-Como foi o almoço filha?

     -Horrível! Vou para meu quarto e não quero que ninguém me incomode!

     Trancando a porta, Mari deixou todo o medo sair de si. Os pulmões logo foram invadidos por soluços, e teve que colocar o travesseiro no rosto para não ouvirem seu choro.

     Ainda não havia absorvido toda a história que ouvira. Hiroshi é um shinigami, e Kyo, seu melhor amigo e primeiro amor, é um anjo amaldiçoado. Ambos já tentaram matá-la, e por pouco não conseguiram. Pensava que esse tipo de história só pudesse acontecer em mangás, filmes e livros, e por isso não acreditava que ela era a protagonista dessa confusão.

     Deitada na cama, Mari não lutou contra as lágrimas que escorriam pelo seu rosto.

-  -  -

     Pouco depois do jantar a campainha tocou. Mizuki atendeu, assustada com a urgência com que tocavam.

     -Mizuki-san! Preciso falar com a Mari!

     -Ah Kyo-chan, que bom te ver! Ela não saiu do quarto o dia todo, nem jantou. Aconteceu alguma coisa no almoço?

     -Acho que quebrei uma promessa. Vou falar com ela e me desculpar.

     Sem esperar uma resposta, Kyo suviu a escada correndo. Sabia que se revelasse, a garota não iria abrir a porta. Por isso, aproveitando que estava sozinho, Kyo utilizou de seu pequeno poder de anjo e fez a porta destrancar sozinha.

     Ao entrar, viu Mari deitada de costas. Fechando a porta devagar, ele disse:

     -Mari, precisamos conversar.

     Ela se virou assustada e levantou num pulo, com um soco pronto para ser desferido. Mas Kyo foi mais rápido e a segurou pelos pulsos.

     -Me escuta!

     -Não quero saber de mais nada!

     Kyo a empurrou de volta para a cama e a jogou em cima, prendendo os pulsos dela no colchão. Indefesa, ela continuou chorando sem olhar para ele.

     -Você devia ter ficado até ouvir o que eu tinha a dizer.

     -Então veio me contar as outras vezes que tentou me matar?

     Kyo suspirou bravo, ainda por cima de Mari.

     -Aquela foi a única vez. E sabe por que eu desisti de quebrar minha maldição?! – ele murmurou depois, deixando a voz mais baixa: - Porque eu também te amo.

     Quando ouviu isso, Mari abriu os olhos molhados. Percebendo que a garota ficara mais calma, Kyo a soltou e se ajoelhou à frente dela, que estava sentada.

     -Eu tinha notado que seu sentimento por mim já não era mais amizade. E comecei a sentir o mesmo pouco depois de nos conhecermos.

     -E por que não me contou? – ela sussurrava, com medo que a voz não saísse.

     -Mari-chan, se eu te beijar, você irá esquecer o que é o amor. Essa é a minha maldição. – Kyo disse isso com a testa franzida.

     -Então aquela garota no café... – a garota entendeu o que acontecera.

     -Isso mesmo. Ela nunca mais poderá amar. Eu não queria que isso acontecesse com você, e então fingi por todos esses anos que te considero uma irmã. – ele olhou para Mari, e segurou com força as mãos dela. – Sei que te fiz sofrer, e que hoje eu quebrei a promessa e te magoei. Só tentei te proteger. Eu te amo muito Mari-chan.

     A garota ficou sem saber o que falar, apenas olhando para Kyo, com novas lágrimas no rosto. Mas logo um pensamento ruim atravessou sua mente.

     -Eu vou morrer?

     -Não sei... Quando eu vi o Yachi, também soube o que ele era. Só que não faço ideia do que vai acontecer com você.

     -Não quero morrer... Não quero fazer meus pais sofrerem.

     -Quanto a isso... Eles vão esquecer de você. – temeroso, Kyo começou a explicar: - Quando um shinigami vem buscar a alma de alguém jovem, cancela todas as lembranças que essa pessoa deixou aqui na Terra. Fazem isso para poupar o sofrimento e a revolta das pessoas. Ou seja, todos aqueles que te conheceram irão te esquecer. E seu quarto vai desaparecer, assim como seus pertences.

     -Como sabe de tudo isso?

     -Eu também sou um shinigami lembra? Nasci sabendo de todas as coisas que sou capaz de fazer. – Kyo disse isso com uma tristeza enorme na voz.

     -Isso vai te atingir?

     -Não. Essa anulação só funciona em humanos. – olhando fundo em Mari, Kyo disse: - E seria impossível esquecer você Mari-chan.

     Ela recomeçou a chorar, por medo e também por ouvir aquelas palavras tão sinceras de Kyo, que a abraçava com força.

     -Eu não vou amar mais ninguém. Meu coração já te pertence.

     -Eu te amo muito Kyo. – Mari disse com a voz entrecortada. – Não vou te esquecer. E não importa o que aconteça, vou sempre te amar. Você é meu primeiro e único amor.

     Kyo também chorava, e os dois continuaram abacados por um tempo. Ele a beijou no rosto, e Mari deu um pequeno soluço, apertando-o com mais força, como se nunca fosse se soltar do corpo de Kyo.

*