Os Pássaros não Voam escrita por Eica


Capítulo 1
Capítulo 1




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Ivete, a empregada, acordou cedo para preparar o café quente da família à qual trabalhava. Acordava às seis e meia, pois era este o horário que começava as atividades na casa.

Tomas se remexeu na cama antes das seis e meia. Não precisava mais do despertador porque seu corpo já se acostumara com o horário e despertava automaticamente no horário certo. Assim que se levantou da cama, fez o típico ritual matinal: arrumou a cama, abriu as cortinas e a vidraça das janelas, lavou o rosto, escovou os dentes, penteou as madeixas claras e desceu para o andar térreo.

Ivete estava na cozinha.

- Bom dia, Ivete.

- Bom dia, Tomy. O que vai querer hoje? Torradas com queijo ou cereal?

- Os dois. Acordei com fome.

            O rapaz sentou-se à mesa. Ivete colocou dois pães na torradeira e derreteu as fatias de queijo na frigideira. Esses queijos eram bons para fritar, pois não grudavam na panela.

- Presunto?

- Por favor.

            Tomas encheu um copo de suco, que já estava sobre a mesa, e bebeu um gole, quando Ivete perguntou:

- Como está Bella?

- Grávida.

- Que maravilha! Finalmente, não?

            Os dois falavam da égua Bella, que demorara muito para ficar prenha.

- O veterinário veio dar uma olhada nela. Sua saúde não podia estar melhor. – disse Tomas, bebendo mais um gole do suco de laranja.

            Ivete passou as torras com queijo e presunto a ele, que mordeu o primeiro pedaço queimando a língua com o queijo derretido.

- Agora me lembrei! O leite acabou!

- Tudo bem.

- Mas você ia comer cereal.

- Como amanhã. Compro leite mais tarde.

            Ivete ficou a lavar os talheres e Tomas a comer seu café da manhã, quando sua mãe, Marta, entrou na cozinha. Deu bom dia aos dois.

- O que é que você tem para fazer hoje, Tomas? – perguntou a mulher.

- É dia de desbastar os novos cavalos.

- Oh, você adora fazer isso. – disse Marta sorridente, enchendo uma xícara com café.

- Gosto do contato com eles, gosto quando começam a ganhar confiança em mim.

            Marta beijou o topo da cabeça do filho e sentou-se à mesa.

- Seus avós almoçarão conosco esta tarde, lembra-se?

- É mesmo!

- Quero sua ajuda, Ivete, - disse a mulher, virando-se para a empregada. – para preparar um almoço caprichado.

            Tomas levantou-se da cadeira depois de comer suas torradas. Dirigiu-se ao quintal de casa, onde havia os boxes dos cavalos, o picadeiro, as baias, e o paddock. Antes de soltar os cavalos no paddock de pastagem, foi dar uma olhada em Bella, no alojamento das éguas gestantes e com cria.

- Como vai, menina? – disse, acariciando a égua.

            Deu uma olhada nos filhotes.

            Depois dali, Tomas seguiu com suas atividades rotineiras: trocou a cama de cascas de arroz dos cavalos, que contavam trinta e sete ao todo; soltou os cavalos no paddock – como era para ser feito todas as manhãs; deu-lhes ração e palha. Era um trabalho duro, ainda mais para um rapaz de vinte anos fazer sozinho. Apesar de cuidar de tudo, Tomas não se queixava. Adorava o contato com os animais, pois desde pequeno se apegara a eles...

            Seus avós chegaram antes das uma hora da tarde. Sua mãe foi a primeira a cumprimentar Roberto e Nora, assim que entraram pela porta da frente.

- Fiz torta de maçã – disse Nora. – Ponha na geladeira, por favor, Ivete.

            Foram para a sala de jantar, pois o almoço já estava pronto.

- Olhe só para este rapaz. – disse Roberto. - Não faz nem três semanas que estivemos aqui e ele já cresceu tudo isso?

- Puxou o pai.

            Roberto fez cara feia.

- Nem fale sobre aquele homem.

- Pai, vai começar? – disse Marta.

- Não posso ficar calado, e me desculpe se você gosta de seu pai – disse para Tomas. – mas eu o detesto e com a graça de Deus, ele não voltará mais a esta cidade.

            Ao terminar a frase, bateu o punho na mesa.

- Acalme-se, Roberto. – disse Nora. – Não viemos para discutir, e sim para almoçar em paz.

- Vim com o mesmo propósito, mas acontece que não suporto aquele homem.

- Nós sabemos. Agora deixe nossa filha contar as novidades.

            Conversaram durante o almoço. Depois da refeição, Roberto acompanhou o neto até o quarto do rapaz, onde ele mostrou-lhe suas mais novíssimas criações em madeira.

- Te ensinei bem, meu rapaz. – disse o senhor, emocionado.

            Na mão, segurava a escultura em madeira de um cavalo, que Tomas soubera moldar perfeitamente.

- Está perfeito. – disse o homem, batendo no ombro do rapaz, com carinho.

            Nora e Roberto ficaram até as quatro horas na casa de Marta.

- Ligue-nos se precisarem de alguma coisa. – disseram na despedida.

           

            Tomas foi ao paddock, onde os cavalos estavam soltos, quando já era a hora de levá-los para os alojamentos. De onde estava, avistou um rapaz ao lado do cercado, acariciando um dos cavalos. Seu rosto desconhecido provocou curiosidade em Tomas, que caminhou até ele.

- É o maior cavalo que já vi. – disse o garoto desconhecido, parando de acariciar o cavalo, com a aproximação do outro.

- É da raça Shire. São os maiores cavalos do mundo. Podem chegar a um metro e oitenta de altura.

- Nossa! Tanto assim?

            Quando o rapaz se sentiu no direito, tornou a tocar no cavalo. Ele alternou em olhar para o animal e para Tomas. Numa oportunidade que não desperdiçou, olhou para Tomas atentamente, estudando o rosto dele.

- Ele tem nome?

- Noddy.

- É belíssimo.

- É meu cavalo preferido. – disse Tomas, sorrindo e acariciando o cavalo. – Foi nele que montei pela primeira vez.

            O garoto olhou para Tomas, quando este o observou.

- Você é daqui?

- Não. Mudei-me hoje com o meu pai para a casa ao lado da sua. Bem, supondo que você more aqui. Sou Jodi.

- Tomas.

            Deram as mãos, num cumprimento amigável.

- Alguma vez já montou num cavalo?

- Não há cavalos na cidade grande. E mesmo que houvesse algum, a resposta continuaria sendo não.

- Vem cá. Pode entrar.

            Jodi passou por debaixo de uma das madeiras do cercado.

- É muito dócil. – disse ele, afagando o cavalo mais uma vez.

- Se quiser vir comigo, pego uma sela para você montar.

- Ah, não precisa. Não quero dar trabalho, além do mais...

- Tudo bem. Vem comigo.

            Foram para a sala dos arreios. Conversaram um pouco mais pelo caminho.

- Antigamente tínhamos uma escola de equitação onde dávamos aula de montaria. Vou lhe dar uma aula de grátis. – disse Tomas, sorrindo para Jodi.

- Adoraria montar no cavalo, mas não tenho certeza. Não quero cair. – disse Jodi, soltando um risinho.

            Tomas riu.

- É um medo natural, mas já que será sua primeira vez, montarei com você.

            Ao chegarem à sala dos arreios, Tomas colocou uma sela em Noddy. Depois subiu nele, com uma agilidade que impressionou a Jodi, e então estendeu a mão para que ele subisse em seguida. Jodi subiu muito sem jeito e com dificuldade.

- Ficamos muito longe do chão aqui em cima.

- É, por isso se agarre a mim ou o tombo será feio.

            Tomas direcionou Noddy para o paddock. Depois pediu a Ivete, quando a viu, que abrisse a cerca. Então, os rapazes cavalgaram pelo campo verde atrás da propriedade e correram uma longa distancia.

            Jodi desejou que ele não fosse tão rápido. Não queria que a cavalgada se tornasse desagradável ou, na pior das hipóteses, traumatizante. Agarrou-se à cintura de Tomas com bastante força e aproximou os joelhos do corpo do rapaz o máximo possível, para manter firmeza e estabilidade. A corrida de Noddy causou-lhe inevitáveis embrulhos no estômago e seu corpo gelou de pavor com medo de uma possível queda. Não seria capaz de descrever a sensação no peito de estar sobre um cavalo e cavalgando com um rapaz desconhecido, por mais cheiroso e bonito que fosse. O momento foi único e indescritível.

            Por fim, Tomas fez Noddy trotar com mais suavidade, permitindo a Jodi soltar sua cintura.

- Está mais aliviado? – perguntou Tomas, com um sorriso. Não virou o rosto para Jodi.

- Oh sim, pode ter certeza.

            Depois que o trote ficou mais suave, Jodi pôde aproveitar a cavalgada e apreciar a paisagem maravilhosa do campo onde estavam e das montanhas cinzentas ao longe, que mais parecia uma paisagem saída das belíssimas pinturas dos grandes pintores dos séculos passados.

- Nos afastamos demais, não acha? – disse Jodi, dando uma rápida olhada para trás.

- Quer voltar agora?

- Acho melhor.

            Para não matar Jodi do coração, Tomas fez Noddy trotar mais lento. Ao se aproximarem da propriedade da casa de Tomas, o rapaz viu Ivete atrás do cercado de madeira. Ela abriu o cercado e eles passaram. Tomas parou o cavalo em frente ao alojamento dos cavalos, onde encontrou sua mãe em companhia de um homem.

- Aí está você. – disse o homem.

            Tomas ajudou Jodi a descer de Noddy. Sua mãe e o homem, que não conhecia, se aproximaram deles.

- Este é Nathan. – disse Marta. – Estava procurando o filho.

- Levei-o para um passeio com Noddy. – respondeu Tomas.

- Tudo bem, amigão?

- Tudo. – respondeu Jodi, ao pai.

            Tomas e Nathan se cumprimentaram.

- Obrigado por ter cuidado do meu filho, Tomas. Já estava preocupado com ele.

- Nathan e Jodi acabaram de se mudar. – disse Marta, a Tomas.

- Bem, obrigado mais uma vez. Vamos indo, Jodi.

            Os quatro se despediram. Jodi com um sorriso agradecido a Tomas, pelo passeio agradável.

            A casa de Jodi ficava a cento e dez metros de distância da casa de Tomas. Porém, Tomas tinha uma boa visão dela pela janela do seu quarto. Naquele final de tarde, viu Jodi acenar para ele da varanda de sua casa. O aceno não foi um “olá”, mas um chamado para que Tomas fosse até ele.

- Já vou! – berrou Tomas.

            Jodi sorriu e esperou por ele.


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