Shiki Fuujin escrita por Pitty-chan


Capítulo 2
Parte Dois


Notas iniciais do capítulo

Agradeço à todos os que leram e revisaram o capítulo anterior, à todos os que leram e não revisaram, e a todos os que leram só uma parte por curiosidade. xD Obrigada, e quem estiver gostando, por favor deixe uma review! ^^

On with the show!



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Dez de Outubro do Sexagésimo Oitavo Ano do Dragão. Outono. Vila Oculta da Folha.

 

Da janela atrás da mesa da Sala Hokage eu observava a vila, ambas as mãos apoiadas no espaldar de madeira. Terminadas todas as funções burocráticas, despachados todos os times para missões, lidos e assinados todos os relatórios - não havia mais nada que eu precisasse fazer. Apenas continuei ali. Mal saberia eu que aquele seria o dia mais feliz e ao mesmo tempo o mais terrível da minha vida.

 

Quem pudesse supor suporia, exatamente a partir do fato que eu estava suando frio naquele princípio de tarde; minhas mãos geladas. Inexplicável. Uma sensação absurdamente inexplicável de expectativa doentia, adrenalina caindo na minha corrente sanguínea de forma tão contínua que a minha cabeça já estava começando a doer.

 

Se eu tivesse que explicar para alguém não conseguiria. Diabos com lasers, eu não conseguira nem ao menos explicar pra mim mesmo. Isso rendera outra discussão com Kushina naquela manhã, causada por ela estar ridiculamente irritável graças à todas as trocas de hormônio insanas no corpo dela, além de eu ter acordado o estresse personificado. Briga de casal. Não era a primeira e não seria a última. Ao menos era o que eu pensava.

 

O motivo da minha tensão soterrante repousava inocentemente sobre a mesa, atrás de mim.

 

Os raios de sol ainda entravam petulantemente pela janela, me virei, encarando o meu despretensioso dossiê Uchiha. O que eu estava tentando provar? Que um dos mais tradicionais clãs da vila planejava uma insurreição? Que um líder lendário que já havia morrido décadas atrás era uma ameaça? Ridículo. Por mais que eu fosse o Hokage, quem acreditaria? Até mesmo para mim era difícil acreditar, por mais que as evidências apontassem para a verdade.

 

“...ge-sama? Hokage-sama?”

 

Levantei os olhos com uma ligeira expressão de choque, estava tão concentrado nos meus conflitos de lógica interna que não percebera a presença do membro da ANBU. Ao que parecia ele já estava tentando me chamar a atenção há algum tempo, com uma voz que sublinhava urgência.

 

“Sim?”

 

“Kushina-san entrou em trabalho de parto.”

 

Uma vez na vida aconteceu. Paralisei. Ao contrário de todas as reações que eu jamais tive ao ouvir uma notícia que recorria ação imediata, congelei no lugar. O ANBU continuou me olhando debaixo de sua máscara, como se com o olhar pudesse fazer com que eu me movesse. Trinta segundos de puro pavor se passaram até que o nervosismo soltasse minhas cordas vocais. As palavras que se seguiram saíram tão rápido e de forma tão esquisita que parecia que a minha boca não conseguia formá-las direito.

 

“Comassimelentroemtrabalhodeparto?!”

 

“Ela está na mesa de operação com Tsunade-sama.”

 

“Mesa de operação?!”

 

Antes que ele pudesse responder minha fama se fez falar por mim, deixando a Torre Hokage em um rastro de poeira, correndo como um Inuzuka sendo perseguido por um veterinário. Vou te contar, isso é muito rápido, mais rápido que Shunshin.

 

“Cesariana?”

 

“Sim, o que achou que fosse? Alguma cirurgia para retirada de tripas?”

 

“Ahn...”

 

“Seu filho nasceu.” Antes que eu pudesse recuperar o fôlego, Tsunade-sama emendou uma frase na outra, sorrindo malandramente. “Tão loiro quanto você, devo acrescentar.”

 

Ao ouvir dadas palavras minhas pernas tremeram como se tivessem de repente se transformado em gelatina. Me apoiei na parede do hospital, suando mais frio do que antes. A Sannin lendária me olhou com um meio sorriso, me perguntando se deveria providenciar uma maca para mim, já que coloração verde não é algo normal para a epiderme de um ser humano.

 

“Pais de primeira viagem...” Me deu dois tapinhas no ombro, fazendo sinal para que eu a seguisse até o quarto de Kushina. “Não vai vomitar, não é?”

 

“Não...”

 

Ela sorriu novamente com meu nervosismo.

 

“O efeito da anestesia ainda não expirou, então ela provavelmente ainda está dormindo.”

 

“Por que tiveram que fazer cesariana?”

 

“Ao que parece aparentemente ela se excedeu nos exercícios matinais, e tivemos que fazer um parto emergencial.”

 

Na minha cabeça veio a imagem de Kushina saindo de casa de manhã bufando, fora de si de tanta raiva. Era provável que ela tivesse destruído toda a vida selvagem local do campo de treinamento.

 

A porta se abriu e Tsunade-sama a fechou atrás de mim.

 

Por um segundo fiquei ali parado na soleira, observando maravilhado. Como ela dissera Kushina dormia, a luz da tarde iluminando-a através da janela. Nos seus braços havia um pequeno volume que de longe eu não podia identificar, a menos que me aproximasse mais um pouco. O que à princípio não fiz. Resolvi manter a distância por um momento, como se algo me dissesse que se eu chegasse mais perto macularia de alguma forma aquela imagem tão perfeita.

 

Minha esposa. Tudo o que ela fazia era belo. Tudo o que ela fazia era certo.

 

Imediatamente me senti péssimo. Nós havíamos brigado por motivos banais, ela havia dito coisas ruins, eu havia extravasado meu estresse nela. Não me lembrava quais teriam sido as últimas palavras que eu a havia dito, mas com toda a certeza não haviam sido nada carinhosas. Tudo o que começara pelo simples fato da nossa cama ainda estar fazendo barulhos estranhos desde que quebrara naquele dia.

 

Sorri, pensando na nossa infantilidade. Que bobagem, brigar por algo tão insignificante. Algo tão pequeno.

 

Pequeno...

 

Me aproximei de súbito, puxando o tecido branco que cobria o volume nas mãos de Kushina. Aquela foi a primeira vez que vi você. Estaquei no lugar pela segunda vez no dia, em fascinação. Foi uma sensação totalmente diferente de qualquer outra que eu já havia sentido na vida, como nascer, morrer, renascer... Tudo ao mesmo tempo.

 

Naquele momento reaprendi o significado da palavra incontrolável, pois foi totalmente impossível te ver e não querer te tocar. Com o máximo cuidado, meus dedos calejados que já haviam ministrado inúmeras armas tiveram a ousadia de te pegar no colo. Aquela presença tão efêmera, tão frágil, tão preciosa. Fruto de todo o nosso amor.

 

É provável que hoje você não faça idéia do quanto foi amado. Ao te sentir nos meus braços pela primeira vez toda a felicidade e toda a tristeza do mundo se acumularam no meu peito. Ali naquela hora não compreendi, não consegui entender como alguns pais conseguiam ferir seus próprios filhos e dividi-los em um caminho de ódio. Eu havia acabado de te conhecer, mas mesmo assim já o amava mais do que tudo na vida, seria capaz de vender a minha alma por você.

 

Vender a minha alma.

 

“Jiraiya-sensei, o que está fazendo?”

 

“Vamos comemorar! Temos que festejar o nascimento do meu afilhado!”

 

A tarde havia caído, e tendo sido sumariamente expulso depois do fim do horário de visitação, me restou acompanhar meu ex-sensei pelos bares de Konoha. Disse ele que fazia parte da ‘tradição’ que quando todo filho de Hokage nascesse, a família deveria beber um gole de sake de cada bar da vila.

 

“Eu juro por bêbado que não estou deus...” Ele disse, após contornarmos a esquina do décimo quarto estabelecimento, eu pedindo desculpas pelo caminho. “Vai uma garrafa de tequila? Vamos beber pelo garoto, já que ele ainda não tem idade pra isso por enquanto!”

 

Deu ênfase ao ‘por enquanto’. Se arrependimento matasse... Com o que eu estava na cabeça quando permiti que Jiraiya-sensei fosse seu padrinho? Estou brincando, mas eu certamente não imaginava que o dito padrinho teria que exercer suas funções nem tão cedo... Fiz menção de dizer que ele já havia ingerido quantidade o suficiente de álcool para entrar em combustão espontânea, porém antes disso algo me chamou a atenção.

 

Foi então que eu senti. O cheiro de fumaça. Me pergunto até hoje como nenhum de nós percebeu uma quantidade tão absurda de chakra se aproximando à aquela velocidade inimaginável. Creio eu que talvez tenha sido por ser tanta energia que para a besta era fácil mascará-la.

 

Mas o cheiro de fumaça não permaneceu incógnito. Como nuvem de escapamento, placas cinzas rapidamente encheram os céus da vila, cruzando o horizonte. Todos os olhos se direcionaram para o mesmo lugar, em um misto de atração e horror. Rápido demais. Tudo aconteceu depressa demais.

 

Enquanto todos os olhos estavam grudados no mesmo céu que de repente se envolvera com um véu cinza, o chão tremeu violentamente, sacudindo a base de sustentação abaixo de nossos pés. Olhei para baixo, o solo parecia ter começado a convulsionar, como um ataque epilético. Gritos, som de estruturas frágeis desmoronando, pessoas correndo.

 

Em questão de segundos a paz que havíamos construído com muito suor tinha sido corrompida em um mar de caos, mostrando ser pouco resistente. Toda a tensão que Konoha acumulara após anos decorridos da Terceira Guerra Mundial Secreta retornara, estampada nos rostos de cada um de nós. Mas não havia tempo para pânico, não havia tempo para sentir medo. Mal havia tempo para reagir.

 

A babel que se formara tomara conta das pessoas, e todos ao redor começaram a correr um para cada lado. O chão rangia e tremia, ondas de vento cortante levantavam as tendas e destruíam armações, como um kamaitachi. Pequenos focos de incêndio começaram a surgir em vários cantos, vindos do gás que escapava das tubulações esmigalhadas. Os pássaros voavam enlouquecidamente pelo céu negro de fumaça, nuvens densas que sufocavam os pulmões.

 

Agir, agir, era preciso agir. Meus olhos percorreram os arredores em trezentos e sessenta graus, tentando calcular e produzir uma estratégia de ação. Dois times da ANBU já haviam se aproximado com rapidez esperando ordens enquanto a balbúrdia reinava aos quatro cantos. Meus pensamentos se liquefizeram, e como todo shinobi de elite, meus nervos entraram em modo de batalha.

 

Regra número trinta e dois do código de conduta shinobi: Em condição crítica de desordem interna, deve-se decretar estado de alerta e reagrupar na Torre Hokage para receber ordens de procedência do líder da vila.

 

“Jiraiya-sensei, acione Sarutobi-sama e volte para a Torre, reagrupando os jounins e todos os esquadrões da ANBU! Hayao, reúna os chuunins e genins e evacue os civis para áreas de segurança!”

 

“Hai.”

 

Ordens. Eu precisava pensar claramente e dar ordens, esta era minha responsabilidade. Ao ouvirem meus comandos eles desapareceram de vista em nuvens de poeira, enquanto o som ensurdecedor de gritos e gemidos de pavor reinava nas ruas, o pavimento revolvendo como se dragões habitassem as profundezas.

 

Saltei para um dos telhados, tentando visualizar a extensão do dano, tentando manter a calma ao mesmo tempo em que telhas voavam em todas as direções. Um, dois, três, quatro quilômetros. A destruição crescia devastadoramente, o chão rachando abaixo dos pés de famílias inteiras ao passo que construções de estruturas fracas como o Ichiraku Ramen tinham suas paredes dissolvidas.

 

Avistei um dos meus jounins correndo com uma criança nos braços, em direção à Torre Hokage. Uma idéia me passou pela mente.

 

“Hiashi!”

 

Ele dirigiu o olhar a mim e saltou, aterrissando ao meu lado, protegendo a criança que chorava dos escombros que voavam.

 

“Hai, Yondaime-sama?!”

 

“Preciso que me faça um favor, onde está o epicentro do terremoto?!”

 

Ativando seu byakugan ele olhou ao redor nervosamente. Quando seus olhos repousaram em direção à entrada norte da vila, arregalaram-se em instantânea reação. Pude sentir uma onda de pânico fazendo com que o chakra dele vacilasse por um momento. Sussurrou uma palavra.

 

“Kyuubi...”

 

“O que disse?!”

 

Kyuubi.

 

O nome passou como uma sentença de morte na minha mente. Kyuubi...? Kyuubi como em Kyuubi no Youko? O Hyuuga só podia estar fazendo uma brincadeira de péssimo mau gosto.

 

“A Raposa de Nove Caudas?!”

 

“Hai, Hokage-sama! Está se aproximando rapidamente do portão do extremo norte!”

 

É possível que naquele momento minhas sinapses cerebrais tenham entrado em conflito, recusando qualquer possibilidade daquela informação ser realmente correta. Mas era um engano. A maneira na qual o chão chacoalhava intensamente denunciava que das duas uma: ou placas tectônicas novas haviam acabado de se materializar debaixo de Konoha, ou algo muito forte estava causando aquilo. Algo como a criatura mais invulnerável, a entidade mais destruidora da face do planeta. É... Bem provável que fosse isso mesmo.

 

Dizem que um raio não cai no mesmo lugar duas vezes. Tente dizer isso em uma conversa racional para uma raposa de nove caudas que está atacando a sua vila. Diga a ela que ela já atacou Konoha uma vez, e que por isso deveria nos deixar em paz. Isso seria deitar na vala e pedir pra ser alvejado.

 

Ordenei para que Hiashi ajudasse na evacuação dos civis com seu byakugan, dado que era mais fácil que ele pudesse encontrar rotas seguras para o abrigo abaixo do monumento Hokage. Ele desapareceu atrás de mim correndo, segurando sua filha com força. Me lembro de poucas coisas naqueles primeiros momentos de ataque, mas está claro em minhas memórias as cinco palavras que ele dizia repetidamente.

 

‘Hinata, chichiue vai proteger você’.

 

Enquanto corria em direção à Torre Hokage pude ver o efetivo chuunin evacuando a cidadela, instruindo os civis a andarem depressa e não ficarem sob nada que pudesse desabar sobre suas cabeças. Pessoas trombando umas com as outras, correndo e gritando, com feridas abertas no corpo que sangravam. Eu corria sobre os telhados esquivando de escombros. Minha vontade era parar ali mesmo e ajudá-los, dizer a eles algo como ‘Não se preocupem, eu vou proteger vocês’. Mas eu não podia. Se quisesse realmente proteger alguém deveria chegar à Torre rápido.

 

Kuso.

 

“Yondaime-sama! Os guardas da fronteira disseram que a Kyuubi-...!”

 

“Sim, eu sei.”

 

A sala estava repleta, todos os ninjas de alta patente da vila se reuniam ali trocando olhares apreensivos. As decisões deviam ser tomadas rápido. Segundo a estimativa dos Hyuuga, o monstro estava há cerca de dois quilômetros de distância do portão norte. Se conseguia fazer tanto estrago com a simples emanação de chakra de suas caudas há tal distância, se se aproximasse mais seria o fim de todos nós.

 

À despeito do caos do lado de fora, um silêncio sepulcral perdurou enquanto minha mente despejava ordens de combate à mil. Frustração. Minha vontade era de gritar em desespero, mas meu cérebro tentava encontrar métodos de escape.

 

“Não temos tempo de programar uma estrutura de ataque intrincada, a cada segundo a Nove Caudas se aproxima mais de nós. Usaremos uma estratégia ofensiva. Clã Nara, peço que usem o Kage Mane no Jutsu para retardar os movimentos da Kitsune. Clã Aburame, usem o Kikaichuu no Jutsu, peçam a seus insetos que se alimentem do chakra da Kyuubi. Clã Yamanaka trabalhem junto com o Clã Nara, tentem usar o Shintenshin no Jutsu para tomar controle sobre as ações motoras, impedindo-a de se aproximar mais.”

 

Meus olhos vagaram em direção aos membros do clã de olhos agora rubros, e foram instintivamente atraídos para a gaveta em que o dossiê estava guardado.

 

“Clã Uchiha, peço que usem o tempo de retardação da mobilidade para atacá-la com Katon. O pouco que sabemos sobre a Kyuubi diz que ela se cura rapidamente, e que o único elemento que pode causar dano ligeiramente mais permanente é o fogo.” Os Uchiha assentiram silenciosamente, assim como os outros membros dos clãs anteriormente citados. “Peço a todos os outros shinobis e à ANBU, assim como à ANBU Ne que cooperem entre si. Tentem não apenas retardar seus movimentos, e sim acorrentá-la e impedi-la de aproximar-se da vila ao menos até que todos os civis sejam evacuados. Minha atenção dirigiu-se para Tsunade-sama e sua equipe. “Médicos-nin, dividam-se em três frentes para cuidar dos feridos.” Dei um olhar final a todos, tentando transmitir-lhes segurança. “E não morram.”

 

“Hai.”

 

Em tempo recorde a sala estava novamente vazia, onde apenas eu, o ex-Sandaime, meu sensei e os membros do conselho ainda estavam presentes. Eles reviravam os livros e pergaminhos antigos espalhados pelo chão pelo terremoto, procurando por menção de formas de deter a Kyuubi enquanto o complexo da Torre tremia com o furor do monstro que se aproximava. Em vão. A quem estávamos tentando enganar? Tudo o que podíamos era adiar o inevitável.

 

Era como querer com força humana controlar um desastre natural, como um furacão, um tornado. Impossível. Simplesmente não dá. O único que possuía a capacidade de fazê-lo com sucesso já não mais existia nesse mundo. Eu herdara seu título, mas não possuía tal força. Eu não poderia suprimir o poder da Raposa lendária.

 

Senti o olhar de Danzou queimar minha nuca, como se eu estivesse tomando decisões completamente erradas. Naquele momento nem eu poderia ter certeza do que estava fazendo.

 

“Minato... O que vamos fazer?”

 

“Jiraiya-sensei, Sarutobi-sama, Conselheiros, peço que continuem procurando, precisa haver uma maneira de pará-la. Eu vou lutar lado a lado com os outros shinobis enquanto vocês pesquisam.” Eu disse, fazendo menção de partir em direção à batalha. “Nós a deteremos, não vou permitir que destrua Konoha. Existem documentos da época de Hashirama-sama, precisa hav-...”

 

“Namikaze-sama!”

 

A voz cortou minhas palavras, fazendo nossos nervos à flor da pele saltarem. Virei-me, encarando um ANBU remanescente no meio da sala, as roupas rasgadas e sangue escorrendo-lhe por vários cortes do corpo. Jiraiya-sensei segurou-o antes que ele caísse de encontro ao chão.

 

“Kushina-san... Ela...”

 

Senti meu estômago revirar.

 

Kushina...

 

Minhas mãos sangrentas e feridas seguraram um bebê que chorava contra o peito. Algo dentro de mim me suplicava desesperadamente para soltá-lo e entregá-lo a sua mãe, mas já era tarde demais para aquele pedido poder ser realizado.

 

A mãe havia falecido, passando seus últimos momentos no planeta olhando ternamente para seu filho. As notícias foram que ela sorriu em seu leito de morte ouvindo seu choro, Naruto. Ali ficou claro para qualquer um o quanto ela te amava antes mesmo que você nascesse.

 

Muitas pessoas ficaram chocadas com a morte dela, mas eu já sabia que isso havia acontecido há quilômetros de distância, antes mesmo que o ANBU pronunciasse seu nome. Algo além de votos de casamento nos unia, como um fio de compreensão mútua.

 

Mesmo assim, quando a notícia de fato chegou a mim quebrou meu coração em dois, destruindo toda a esperança dos meus pressentimentos estarem errados. Aquela era a mulher que eu havia amado com toda a alma desde que podia me lembrar. Ela, e justo ela, havia sido ferida mortalmente enquanto tentava ajudar outras pessoas a evacuarem o hospital e chegarem a um lugar seguro. Recém-operada. Frágil. Mesmo assim ela deu tudo o que tinha, protegendo a todos com uma barreira de Doton. Protegendo a você.

 

Não me lembro direito de como cheguei lá, o trajeto até os escombros do hospital permanece como um borrão na minha mente, exatamente como se a notícia tivesse me tirado os sentidos. Me lembro apenas de ouvir o ANBU dizer o nome dela. No momento seguinte eu já estava ali parado observando o que restara da fundação do prédio em montes de concreto no chão. Tremendo, suando frio, enquanto ao meu redor o fogo lambia a estrutura.

 

Antes mesmo que alguém me dissesse o que havia acontecido eu já sabia. De alguma forma, de alguma maneira eu sempre soube. Desde que Orochimaru me dissera aquelas palavras, eu sempre soube.

 

Eu paro e me pergunto ‘por quê?’. Eu paro e me pergunto ‘quem?’. Eu simplesmente paro e me pergunto.

 

"Kushina...”

 

Sinto crescer dentro de mim, o medo de ter te perdido pra sempre.

 

"Kushina, onde você está...?

 

Como eu poderia viver sem você?

 

"Kushina, onde?!

 

Eu estaria só. Completamente só.

 

“KUSHINA!!”

 

Eu não teria ninguém sem você.

 

 

“Minato...”

 

A voz de Jiraiya-sensei sumiu no meio da balbúrdia e do som de terra rachando. Se eu olhasse em volta veria que já não havia mais ninguém nas ruas além de nós e do ANBU que nos dera a notícia - que somente após eu reconheceria como sendo meu ex-aluno, Hatake Kakashi. Mas no momento eu ainda estava surdo e cego para o exterior, meus olhos procurando apenas pela forma de Kushina, minhas mãos revirando pedras, meus ouvidos ouvindo apenas meus próprios gritos de desespero. Sem resposta.

 

Meus dentes cerraram visivelmente. Me atingiu o pensamento de que eu veria Kushina de uma forma que somente velhos decrépitos em seu leito de morte deveriam ficar... Ao pensar nisso um sentimento de afogamento consumiu o meu coração, e me senti dormente, desequilibrado, como se de alguma forma meu ponto de sustentação estivesse fora do lugar. Tentei imaginar minha vida sem meu maior amor, minha melhor amiga, minha esposa, e não consegui. Meu cérebro rejeitou essa idéia.

 

Até que eu realmente a vi.

 

Por um minuto fiquei completamente cego, minha visão embaçada por água que contornava os meus olhos. Lágrimas que a princípio não tinham força para cair.

 

Ali entre os escombros seu corpo feminino estava retorcido em meio a pedras. A única coisa que me dava certeza de que ela era realmente ela era a cor inconfundível de seus cabelos, a primeira coisa que havia me atraído quando nos conhecemos. Vermelho-fogo. Como o fogo que nos cercava.

 

Em um impulso a mirei com o olhar, o rosto dela vazio, como uma estátua de pedra. Sabe, como aquelas gárgulas de bronze em prédios antigos, que a poluição ácida corroeu as faces.

 

Eu já vira muitos cadáveres. Muitos deles tinham uma expressão no rosto que poderia até confundir, fazer pensar que se tratava apenas de uma pessoa dormindo. Apenas dormindo... Como se a qualquer momento pudesse acordar. Mas Kushina não, ela não parecia estar apenas dormindo. Ela parecia realmente morta.

 

“Minato, saia daí. Isso vai desabar de novo!”

 

Caí no chão, dado que a terra ainda tremia e eu não tinha equilíbrio para permanecer de pé. Rastejei até ela, a garganta seca, choro sufocado em tragadas de ar. Me aproximei tentando retirar as pedras em volta dela, tentando libertá-la. A pele dos meus dedos começou a se soltar conforme eu empurrava os escombros, mas não parei. Ao ver o sangue pingar das minhas unhas Kakashi colocou a mão no meu braço, tentando me afastar e impedir que eu prosseguisse, mas eu o repeli.

 

“Ela está morta.” Eu disse, mais para mim do que para qualquer outra pessoa, agonia preenchendo a minha garganta. “Ela está muito morta, não é?”

 

“Está, Yondaime-sama.”

 

A voz do meu ex-aluno ressoou nos meus ouvidos em confirmação. Uma onda de ódio passou por mim, frustração engarrafada em raiva. Eu a puxei ferozmente através do resto dos escombros, fazendo com que o algo que os braços dela ainda seguravam rolasse de seu colo e caísse no chão. Som de choro além do meu pôde ser ouvido. Mas não por mim. Eu ainda estava preso demais à minha dor para ouvir qualquer outra coisa.

 

Segurei o rosto dela em frente aos meus olhos de forma bruta, o sentimento que me cobriu era como se ela tivesse ido embora sem nem ao menos ter me dado adeus. Sem nem ao menos permitir que eu me despedisse. Como Kushina ousou ir antes de mim?

 

“Eu te odeio... Eu te odeio!” A terra tremendo abaixo de nós fez com que a cabeça dela chacoalhasse de um lado para o outro, como se estivesse negando o que eu dizia. E eu podia sentir a mim mesmo chorando e soluçando, podia ouvir, mas era em algum lugar muito distante. “EU TE ODEIO!!”

 

“Minato...”

 

“Eu te odeio...”

 

Kushina parecia realmente morta ali nos meus braços. Mas mesmo assim, eu ainda queria que ela acordasse, que se levantasse, que sorrisse para mim. Eu não queria a mudança, queria que as coisas fossem como sempre foram. Queria a mesma Kushina que sempre conheci. De repente não pude suportar a constatação de ter sido tão cruel ao ponto de dizer que a odiava. Ao ter mais uma vez ferido-a com palavras.

 

“Eu... Eu não te odeio... Me desculpa, eu não...”

 

Som de choro além do meu. Kakashi e Jiraiya-sensei atrás de mim sem saber o que fazer. Eu segurando Kushina com tanta força que seria necessário um pé-de-cabra para me separar dela.

 

“Me perdoa, eu não te odeio de verdade... Eu só de vez em quando esqueço como te amar quando você me machuca como agora...”

 

Quais haviam sido as últimas palavras que eu a dissera? Quais haviam sido as últimas coisas que ela tinha me ouvido dizer? Tinham sido coisas ruins. Tinham sido palavras possivelmente cruéis. Tudo por causa de uma discussão idiota?

 

Tudo por causa do rangido que a nossa cama estava fazendo quando nos movíamos durante a noite?

 

Será que momentos antes de morrer ela havia duvidado do quanto eu a amara? Será que ela sabia que o meu mundo girava ao redor dela, que o fogo que havia em mim só ardia por ela? Eu tinha desmentido tudo em um mero momento de raiva. Tudo dito da boca para fora. A verdade era que eu a amei com tudo o que eu tinha.

 

“Me perdoa... Eu conserto a nossa cama, eu prometo... Conserto agora... Mas, por favor, acorde... Por favor..."

 

"Hokage-sama..." Kakashi tentou me afastar pela segunda vez, e eu o repeli novamente.

 

“Não...”

 

“Sensei...”

 

“Não.”

 

Morrer é como ter que ir e nunca mais voltar. Este pode ser realmente o fim de tudo.

 

“Eu te amo... Sinto muito... Sinto muito por não ter te protegido, por ter falhado... Sinto muito por ter doído...”

 

Som de choro. Som de choro além do meu. E foi então que me atingiu. Meus olhos se arregalaram.

 

Era o choro de um bebê.

 

Coloquei o corpo de Kushina delicadamente no chão convulsivo, minha atenção instantaneamente direcionada para o som.

 

Senti algo se mover debaixo da minha capa, o ‘algo’ que Kushina segurava tinha rolado para debaixo dela. Tremendo, eu a puxei, minha visão se deparando com um bebê que chorava.

 

Você...

 

Eu o peguei no colo, sentindo o calor do seu corpo pequeno. Abaixei o rosto até o seu, minhas lágrimas se misturando com as suas. Você aparentemente também sentiu o mesmo alívio que eu, puxando meu cabelo enquanto meus braços te seguravam com o desespero renovado. Você não havia morrido. E por um minuto eu havia me esquecido de você.

 

“Não chore… O Papai está aqui… O Papai vai sempre estar aqui para você...” Ao ouvir isso seu choro cessou por um momento, quase como se você entendesse o que eu estava dizendo. Contra toda a situação, um pequeno sorriso chegou ao meu rosto.

 

“Eu vou criar você. Você vai dormir em um berço na minha sala, enquanto eu trabalho até tarde da noite. E então, quando crescer um pouco mais, vou te ensinar a andar... a falar... Vou ouvi-lo me chamar de ‘papai’, e vou sorrir.” Seus pequenos olhos abriram-se pela primeira vez para mim. Azuis. Como os meus. “Você vai entrar na Academia e eu vou estar lá em todas as reuniões de pais. Vou te ensinar todos os ninjutsus que sei... E aí...” Choro consumiu as minhas palavras, fazendo com que meu olhar vagasse para Kushina de novo. “Quando você virar adolescente vamos discutir o dia todo, discordando um do outro, mas mesmo assim... Mesmo assim vamos às fontes termais juntos, rir enquanto Jiraiya-sensei tenta espiar as mulheres. Eu vou ver você se tornar um excelente shinobi com muito orgulho... E aí... Um dia...”

 

Rugido. Um rugido sonoro que ainda não havia chegado aos meus ouvidos, assim como o seu choro antes. Rugido... Rugido...

 

Da Kyuubi.

 

Eu havia me esquecido o porquê de tudo. A Raposa de Nove Caudas estava atacando Konoha, massacrando a todos com a qual eu me importava, a besta ainda estava lá fora causando destruição. Levantei, ainda com os passos pouco balanceados e inseguros, fazendo com que Kakashi mesmo ferido tivesse que me ajudar a manter o equilíbrio nos primeiros segundos.

 

“Homens não foram feitos para serem felizes... Não é, Jiraiya-sensei...?”

 

Rugido.

 

Todos os sonhos e esperanças que havíamos construído com tanto esforço pareciam estar desvanecendo em fumaça.

 

Tremor de terra. Ranger de dentes. Rugido.

 

Sem dizer nenhuma palavra comecei a caminhar em direção à entrada da vila e ao epicentro dos eventos, o solo chacoalhando abaixo dos meus pés. Acima de tudo eu não fugiria do meu dever. Acima de tudo eu não falharia mais em proteger ninguém. Acima de tudo eu não faltaria em proteger você. Te segurei mais firme, impedindo que o impacto o assustasse, que telhas que voavam pelos ares o atingissem.

 

Cadáveres pelo caminho. Ruas se esfarelando. Konoha sitiada por um único invasor.

 

O fogo comia toda a área que meus olhos cobriam. Dava para sentir o cheiro das folhas queimando. Eu caminhando sozinho nas ruas da vila. Todos, todos mortos. Não havia nem uma pessoa sequer viva por ali, todos os shinobis que não estavam lutando estavam mortos.

 

Konoha deserta e entregue. Quase mal assombrada. Rugido.

 

Me virei por um segundo, olhando em direção ao monumento Hokage, as faces gravadas nas montanhas. Meus olhos foram atraídos para o rosto do Shodai, e um sussurro me escapou dos lábios.

 

“Você teria lidado com isso facilmente. Farei o meu melhor para manter Konoha segura. Mas... Por favor... Olhe por nós.”

 

Em um piscar de olhos eu e você estávamos nos portões de Konoha. E Nove Caudas se sacudiam ferozmente em nossa direção.

 

Ali eu já sabia. Ali eu já sabia que morreria.


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Notas finais do capítulo

Minato-sama pede que deixem uma review, senão ele virá executar o Shiki Fuujin no seu hamster de estimação.