Mergulho escrita por JuliaMolinari


Capítulo 1
One-shot


Notas iniciais do capítulo

Eu revisei só uma vez, então se encontrarem errinhos me avisem ^^



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A sala vazia estava toda bagunçada. Papéis amassados e descartados pelo chão, fora do lixo por pura preguiça de alguém de levantar-se para jogá-los. Lápis e canetas por todo lado, dispostos numa forma sem sentido; espalhados em desordem.

Carteiras, livros, casacos, garrafas de água, garrafas de refrigerante, borrachas, estojos, esboços, caixas e um balde. Dispersos na mais completa confusão. Não precisavam de ordem. Para quê? O mundo não tem ordem, e o caos espalhado ali era apenas uma representação dele. Não adianta tentar organizar nada.

            Vozes infantis ecoavam, vindas de uma das janelas abertas do aposento. Eram das crianças, criaturas inocentes, marcas de pureza, que brincavam do lado de fora. Desconhecendo seu futuro, desconhecendo os horrores que estão um passo a frente. Apenas brincando. O gesto mais singular e belo que pode presenciar-se.

            E, na sala, um garoto.

            Sentado em uma das cadeiras de plástico, a expressão séria oculta pela aba do boné. Em mãos, uma caneta. À frente, um monitor desligado. E em volta, rabiscos descartados por falta de inspiração. O corpo, debruçado sobre a mesa; um dos braços apoiando enquanto o outro segurava o instrumento artístico em posição para desenhar. Já tinha tudo o que precisava.

            Enfim, depois de deixar escapar um curto suspiro, pôs-se em pratica o que já planejava. Primeiro, rabiscou formas sem sentido, redondas, simples. Depois, detalhando-as, um charmoso peixe começou a formar-se.

            Tinha barbatanas longas, a cauda pontilhada. Era gracioso em sua forma, porém comum. Nada do que se orgulhar.

            Mais um surgiu nadando no papel. Esse era maior, mais imponente. O movimento da mão tornou-se um pouco mais frenético, aflito. Queria desenhar mais. Uma planta, mais um peixe, mais uma gota.

            Estava mergulhando. Bolhas já o envolviam, saiam de sua boca e espalhavam-se quando movia seu braço. E lá estava ele, o belo peixe, movendo-se com toda a graça pelo líquido transparente. Nadou em volta do menino, fazendo-lhe cócegas no rosto e ombros com a barbatana fina.

            Ele não tinha medo. Não temia afogar-se, as leis comuns não se aplicavam ali. Mais peixes nadaram a sua volta, alegres. Como sabia? Peixe não dá risada... Ele sabia. Ouvia cada respiração risonha, via cada bolha satisfeita que flutuava dos animais.

            O ambiente agora era azul. Sim, estava no fundo do mar. A água era fria, mas ele não se incomodava. Naquela hora, tudo, absolutamente tudo era lindo.

            Mergulhou mais ainda. Criaturas inusitadas o aguardavam. Seres que viviam longe dos olhos de todo e qualquer homem, ele iria conhecer. Seria o primeiro, o corajoso, o desbravador. Animais que há muitos anos dominavam as águas, não se importando com a existência insignificante dessa nossa raça humana.

            E quando os encontrou, como eram belos! Impossíveis de serem descritos. O garoto parou por um instante para admirá-los e respirar o agradável oxigênio não poluído que se misturava à água.

            Deixou um suave sorriso escapar-lhe dos lábios. Era um mago, um deus! Tudo, tudo aquilo, estava em suas mãos, e apenas nas dele. Podia criar o que quisesse, viajar para onde fosse, entrar nos lugares mais inóspitos do mundo. E ainda assim continuar hirto na mesma posição que estava. Apenas com um pequeno movimento da caneta.

            Despediu-se dos peixes e tornou a subir. Olhando para baixo, ainda via seus vultos, enquanto a luz tornava a iluminar o ambiente submerso. O azul noturno tornou-se, gradativamente, mais claro, passando para um tom arroxeado, e depois ciano.

            Agora eram os pequenos peixinhos que nadavam em volta dele novamente. Coloridos, delicados e bem humorados. Apresentavam um show de dança, olhem só! Só ele estava olhando. Que privilégio, devia ser alguém importante.

            E então, até os pequenos pararam a dança, pararam de rir como crianças recém nascidas, e se recolheram para cantos escondidos do alcance do menino. Ele estava sozinho, todo o mar a sua volta. Todo dele.

            As únicas bolhas que agora flutuavam eram as que saiam de sua boca aberta, e rodopiavam para a superfície. O silêncio reinava.

            Ah, como era belo o mar! Devia ainda ter mais coisas para ele ver. Mas, para que prender-se em somente algo como aquilo? Suas viagens ainda não acabaram, tinha que partir.

            Aproveitou o azul e a água fresca por mais um instante. Depois, deixou o olhar vagar pela sala inundada, satisfeito. Pegou a folha de papel rabiscada e colocou-a de lado.

            E, num passe de magia, a sala tornou ao que era antes. Vazia, bagunçada, sem sentido e seca.

            Mais um suspiro ecoou pelos seus lábios. Puxou uma nova folha, esta completamente branca.

            Então, o que criar agora?


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Notas finais do capítulo

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