Merry Christmas escrita por Sorrow


Capítulo 1
One-Shot




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Eu odiava o Natal. Odiava tanto, na verdade, que meus amigos me chamavam de Grinch. Todo ano eu recebia vários convites para passar a véspera na casa de alguém, mas eu sempre passava a noite em casa sozinho, embriagado de vinho, sentado em minha poltrona confortável e observando a neve cair do lado de fora – quando eu dava a sorte de que nevasse no dia de Natal, havia anos que eu apenas tinha de olhar pela janela e não via nada além de escuridão, o que era bem depressivo e na maioria das vezes me levava às lágrimas. Não me leve a mal, eu chorava todo ano, mas os anos em que não nevava eram especialmente mais depressivos.

Para ser bem sincero, eu nunca entendi muito bem o sentido do Natal. Quando eu era pequeno, sim, eu entendia: presentes e comida salgada com temperos doces – que eu deveria fingir gostar para agradar o anfitriões. Mas agora, para mim, o Natal não tinha magia nenhuma, ele sempre trazia más lembranças. Todas as grandes desgraças da minha vida aconteciam justamente nessa época, final de dezembro. Foi quando minha mãe, minha avó e meu poodle faleceram – em anos diferentes, claro. Todo ano, no dia do Natal, eu acendia três velas para eles. Também foi nessa época que perdi meu primeiro emprego e quando sofri um terrível acidente de carro que quase me matou – passei meses internado sem saber se recuperaria completamente o movimento das pernas. Foi no Natal que perdi minhas botas favoritas e foi no Natal que ele me deixou.

Aoi.

Aoi era completamente diferente de mim, se eu era o Grinch, ele devia ser o maldito Papai Noel do jeito que ele gostava do Natal. No ano que passamos juntos, ele decorou a casa inteira, cozinhou e chamou todos os nossos amigos para celebrar e trocar presentes. Foi, na verdade, o único Natal desde que eu tinha trezes anos que eu realmente gostei e que não fiquei remoendo lembranças ruins. Ainda pude dormir abraçado com ele depois da festa, encolhido no sofá, vestindo apenas seu suéter azul marinho e aquecido somente pelo calor do seu corpo.

E agora aquela lembrança zombaria de mim na noite de Natal, me tiraria o sono e me levaria às lágrimas todos os anos religiosamente, caísse a neve ou não. O Natal era um lembrete de que eu estava sozinho de novo e que não tinha motivos para comemorar, eu não tinha uma família próxima nem um grande-amor-da-minha-vida. Ou melhor, tinha, mas eu não devia ser o grande amor da vida dele. Essas coisas aconteciam comigo com freqüência, sabe, esses amores unilaterais e não correspondidos.

Então, ano passado, simplesmente, quando eu estava esperando mais uma festa de Natal ou qualquer coisa do gênero – e, estranhamente, estava gostando da idéia de algo assim – ele me disse que estava indo embora. Alguma coisa sobre uma oportunidade única de trabalho no outro lado do oceano que eu nunca quis entender direito. Ele tentou me explicar, mas eu só chorava e jogava coisas nele – pratos, cinzeiros, almofadas – então ele foi embora. Voltou uns dois dias depois para fazer as malas, mas eu fiz questão de sair e deixá-lo fazê-lo sozinho. Ele tentou se desculpar, dizer que me amava, mas eu também não dei ouvidos – não joguei nada dessa vez, ouvi o que ele disse, mas fingi que não.

Então, aquele Natal, como todos os outros antes de Aoi aparecer na minha vida e estragar tudo, eu passei de luto, em frente à janela com uma taça de vinho, remoendo memórias tristes das quais agora ele fazia parte. Ele me criticou tanto por aquilo, por relembrar sentimentos ruins numa época “tão maravilhosa!” – palavras dele – e acabou se tornando uma daquelas lembranças. Que irônico. Mas naquele ano havia uma diferença: eu tinha esperança. Eu esperava que ele fosse aparecer pela porta me pedindo desculpas, dizendo que foi um idiota, me pedindo para voltar. Eu o faria implorar um pouco, claro, o faria sofrer um bocado antes de aceitá-lo de volta, me jogar em seus braços e fazer um delicioso sexo natalino, do jeitinho que ele me ensinou – lento, calmo e com direito a vinho e muito beijo na boca. Obviamente, nada disso aconteceu, a neve veio, o choro veio, o dia veio, mas ele não veio.

Como eu disse, eu não tinha por que comemorar o Natal, e tinha todo o direito de ser o Grinch. Pra ser bem sincero, se eu pudesse, me dopava no dia vinte e só acordaria no dia dois de janeiro, quando as pessoas voltassem mais ou menos ao normal e parassem com aquele espírito festivo idiota. Eu também não comemorava ano novo, eu apenas tomava uns calmantes e ia dormir cedo, na esperança de não ser acordado pelo alvoroço da meia noite. Geralmente funcionava, quando nenhum engraçadinho tentava me ligar para desejar feliz ano novo. Eu não tinha nada contra os outros feriados, todos que não fossem em dezembro eram agradáveis.

Então, por isso, no dia vinte e quatro, eu estava caminhando tranqüilamente pela minha adega favorita, escolhendo cuidadosamente o vinho com o qual eu me embebedaria naquele ano. Aliás, aquele havia se tornado meu próprio ritual de Natal, muito melhor que qualquer outro, se me permite dizer: eu saía de casa às cinco horas da tarde, ia à adega e passava de uma a duas horas escolhendo um bom vinho. Anos de prática me levaram quase à perfeição, e a cada ano eu adquiria novos conhecimentos sobre os vinhos e qual deles me proporcionaria uma ressaca menos dolorosa.

- Sabia que você estaria aqui. – Uma voz conhecida chamou minha atenção e eu me virei para ver de quem se tratava. Quase engasguei quando percebi que era Aoi, perto demais de mim para estar do outro lado do oceano, me encarando com certa diversão e um quê de algo que eu não pude identificar. – Eu deveria saber que não devia te deixar sozinho.

- O que diabos você está fazendo aqui? – Eu perguntei, pouco educado, desviando meu olhar dele para me distrair de como ele estava lindo. Ainda mais bonito do que da última vez que o vi, e eu devia estar horroroso, como eu ficava todo Natal. Acreditem-me, o Natal conseguia até me deixar mais feio. – Você não devia estar, sei lá, na França, Inglaterra, qualquer lugar assim, senhor ocidental?

- Alemanha. – Ele disse, divertido, e eu dei os ombros, fingindo indiferença. – É, eu não gostei muito de lá. Muito frio, pessoas frias... Faltava algo. – Ele me olhou com aquele olhar sedutor que eu já conhecia de longa data e eu rapidamente virei o olhar, concentrando-me nos vinhos.

- Oh, é uma pena. Bom, seja bem vindo de volta. Foi um prazer. – Dando a volta em meus calcanhares, me preparei para me afastar dele, quando ouvi sua voz me pedindo para esperar. – Sim?

- Como você vai passar o Natal? – Ele me encarou com esperança e eu ergui uma sobrancelha, olhando para ele como se fosse retardado.

- Como você acha? Com vinho, em casa, como sempre. – Respondi, desejando poder me afastar logo dele, mas aquilo não parecia estar em seus planos.

- Nenhum namorado? – Ele perguntou novamente com aquele olhar sedutor que me obrigou mais uma vez a desviar o olhar.

- Não, nenhum namorado, continuo sozinho e infeliz, me embriagando em pleno Natal, obrigado por perguntar, agora se me der licença...

- Passe comigo. – Ele disse, seriamente, e eu me virei para ele com a maior interrogação possível, abismado com o que havia escutado.

- O quê? Me desculpe, por um minuto eu tive a impressão de que você tinha acabado de me pedir para passar o Natal com você. – Eu dei uma risada escandalosa, sacudindo a cabeça, esperando que ele risse também, mas vendo seu rosto continuar impassível. – Você só pode estar brincando comigo! Isso é uma piada de muito mal gosto? Que tipo de babaca doentio é você?

- Uru...

- Não venha com Uru pra cima de mim! Você está pensando que pode ir embora e estragar tudo e depois voltar como se nada tivesse acontecido para podermos retomar de onde paramos? Bem, a resposta é não!  Você não pode voltar e eu não quero passar o Natal com você. Agora, obrigado e tchau! – Com um último olhar para seu rosto lindo e chocado, bati o pé e me afastei dele, sem sair da adega, afinal eu ainda precisava do meu vinho. Não tive nem um minuto inteiro de paz, no entanto, até ele aparecer.

- Na verdade, meu plano envolvia mais salvar você de um Natal depressivo com o ar da minha graça e ir te conquistando de volta aos poucos daí, caso você não tivesse encontrado ninguém durante o meu surto.  – Ele estava ao meu lado de novo, mas dessa vez eu nem lhe dei atenção, apenas continuei a encarar os vinhos.

- Bom, eu consigo identificar pelo menos algumas falhas nos seus planos. A primeira delas é que meu Natal seria depressivo com ou sem você, e a segunda é que você não pode me reconquistar, então... Tchau. – Insisti, esperando que depois disso ele fosse embora, mas ele ainda estava lá.

- Eu cometi um erro, Uru. Todos cometem erros, certo? Eu pensei que podia ir embora, deixar tudo para trás, deixar você para trás e seguir como se nada tivesse acontecido, começar do zero, mas eu estava errado. Eu senti sua falta cada segundo que estive lá, e contei os dias para acabar o contrato e eu poder voltar correndo. Eu me arrependi no momento que coloquei os pés na Alemanha. Eu errei com você, errei feio. Mas Natal não é tempo de perdoar e recomeçar?

- É, tá, caso você não tenha percebido, o Natal não é meu feriado predileto, então... – Eu fingi não estar afetado pelo que ele disse, quando na verdade meu coração estava acelerando e por dentro um Kouyou-garota-adolescente-líder-de-torcida estava pulando e fazendo piruetas alegremente, ainda encontrando tempo para soltar fogos e revirar meu estômago.

- Vamos lá, Kou. Você pode bancar o difícil, se quiser, eu mereço. Eu deixo você pisar em mim o quanto quiser, me fazer de capacho, esfregar na minha cara como eu fui idiota. Mas passe o Natal comigo, por favor, deixe eu acompanhá-lo, sei como essa é um época difícil para você. Depois de hoje, eu prometo que você pode me dizer não quantas vezes quiser antes de voltar para mim. – Ele disse, sorrindo, e aquilo me irritou tanto que até a líder de torcida dentro de mim parou de comemorar.

- Seu idiota arrogante prepotente! – Eu disse, apertando as mãos em punhos. – Quem te disse que eu vou voltar? Quem te disse que eu quero? Eu estou muito bem sem você, não preciso de ninguém que coloque seus sentimentos por mim em segundo plano e que ache dinheiro mais importante que eu. Eu preciso de alguém sensível, carinhoso e que me ame acima de tudo, e você obviamente já provou que não é essa pessoa. – Estreitei os olhos, encarando-o com intensidade, e vi, pela primeira vez, ele parecer afetado com minhas palavras.

- Como eu já disse, eu errei, não vou negar. Mas eu me arrependi, Uru, eu quero me redimir, te compensar, provar que eu posso ser tudo isso que você quer. E eu não tenho certeza de que você vai voltar, eu estou morrendo de medo de você não sentir mais absolutamente nada por mim e não me querer mais, porque eu estou louco por você. Eu sou louco por você, então me dê uma chance, só mais uma chance. Eu prometo que não estragarei tudo dessa vez. – Seus olhos refletiam a sinceridade das suas palavras, e agora a líder de torcida estava parada com lágrimas nos olhos me perguntando o que eu ia fazer. Eu engoli em seco.

- Isso é muito bonito, Aoi. Mas eu preciso de mais que simples palavras, promessas são muito fáceis de quebrar, e eu não estou pronto para sofrer de novo o que eu sofri quando você foi embora. Além do mais, eu não tenho dinheiro o bastante para isso. Você não sabe quanto eu gastei em lenços de papel, base e corretivo no ano passado por sua causa. – Eu tentei não sorrir, porque estava bancando o durão e queria fazê-lo sofrer um pouco, mas eu não consegui, principalmente quando um sorriso gigante apareceu em seu rosto e naquele momento eu sabia que eu tinha perdido. Ele tinha me ganhado.

- Oh, bem, eu posso reembolsá-lo. Posso assinar um contrato me comprometendo a nunca mais te deixar, posso fazer o que você quiser, Uru, e isso não são só palavras. É verdade. Agora nós só vamos nos separar se você quiser, se você me der o pé na bunda, e eu não vou sem brigar antes. – Ele insistiu, ousando se aproximar um pouco mais de mim e segurar minhas mãos nas suas, trazendo-as para seus lábios para beijá-las.

- Oh... Bem, a idéia do contrato não é... Nada mal. – Eu disse, engolindo em seco, ganhando um sorriso em troca. – E... Eu poderia pensar em mais algumas condições só... Só pra garantir. – Eu estava perdendo a linha de raciocínio à medida que ele se aproximava de mim, concordando com a cabeça. – E... E não pense que você está perdoado, assim, tão fácil... Você ainda... Vai ralar muito. Você vai ser meu escravo! Por meses, entendeu? – Ele acenou mais uma vez e seu rosto já estava a milímetros do meu quando ele parou de se aproximar. – Nunca mais me deixe, seu grande filho da puta! – Eu agarrei seu rosto com as duas mãos e juntei nossos lábios num beijo quente, sentindo-o envolver seus braços em minha cintura e me apertar com força.

- Nunca mais, eu prometo, prometo... – Ele disse, me dando beijinhos pelo rosto e pescoço, ainda me segurando perto. – E nunca mais vou deixar você passar o Natal desse jeito, vou me encarregar de fazer do Natal seu feriado favorito!

Eu não disse nada quanto a isso, podia ser verdade. Quem sabe naquele ano não estava se iniciando uma nova tradição de Natal para mim e coisas boas começariam a acontecer? Se estar nos braços dele, ouvindo pequenas declarações e promessas bobas de amor eram alguma indicação, era bem possível. Bem, de qualquer maneira, aquele definitivamente seria um feliz Natal.


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Notas finais do capítulo

Vejam bem, não é nenhuma comédia romântica, mas como é natal e eu não queria nada muito pesado, adicionei um pouco de humor. :B

FELIZ NATAL! (L)
=***



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