Ameno Dore escrita por MyKanon


Capítulo 4
IV - Interação




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Marian reconheceu as botas elegantes de salto fino por baixo de um dos cubículos. Tropeçou na mochila de Itacy largada no chão quando dirigiu-se até ela.

_ O que você tem? - perguntou enquanto abaixava-se até a amiga agarrada ao vaso sanitário.

Itacy gesticulou para cima sem se virar, e Marian entendeu que indicava o papel higiênico.

Arrancou um longo pedaço e o ofereceu à amiga.

Esperou que ela se recompusesse para repetir a pergunta.

_ Tacy, o que aconteceu?

Itacy largou-se sobre o piso frio do banheiro e recostou-se na divisória de madeira. Tentou controlar a respiração ofegante, antes de responder:

_ Suas sementes horrorosas!

_ Tacy, não posso acreditar nisso...

Marian a ajudou a se levantar e foram até a pia. Itacy abriu a torneira e fez um bochecho para tentar se livrar do gosto azedo que tinha na boca.

_ Não é Ana, não é mesmo? - Marian perguntou encarando-a através do espelho.

_ Eu já disse Mari. Eu não tenho anorexia! - disse entre dentes, devolvendo o olhar da amiga.

_ Você tem bulimia. É totalmente diferente. - dizendo isso, cruzou os braços, numa atitude acusatória.

_ Ai mas que droga! - Itacy arrancou algumas folhas de papel para secar o rosto.

Como poderia se livrar daquelas suspeitas de uma vez por todas, se todas as suas ações condiziam com aquilo?

Então conformou-se: Não havia como se livrar. Aquilo era o melhor que podia ter.

Virou-se de costas para o espelho e apoiou-se na pia. Suspirou antes de pedir:

_ Por favor Mari, não diga nada a ninguém.

Itacy viu a contrariedade nos olhos da amiga, mas mesmo assim ela concordou:

_ Eu sou sua amiga, Tacy. Conte comigo.

Mas antes que pudesse suspirar aliviada, Marian deu sua condição:

_ Mas por favor, você tem que parar com isso.

Itacy voltou a encarar a amiga, arregalando os olhos.

_ Tacy, você vai acabar ficando doente, e isso eu não quero.

_ Doente? Mas é claro que não! Eu sei o que faço Mari!

Marian postou-se à sua frente.

_ Sabe mesmo? Você estava vomitando para manter sua cintura!

_ Você não entende. - disse enquanto seu olhar perdia-se no piso frio do banheiro.

_ Eu entendo sim Tacy! Eu sofro a mesma pressão! Por isso quero que saiba que estou aqui para ajudá-la. Mas não vou concordar com nada que possa te fazer mal, tá bom?

Dizendo isso, Marian segurou as mãos da amiga.

_ Viu só? Suas mãos estão trêmulas e geladas. Como algo que te deixa trêmula e gelada pode te fazer bem?

Itacy absteve-se de dizer qualquer coisa. Nada poderia ajudar em sua defesa.

_ Você é linda Tacy, não precisa de nada disso...

Nesse instante, Itacy levantou os olhos para a amiga. Seus cabelos castanhos e ondulados estavam soltos, emoldurando-lhe o rosto delicado. Seus lábios estavam vermelhos, indicando que havia se maquiado recentemente.

Marian não estava somente lhe consolando.

Mas só teve certeza quando sua amiga começou a se inclinar em sua direção, com os lábios entreabertos.

_ Ow! - Itacy empurrou-a pelos ombros – Não, Mari.

_ Não?

_ Não. - confirmou articuladamente, com as mãos ainda estendidas para frente.

Marian ainda a encarou por mais alguns segundos, até ruborizar e baixar os olhos para os próprios pés.

_ Desculpa Tacy, só queria que soubesse o quanto me importo com você.

_ Ok. Já sei que é muito. - e sem querer tocar em qualquer dos dois assuntos novamente, decidiu - Vamos embora, vai.

Agarrando sua mochila, Itacy abriu a porta do banheiro, e a indicou para sua amiga. Já tinha tantos problemas... Agora teria de aprender a lidar com mais um.

+ + +

Enzo deu uma última olhada para as partituras em sua mão antes de empurrar as portas duplas do estúdio de dança. Ainda estava inconformado com a escolha da colega, mas tinha assumido a obrigação de tocar.

_ Faltam quinze minutos para as onze horas.

Observando-o com total desprezo, Itacy cruzou os braços e bateu um pé contra o assoalho.

_ É? Obrigado pela informação, eu realmente não trouxe relógio. Será que você poderia me avisar quando for hora de ir embora também? - pediu quase inocente.

_ Claro. Já que sairemos cinco minutos mais tarde por conta da sua falta de pontualidade.

Caminhando até o piano de meia cauda, lamentou ironicamente:

_ Tá de brincadeira? Putz... Cinco minutos... O que farei agora? - sentando-se no banco do instrumento, estudou suas teclas e pedais.

_ Não se trata dos cinco minutos de atraso, mas de sua postura irresp-

Itacy foi interrompida pela melodia da Grande Valsa Brilhante. Como se nem notasse mais sua presença, Enzo continuou com a melodia, enquanto corrigia alguns poucos acordes.

+

Não, Itacy não permitiria que alguém a desdenhasse daquela forma, especialmente aquele forasteiro irritante. Caminhou a passos duros até ele e baixou a tampa do instrumento, fazendo pressão sobre seus dedos.

_ Por favor, não me machuque... - ele pediu em falso desespero.

_ Não me tire do sério, Lorenzo. - aumentou a pressão sobre a tampa.

_ Agora eu sei como perderam o último pianista.

Itacy largou o peso de seu corpo sobre a mão que pressionava a tampa.

Enzo começou a sentir dor, mas não demonstraria. Não ia perder para ela.

_ Ok, hora de ensaiar.

Vencida pela razão, Itacy soltou a tampa e deu-lhe as costas.

_ De acordo? - perguntou para suas outras cinco amigas.

Todas concordaram e tomaram seus lugares. Itacy fez o mesmo e ainda emburrada, pediu para que Enzo recomeçasse a melodia.

_ Michele, é para mim que você tem que olhar, assim vai perceber que está fazendo errado!

_ Ah! Me desculpe, eu me distraí...

Michele voltou sua atenção para o espelho, mas Itacy não estava mais lá. Sobressaltou-se com a presença da amiga logo ao seu lado, de braços cruzados e semblante insatisfeito.

_ Pode continuar. Ou será que estou atrapalhando seu flerte?

_ Tacy, faça-me o favor! Você está parecendo a minha mãe!

Pelo canto do olho, percebeu um sorriso que marotamente deixou os lábios de Enzo antes que ela pudesse flagrá-lo.

Decidiu não perder tempo com ele.

_ Será que ela conseguiria corrigir esse seu balloné ridículo? Pois estou prestes a desistir.

Bufando irritada, Michele voltou sua atenção para a dança, enquanto Itacy limitou-se a observar atentamente seus movimentos.

A intervalos irregulares, lançava um olhar suspeito para Enzo, para ter a certeza que não estava assediando mais nenhuma de suas colegas.

+

Enzo devolveu o sorriso da linda loirinha que lhe sorria insistentemente, e não se esforçou em disfarçá-lo quando Itacy o mirou furiosamente.

Não pretendia irritá-la durante o ensaio, mas a garota parecia não tolerar nem uma indefesa troca de olhares. Por causa disso, colocou-se entre os dois, impedindo qualquer outra interação entre ele e a bailarina.

Mas isso também lhe proporcionou uma visão sob um ângulo mais privilegiado de Itacy. Tentou não se perder nas notas enquanto conferia seus atributos posteriores. Não era sempre que tinha esse tipo de oportunidade.

Seu cabelo vermelho estava firmemente preso em um coque no alto da cabeça, e sua franja indomável estava agora dominada por uma presilha cor de rosa. Estava de braços cruzados assistindo à execução da colega, e não precisava se virar para que Enzo tivesse certeza que estava emburrada. Sempre cruzava os braços quando estava irritada. Era como se tentasse se proteger do que a afligia, por trás daqueles braços finos e aparentemente frágeis.

Por cima de seu colan preto de mangas e de sua meia calça branca, usava uma leve saia de um tecido que parecia ser tule, que balançava graciosamente quando ela caminhava a passos firmes, como estava fazendo agora, em sua direção.

_ Da capo al fine. - ordenou, testando seu novo pianista.

_ Desculpe? - fingiu não entender.

Mas antes que um sorriso triunfante tomasse por completo os lábios de Itacy, Enzo recomeçou a valsa do início.

Por Deus, estudava música por anos... Aquele reles teste, chegava a ofender sua habilidade.

_ É que seu sotaque é meio forte... - justificou aos sussurros, para não atrapalhar a música.

+

Itacy não conseguia acreditar no que ouvia. Seu sotaque era impecável!

Por que aquele forasteiro tinha de ser tão desagradável? Só podia ser perseguição! Só podia ser um teste!

Cerrou os punhos, mas outra vez decidiu não perder seu precioso tempo caindo nas provocações baratas do pianista.

_ Vamos, vamos! Mais alto! Mais alto!!! - ralhou furiosa com suas amigas quando voltou a reger a dança.

Ao final do ensaio – cinco minutos mais tarde, como prometido – todas correram para o vestiário a fim de se trocarem e correrem para suas casas, ou para os carros caros dos pais.

Itacy aguardou que todas saíssem para trancar o salão. Por sorte seu colega indesejável também já tinha ido embora.

Que alívio...” Suspirou cedo demais ao atravessar o arco de pedra que dava para a rua.

Continua


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