Inner Outer Space escrita por matt


Capítulo 1
Introdução Chata a uma Vida Chata


Notas iniciais do capítulo

Meu nome é Matt... e eu sou um inútil.



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        - Sr. Matt, você tem bastante tempo para dormir em casa! Preste atenção na aula!

        Ah, saco...

        - Tô prestando...

        - Mesmo? O que eu acabei de dizer para a turma, então?

        - Em suma, fez uma explicação desgastante e desnecessária sobre tudo que nós já estudamos dentro de genética para chegar à simples conclusão de que são 275 gametas heterozigóticos cis ao fim da formação.

        - ...Ok, você ouviu. Mas por favor, não desvie os olhos de mim durante a explicação “desnecessária”.

        - Sinceramente, Sr. Hobbes, eu não to com disposição nenhuma de olhar pra sua cara feia durante 50 minutos hoje, então me deixa em paz.

        - Vou te deixar em paz... Na diretoria! Pra fora, senhor todo-poderoso!

        Afe, parece que eles gostam de me deixar fulo. Pra sorte do Hobbes, eu também não to a fim de discutir decisões idiotas, então já vou.

        Meu nome é Matt Müller, tenho 17 anos, sou geneticamente inalterado (constatado no exame obrigatório de cariótipo criado após a Crise do Câncer de 2012), gosto de churrasco, tenho constantes crises de consciência que não consigo interpretar com palavras, já atirei em alguém, possuo poucas certezas na vida e sou talhado de gênio revoltado o tempo todo pelos meus “mestres”. Prazer... ... Por que eu tô falando comigo mesmo?

 

        Sala da diretora. A gente já ficou amigo, de tanto que eu venho aqui. Acho que a Sra. Widmore é a única pessoa decente em toda a escola. Eu me pergunto, por que é que uma pessoa tão justa e boa não consegue colocar um pouco de bom senso na mente dos seus subordinados? Eles devem ter uma cabeça revestida de titânio, não é possível.

        - De novo, Matt? Com quem você implicou desta vez?

        - Com o Hobbes, Sra. Widmore. Ele insiste em pedir pra eu ficar hipnotizado como todo mundo.

        - Ai ai, Matt. Parece que ele é seu inimigo número um por aqui, não?

        - Acredite, eu tenho piores. Aliás, a senhora já sabe disso.

        - Ah, sim, falando nisso, já melhorou da sua lutinha com o Ben?

        Lutinha? Faz-me rir. Foi a primeira vez que eu fiquei inconsciente, logo depois de imaginar que meu braço e meu baço eram uma coisa só. Isso foi há três semanas.

        - Não, senhora. Aquele filho-da-mãe tá se gabando até agora.

        - Não precisa xingar, Matt. Você precisava ser mais respeitoso com ele.

        - Eu?! A senhora sabe o que ele fez pra me deixar irritado!

        - É, eu sei que às vezes ele passa dos limites. A Ana ainda deve estar muito magoada.

        Correção: quando eu digo que a Sra. Widmore é a única pessoa decente por aqui, eu me refiro aos que trabalham. Felizmente, existem alunos que me acompanham nessa triste trajetória. A Ana é uma deles. O Ben, definitivamente, não é.

        - Ainda assim, você deveria ter simplesmente o denunciado – ela continuou.

        - E adiantaria de alguma coisa?

        - Brigar com ele não adiantou.

        - Pelo menos, eu expressei minha opinião.

        - Bom, agora ele te odeia.

        - Então deu certo.

        Papeamos mais um pouco e eu saí, como sempre, um pouco mais disposto a agüentar o mundo. Psicologia reversa é uma das especialidades da Sra. Widmore.

        Maravilha, o sinal bateu! Só preciso pegar minha mochila e ir embora!

 

        Ainda tinha uma pessoa na sala quando eu cheguei.

        Era a Ana.

        A princípio, achei que ela estava dormindo, já que estava de cabeça baixa na carteira. Mas quando me aproximei, percebi que ela estava soluçando.

        - Ei, Ana, o que foi? Não é o Ben de novo, é?

        Ela tentou soltar um risinho. Não deu muito certo.

        - Não, não foi o Ben.

        Silêncio.

        Uma coisa que eu não gosto na Ana é que ela não diz nada sem que alguém pergunte. E uma coisa que eu não gosto em mim é que eu não consigo fazer essas perguntas pra ela. E eu tenho certeza que ela quer que eu pergunte logo antes que ela perca a paciência.

        - É alguma coisa que você pode me contar?

        - É.

        - Você quer me contar?

        - Agora, não.

        Silêncio.

        Insiste, seu imbecil! Pergunta por quê, muda de assunto, qualquer coisa!

        - Tá bom. Mais tarde você me diz, então – burro, idiota, covarde, inútil,...

        - Espera!

        Silêncio, outra vez.

        - Você vai almoçar aqui? – ela perguntou, ainda cabisbaixa.

        - Ahn... não, hoje eu volto pra casa. – respondi, triste com os fatos.

        - Ah.

        - Mas se você...

        - Não, deixa! Esquece – ela pegou suas coisas e se levantou.

        - ...ok. Até amanhã.

        - Tchau.

        Outra coisa que eu não gosto em mim é que eu tenho o dom de estragar tudo.

        Eu e a Ana temos uma história. Curta, mas grande (é, um paradoxo). Eu não gosto de ficar lembrando o que aconteceu, mas eu não consigo evitar. Em resumo, e colando um pouco de Renato Russo, o nosso “pra sempre” acabou antes do esperado. Bem antes.

        - Cara, por que vocês não ficam juntos de novo e acabam logo com essa embromação? – eis o “sábio” conselho de Joey Freeman, meu melhor amigo e o maior cara de pau que eu já conheci. Pra ser sincero, tenho um pouco de inveja dele por isso.

        - Você acha que é fácil assim? Tá, pra você, é, mesmo, mas eu não consigo me expressar como você.

        - E quem disse que eu sei? Aliás, como você vai saber se sabe se expressar se você não tenta?

        - Eu já cansei de tentar, se você não sabe. Eu sou um covarde e não consigo mudar isso. *bate a cabeça na mesa* Ai!

        - Covarde? E aquilo na aula de Biologia, hoje? E a briga com o Ben?

        - Você me entendeu.

        - Sinceramente, eu não te entendo, não, Matt. Você é tão inteligente, tão habilidoso com tanta coisa e não consegue falar com a pessoa que você mais gosta nesse mundo?

        É, eu também não me entendo. A facilidade que eu tenho com números, conversas e matérias complexas realmente não bate com a dificuldade de dizer “eu te amo”, ou “por favor”, até mesmo um “oi!” pra ela. Parece até que um anula o outro.

        De vez em quando, eu penso sobre isso. De vez em quando, eu penso sobre minha família, sobre música, sobre lançamentos no setor de tecnologia, sobre animes. Em qualquer um desses, eu nunca chego a conclusão nenhuma.

        Eu queria que isso mudasse algum dia.

        Hoje, mudou.

 


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Notas finais do capítulo

Por favor, não fiquem desencorajados com essa introdução. O que se segue é bem mais interessante o/