dizer obrigada.. por cada review!!!!

Clea a indicação.. q presente lindo...

Quero q vcs conheçam a Clair...

historia é triste e intensa....



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1- Clair

Ano novo, o dia trinta e um de dezembro marca a última folha do calendário encontrado fixado na parede do meu quarto. Sempre foi, para mim, um dia como outro qualquer, não havia razão alguma para ser diferenciado. Mas para as outras pessoas é motivo de festa, rever o que havia sido feito nos últimos 365 dias do ano que passou, para se poder construir novas promessas e principalmente pensar em planos futuros para o ano que estava chegando.

Eu particularmente sou incapacitada de ser contaminada com tal entusiasmo de esperança pelo novo. Não consigo, não vejo outro caminho para seguir sem ser essa minha realidade sem sentido, estou presa, acredito para semmpre, na minha misera vida banal.

Quando olho no espelho todos os dias pela manhã, vejo uma jovem de dezenove anos, com cabelos castanhos claro uma cor comum a quase toda mulher, caem na altura dos ombros caídos, com ondas grandes nas pontas. Já os olhos combinam perfeitamente com aquelas mechas, têm tons bem semelhantes. Sempre fui bastante magra, desde criança, os ossos da minha clavícula sempre foram proeminentes. Meus braços e minhas mãos eram finos, mesmo com a minha grande carga de trabalho domestica, onde havia um esforço braçal intenso.

O meu reflexo no espelho todo dia lembrava a vida sem graça que levava, cada novo despertar pela manhã, naquele momento solitário no banheiro, comigo ali refletida me fazia pensar na trajetória da minha vida. Meu campo mental é invadido por lembranças de tudo que eu já vivi.

Como hoje é dia trinta de dezembro, como era de costume naquela data eu fazia essa retrospectiva de maneira mais intensificada, repassando ano após ano, cada misero momento, sempre concluía a mesma coisa: nada mudava. Nenhum fato interessante era incorporado. Todavia mesmo assim eu fazia aquela pequena tortura comigo, ficava me olhando e lembrando tudo.

Durante toda minha vida, fui criada para não ter esperança, viver somente por viver, como um animal doente que espera somente a morte para livrar de tal sofrimento. Arrastar-me dia após dia, tendo necessidade somente de respirar, as vezes me alimentar para não morrer de inanição. Nunca fui permitida a sonhar, esse era um tipo de luxo para mim não existente.

Dia após dia o meu rosto sempre estava com semblante muito cansado, com olheiras roxas enorme. Eu parecia uma menina velha, minha alma era anciã, eu sentia que minha idade real era de mais de quarenta anos. Não enxergo em meus grandes olhos o brilho juvenil esperançoso, afoito para viver tudo que possível e desejado, que vejo no olhar dos outros da minha idade, especialmente nessa data, onde a possibilidade de começar novos planos. O meu carrega a tristeza da certeza que nada será diferente, anos após anos.

Intimamente quero ser feliz como os atores dos filmes, as mocinhas das historias literárias, como várias pessoas que caminham nas ruas todos os dias. Contudo simplesmente eu não consigo, eu vivo em um tipo de inferno na terra. E não conheço outro tipo de vida que não seja escrava e vazia. Queria pelo menos uma lembrança de felicidade genuína, como Ernesto meu irmão tinha, de quando ainda vivíamos com nossos pais. Mas nem isso eu tenho como consolo.

A tristeza e a melancolia eram minhas fieis parceiras, sempre estavam ao meu lado, mesmo eu tentando afastá-las da minha vida, elas insistiam aparecer todos os dias me aprisionando em seus braços. Isso tudo me gera uma imensa insegurança quanto a minha pessoa e minhas capacidades. Parecia que estava condenada a vida vazia para sempre. Nem lutava mais para ter esperança de mudá-la, não adiantaria.   

Todo dia acordo às cinco e meia da manhã, vou ao banheiro minúsculo, da nossa cabana pequena, onde eu e Ernesto morávamos. E encarava o espelho aquele rosto tão sem sonhos. Entretanto sabia que tinha muitas tarefas a fazer, especialmente hoje, que haveria a famosa festa de réveillon na casa dos Fonseca.

Os Fonsecas eram uma família tradicional de Jilas. Lugar esse de praias lindas, uma pequena ilha esquecida no tempo e no meio da America central, tinha como característica marcante a areia era branca e fina como sal, a água era de um azul hipnótico, na maioria dos dias era calmo como um manto. O tempo passava vagarosamente, onde havia poucas mudanças ao longo das décadas.  

Essa cidade era perfeita para ser a residência dos Fonsecas, porque é uma cidade de turismo, onde a sua população fixa é muito pequena, então havia poucas pessoas para questionar a origem ilícita da imensa fortuna deles.

São respeitados pela imagem perfeita e luxuosa que apresentam. Sempre esbanjam toda extravagância que o dinheiro pode comprar, numa região onde a maioria da população vive da pratica da pesca, quase sem nenhum estudo, ver tamanha riqueza pode trazer algum tipo de entretenimento.

A casa da família é a maior e mais imponente de toda cidade, quase um ponto turístico, ela se encontrava no ponto mais valorizado da cidade, na praça principal. Os seus carros sempre são o último modelo lançado. Qualquer extravagância lançado no mundo dos ricos eram adquiridos por eles para esfregar na cara de qualquer ser humano o quanto são riquíssimos.

Entretanto poucos, ou talvez ninguém da pequena cidade Jilas sabe, é que todo esse dinheiro veio dos inúmeros golpes financeiros dado pelo patriarca da família, o Alex, durante a sua longa vida. De tempos e tempos ele viaja, para “arrecadar mais riquezas”, como ele mesmo dizia orgulhosa a sua mulher, que ria da burrice alheia dos bondosos de coração, como ela dizia entre gargalhadas para marido quando se despediam.

Na verdade ele engana dezenas de pessoas, fingindo ser um grande investidor, especializado em fazer o dinheiro multiplicar rapidamente. Apostando na boa fé das pessoas, no seu grande poder de persuasão, além de seus inúmeros disfarces. Ele arranca quase todo o dinheiro de suas vitimas. Quando ele volta a ser procurado pelas autoridades, ele se esconde em Jilas, que sempre foi uma cidade tranqüila e afastada do restante do mundo. Era o plano perfeito.

Sempre se gaba ter bom faro para as oportunidades que a vida lhe dava. Consegue visualizar uma maneira de se beneficiar em qualquer situação, e assim foi comigo e com meu irmão.

Em uma das suas viagens ele tinha como vitima o dono do orfanato, que tínhamos acabado de chegar. Estávamos lá somente há um mês, ainda nos adaptando e lidando com a dor da perda dos nossos pais. Durante uma de suas visitas, para convencer o dono do orfanato a confiar seu dinheiro a ele, nos encontrou em um canto isolado. Então observou que meu irmão era um garoto forte e eu, naquela época, era até bonita.

Ele ficou intrigado, quando saindo do banheiro ouviu o comentário entre as serventes que trabalhavam no local: muitas pessoas estavam adotando crianças para realizar trabalhos domésticos, torná-las escravas. O raciocínio malévolo dele logo pensou nas vantagens financeiras de ter esse tipo de mão de obra em sua casa.

Dessa forma ele desistiu roubar o dinheiro do responsável pelo orfanato e vestiu sua melhor mascara de bom pai de família, alegando que iria nos dar todo carinho e cuidado necessário para o nosso crescimento. E conseguiu a nossa guarda permanente. Contudo sempre fomos tratados como “escravos domésticos”. 

Enquanto Alex fazia suas “viagens de negócios”, o restante dos Fonsecas ficava o esperando em casa, usufruindo da riqueza alheia. A sua esposa chama Estela. É uma mulher de formas bem redondas, muito branca, assim ficando facilmente vermelha por qualquer motivo, como raiva ou falsa vergonha.

Para combinar com sua cor de rosto ela tinha os cabelos tingidos de um vermelho claro e intenso artificial e olhos esverdeados sempre maquiados de forma exagerada, não importando se fosse dia ou noite. Achava-se linda e formosa, colocava roupas tão apertadas que podia ouvir o seu corpo pedindo por liberdade, como diria meu irmão Ernesto quando víamos ela com uma vestimenta pelo menos dois números a menos que o ideal para aquele corpo imenso.

-Você não está ouvindo? – Com o rosto fingindo um susto ele sussurrava para mim. – As roupas e corpo dela estão gritando que não vão agüentar por muito tempo. Vão se rebelar e explodir – Fez um movimento com as mãos como uma explosão enorme. Eu tinha que rir de suas idéias sarcásticas.
 
Sua futilidade e falsidade eram os principais traços de sua personalidade peçonhenta. Sempre se importava demasiadamente com que os outros falariam dela e da sua preciosa família. Lógico que eu e meu irmão não éramos considerados dignos para ser relacionado ao seu lindo grupo familiar, ainda por cima é jogado na nossa cara a gratidão que tínhamos que nutri por aquelas pessoas.

- Vocês têm que ser eternamente gratos pela minha generosidade suprema. – Ela sempre nos dizia isso com falsa magoa, até repousar a mão no peito exageradamente demonstrando de maneira caricata quanto havia se ofendido. Sempre acontecia aquela cena quando Ernesto se rebelava ou soltava uma piadinha sobre a forma que éramos mal tratados.

- Desculpe minha rainha, seus lacaios ficarão em silencio – Ernesto disse junto fez um gesto de reverencia pomposo, tudo isso com tamanha ironia e revolta. Poderia sentir um atrito físico entre os olhares trocados por eles.

- Gostaria saber como você e sua irmã iriam viver se não fosse a sublime compaixão de minha esposa- Disse Alex nervoso, sempre tentando calar a língua do meu irmão com aquela historia, porém Ernesto é bastante sagaz, nunca deixa sem respostas as provocações.

- Você quer dizer: como iríamos sobreviver. Já que o que temos aqui nessa casa é uma sobre-vida e não especificamente o que se pode chamar de vida. – Rebateu Ernesto entre dentes.

Alex sempre olhava para meu irmão com tamanho ódio, parecia que seu rosto avermelhado redondo, o peso dele era semelhante da esposa, ia explodir a qualquer momento, suas veias saltadas na lateral da cabeça denunciava isso.

Em contra partida aquela reação raivosa de Alex parecia ter um gosto doce para Ernesto, seu olhar era prazeroso, não havia preço para ele para aquele quadro de fúria. O patriarca do Fonseca não revidava mais as petulâncias de meu irmão, pois depois que ele se tornou adulto, ele ficou com músculos suficientes para assustar qualquer um.

Alex tinha consciência que perderia numa briga com Ernesto, como todo bom covarde, só consegue mostrar valentia em cima de pessoas frágeis, como eu por exemplo.  Para isso, me humilhar, ele tinha como seu grande aliado e cúmplice seu filho.

Carlos tinha vinte três anos, igual a Ernesto, tinha cabelo curto, preto como do pai, os olhos do mesmo tom de esmeralda dos da mãe. Era esguio, não desenvolveu músculos fortes e grandes, como de meu irmão. Seu rosto possuía traços bem marcados de masculinidade, tem um queixo anguloso, nariz fino, os lábios são bem finos, o superior parecia quase um risco. Os olhos eram grandes e penetrantes, analisavam tudo que estavam a sua volta, sem duvida já pensando como poderia tirar vantagem do que estava ao seu lado, algo ensinado de pai para filho.

Sempre o achei sem caráter algum, a ganância parecia ser uma das suas principais características, conseguia ser mais ambicioso que seu pai, sempre arquitetando planos de enriquecerem mais e mais. Ele ainda tinha o prazer mórbido de perturbar a mim.

Desde que chegamos à casa do Fonseca, ele parecia ter como esporte preferido me persegui, para me bater e humilhar. Lembrava o tempo todo que eu e meu irmão estávamos em sua casa de favor, em troca de um prato de comida e de roupas velhas. Sempre ficaríamos com seus restos e sobras da sua vida perfeita.

Quando chegou minha adolescência, ele acrescentou uma nova modalidade ao seu esporte, tentava sempre que possível me agarrar à força, em sua mente perturbada eu era obrigada a sucumbir a sua vontade masculina, já que sempre fui vista como objeto, sendo parte da mobília da casa.

Acho que devido aos meus hormônios e minha auto-estima quase inexistente. Comecei a ter sentimentos e pensamentos muito ambíguos em relação a Carlos. Conscientemente, e uma grande parte da minha mente, sabia que ele era uma das pessoas mais inescrupulosas que exista.

Contudo uma pequena, quase uma ínfima parte do meu ser parecia gostar da suas investidas em cima de mim, me sentia lisonjeada. Fazia de tudo para esconder e calar esse pensamento, principalmente de Ernesto. Na verdade eu gostava de ser desejada por alguém, mesmo que fosse por alguém como Carlos, meus instintos femininos gostavam daquela atenção.

Às vezes me pegava construindo imagens bem nítidas e cheias de sensações com aquele monstro. Mas quase de imediato minha razão me dizia que aquilo era loucura e impossível, pois não seria um futuro nada saudável para mim. Se algum dia houvesse um relacionamento provavelmente seria pior do que a vida que tenho hoje.

Definitivamente calarei essa inquietude feminina. Entretanto Carlos parecia estar ciente dessa pequena parte do meu ser que estava ao seu favor, como ela se afetava com sua presença. Às vezes meus olhos brilhavam de forma diferente quando ele falava o que faria comigo, se ficássemos sozinhos juntos por um minuto. Ou como meu corpo reagia se entregando minimamente quando me abraçava por trás, e para me provocar passava os lábios entre minha orelha. Tudo aquilo era demais para mim, entretanto sempre estava lutando para reprimir aquele sentimento.

Certo dia a, quando eu havia terminado de completar dezesseis anos, eu fui arrumar suíte principal, que pertencia ao casal de patriarcas dos Fonseca. Estela já havia falado varias vezes, antes de sair do cômodo que eu deveria trocar os lençóis da cama. Ela não precisava ficar me importunando com aquela ordem, afinal isso já era feito diariamente, mas ela não perdia a oportunidade gritar comigo.

No quarto, decorado com o gosto duvidoso tão típico da esposa de Alex, havia uma cama enorme de casal, que tinha uma cabeceira desproporcionalmente grande de madeira escura, onde havia entalhado figura de dragões e tigres, num tipo de uma dança, ou talvez de uma luta. Os detalhes dos olhos, dentes e unhas eram dourados. Sendo muito extravagante para meu gosto. Estela parecia adorar aqueles objetos escandalosos.

Atrás da cama havia uma parede vermelha escura, que havia sido pintada alguns dias atrás ela capturou minha atenção, fiquei a observando por alguns minutos. Então uma pergunta veio a minha mente: Como alguém poderia dormir naquele quarto tendo uma parede com aquela cor, que assemelhava a sangue coagulado? Aquele tom gerava calafrios em todo meu corpo. Parecia que a luta dos seres da cabeceira tinham deixado sua marca naquela parede, o sangue de cada.

Perdida em meus devaneios, algo que é comum para mim, fiquei pensando sobre possível vencedor do embate entre aqueles dois seres, sem duvida seria uma batalha feroz entre eles.

Assim minha mente começou imaginar, de maneira bastante real, o dragão investindo seu fogo contra o tigre que por sua vez sabia se defender como ninguém, devido sua habilidade de esquiva. Todo esse quadro me trouxe certo arrepio, passei a mão em meus braços, tentando abaixar os pêlos.

Sem perceber nada minha volta, só senti de repente as mãos de alguém na minha cintura, me amarrando como um cinto, colando minhas costas em um corpo, rapidamente os seus lábios no lóbulo da minha orelha sussurrando. Fiquei em estado de choque na mesma hora.

- Está pensando como ficaríamos bem juntos nessa cama?- Disse Carlos me virando de frente para ele, em um único movimento. Seu olhar e seu sorriso eram extremamente maliciosos. E lindos ao mesmo tempo.

Eu o fitei com olhos arregalados, não acreditando naquela ousadia dele. E também assustada como havia uma parte ínfima do meu ser gostava da sensação dos lábios dele no meu ouvido. Minha cabeça começou rodar. Eram tantos tipos de emoções estourando dentro de mim, deixando-me completamente perdida e confusa sobre o que senti em relação a Carlos.

Minha mente parecia estar entrando numa outra freqüência agora, ela parecia se dividir em duas partes, na verdade meu campo mental parecia palco para elas se digladiarem. A parte racional, que graças a Deus parecia ser maior e mais forte começou a lutar contra aquela pequena parte, que era desejosa pelos carinhos de Carlos.  Jogando dezenas de perguntas na minha mente, onde era o local do embate entre as minhas partes. “Qual é o problema com você? Ele não presta. Só esta te usando, como um objeto. Ele não gosta de você, ele só ama a ele mesmo”. Meu cérebro parecia estar cheio de avisos sonoros e luminosos, sobre o perigo que Carlos representava para mim.

Enquanto minha razão travava uma batalha contra o meu desejo insano. Surgiu em minha mente a figura de um dragão, verde escuro, com o peito na cor amarelada. Ele era enorme e bem forte, estava lutando contra um tigre lindo e sedutor, carente do toque daquele monstro do Fonseca.

Era nítido que o dragão seria minha razão, e tigre, que seria meu desejo. Então Carlos se aproveitou dessa minha ausência momentânea e começou a beijar meu pescoço de forma demorada e me cheirando ao mesmo tempo.

- Você até tem um cheiro bom, quer dizer, muito bom. – Disse se aproximando do meu queixo. Preparando os lábios para encostar-se aos meus. – Isso mesmo. Seja boazinha.

Foi quando minha grande parte responsável, o meu dragão, mostrou claramente em minha consciência a pessoa desprezível que Carlos era tratando-me como seu objeto de prazer.  Ele só queria me usar.

Assim acionei de imediato meu sistema de defesa. Desvencilhei-me de suas mãos, não sei como arrumei uma força para sair daquela prisão, em seguida sai correndo para porta.

No meio da minha pequena fuga ouvi sua risada de deboche, quase maligna. Logo entendi o motivo daquilo, quando coloquei a mão na maçaneta, rodei e nada aconteceu, forcei a porta para ter certeza que ela não abriria. A diversão dele era nítida: a porta estava trancada, eu não tinha para onde correr. Virei-me para olhar diretamente o seu rosto estampando um sombrio prazer, enquanto sua mão rodava a chave.

- Você achou mesmo que seria fácil fugir de mim? – Seu olhar tinha deleite em ver meu medo – Você achou que poderia sempre escapar de mim? Que seu irmão sempre estaria aqui para te proteger?

Não consegui responder a nenhuma de suas perguntas. Sentia somente as lágrimas escorrendo do meu rosto, parando nos meus lábios, sentindo o gosto salgado e amargo da minha derrota. Mas o tigre dentro de mim parecia feliz, em breve eu seria só de Carlos. Todavia meu dragão pareceu não gostar dessa suposta vitória, o senti se inflar, eu sabia que ele ia lutar até o fim, não se entregaria facilmente.

Ao notar que o pânico invadiu meu rosto e meu corpo, fazendo eu tremer da cabeça aos pés, Carlos deu uma risada sombria de prazer. Parecia que meu estado estava colaborando para sua diversão.

Então ele começou a se aproximar de mim vagarosamente, fixando os olhos nos meus, parecia me analisar profundamente, cada respiração minha parecia lhe interessar ainda mais. Ele realmente parecia deliciado com meu terror. Parecia um felino, talvez me lembrasse o tigre que havia dentro de mim, estudando a melhor forma de atacar sua presa, que estava paralisada devido o pavor da certeza que não haveria saída. Ali era o meu fim. O tigre venceria, o dragão sucumbiria tão facilmente? 

- Clair entenda uma coisa – Ele falava com a voz macia, parecendo obvio suas palavras, chegando na minha frente colocou a mão direita no meu rosto – Você pertence a mim e minha família. Já faz parte da mobília. Sempre viveu para nos servir. E vai ser assim para sempre.

Aquelas palavras me fisgaram como um bote de uma cascavel, trazendo uma dor. Meus ombros se curvaram com o peso de suas palavras, meus músculos pareciam cansados e não respondiam aquela verdade.

Contudo suas palavras ecoaram mais um pouco pela minha mente, fazendo outras idéias surgirem: Realmente eu não era nada mais do que um objeto. Era algo inanimado e vazio.

Essa certeza fez meus joelhos cederem, senti nas minhas costas a madeira da porta escorando meu corpo, fiquei ajoelhada aos pés de Carlos, o choro embaçava meus olhos, senti que aquele vazio tinha me consumindo viva, era como se houvesse um buraco na terra que insistia me levar paras profundezas. Conseguia somente olhar para o chão com esperança dessa saída trágica se materializar, mas sei que não teria essa sorte.

Sentindo-se vitorioso, Carlos pegou o meu queixo, forçando o eu olhá-lo. Abaixou-se, flexionando os joelhos, para ficar na mesma altura dos meus olhos. Ele me deu um sorriso com os lábios fechados e disse calmamente:

-Assim que eu gosto. Você sabe que será minha. Sempre soube. - Pegou-me pelos ombros e me pondo de pé – Lembre-se você esta nessa casa de favor. Tem que pagar com serviços sua hospedagem.

Ao completar seu discurso de vitoria, ele me olhou com um sorriso malévolo. Foi se aproximando lentamente da minha boca e apertou mais ainda seu corpo contra o meu. Fechei os olhos, não queria acreditar, minha razão tinha perdido. Então meu primeiro beijo seria assim? Resultado de uma emboscada de homem inescrupuloso.

No mesmo segundo ouvi Ernesto gritando pelo meu nome. A voz dele me fez despertar por completo, então pude ouvir o meu dragão interno soltando fogo pelas ventas, acordando meu corpo por inteiro.

Abri os olhos, isso fez Carlos se assustar, já estava a centímetros dos meus lábios, entretanto ainda não havia me beijado. Empurrei ele tentando me desvencilhar de suas mãos, que prendiam minha cintura, mais uma vez naquele dia inexplicavelmente consegui me afastar do aperto de Carlos, uma força pareceu surgir parecia me ajudar naquela tarefa. Virei-me para porta e comecei a gritar para meu irmão até meus pulmões doerem.

- Ernesto! Estou aqui. - Estava esmurrando a porta – Me ajude!

Quando Carlos me viu chamando pelo meu irmão, isso o fez sair do seu estado de paralização pela surpresa de ter sido interrompido. Então me puxou pelos pulsos e me virou ficando de frente para dele. Seu rosto estava desfigurado pelo ódio, ele apertava fortemente a minha pele, aquilo iria deixar roxos ali.

Comecei a sentir que sua raiva borbulhava dentro dele, seu olhos verdes perfeitos mostravam o quanto sua ira era imensa, pois sabia que meu irmão iria me salvar e sem duvida ele ia levar uma surra de brinde.

- Ele não vai te salvar. – sibilou, senti um tremor percorrendo seu corpo. Não sei se de medo ou ódio. Talvez os dois. – Ninguém pode te salvar, você já é minha.
- Não! Ernesto vai me ajudar e você vai se arrepender de tudo que você pretendia fazer comigo.

Meu dragão parecia realmente estar tomando conta de todo meu eu, minha boca dizia exatas palavras urradas pela minha fera. Não conseguia reconhecer aonde vinha essa minha tamanha coragem. Acho que foi o excesso de adrenalina no meu sangue, se tivesse que lutar parecia que meu corpo estava me avisando que estava preparado. Senti novamente força, a mesma de poucos segundo, algo nunca por mim experimentada antes desse episodio.

Esquivando-me daquela figura raivosa, segui para porta, soltando os meus pulsos de suas mãos, queria tentar ouvir aproximação de Ernesto, sabia que ele estava por perto, então comecei a gritar. Carlos pegou-me novamente, agora seus braços prenderam todo meu corpo, tentei achar aquela força mais uma vez para me afastar dele, entretanto estar ali deixava minha emoção, meu tigre fortalecido, enfraquecendo minha razão.

Nesse momento ouvi um baque forte na porta, parecia que Ernesto estava tentado arrombar, a madeira tremeu pelo impacto. Sabia que meu irmão iria entrar de qualquer maneira nem que ele tivesse que derrubar a casa.

- Clair agüenta mais alguns segundos. - Disse Ernesto, pude senti terror na sua voz, talvez pensasse que fosse tarde demais para mim.

No segundo impacto que atingiu a porta, senti Carlos indo para trás, como ele fosse o alvo da violência de Ernesto. Ele me puxou pelos braços para direção da cama, mas eu lutava agora intensamente, estava me debatendo, tentando me livrar de suas garras.

Percebendo que não estava mais submissa, ele passou os braços ao redor dos meus, me trancando em um abraço apertado. Continuou o seu caminho original, aquela cama enorme parecia ser o seu maior objetivo, mas eu me debatia como nunca. Ele parecia se divertir com a minha luta para desvencilhar dele.

Então me jogou na cama com violência. Ouvimos a porta protestar novamente as investidas de Ernesto para derrubá-la. Aproveitando a distração momentânea dele, fui para cabeceira da cama me encolhendo.

- Teremos que ser rápidos. – disse Carlos com malicia. – queria poder desfrutar de você com mais calma, provar cada pedaço seu como se deve. Mas oportunidades ainda surgirão.

Uma palavra destacou em meus pensamentos: teremos? Não existe nós. Não somos uma única pessoa, muito menos um casal. Não é possível empregar o uso desse verbo na primeira pessoa plural em relação aquilo que ele queria fazer comigo. Na verdade é que ele queria aquilo, eu não queria de forma alguma aquilo, na verdade não daquela maneira, tenho que ser honesta comigo.

Até posso ter esse tigre idiota dentro de mim, que teimava achar que seria possível haver algum dia um nós. Porém depois desse episódio o meu dragão da razão não permitiria ser iludido pela minha fraqueza. Assim eu esperava.

Foi quando ouvimos a porta caindo no chão, senti um alivio imediato ao encarar o rosto de Ernesto, que parecia estar com mais ódio do que eu. Senti que ele me avaliar rapidamente, procurando saber se eu estava bem. Vendo que não havia nada de errado comigo, seus olhos foram em direção à Carlos.

- Eu vou te matar – Disse Ernesto cuspindo as palavras – Vou te ensinar a nunca mais chegar perto da Clair.

Vi Ernesto correndo em direção a Carlos, que tentou fugir em vão para o banheiro. Meu irmão o pegou pelos ombros e logo foi lhe dando um soco no queixo. Que fez Carlos cair de costas no chão, então Ernesto subiu em cima dele e começou aplicar vários socos. Nunca vi meu irmão com tanta raiva. E também nunca tinha visto Carlos tão indefeso e sofrendo.

Sem eu perceber como e quando eu estava em cima das costas do meu irmão, tentando tirá-lo de cima de Carlos. Eu o abraçava pelas costas, no entanto parecia que meu esforço era em vão. Ernesto era muito forte e eu era muito fraca, se nada eu fizesse ele iria matá-lo ali, eu podia sentir, nada o faria parar até conseguir seu objetivo: acabar com a vida de Carlos. Mas minha ínfima parte, meu tigre não permitiria isso, não suportaria ver essa cena.

- Para Ernesto! – Gritei desesperada. – Você irá matá-lo.
- A morte é pouco perto do que ele pretendia fazer com você – Ele me lançava um olhar de reprovação e dando um novo soco em Carlos, que não reagia.
- Mas ele não fez – Foi quando Ernesto parou e me encarou.- E o que vai adiantar matá-lo? Será preso e não estará aqui para me ajudar, como prometeu a nossa mãe.

Sabia que aquele era o ponto fraco do meu irmão, nossa família, principalmente a promessa feita para nossa mãe em seu leito de morte. Ele sempre estaria me protegendo e me guardando. Sentia-me mal ter que usar desse artifício, todavia sabia que era o único jeito de fazê-lo parar com aquela briga.

Ernesto se levantou, olhou bem fundo nos olhos de Carlos, que pareciam estar em pânico, e cuspiu em cima dele, apontou o dedo indicador bem no rosto dele.

-Se você se atrever a mexer de novo com ela, eu juro que te mato sem pensar duas vezes. – E deu um chute em Carlos, que gemeu de dor.
- Chega Ernesto. - Eu disse com a voz embargada de horror, o carregando para fora do quarto.
 
Quando olhei para Carlos não consegui ver seu rosto, estava todo ensangüentado. Meu tigre pareceu ficar enfurecido dentro de mim, parecia extremamente inquieto. Então fui invadida por um sentimento de compaixão, acredito que produzido pelo meu felino, eu queria ajudá-lo, cuidar de seus ferimentos, o consolado, colocá-lo em meus braços.

Porém meu dragão foi impiedoso, lembrou toda maldade que ele havia me submetido. De certa forma compartilhei da satisfação do dragão, Carlos merecia estar naquele estado. 

A partir desse dia, nunca mais fui abandonada pelas minhas feras internas, sempre estavam presentes, duelando entre elas na minha mente. Havia momentos ferozes entre elas, cada uma defendendo seu ponto de vista. Meu tigre sempre sedutor e desejoso por amor e carinho. Era movido por emoções fortes, tinha uma preferência descabida por Carlos. No outro extremo havia o meu dragão forte e extremamente racional sempre determinada em impor sua racionalidade com rigor.

Acredito que sempre existiam dentro de mim, só que nunca tinha localizado dentro de mim, deixado elas tomarem suas formas, talvez o embate com Carlos os fizesse vim a tona, acredito por ter sido o pior embate que minha razão e a emoção já tiveram. Então elas tiveram que encontrar algum tipo de personagem para representá-las. Ou isso tudo era uma grande alucinação da minha mente. Mas isso não me importava gosto tanto do meu tigre teimoso e do meu dragão raivoso são boas companhias.          

Depois desse ataque de Carlos contra mim, Ernesto viu que eu precisava aprender a me defender, para caso o dia que ele estivesse novamente ausente.

- Lembre que você tem que manter uma postura firme, não permita que Carlos veja medo em seus olhos. Sei que tem uma leoa ai dentro de você – Dando uma piscada e um sorriso
- Mas eu tenho medo dele – Sussurrei, com olhos marejados.
- Ei, nunca tenha medo de ninguém. Você é forte, eu sei disso melhor do que você. Se não fosse durona, você acha que tinha vivido até aqui nesse antro de cobras?

Eu só pude dar uma risada amarga, como aquilo fosse uma piada de muito mau gosto, que não possuía humor nenhum para mim.

- Maninha você confia em mim?
- É lógico que confio em você, na verdade nunca tive muita opção né? – eu disse com o restante do meu humor negro.
- Hahaha. Realmente você sempre só teve uma única opção. Então acho que concorrência me ajudou a ganhar. – Disse rindo do meu humor. – O que importa é você saber se defender daquele idiota do Carlos. Vamos aprender algumas coisas super útil para qualquer mulher, mais do que aprender as 10 formas de usar seu batom. – Disse pegando a revista que estava na mesa e apontando para reportagem da capa.

E me deu um abraço bem forte. Pegou em meus ombros e nos olhamos com pura cumplicidade, sei que sempre poderia contar com ele. Então ele começou a me ensinar alguns golpes bem básicos de defesa pessoal, como por exemplo esquivar do agressor quando ele está por cima.

Durante algumas semanas ficamos treinando. Posso dizer que eu era muito atrapalhada, mas meu irmão afirmava que quando eu precisasse minha adrenalina me daria precisão necessária para aplicar os golpes. Entretanto não conseguia acreditar nas palavras dele.  

Assim aprendi a me defender, de forma bem precária, contudo posso dizer que eficiente. Bem, depois do fato ocorrido no quarto vermelho, acho que Carlos tinha mais medo do que Ernesto podia fazer se ele me fizesse algum mal. Entretanto ainda Carlos me lançava olhares provocativos, me fazendo ficar com as pernas um pouco fracas, e ele parecia se divertir com me estado de fragilidade em sua presença.

Ernesto e eu éramos sozinhos, vivíamos um para ajudar o outro, não havia irmão melhor no mundo. Seus os olhos também castanhos, seu cabelo um pouco aloirado era liso e caia na altura dos olhos, sempre despenteados. Sua pele tinha uma linda tonalidade bronzeada, afinal amava ficar na praia por horas nadando e admirando o mar, quando eu podia o acompanhava. Era um dos nossos raros momentos de felicidade.

Sempre cuidamos um do outro, porque sabíamos que o destino tinha nos feito irmãos para podermos viver com alguma sanidade, no meio dessa loucura que o destino nos colocou. Éramos parceiros e cúmplice de vida, tínhamos uma sintonia muito forte, nos entendíamos com olhar, não precisávamos dizer nada para saber o que o outro estava pensando. É muito útil ter esse tipo de comunicação silenciosa entre nós, afinal sempre estávamos trabalhando dentro da casa do Fonseca, se falássemos tudo que pensávamos teria muito mais embates entre nós e a família.       

Bem, o que posso dizer a mais sobre a família Fonseca? Na teoria, na visão dos que estavam do lado de fora daquela casa, eles eram muito bondosos por adotarem a mim e meu irmão, depois que ficarmos órfãos. Essa era farsa mantida para os olhos dos outros.

A verdade era que eles ficaram conosco para trabalharmos de graça, não terem despesa, com impostos, com a contratação de empregados domésticos, as burocracias exigidas quando se emprega alguém. O nosso pagamento por todos esses anos de serviços são somente migalhas e restos. A grande verdade que não havia bondade alguma conosco, pois nos tratavam pior do que um vira-lata. 

Éramos seus escravos, já que quando você esta empregado há um salário ao fim de todo mês, entretanto para nós não havia nada. Eles alegavam que deveríamos ainda ser gratos pela sua generosidade. Trabalhávamos em troca de moradia e alimento.

- Eles acham que dormir sobre aquele colchão de palha e naquela cabana pequena que ate parece uma caixa de fósforos, é um hotel de luxo, né? – Disse Ernesto com ironia – Vou reclamar com o gerente sobre a nossa suíte – Apontou ele para o lençol furado de sua cama- Tudo esta muito a desejar.

Ri da sua observação. De certa forma já estava acostumada com o desprezo daquela família. Aquela era única vida que conhecia, pois quando nossos pais faleceram, eu tinha somente quatro anos, já Ernesto tinha oito anos. Ele possuía lembranças, conhecia outra forma de viver, isso o fazia sofrer na maioria do tempo, podia ver a tristeza dentro dos seus olhos castanhos, um pouco mais claros que o meu.

Entretanto isso não o abatia de forma alguma. Pelo contrario lhe dava uma esperança de continuar, sabendo que havia outro tipo de vida, que aquele que vivíamos naquela casa não era o correto, era na verdade desumano. Eu não conseguia sentir isso, me sentia impotente, produto de anos de humilhações e dor que o Fonseca tinha me infligido. Podia passar anos, eu não conseguia sair dessa inércia de apatia e desanimo.

Tirando-me da viagem da minha mente ouvi meu irmão me chamar, mas ainda estava presa nos meus pensamentos passados. Então o senti me dando pequenos cutucões na minha cabeça. E falando:

-Ei tem alguém ai? – Seu tom era de puro deboche, característica marcante dele. – Vamos para praia, você está pronta?
-Estou sim. Podemos ir. – Sai de mãos dadas com ele.

Todo ano Ernesto, no dia trinta um de dezembro me levava para praia, para que tivéssemos nosso réveillon particular, afinal provavelmente estaríamos trabalhando na festa na casa do Fonseca, na hora da passagem do ano.

Era sempre a mesma coisa todo o ano. Estela sempre fazia protestos sobre a nossa ausência de algumas horas, naquele dia, esbravejava dizendo havia muito a se fazer. Verdade era que eu tinha muitas tarefas domesticas para fazer, enquanto ela ficava horas se arrumando.

Eram tantos produtos de beleza, na bancada de seu enorme banheiro azul cobalto, a quantidade infinita de frascos fazia qualquer um pensar que havia um batalhão de mulheres para se arrumar, qualquer salão de beleza trabalharia vários dias com tanto de produtos disponíveis. Mas todo aquele arsenal era unicamente para embelezar Estela.   

- Como se as horas em que ela fica tentando se arrumando fosse mudar alguma coisa sobre a sua “beleza” – Eu disse rindo para Ernesto.
- Acho que ela realmente tem esperança. Vou avisá-la que ela tem que nascer de novo, para ver se Deus ajuda na próxima vida, porque nessa, ele a ficou devendo e muito, no quesito beleza. – Ele falou fazendo uma careta de horror.

Chegamos a Praia dos Desejos, a minha preferida. Ela tinha esse nome porque diziam que quando um desejo era feito com coração ele era atendido. O pedido era levado pelo mar, que sempre trazia objeto de desejo nas ondas, apara que isso ocorresse quem pedia tinha que ter alma pura e cristalina, como suas águas.

Era cedo ainda, não devia ser mais do que seis e meia da manhã. O mar estava calmo como um tapete, com o sol fornecendo um brilho ainda tímido, terminando de nascer para começar aquecer tudo onde ele tocasse, em poucos minutos ele traria o seu calor característico que tanto amo. Tudo era lindo e encantador.

Ver aquele quadro me fez suspirar, transmitia tanta paz para mim, me senti até mais leve. O vento brincava calmamente entre os meus cachos, os embolando, não me incomodava eu adorava aquilo A maresia enchia os meus pulmões de forma refrescante e delicada.

Era um momento meu, e o curtia muito, de forma intensa. Fechei os olhos para sentir aquilo aquele calor imenso que surgia dentro de mim. Amava ficar na beira da praia sentindo todas aquelas sensações.

Depois de uns longos minutos, não os contei, só abri os olhos, saindo do meu paraíso intimo e virei o rosto para procurar Ernesto ao meu lado. Parecia também estar tendo seu momento muito agradável. Eu ri de sua felicidade impressa em seu rosto, ele estava quilômetros dali, só seu corpo se encontrava ali, estava em uma fuga intima. Ele ouviu o meu riso e então abriu os olhos e me encarou:

- Não é só você que gosta da praia – Disse timidamente
- Você estava longe, não é? – Perguntei
- Estava mesmo.
- Aonde você estava?
- Estávamos em um lugar lindo, com uma praia muito mais bonita do que essa. Com uma floresta maravilhosa ao fundo. Engraçado que parecia que eu conhecia esse lugar, mesmo tendo certeza que nunca tenha ido ali.
- Isso que se chama de fuga. – disse admirada com a capacidade que ele tinha de escapar da realidade, até o invejava por isso.

Reparei que o deixei sem graça com meu comentário. Não entendi muito bem o porquê dessa reação, era tão difícil deixar Ernesto desconfortável, tinha impressão que ele me escondia algo a mais sobre aquele tal lugar. Então quando eu tentei retornar o assunto, ele falou:

-Vamos nos sentar embaixo daquele coqueiro? – Ele disse pegando minha mão, já caminhando.
-Gostaria de sentar na beira do mar, deixar a água nos refrescar um pouco- Fui caminhando em direção ao mar.

Ele somente assentiu com a cabeça, então fui o puxando pela mão. Logicamente tinha que fazer uma graça então ele fingiu resistir, fincando o pé na areia, fazendo força para não andar, então puxei com mais força o seu braço, consegui fazer ele me acompanhar. Ele pareceu ficar surpreso com minha força.

-Anda malhando escondido Clair? – Disse rindo.
- Só se for levantamento de balde – Tive que rir da possibilidade de eu ser forte.
- Estou falando sério. – seu rosto mostrava seriedade de suas palavras, mas não dei imprtancia.
- Vamos sentar – Disse sentando na beira do mar. Olhei pra Ernesto que continuava em pé ao meu lado. – Você vai me dar a honrar de me acompanhar?
- Lógico, senhorita! – Sentou-se cheio de pose ao meu lado.

Eu ri de sua cena cheia de palhaçada para sentar ao meu lado. Ernesto sempre foi o meu motivo pra rir da vida. Só ele conseguia arrancar aquela face bem humorada de mim. Sempre me sentia leve ao seu lado, sem ter o peso da vida infeliz que eu possuía, nem que seja por alguns segundos. Meu irmão diminuía a dor que eu senti por ser tão insignificante. 

Eu deitei na areia, deixei as ondas brincarem com as minhas roupas, as molhando por completo. O sol finalmente parecia aquecer até a minha alma, era muito reconfortante, sentia-me abraçada por ele. Fechei os olhos para absorver tudo aquele misto de sensações trazia a mim.

O encontro entre água e os raios de sol com meu corpo me trazia uma sensação de paz maravilhosa. Deixando minha mente vazia, somente atenta aquela sensação única. Não sei por quanto tempo fiquei nesse estado de estupor, só sai dele porque ouvi Ernesto falar um devaneio.

-Você acredita em destino?

Abri meus olhos, que pareciam estar relutantes devido à intensidade dos raios do sol. Inclinei minha cabeça na direção de Ernesto, para ver a reação de seu rosto, mas a luz do sol começou a me cegar. Não queria lutar contra o astro rei, afinal ele estava me trazendo tanto conforto. Então cerrei novamente meus olhos, e lhe respondi com sinceridade, que era tão costumeira entre nós.

-Sinceramente? – Nem vi se ele tinha assentindo, continuei – Não acredito!
-Por quê?
-Porque me recuso acreditar, que esteja escrita em algum lugar do meu destino, melhor do nosso destino, que deveríamos passar nossas vidas como escravos da família Fonseca- Respondi usando todo meu tom sarcástico misturado com meu humor negro.

Meu irmão ficou em silencio por um tempo, aquilo me incomodou. Não precisava encará-lo para saber que ele estava olhando perdido para o mar, pois era algo que normalmente ela fazia quando estávamos na praia conversando. Entretanto aquele Ernesto calado não era comum. Quando eu pensei em perguntar alguma coisa sobre esse novo comportamento e ele falou:

- Você já teve a sensação de que viverá algo maior do que isso? Que tem algo a mais que você precisa viver?- O seu tom de voz era de insegurança, algo que eu nunca tinha ouvido nas palavras de meu irmão. - E que você está tão ansioso por viver isso que lhe traz um tipo de dor?

Aquelas correntezas de palavras me surpreenderam, principalmente pela forma angustiada que ele disse aquelas palavras. Nunca tinha ouvido Ernesto com idéias tão inquietantes, algo atormentava o seu peito. Isso me incomodou por completo, então inclinei e sentei ao seu lado. Pus uma das minhas mãos em seu ombro. E disse:

- O que você quer dizer com essas palavras? – Deslizei minha mão em seu braço, o afagando carinhosamente. Queria mostra que eu estava ao seu lado, que podia confiar em mim.
- Já faz algum tempo que estou me sentindo estranho. Parece que estou esperando por algo que vai mudar minha vida. – Ele tirou os olhos do mar e os lançou para mim. Havia dor neles, isso fez meu peito se apertar de tristeza. – Acho que estou enlouquecendo.

Seus olhos começaram encarar o chão, acho que em uma tentativa de não chorar ali na minha frente. Sua afeição era tão desolada, que fez meu peito sentir uma pontada. Aquela figura de um Ernesto sentindo dor não era comum, não pertencia a sua pessoa, na verdade eu estava acostumada a sentir a dor da alma, ele não, sempre foi alegre e vivo.

Eu era morta por dentro, estava acostumada ter a tristeza como pano de fundo da minha vida, desde minhas memórias mais remotas esse sentimento sempre esteve ali, agora ele não, que sempre esteve ao meu lado para me alegrar, ele não era habituado com aquele monstro que é a dor. Acho que na verdade ele era o único motivo para eu continuar essa minha vida sem sentido.

Olhá-lo com aquela insegurança me fez sentir que eu ainda era uma pessoa egoísta, afinal não tinha habilidade dele de descontração, que sempre usava para me dar meus momentos de felicidades. Não sabia o que poderia fazer por ele naquele momento, a impotência me imobilizava e me envergonhava.

Então ele olhou para mim, abriu um sorriso tímido, mas ainda encantador, que só me restou acompanhá-lo, talvez ele tenha visto minha incapacidade de mudar seu estado de espírito. Havia uma cumplicidade silenciosa no encontro do nosso olhar, sempre fomos assim, parceiros que se comunicavam sem dizer nenhuma palavra sequer. Os gestos sempre foram mais que suficientes. Assim rompi o silencio tentando falar algo que prestasse:

-Olha, eu sempre vou estar aqui. Estarei ao seu lado esperando por esse algo novo. – ele beijou meu rosto carinhosamente. – E outra coisa: você não pode enlouquecer. Afinal quem vai cuidar de mim se você for para o manicômio? – Pisquei. Ele riu, fiquei aliviada, estava retornando alegria de Ernesto.


- Pode deixar. Não vou te abandonar. - Ele me puxou para um abraço bem apertado. – Você acha que eu ia te deixar aqui sozinha? Eu ia te levar para o manicômio comigo. Tenho certeza que a gente ia se dar bem com os loucos, afinal os Fonsecas não são lá muito normais.

Eu ri, finalmente Ernesto tinha voltado. Respirei aliviada, quando vi que seus olhos voltaram a brilhar de alegria, mas sabia que a dor ainda estava lá, eu podia ver no fundo do seu olhar, ele havia tentado esconder aquilo por minha causa, não queria a minha preocupação.

Contudo a próxima vez que o monstro mostrasse suas garras de tristeza eu saberia como agir, eu ia me empenhar em melhorar, ser a irmã que Ernesto merece a melhor possível.

- Clair Feliz ano novo! Que esse ano seja o melhor da sua vida. – Ernesto falou.
- Desejo o mesmo até mais para você, meu irmão – Dando um abraço bem apertado.
- Esse ano vai ser o nosso ano. – Ele piscou de forma bem moleque.

Tive que dar um riso ao pensar cuidadosamente no que ele acabará de dizer. Queria muito ter certeza nas palavras dele. Ter nos meus olhos o mesmo brilho de esperança, que havia nos olhos dele. Senti-me envergonhada. Queria ser igual a ele, compartilhar daquela idéia de forma verdadeira, contudo não consigo.

- Espero que sim – Respondi sem nenhuma emoção.


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Notas finais do capítulo

E ai??????????? mtas coisas nesse capitulo né????

brigada a todos