Então era isso.

                Quem me dera poder pensar simplesmente assim. Eu não consigo pensar em nada. Tudo que importava pra mim, o que eu acreditava, desapareceu. Não... Só o sonho em que eu estava imerso acabou. A ilusão criada para a minha vida se desfez. E a única coisa que me vem à cabeça depois de descobrir a verdade é:

                Por quê?

                Por quê...?

                - POR QUÊ??!!! – exclamei, desesperado, me ajoelhando perante Ana. Ou A. Eu não sabia nem mais como me dirigir a ela. Assim que ela me soltou, todas as minhas memórias alteradas retornaram à forma original.

                Mas isso não me fez esquecer.

                - POR QUÊÊÊÊ??!!!!!! – gritei, mais uma vez, com as mãos fechadas indo ao chão. As lágrimas desenfreadas caíam da ponta do meu nariz.

                Todos os nossos momentos bonitos, marcantes, todos foram criados e inseridos na minha mente. Os que chegaram a acontecer fisicamente foram forçados. Os que não aconteceram, e que eu julguei serem culpa minha ou da personalidade de nós dois, eram defeitos. Nada do amor que eu tive era real. Nada do que fez a minha vida ter sentido era real.

                Nada!

                NADA!! ...

               ...e Kasumi?

                Será que ela realmente se sentiu mal por isso tudo? Será que ela algum dia sentiu mesmo algo por mim? Daria pra entender isso com as memórias da Ana. Ou ela era apenas uma cúmplice? Mais uma que estava contra mim o tempo todo? Eu sou muito ingênuo. E não consigo olhar para ela. Sua única manifestação foi o SPIPA, que enunciou que o nível do Raio D estava a 99%. Outra vez eu esqueço que a Terra está prestes a ser erradicada.

                Mas não é só o ser humano que é egoísta...

                - Eu sinto muito, Matt – disse Ana, quando eu finalmente ergui minha cabeça novamente.

                - ...Não. Você não sente nada.

                - Bem notado – e se virou para encontrar-se com Neth. Eu já esperava essa frieza, mas ainda assim, me deixei abalar.

                - Agora você entendeu, não é, Matt? – Neth começou – Nada do que você passou nesses últimos dias existiu de verdade.

                - Você não precisa repetir o que já ficou óbvio, seu maldito.

                - Ora, você continua com essa personalidade, mesmo depois de saber a verdade? A maioria dos terráqueos que eu pude estudar de longe perderia a sanidade. Realmente, Ana, você fez uma boa escolha.

                - Obrigada, senhor.

                Aquela relação servo/mestre entre os dois já estava me dando repulsa.

                - Então – ele continuou – você já pode se juntar a nós.

                - ...O quê?

                - Parabéns, Matt! Você provou ser forte o suficiente para fazer parte do C.E.M.! Agora você pode trabalhar conosco na construção de um universo ideal! – estendeu a mão.

                Ele só podia estar brincando.

                Pensei em afastar sua mão com um tapa, mas um soco no seu nariz me pareceu uma escolha melhor.

                Não foi. Quase quebrei alguns dedos. Eu me esqueci de considerar que ele não era um ser humano...

                - Ah, Matt, o que é isso? Eu estou te oferecendo a melhor escolha, de todos os pontos de vista possíveis, e você não quer considerar?

                - Nem ferrando! Você acha mesmo que depois de tudo o que vocês me fizeram passar, eu ainda vou me juntar ao C.E.M.?! Pra causar tanto sofrimento quanto vocês já me causaram a infinitos outros seres?! Acho que você devia ter escolhido outro terráqueo fraco e insano pra isso, porque eu mantenho minha sanidade e minha dignidade também!

                - Tem certeza? Você poderia ser o último humano terráqueo. Pense em quanto você seria valorizado...

                - Valorizado?! Ah, é! Eu sou um porcaria de nível 42, como vocês sempre fazem questão de destacar. Ainda assim, nem que eu tivesse um nível acima de 100 eu aceitaria isso. Eu posso ser egoísta, mas não a ponto de me safar enquanto outros 7 bilhões iguais a mim são destruídos num piscar de olhos. Você destruiria a Terra de qualquer jeito, não é verdade?

                - Hm... Sim – o olhar de Neth parecia atordoado – Mas o que você tem a ver com o resto dos terráqueos, Matt? Eu não entendo esse seu apego pelos outros. Não faz sentido nenhum.

                - Não, mesmo.

                Quem disse isso não fui eu. Nem Ana, nem Neth.

                Kasumi se levantou de seu lugar no sofá, e veio lentamente até mim. Seus olhos estavam levemente inchados. Perguntei-me se ela estava chorando. O SPIPA podia elaborar aquela expressão, ou ela era tão real que ignorava o sistema?

                - Não faz sentido nenhum, irmão – ela continuou – Isso é um sentimento bizarro e muito raro no universo. Os terráqueos, por incrível que pareça, o têm, e com uma abrangência muito maior do que todos os seres que já pesquisamos. Nós dois tínhamos esse sentimento. Você se livrou do seu para se tornar o líder do C.E.M.. Mas eu ainda o possuo. Então eu consigo entender muito bem.

                Ela colocou seus braços em volta do meu pescoço.

                - Isso é amor.

                - ...Jyhl? – Neth se assustou – Não me diga que você...?

                Seus lábios tocaram os meus.

                “Eu queria não ter apagado esta memória de você, Me-kun...”

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