Sora foi rapidamente até os quartos. Seu pensamento vagava, pensando naquele reencontro que há tantos anos estava esperando. Acordou a equipe, que logo quis saber para que mundo estava indo.

 -Surpresa. – disse Sora, em meio a um sorriso

 Juno olhou curiosa para ele. Tinha a impressão de que ele estava mais feliz que habitualmente, mas decidiu ignorar. Talvez fosse só uma impressão.

 Essa opinião mudou automaticamente quando ela conseguiu ver o mundo em que chegavam. O mar cristalino e as ilhas ao longe denunciaram onde estavam.

 -Destiny Islands... – murmurou para si mesma, sentindo o coração vir na boca

 Kairi viu ao longe quando a nave pousou. Caminhou até estar a poucos metros dela. Logo Sora desceu e foi até onde a ruiva estava.

 Ele notou um extenso sorriso no rosto dela. Abraçou-a. Pode sentir o coração batendo acelerado, em contraste ao seu, que batia calmo e sereno.

 -Acho que já sabe quem eu encontrei, não é?! – sussurrou no ouvido dela

 Kairi assentiu com a cabeça, os olhos marejados, transbordando felicidade. Sora sorriu e chamou Juno, que saiu depois de respirar bem fundo, tentando com isso espantar o nervosismo. Ela começou a andar devagar, as pernas tremendo, o olhar baixo. Kairi olhava de cima a baixo, sem acreditar no que via. O coração batia mais rápido que pudesse pensar, várias emoções misturadas. Surpresa, alegria, espera, saudade... Gastou várias noites imaginando como seria sua filha, como seria sua voz, seu cabelo, seu olhar, seu jeito... E nada era comparado ao que via agora. Era muito melhor. Ela abriu os braços, chamando-a para um abraço. Assim que Juno ergueu o olhar e viu isso, correu na direção dela e a abraçou fortemente, as lágrimas escorrendo livremente por seu rosto. Kairi também a abraçou, mas num abraço terno, gentil, maternal. Ela apoiou o queixo na cabeça de Juno, uma mão acariciando seus cabelos.

 Nick e Lukas já tinham saído da nave, e observavam ao longe. Um sentimento que ignoravam começou a ficar mais forte. Saudade. Saudade de sua cidade. Saudade de seus pais. Por mais que aquela ilha fosse aconchegante e realmente bonita, não era a casa deles. Mesmo assim, ignoraram isso e caminharam até onde o resto do grupo se encontrava.

 Juno já tinha se soltado de Kairi, e o amplo e sincero sorriso em ambos os rostos emanava felicidade. Kairi secou as lágrimas com o dorso da mão e olhou para os garotos. Já tinha visto eles, mas quando ainda eram pequenos. Vê-los agora e olhar para sua filha fazia-lhe dar razão àqueles que dizem que o tempo passa rápido.

 -Acho que nem preciso me apresentar, não é mesmo? – perguntou Kairi

 Ambos menearam a cabeça. Já tinham ouvido uma das conversas de Juno com Sora perguntando sobre sua mãe.

 -Kairi, eu não quero estragar esse momento, mas... – começou Sora – Acho que a sua conversa com a Juno vai ter que ser adiada...

 Foi então que Kairi se lembrou. Suspirou e disse onde os heartless foram vistos, numa praia do outro lado da ilha. E ela teve de se segurar para não impedir Juno de ir.

 Alcançar o outro lado da ilha não foi difícil. A área era pequena, e o caminho não estava muito cheio de heartless. Mas, mesmo tendo poucos minutos que estavam ali, o tempo já começava a mudar, anunciando uma chuva próxima. Assim que saíram da trilha, chegaram numa praia deserta, as ondas quebrando a alguns metros. Andaram alguns passos, estranhando a ausência de heartless. Foi quando um enorme apareceu ao lado deles. Tinha a forma de um canídeo, de cor vermelha como fogo. Os olhos amarelos recaíram sobre o trio, o que o fez rosnar. Tentou atingi-los com suas afiadas garras, mas os três conseguiram desviar, cada um dos garotos indo para um lado, e Juno recuando. Ele avançou novamente sobre a garota, que parou sua pata com um Reflect.

 Lukas ainda pensava no que fazer quando olhou para o lado. Mesmo estando de costas e usando seu agora habitual sobretudo, aqueles cabelos ruivos eram facilmente reconhecidos por ele. Prontamente sacou sua keyblade e foi até ela. O barulho de seus passos o denunciou, e ela virou-se com as adagas cruzadas em posição de defesa, parando a Oblivion. Permaneceram assim por alguns segundos, Lukas olhando diretamente nos olhos de Brendah. Não havia nada em comum com o olhar doce e alegre que sempre via. E ela também analisava o dele, que misturava determinação e tristeza.

 -O que houve, Lukas? – perguntou ela com um sorriso malicioso – Ainda não se conformou em ter perdido sua querida amiga?

 Ela repeliu-o, que se afastou alguns passos. A pergunta feita por ela lhe atingiu profundamente. Não queria, não podia perdê-la.

 -Só me diz o porquê de você estar agindo assim... – suplicou ele

 -Tanto faz. – rebateu ela – Qualquer coisa que eu diga não vai te deixar satisfeito, não é?

 -É claro que não! – exclamou o loiro – Nada iria me convencer de que você é assim! Eu te conheço bem demais para acreditar nisso!

 -Se você pensa assim...

 Quando acabou de dizer isso, Brendah sumiu da vista dele por alguns segundos, aparecendo bem ao seu lado, sussurrando em seu ouvido:

 -Acho melhor você mudar de opinião.

 O relâmpago que iluminou o céu já tampado de nuvens coincidiu com a ruiva derrubando Lukas. Ela fincou uma de suas adagas a poucos milímetros do rosto dele.

 -É o último aviso. Não estou mais do seu lado.

 Ela encostou a lâmina na bochecha dele, retirando-a em seguida, fazendo sangue escorrer pelo corte recém-adquirido. Lukas ainda se pôs de pé, mas ela abriu um portal e sumiu antes que ele pudesse fazer algo.

 Enquanto isso, os outros dois que ficaram travavam uma luta acirrada com o heartless. Ele não conseguia acertá-los, mas conseguia escapar das investidas contra ele. Nick conseguiu acertar um dos membros dele, que soltou um ganido de dor e rapidamente tentou acertá-lo, dessa vez conseguindo. O garoto foi lançado a alguns metros e, assim que caiu, pode praticamente ouvir uma voz interior dizendo-lhe para se entregar a escuridão. O medo de aquilo tomar conta dele de novo o paralisou, e ele nem notou que o heartless chegara perto dele. Foi Juno quem notou e automaticamente ergueu sua keyblade e gritou Fire, fazendo uma bola de fogo acertar a orelha do animal, que se virou para ela, rosnando. Um trovão ecoou enquanto o alvo do heartless voltava a ser a garota. E foi o trovão que deu a ideia a ela.

 Nick já tinha se posto de pé, não sem certo receio, quando ouviu Juno o chamar. Assim que chegou ao seu lado, ela lhe falou no que tinha pensado, enquanto ambos desviavam dos ataques do heartless. O problema é que não havia brecha. Não até Lukas acertar uma magia de gelo nele. Quando este se virou, Nick içou Juno, que conseguiu ficar em cima das costas do animal. Cravou sua keyblade nele, que, ganindo de dor, tentou tirá-la de suas costas, sem sucesso. Ela pronunciou algumas palavras, deixando a keyblade eletricamente carregada, e pulou, saindo de perto do ser. Em poucos segundos, o próximo raio que cruzou os céus acertou nele, e com carga o suficiente para fazê-lo explodir.

 Lukas estava sentado na areia, observando as pequenas ondas que se quebravam a pouca distância de seus pés. Já poderiam ter partido há horas, mas Kairi insistiu para que ficassem lá, pelo menos até a próxima missão. Como Juno logo aderiu à campanha, e eles não podiam tirar a razão delas, acabaram ficando. E lá estava ele, se perdendo em seus pensamentos, o som das ondas o distraindo mais ainda. Nem notou quando Juno sentou ao lado dele.

 -Posso ficar aqui? – indagou ela

 O loiro apenas assentiu com a cabeça, os olhos ainda fixos no horizonte.

 -Por que não se curou? – perguntou ela, olhando para o corte

 -Foi só um arranhão. E também... – ele abaixou a cabeça e respirou fundo antes de continuar – Serve pra lembrar que ela não está mais do nosso lado.

 -Você gosta muito dela, não é? – ela perguntou, desviando o olhar pro mar

 -Mais do que pensava... – confessou

 Juno olhou nos olhos dele. Embora ele ainda continuasse com o olhar distante, ainda era perceptível a tristeza. Ele já não era mais aquele garoto alegre que conhecera.

 -Hey, Lukas. – começou Juno, fazendo-o olhar para ela – Você sempre foi o bem-humorado do grupo. Não perde isso.

Lukas deu um sorriso fraco, e respirou fundo. Ela tinha razão. Se a situação não estava tão boa, não era ficando triste que ela melhoraria, pelo contrário.

 -Obrigado. – disse ele, por fim

 Ela devolveu com um sorriso. Pouco depois, Nick chegou e sentou-se ao lado do amigo.

 -Atrapalho? – perguntou Nick

 -Claro que não. – respondeu Lukas, levantando-se com um sorriso zombeteiro – Pode deixar que eu não vou ficar entre você e a sua namorada.

 O loiro começou a caminhar de volta para a casa de Kairi, segurando o riso. Pode ver muito bem como ambos tinham ficado vermelhos, e sabia que Nick provavelmente bateria nele da próxima vez que o visse. Não importava. Ele torcia para que o amigo admitisse o que realmente sentia antes que algo acontecesse, o erro que ele mesmo cometera.

 Juno estava em seu quarto, soltando seu cabelo para poder escová-lo. Ela quase recomeçou a chorar quando sua mãe lhe falou que manteve um quarto só dela. Era pequeno e simples, mas aconchegante e bem arrumado.

 Quando ela pegou a escova, ouviu alguém batendo na porta. Olhou naquela direção e viu Kairi com um extenso sorriso.

 -Posso? – perguntou, apontando para a escova

 Juno assentiu com a cabeça e sentou-se numa cadeira, ao que Kairi começou a escovar seu cabelo.

 -Sabe, eu sempre sonhei com quando poderia estar tão perto de você. – comentou

 Juno sorriu. Ela também sempre imaginara como seria estar com sua mãe. E o que sentia agora era muito melhor do que pensara.

 -Ainda nem tivemos tempo de conversar, não é? – continuou a ruiva

 -Quem mandou ter uma filha keyblade master? – brincou Juno, fazendo ambas rirem

 -Me fale mais sobre você. – pediu – Como foi a sua infância?

 -Ah, foi... boa. – tirando a parte de que não tinha amigos, não estava mentindo

 -Sempre soube que era adotada? – indagou Kairi

 A garota afirmou com a cabeça. Kairi, por vezes, se torturara pensando que talvez sua filha, sabendo que tinha sido abandonada sem nenhum motivo aparente, tivesse raiva dela ou de Sora.

 -Juno,... – começou, com um pouco de receio da resposta – você alguma vez já teve raiva de mim ou de seu pai por ter lhe deixado?

 -Não, nunca. – Juno inclinou a cabeça para trás, olhando diretamente nos olhos da mãe – Na verdade, eu sempre quis encontrar vocês, mesmo que fosse só pra abraçá-los e dizer que não importava o porquê de vocês terem feito isso, só importava se o que vocês sentiam por mim era tão forte quanto o que eu sentia.

 Kairi abriu seu mais sincero e emocionado sorriso. Ajoelhou-se ao lado da filha e abraçou-a bem forte, enquanto sentia uma lágrima escorrendo por seu rosto.

 -Obrigada. – sussurrou no ouvido dela – Era tudo que eu precisava ouvir.

 -De nada. – concluiu Juno, sorrindo

 A ruiva levantou-se e pôs-se a escovar o cabelo de Juno novamente.

 -Bem, - ela continuou – como chegou a Twilight Town?

 -Nem sei direito. – a garota riu antes de continuar – Só sei que me mudei pra lá. Aí eu conheci o Nick, o Lukas e... A Brendah...

 Houve uma pausa após o último nome citado. Ela se perguntava o que houvera com a garota animada e amiga que conhecera.

 -Seu pai me falou sobre ela. E sabe o que eu acho? – como não houve resposta, Kairi continuou – Em si, ela não é verdadeiramente má. Talvez... Ela só tenha feito uma má escolha.

 -Como assim? – perguntou Juno

 -Se você nunca tivesse conhecido seus pais, e eu aparecesse te pedindo para me seguir, você faria isso?

 Ela parou para pensar. Dos três, era ela quem chegava mais perto de entender o raciocínio de Kairi. E fazia total sentido. Provavelmente, nem hesitaria se algo assim acontecesse.

  -Mas isso é só uma opinião minha. – falou, tirando Juno de seu pensamento – Então, continue o que você estava me contando.

  -Acredite ou não, isso foi só há alguns dias. De repente, eu me descobri uma keyblade master, encontrei meu pai, viajei por alguns mundos, e encontrei você. – Juno não pode deixar de sorrir ao acabar de falar

 -E me conta uma coisa. – Kairi chegou mais perto do ouvido dela, como se contasse um segredo – Foi amor à primeira vista ou foi só por agora que você se apaixonou pelo Nick?

 Juno quase pulou da cadeira, e sentiu subitamente seu rosto ruborizar.

 -C-como é que é? – sibilou, com a voz falhando

 -Não se faça de desentendida. – insistiu Kairi, segurando o riso diante do rosto totalmente vermelho de Juno – Dá pra notar o jeito que seu olhar brilha quando olha pra ele.

 A garota baixou o olhar, refletindo. Lukas a pouco tinha feito essa insinuação, e agora sua mãe. E ela ainda não se esquecera do que sentira em Radiant Garden, quando ambos estavam tão próximos um do outro. Seria isso tão óbvio, e nenhum dos dois conseguia admitir?

 -E daí que é difícil para eu conseguir falar quando ele está perto? E daí que só de ver ele meu coração dispara? E daí que só de o ver sorrir eu já fico mais contente? E daí que quando eu olho nos olhos dele eu perco meu ar? E daí que eu já fiquei umas três vezes corada que nem eu estou agora, me sentindo uma completa idiota, que nem agora? E daí?! – Juno parou um pouco para retomar o fôlego, e continuou um pouco mais devagar – Eu estou apaixonada, não estou?...

 -Completamente. – respondeu a ruiva, em meio a um sorriso

 Kairi acabou de escovar o cabelo dela, pegou sua fita azul e prendeu num rabo-de-cavalo, como ela gostava. Abraçou-a por trás e segredou para Juno.

 -E sabe de uma coisa? Aqueles olhos verdes brilham muito mais quando recaem sobre você.

 Ela se levantou e saiu do quarto, deixando uma Juno pensativa, e totalmente corada.

Na manhã seguinte...

 Juno demorou a acordar, e um pouco mais para se levantar da cama. A temperatura amena e a brisa fresca que vinha da janela a convidavam a não deixar aquele lugar. Mesmo assim, no fim de alguns minutos, acabou decidindo por sair do quarto. Foi até a sala, onde encontrou sua mãe sentada no sofá. Assim que a viu, Kairi foi até ela.

 -Bom dia, mãe. – disse Juno, enquanto era abraçada por ela

 -Bom dia, filha. – a ruiva respirou fundo antes de confessar – Sabe que eu estava até com medo de dormir e, quando acordasse, você fosse só mais um dos meus sonhos...

 Juno sorriu. Estava se sentindo assim desde que começara toda essa aventura. Soltou-se e perguntou por seu pai e pelos garotos, que não se encontravam onde estavam.

 -Eles foram à nave... – foi notório o tom de preocupação – Sora tinha que conferir se não tinha nenhum comunicado...

 Assim que ela acabou de dizer isso, Sora chegou à porta.

 -Fico feliz que esteja acordada, Juno. – falou ele – Temos um novo mundo precisando de ajuda.

 Juno ainda foi à direção de Sora, mas sentiu Kairi segurá-la pelo pulso. Olhou para ela e viu que estava com os olhos marejados.

 -Eu não vou aguentar ficar distante de você de novo... – murmurou - Ainda mais sabendo que você pode estar em perigo...

 Juno engoliu em seco. Já era difícil ter que sair daquele mundo encantador e ter que se separar da sua mãe, e vê-la assim só piorou a situação. Ela se virou totalmente para a mãe e olhou diretamente em seus olhos, segurando suas mãos.

 -Mãe, eu vou voltar para casa e para você. Eu prometo.

 Kairi sorriu em meio às lágrimas que já corriam por seu rosto. Olhou para Sora, que também sorria. Ela já tinha ouvido essa promessa antes, e ela fora cumprida. Voltou seu olhar para a filha. O olhar determinado dela confirmou que essa também seria. Largou as mãos dela e pôs as suas no rosto da garota e beijou-lhe a testa.

 -Por favor, não se esqueça dessa promessa, ok? – pediu

 Juno assentiu silenciosamente, e se despediu, enquanto saia. Sora foi até a ruiva, beijou-a e falou bem baixo, com o rosto ainda bem próximo do dela.

 -Não precisa ficar com medo. Nós voltaremos, eu tenho certeza. E poderemos viver toda a vida que sonhamos ao lado da nossa filha.

 -É, eu sei. – disse ela, olhando para Juno

 Sora e Juno saíram, indo direto para a nave. Kairi encostou no batente da porta, vendo quando Juno olhou para trás e acenou. Ela acenou de volta, tendo a plena certeza de que voltariam a se ver.

Fim do capítulo VII