Segredos Submersos escrita por lovegood


Capítulo 28
Fuga, perguntas e respostas: parte II


Notas iniciais do capítulo

É, esse capítulo demorou um pouquinho mais e eu sei disso. Peço desculpas, mas é que essas últimas semanas foram bem corridas e eu não tive tempo para escrever. E também que a falta de reviews às vezes desmotiva... qual é, tenho 40 pessoas acompanhando a história e apenas uma comenta por capítulo? Assim também não é muito legal, né, gente... (btw, agradeço muito a Anna por sempre comentar aqui ^^)
Anyway, está aqui e finalmente chega o fim o sofrimento constante de Hermione Granger (talvez, quem sabe).



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Não consegui dormir bem.

Pelas horas restantes, senti como se os momentos de inconsciência e consciência houvessem sido um borrão. Memórias escuras, confusas e sem nexo, onde eu não conseguia distinguir o que era o quê. O tempo pareceu ser algo indistinguível.

Pela manhã, ao sentir as mãos de Marie Roget – incrivelmente gentis e suaves – tocando meus ombros para me acordar, meus olhos pesavam e a fadiga provinda das torturas fazia meus músculos doerem.

– Vamos – disse ela, sussurrando. Levantou-me pelas mãos e destrancou as correntes de meus tornozelos. Parecia tensa, seus olhos escuros constantemente se movendo, como se estivesse se esquivando de algo. – Ele quer vê-la novamente.

Voltamos a percorrer o trajeto, a descida interminável de escadas, que havíamos percorrido à noite.

– Pallas irá me matar? – perguntei, sussurrando também. Minha garganta estava seca e as palavras pareciam ser difíceis de pronunciar.

Marie parou e nós encaramos uma a outra. Suspirou e engoliu em seco. Sua voz parecia tão abalada como a minha.

– Eu não sei. Eu sinto muito, Hermione, mas eu não sei.

A sinceridade em seu tom fez com que eu a encarasse mais atentamente. Marie era incrivelmente bonita; em sua pele escura havia linhas de preocupação. Por um momento, perguntei-me o que teria levado-a a se infiltrar como espiã em um grupo contra os Olimpianos.

Estávamos paradas ao parapeito da escada, faltando apenas um lance para chegar à sala de Pallas. Marie olhou para trás, então para a frente, então para os lados. Suspirou novamente e tirou dois objetos do bolso. Ainda olhando ao redor, aproximou-se um passo de mim e pôs os objetos em minhas mãos, fazendo-me guardá-los rapidamente.

– Isso fica com você – ela disse em meu ouvido. Não precisava dizer algo a mais, senti a textura de minha faca celestial e varinha. Esforcei-me para não sorrir. – Agora vá. Eu, Dupin, Annabel e todos os outros seguidores ficaremos aqui fora. Ele quer vê-la à sós.

Assenti e dei um passo à frente, mas, antes que pudesse avançar, Marie pegou meu pulso. O que ela disse fez meu estômago revirar de ansiedade. Sua voz mal passava de um sussurro:

– Os outros seguidores estão todos espalhados pelo resto da casa, então você terá de tomar cuidado. Quando vier a hora, grite.

Franzi as sobrancelhas, enquanto meu coração começava a palpitar.

– Como assim? Que hora? O que vai acon... – Marie me cortou e me empurrou à frente, fazendo-me descer mais alguns degraus. Voltou a subir a escada e logo desapareceu.

Prendendo a respiração, desci o restante das escadas.


Quando a hora chegou, o momento em que meus instintos simplesmente souberam, o grito que saiu de minha garganta foi ensurdecedor.

Uma fração de segundo depois, senti o chute de Pallas em meu estômago, que fez me calar. Mas, com o grito, eu já dera o sinal para Marie, então já era tarde demais e não havia mais o que fazer a não ser seguir os próprios reflexos. As conversas “cordiais” com Pallas acabaram e tudo que ele faria comigo seria me matar. Um de seus seguidores rapidamente entrou na sala e gritou:

Avada Kedavra! – o jato de luz verde por pouco desviou de mim. Pallas olhou para o homem e berrou, enlouquecido, pegando uma adaga e lançando no peito dele com uma precisão certeira.

Não a mate! EU a matarei, seu estúpido! – Não adiantava mais o titã gritar com o servo, afinal, este agora já estava morto com uma adaga pendurada no peito e o sangue manchando a camisa.

No meio termo em que Pallas enlouquecia e não olhava para mim, rapidamente cortei as cordas que prendiam meus pulsos, com a ajuda da faca que Marie me devolvera. Peguei a varinha e, no meio da confusão que se desenrolava – eu conseguia ouvir estampidos e ruídos de luta vindos do andar de cima – gritei:

Reducto! ­– eu mirara em Pallas, porém ele rapidamente desviou o feitiço com as próprias mãos, como se fosse um mosquito. Pegou outra adaga e lançou em minha direção, que desviei por um Protego.

– Você é uma garota muito tola, Hermione Granger – disse ele. Suas expressões retorciam-se grotescamente, em seus olhos azuis havia insanidade. – Eu já disse, a Morte Vermelha estenderá seus domínios sobre todos!

Não havia como fugir, muito menos me concentrar. Eu poderia lançar uma infinidade de feitiços contra Pallas, mas provavelmente ele se desviaria de grande parte. Talvez se eu conseguisse canalisar algum dos dons herdados de Poseidon...

De alguma forma, sem nem perceber direito como, eu consegui desviar de algumas das investidas e ir em direção às escadas. Comecei a subir os degraus com o máximo de força que eu tinha, que era quase nula. Cheguei ao parapeito, mas, ao invés de subir o próximo lance, fui ao corredor à esquerda, o qual eu ainda não havia entrado. Ouvia ruídos de coisas quebrando e caindo naquela direção (estariam Dupin, Marie ou Annabel fazendo alguma coisa para me ajudar?), porém todos os sons do andar de baixo, onde estava Pallas, haviam se cessado. E ele não estava subindo as escadas. O que era algo ruim, pois muito provavelmente estaria esperando o melhor momento para me atacar.

E, mesmo que os outros seguidores de Pallas me pegassem, eu sabia que eles não me matariam. Não quando minha execução estava reservada especificamente para o titã.

Entrei na primeira porta do corredor, que me levou a outro corredor, mais decadente até do que o ático em que eu estava presa. A cada passo que eu dava adentro daquele local, mais o cansaço parecia me atingir. Neste corredor, havia ainda mais umas sete portas, no mínimo. Ouvi um estampido atrás de mim e virei-me a tempo de perceber um outro seguidor de Pallas com a varinha em mãos. Ouvi apenas um estalo e uma pontada de dor atingir minha panturrilha, fazendo-me cair.

Petrificus totalus! – gritei, enquanto o homem caía duro no chão. O ferimento aberto em minha perna sangrava, mas não aparentava ser grave. Levantei e continuei a andar, por mais que mancando levemente.

Passei por uma das portas e o silêncio que tomou conta do ar foi o que mais me surpreendeu, bem como a ausência que parecia preencher o ambiente. O cômodo era escurecido e simplesmente não havia nada. Dentro daquele lugar, os sons do exterior se cessavam e eu estava sozinha. Não conseguia ver os limites do quarto, a escuridão não permitia. A parede poderia estar a dois palmos de mim ou a sala poderia se estender ao infinito, não havia como saber.

Perguntei a mim mesma o quão grande a casa em que eu estava poderia ser.

– Gostou daqui? É um tanto relaxante, não acha? – uma voz masculina se pronunciou ao lado de meu ouvido, sobressaltando-me. Virei-me e dei com a cara de William Wilson, o homem-lobo do cemitério, a centímetros da minha.

Por puro instinto, dei um soco em sua face. Sua expressão então calma retorceu-se de ódio e ele empunhou a varinha.

Crucio! – a dor excruciante percorreu meu corpo e em um minuto desapareceu. Pelo visto a maldição imperdoável não seria o suficiente para soltar a raiva de William; em um movimento de varinha, empurrou-me ao chão e pisou em meu braço ao ver-me deitada. Gritei e ele sorriu. Os olhos claros por trás dos óculos de aro dourado faiscavam.

– É uma pena que o chefe não permite que eu a mate. É uma pena para mim e uma sorte para você, sua maldita! Se fosse eu, teria esperado muito mais para matá-la, mas a cada dia que passasse, eu a torturaria com tanto prazer que seus neurônios explodiriam antes mesmo de eu dá-la um Avada Kedavra.

Seu pé exercia uma pressão imensa sobre meu ombro. Com o outro braço, alcancei minha faca de bronze celestial e tentei enfiá-la na panturrilha de William Wilson. Ele percebeu e arrancou o instrumento de minhas mãos com um Expelliarmus. Grunhi e logo Wilson afrouxou a pisada, porém não dando espaço para eu fugir ou me recompor.

Levicorpus!

Ele disse e senti meus pés abandonarem o chão e o mundo virar de cabeça para baixo. Debatendo-me, peguei minha própria varinha. Mesmo de ponta cabeça, pude ver um sorriso sádico no rosto do careca, o que fez meu sangue ferver ainda mais.

Incarcerous! – pronunciei e tive o encantamento repelido por um feitiço escudo. Entretanto, foi o suficiente para que ele se distraísse e soltasse o Levicorpus que me prendia. Caí no chão com um estrondo e meu corpo por inteiro latejou. Levantei-me com o máximo de força que eu tinha. Todas as minhas juntas doíam e eu tinha quase certeza de ter quebrado um pulso. – Expelliarmus!

Peguei com a mão boa tanto minha faca quanto a varinha dele, aproveitando para paralisá-lo e impedi-lo de continuar a vir atrás de mim. Fui em direção à saída daquela sala – nunca mais voltaria, pensei, a escuridão e a incerteza que lá dominavam eram demais para eu suportar – e, no meio do caminho, propositalmente pisei no ombro de um William Wilson imobilizado.

Enquanto percorria em passos rápidos a extensão da sala (eu necessitava sair de lá, nem que fosse preciso voltar aos corredores pútridos e labirínticos daquela casa), comecei a perceber um ruído. Os sons externos continuavam silenciosos, mas parecia que havia algo por baixo do chão. Um chiado baixo mas constante, como se fosse de algum líquido escorrendo. Algum tipo de tubulação. Não sabia dizer se ele se iniciara agora ou se já estava presente faz tempo. Tentei ignorá-lo; meu foco principal era encontrar uma saída daquele local sem ser morta. Coisas no gênero de tubulações ou estrutura da construção poderiam vir mais tarde.

O momento em que saí da sala e dei-me no corredor principal foi também o momento que senti o calor do fogo que passara a incendiar a casa.

Pelos deuses, o que estava acontecendo?

Mas aquele não era um incêndio comum, e eu já o conhecia bem demais para saber que as chamas também não eram, em circunstância alguma, comuns. As labaredas pareciam ser mais quentes, mais sufocantes e incrivelmente altas; quando elas tomaram forma de uma quimera, percebi que era Fogomaldito. Dentre o fogo, eu ainda conseguia ouvir o chiado por baixo de meus pés.

Comecei a correr, cobrindo o nariz e a boca com a gola da camiseta e tentando não mover o pulso quebrado do outro braço, agora latejando.

Esbarrei em alguém no meio da confusão do incêndio – a casa era de madeira, o que piorava ainda mais a situação – e já estava prestes a atacar, mas era apenas Annabel Lee. Ela nada disse, somente me puxou e começamos a correr juntas. Ela sabia mais daquele local do que eu, pelo menos.

Annabel tentava guiar-me pelo fogo e eu implorava aos deuses para que ela estivesse tentando me levar a uma saída. Comecei a tossir devido ao calor intenso.

– Só mais um pouco, Hermione, confie em mim – disse Annabel. Levantou a varinha e teve de conjurar barreiras de água diversas vezes, sempre que as chamas ameaçavam não nos deixar passar. – Há duas saídas de emergência, ok? Temos de ver primeiro se elas não foram obstruídas.

Limitei-me a assentir, já que meus pulmões sendo sufocados pela fumaça e a dor aguda em meu pulso não me deixavam falar propriamente. Guardei minha varinha e a de William Wilson no bolso, junto da faca celestial, para então entrelaçar os dedos nos de Annabel.

Chegamos às escadas e começamos a subi-las. Perguntava-me se o Fogomaldito já teria tido tempo de alcançar o ático. Assim que alcançamos o segundo andar, percebi que o chiado se cessara. Ele era presente apenas no primeiro andar, talvez no subterrâneo também. O ruído, por mais que houvesse sido baixo, agora causava uma súbita diferença em meus ouvidos uma vez que não estava mais lá.

Foi o momento que percebi o quão eu havia sido burra de não ter tirado proveito do ruído – tubulações! Canos! Neles haviam água, por Merlin! – para salvar minha própria vida enquanto estava no andar inferior, ao invés de simplesmente tentar se desviar das chamas. (Você é filha de Poseidon, Hermione, céus!, a voz do meu inconsciente rebombava em minha mente.)

– Annabel – chamei, enquanto ela permanecia a nos guiar pelo fogo, murmurando feitiços de proteção. Não esperei ela responder. – Annabel, precisamos voltar para baixo...

Minha voz estava rouca e os pulmões ainda sufocando por ter inalado fumaça. Falar nunca pareceu ser algo tão difícil.

– Hermione, você está louca? – exclamou. Olhei para trás, em direção do caminho já percorrido e os lances de degraus já subidos. O Fogomaldito avançava. À frente, aonde Annabel nos levava, era um dos poucos locais que o fogo ainda não havia consumido e em poucos minutos consumiria. As chamas já iniciavam o processo de engolir as paredes aos nossos lados.

– É só que... talvez... talvez... Annabel, onde fica o banheiro mais próximo? Talvez eu... – fui interrompida pelo estrondo de uma ripa de madeira incendiada caindo no chão.

Os olhos puxados de Annabel Lee se arregalaram ao realizar o motivo de eu querer voltar ao banheiro. Ligado ao fato de eu ser filha do deus das águas e ser capaz de ouvir o chiado de tubulações.

– Hermione, entendo o que quer dizer, mas não vai fazer diferença! Já estamos prestes a sair daqui, a saída de emergência está próxima! Se você voltar lá para baixo, você pode conseguir o que quer, mas será difícil! O único banheiro daqui está no andar de baixo.

– Mas como estão Dupin e Marie?

– Bem. Tentando se livrar do fogo e dos seguidores de Pallas em seus encalços, mas eles nos alcançarão, eu prometo. Sairemos deste lugar nojento e encontraremos seus amigos novamente, Hermione.

Annabel tinha razão. Assenti novamente e ela voltou a nos guiar pelo incêndio, conjurando feitiços-escudo de água. Alcançamos outro corredor, e, para meu alívio, lá no fundo havia uma porta de saída.

Soltei a mão dela e comecei a correr, ignorando o cansaço somado pela falta de fôlego e os ferimentos. A porta no fim do corredor era a única coisa que me trazia motivação o suficiente para não desistir. Eu estava tão prestes a morrer, mas a porta era o que me prendia à realidade e a esperança de que talvez fosse, sim, possível encontrar meus amigos novamente.

Faltava poucos passos para alcançá-la quando o desastre começou por completo.

Primeiro foi algumas das ripas de madeira pegando fogo que começaram a cair do teto e das paredes, que por pouco não nos mataram.

E segundo, pela súbita aparição de Pallas na porta, bloqueando nossa saída.

Parei abruptamente, sem nem saber qual o tipo de reação que deveria ter. O rosto pálido do titã estava lívido e sujo de fuligem e queimaduras. Os olhos azuis gélidos arregalados demonstravam ao mesmo tempo ódio, surpresa e insanidade.

– Olhe só quem eu encontrei ajudando a princesa do mundo bruxo – disse ele. Adentrou o corredor e andou em nossa direção. Parecia não se importar com o fogo que consumia sua construção. – Annabel Lee. Não esperava isso vindo de alguém como você, Ann. Você sempre foi a caixinha de surpresas, não é? Você e Marie. Dupin também, às vezes.

Tanto eu quanto Annabel permanecíamos no lugar, sem saber o que fazer. Não havia onde ir. Ou morreríamos pelo fogo às nossas costas ou pelas mãos de Pallas.

O deus-titã da guerra nunca pareceu tão amedrontador, segurando um instrumento que assemelhava-se com uma lança. Annabel e eu empunhamos as varinhas simultaneamente.

Sectumsempra!

– Estupefaça!

Pallas fez um breve movimento com seu objeto, que invalidou nossos feitiços e criou uma onda de poder tão forte que lançou ambas de nós para trás. Bati com força na parede e senti o fogo arder em minhas costas, onde provavelmente devia ter aberto uma feia queimadura. Minha cabeça latejava e o mundo parecia começar a perder o foco. Dentre o calor emanado pelas línguas flamejantes do incêndio, senti a proximidade de Pallas a mim. Desferiu um golpe com a parte não afiada de sua lança em meu estômago, o que fez eu tossir e perder o fôlego. Meu corpo arqueou-se para a frente e a tosse constante arranhava minha garganta seca que se fechava pela fumaça.

– Menina tola – disse ele, com escárnio. – Porém, mais tola ainda é aquela que ousa ficar ao meu lado para depois trair minha lealdade.

Pallas tornou as costas para mim, virando-se então para observar Annabel e aproximar-se dela. Eu não conseguia ver as expressões no rosto do titã, mas perfeitamente as da mulher. Havia nela medo mesclado à coragem de encarar Pallas como um igual.

A cada passo que o deus-titã avançava em sua direção, um passo Annabel Lee recuava. Viu-se forçada a parar, ao encontrar-se já encostada no parapeito da escada. O vão por trás do peitoril, que dava ao lance de escadas abaixo, era incrivelmente alto. Pallas parou a centímetros de sua face.

– Sempre gostei de você, Ann – murmurou ele. – Nunca pensei que algum dia seria forçado a fazer isso.

Sua voz soava macia mas desprovida de sinceridade, ao pegar a lança e infincar a parte pontiaguda no estômago de Annabel. As feições dela em quase nada se alteraram, enquanto um grito de desespero irrompia por minha garganta:

– NÃO! – Senti um gosto de sangue subir até minha boca, assim como o sangue de Annabel Lee passou a encharcar sua camiseta branca e sujar a lança de Pallas, cujo estreito agora atravessava a coluna da mulher.

Antes de morrer, entretanto, por um segundo jurei ter encontrado os olhos de Annabel fixos nos meus. Segundos antes da vida ser roubada daqueles olhos escuros e orientais, seu olhar pareceu fazer a mim um pedido de desculpas.

Meu berro desesperado foi interrompido por um breve gesticular de Pallas, que trouxe até mim uma forte onda de poder para calar-me e desferir em minha face o equivalente a um soco. O titã tirou a lança do cadáver de Annabel Lee e jogou o corpo pelo parapeito da escada, fazendo-a ser consumida pelo fogo e as quinas dos degraus.

A onda de adrenalina e raiva que passou por meu corpo no momento seguinte foi o suficiente para eu conseguir levantar, movimentar as pernas e irracionalmente atacar o deus-titã.

Minhas unhas encontraram seu rosto e, como garras, arranharam sua pele ao ponto do sangue jorrar pelos cortes. Peguei a varinha, ainda no pico da adrenalina, e comecei a gritar:

Estupefaça! Alarte Ascendare, Sectumsempra! AVADA KEDAVRA!

As Maldições Imperdoáveis requeriam que o atacante realmente estivesse com vontade de ferir ou matar a vítima para que dessem certo, e a certo ponto surpreendeu-me que o jato de luz verde de fato chegou a sair de minha varinha. Pallas desviou-se de todos os feitiços, mas não me importei tanto assim. O ódio que fluía por meu sangue era demais.

Alcancei as escadas e desci-as correndo, de alguma forma desviando-me de todos os ataques de Pallas. O barulho calmo das tubulações logo veio a meus ouvidos assim que cheguei no andar inferior. Voltei a correr pelo labirinto de portas e corredores, e, milagrosamente, encontrei o banheiro.

– Pegue-a, Wilson, seu idiota! – consegui ouvir a voz de Pallas ordenar ao careca lobo.

Fechei os olhos e concentrei-me o máximo possível no ruído da água que eu era capaz de ouvir escorrendo pelos canos por trás das paredes e da privada. Nunca havia utilizado um de meus poderes herdados por Poseidon em uma proporção tão grande, mas eu havia de correr o risco. Era vida ou morte, bem como a chance de fazer justiça à Annabel Lee.

Em minha mente, rapidamente veio à memória tudo o que eu passara pelos últimos dias. Os rostos de meus amigos e o desejo, mais para necessidade, de encontrá-los novamente. A lembrança de meu pai – Poseidon; o deus dos mares, um dos Três Grandes, exilado em uma província italiana – foi a última coisa que percorreu meu cérebro, bem como o sonho que eu tivera com ele.

“Estarei esperando que você me liberte, minha filha.”

Quando William Wilson e dois outros súditos de Pallas alcançaram o banheiro em que eu estava, prestes a me capturar, o poder foi canalisado o suficiente. Abri os olhos a tempo de encontrar os azuis de Wilson; levantei a mão boa e, com um gesto, as tubulações que outrora chiavam explodiram e arrebataram os três, controlando um pouco o fogo que ameaçava tanto me matar.

Os minutos seguintes, em minha memória, pareceram ser outro borrão. Propriamente o que acontecera, eu não me lembrava. O desespero do momento talvez fora demais para que eu recordasse de maneira sã.

Ainda assim, consegui escapar do banheiro, e, quase em uma espécie de milagre, fugi do incêndio e encontrei uma saída da casa aos pedaços, deixando para trás um titã enlouquecido e o cadáver de uma mulher que poderia ter se tornado uma amiga.


Horas depois – ou minutos, não sabia dizer; o tempo para mim aparentava ter se tornado um emaranhado de coisas sem sentido –, ao correr desesperada pelas ruas de uma cidade (estaria eu ainda em Filadélfia? Duvidava muito), meu corpo não resistiu aos ferimentos e a fadiga.

A grama do parque no qual eu desabei, vomitando e tossindo, era incrivelmente macia.

E aquele parque era, de fato, lindo. Bem como as árvores que refletiam o término da estação.

– Vamos lá – dizia a voz masculina que me encontrara quase morta na grama. – Você vai ficar bem. Daqui a pouco iremos a um local mais seguro onde você poderá encontrar Percy e os outros.

Minha cabeça girava, doía e latejava; parecia querer explodir a qualquer segundo. Os pulmões gritavam de exaustão. Os ferimentos provindos da fuga e de todas as lutas eram apenas um bônus nada agradável.

– Conhece Percy? – minha voz saiu por um fio. O rapaz assentiu e pegou minha cabeça, apoiando-a em seu colo. Eu queria observar quem era esta pessoa que estava me salvando, mas a tontura e o cansaço impediam-me.

A visão que eu tive ao olhar para baixo, no entanto, em direção às pernas do rapaz, fez-me franzir levemente o cenho. Estaria eu delirando?

– Diga-me uma coisa – murmurei. Ele aproximou-se de mim para ouvir. – Por acaso estou ficando louca?

– Por que estaria?

– Porque estou vendo pernas de bode no lugar onde deveriam estar suas pernas.


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Notas finais do capítulo

Acho que a maioria sabe quem é este personagem que apareceu na última seção do capítulo... hmmm....



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