Inner Outer Space escrita por matt


Capítulo 24
Convivência


Notas iniciais do capítulo

"Então ainda estavam longe da perfeição. Mas então, por que ela estava num patamar tão baixo?"



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/11492/chapter/24

                O elevador levou muito mais tempo desta vez. Apesar da distância, a velocidade com que subia era estonteante (para um elevador), tanto que nos pressionava contra o chão. Era desconfortável ficar em pé.

                - Nosso destino é quase no topo – informou Kasumi – Eu sugiro que a gente se sente e aproveite a vista.

                “A vista” não era nada ruim. Dezenove outros elevadores trafegavam por seus respectivos tubos transparentes ao longo de andares e mais andares de paredes lisas e brilhantes. No centro do cilindro quase imensurável, uma espécie de véu vermelho metálico espiralava em formas ao mesmo tempo aleatórias e graciosas a partir de um teto que ainda não podia ser visto. Não sei dizer se era uma projeção ou um elemento decorativo real, sólido ou líquido, mas era lindo.

                Já estava olhando para ele havia algum tempo quando senti a cabeça de Ana sobre meu ombro.

                - Algo te incomoda? – perguntei, brincando.

                - Fora a destruição iminente da Terra? Nadinha – riu, apesar do contexto – Por acaso, eu me lembrei de algo que eu gostava de fazer quando estava do seu lado.

                - Ah, é? – corei – Bom, não foi exatamente por acaso, né?

                - É, tanto faz... – ela se aconchegou melhor.

                - Eu nunca te disse, mas eu também adoro quando você faz isso.

                - Hm, tá. Só não vai se acostumando, viu?

                - Por quê?

                - Porque se a Terra explodir, eu não vou te perdoar.

                - Ei, por que agora a responsabilidade sobre o planeta é só minha?

                - Não é, eu só estou te estimulando.

                - Estimulando, é?

                - Aham. É bem fácil fazer isso com você – sorriu. À minha expressão de descrença e desafio, continuou – Por exemplo...

                Seus braços passaram por cima dos meus ombros e sua mão direita parou na minha nuca. Ela se aproximou lentamente.

                - Vai dizer que você não tá sofrendo nenhum estímulo, agora?

                Meu rosto deveria estar um tomate, pela surpresa, e deve ter ficado ainda mais quando seu corpo roçou contra o meu. Quando fechei meus olhos, entretanto, Ana começou a rir.

                - Eu não disse? Você é completamente volúvel, Matt!

                - Aahn, que coisa... – respondi, entre o riso e o choro.

                Como se nada tivesse acontecido, ela recostou sua cabeça sobre mim outra vez.

                - Nhaaa, que droga! – Kasumi se manifestou (mais uma vez, tinha me esquecido da presença dela) – Vocês sempre me deixam só na expectativa...

                - Ué, nós já agradamos um ao outro como estamos – destaquei – Pode não parecer pra você, mas pra gente, é o suficiente.

                - Não diga que “suficiente” é “agradável”, Me-kun.

                De repente, ela se colocou entre mim e Ana.

                - Isso é agradar – e, pulando todo tipo de etapa, me beijou.

                - Ei! – Ana pôde dizer, antes que outra análise do SPIPA começasse.

                - ...Ah! – Kasumi exclamou, atordoada – Desculpa, Ana-chan, desculpa, desculpa, desculpa! Foi a euforia do momento, vocês me deixaram impaciente.

                - Sei...

                - Isso é o que vocês têm que fazer. “Vocês”, ouviram? Eu não vou fazer isso outra vez, tá? – e se virou para encarar as luzes do elevador.

                - Ela continua esquisita... Você não saberia o porquê, saberia, Matt? – Ana perguntou.

                - Eu? Não. Como eu saberia disso?

                Ela olhou fundo nos meus olhos.

                - Pela primeira vez, eu não sei dizer se você está mentindo.

                Nem eu sabia se estava falando a verdade. O que eu podia fazer?

                Eu poderia perguntar pra quem sabia. Kasumi tinha que deixar aquela história clara. Talvez nesse momento, seja muito arriscado. Mas ela precisa dizer, de qualquer jeito. E creio que só eu posso perguntar.

                - Kasumi, você...

                - Chegamos! – o elevador parou. Enquanto as ideias se distorciam e dissipavam da minha mente, a mesma voz de andares abaixo anunciou:

                - Bem vindos à seção de controle e manutenção de artilharia pesada! Que sala gostariam de visitar?

                - Raio D – Kasumi respondeu.

                - A gente escolhe no elevador? – perguntei – Vamos ter que subir mais?

                - Não, a gente segue por uma plataforma automática que...

                - O Raio D se encontra fora dos limites para funcionários padrão. Que outra sala gostariam de visitar?

                - Droga! Era o que eu temia – a alienígena reclamou – Ah, já sei! Armas psíquicas.

                - Confirmado – a porta se abriu. À nossa frente, um disco branco flutuava a alguns centímetros do chão metálico. Não parecia haver mais nada no andar além de corredores inteiramente prateados.

                - Então, vamos lá! – Kasumi subiu no pequeno disco – Vocês não vão cair, não se preocupem.

                Fui primeiro, seguido de Ana. No momento em que ela tirou o segundo pé do chão, a plataforma começou a se mexer. Eu achei que ela cairia se não estivesse segurando a minha mão, mas foi como se nada tivesse acontecido. Ninguém perdeu o equilíbrio. A impressão que dava era que os corredores estavam se movendo em alta velocidade, e nós estávamos parados no mesmo lugar.

                No fim, o disco (ou os corredores) parou em frente a uma sala com a mesma textura e brilho das paredes logo atrás de nós. Porém, ela estava cheia de caixas gigantescas e trambolhos enormes que eu supus ser “artilharia pesada”.

                - O que a gente veio fazer aqui? Não vai me dizer que você vai explodir todas as paredes até chegar no raio...

                A alien, que parecia bem ocupada procurando qualquer coisa atrás das máquinas, interrompeu sua pesquisa para me encarar:

                - Claro que não, Me-kun! Você acha que eu faria algo tão arriscado e sem sentido?

                - Quer que eu responda...?

                Ela arrancou alguma coisa de alguma outra coisa maior e deixou na pilha de outras coisas que havia começado a produzir.

                - Primeiro que essas armas são psíquicas, então elas não podem causar danos físicos. Pelo menos em teoria... – ela não parava de aumentar o que parecia ser um ferro-velho miniatura.

                - Tá, mas então o que tem aqui? Essas coisas que você tá juntando não parecem poder salvar a Terra, ou coisa assim – falei, logo após a voz do capacete de Kasumi anunciar: “Nível de energia do Raio D: 98%”.

                - Eu vou construir uma coisinha que sirva pro nosso propósito – ela terminou sua pilha de tralhas com um grande cilindro.

                - E você pode fazer isso?

                - Eu achei que você já soubesse, Me-kun – ela pôs as mãos sobre o montinho metálico – Eu sou uma exímia mecânica.

                Seus olhos perderam foco e sua cabeça pendeu para trás. Em reflexo, recuei e tentei proteger Ana de qualquer coisa que saísse dali. No entanto, nada saiu. Pelo contrário, os metais começaram a entrar um no outro, como se estivessem se fundindo, e formaram um único elemento, que convergiu para o cilindro. No fim, Kasumi tinha sob si uma bazuca branca.

                - Ok! – ela disse, voltando a si – Agora é só mirar.

                A alienígena pôs a arma em cima do ombro e atirou quase instantaneamente. O projétil, uma esfera luminosa, saiu sem nenhum som e penetrou o disco de onde viemos. Nisso, uma voz saiu da plataforma:

                - Novo destino: Raio D.

                - Yay, funcionou! – Kasumi largou a bazuca e voltou para o disco – Eu temia que não funcionasse com inteligências artificiais... Vamos, o que vocês estão esperando?

                Eu e Ana levamos algum tempo para assimilar os fatos e começar a andar. Tudo tinha acontecido muito rápido e, mesmo que eu já tivesse visto Kasumi fazer aquele tipo de manipulação uma vez, ainda considerava muito anormal... ou avançado.

                - Sério... – Ana comentou, subindo na plataforma que começou a se mover (ou não) novamente – Aqui precisa mesmo de serviço de manutenção? Isso é muito mais prático.

                - Hihi. Na verdade, essa técnica acaba com as energias de qualquer um abaixo do nível 89 que tente usá-la. E só tem duas pessoas no C.E.M. com esse nível, e ninguém acima.

                Agora, Kasumi me impressionava. Eu sabia que o nível dela era alto, mas não imaginava que era o mais alto do C.E.M. Então ainda estavam longe da perfeição. Mas então, por que ela estava num patamar tão baixo?

                - ...E quem é a outra pessoa?

                - Bom...

                - Vocês demoraram.

                O disco já havia parado. Estávamos em uma sala completamente diferente das outras que aparentemente dominavam esse andar. Ainda era metálica, mas vermelha. Estranhamente, havia um carpete branco no chão, com um conjunto de sofás vermelhos no centro. Na extremidade contrária a onde estávamos, uma grande varanda se estendia abaixo de um vidro espesso. E do lado de fora, tapando a visão de várias estrelas, era possível ver a ponta de um canhão medonho e gigantesco. E algo, ou alguém, estava em pé nos esperando.

                - Desde que chegaram, eu estou esperando aqui, terráqueos...  e “Kasumi”.

                A expressão no rosto da não-terráquea estava indecifrável. Fúria? Medo? Terror? Seu olhar estava fixo na outra criatura que surgiu do canto da sala. Era alta, prateada, tinha formas masculinas, usava um capacete que ocultava seus olhos e nariz e tinha uma turbina nas costas.

                - O que você está fazendo aqui?

                - Bom, não é óbvio? Estou impedindo vocês.

                - ...Você não pode. Já chegamos longe demais pra você nos parar.

                - Ainda assim, aqui estou. Seu disfarce foi um fiasco, se me permite dizer.

                Kasumi parecia prestes a pular em cima do outro indivíduo. Este notou a impaciência da alien e enfatizou:

                - Ei, não é bom que a gente brigue na frente desses inocentes 42. Vamos, vocês todos, sentem-se, e vamos conversar amigavelmente enquanto seu planeta é reduzido a partículas invisíveis.

                - Quem é você, seu lixo? – eu já compartilhava de um sentimento semelhante ao de Kasumi.

                - Uh, o garoto é atrevido... Mais do que você já deixou evidente, “Kasumi” – o modo com que ele dizia o nome dela, falso ou não, me enojava.

                - Esse é TWE-987678N – disse a alienígena, com desprezo na voz – Líder de operações do C.E.M. Meu “chefe”.

                - Ora, vamos, “KZM-8230147J”. Por favor, vamos parar com essas formalidades e conversar como família.

                Ele mexeu em algo no capacete e adquiriu forma humana. Seu cabelo era arrepiado e ruivo; seus olhos, penetrantes; seu corpo, bem definido; e usava o mesmo uniforme escolar que eu. Sorriu para Kasumi.

                - Afinal... Você ainda é minha irmã.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Uia.
Agora a história tem que andar... Ou desandar, nunca se sabe =]

Perdoem a demora pra postar, a vida universitária não me permite escrever tanto ._.'