Redenção escrita por Maia


Capítulo 2
Você é especial


Notas iniciais do capítulo

"Há mais mistérios entre o céu e a terra do que julga nossa vã filosofia."



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Abriu os olhos. De súbito as lembranças do que havia acontecido vieram a sua mente. Iria foder com a vida do infeliz que o atropelou. Sentou apoiando-se nos braços. Olhou para o chão. Parecia que tinha fumaça no chão. Ouviu vozes. Eram pessoas cantando?

- Onde é que eu to? – Olhava em volta e não tinha nada. Só o chão com uma fumaça meio amarelada e brilhante.

- Levante-se e venha comigo.

-Hã? O que? – Olhou para trás, reconheceu o homem ás suas costas. – Ei, pera aí. Você é aquele negro com quem eu esbarrei mais cedo. Onde é que eu to?

- Me siga. – Victor virou as costas para ele e começou  andar.

- Ei, não me ignora não. Espera. – Levantou-se e correu para o lado de Victor. – Ei negro.

- É Victor. – respondeu sem olhar para Toni.

- Tá certo. Victor, onde é que eu to? E por que você tem asas nas costas? E que roupa é essa?-  apontou para a túnica doentiamente branca e brilhante de Victor.

- Chegamos. – ajoelhou-se. - Mestre aqui está ele.

Olhou em volta e havia negros com asas por todos os lados. Uns tocavam instrumentos, outros cantavam, outros dançavam. Olhou pra frente e havia dois tronos. No maior havia um homem negro de cabelos branquíssimo. De seus olhos saiam fogo. Suas vestes brilhavam. No outro trono havia um cordeiro também muito branco.

O homem do trono maior se levantou. Nisso, a música cessou. Os que cantavam se calaram. Todos olhavam para ele. O homem andou até Toni e parou a sua frente.

- Como vai a vida filho? – disse o homem com um sorriso no rosto.

- Vai bem obrigado, e a sua?

- Nada que eu não possa resolver... Gostou do céu?

- Haha! Gostei da piada. E se isso aqui é o céu eu devo supor que você é Deus!?

- Não é piada filho. Eu sou Deus. – Disse ele com uma voz suave.

- Tá. Vou fingir que acredito. – Disse cruzando os braços. – Você é Deus e esses negros são seus anjinhos e até aquele grandalhão ali – olhou para Victor que já estava de pé. – é seu anjinho também.

- Sim. Isso mesmo... Ah Toni, você desde menino sempre foi impertinente, respondão. Sempre achou que estava com o rei na barriga. Nunca assumia seus erros. Sabe, lembro-me de quando você estava na quinta série. Você pôs cola na cadeira da professora de português porque não gostava dela... Sempre dizia que ela era chata. Coitada, tiveram que chamar os bombeiros para desgrudar a mulher da cadeira e quando te chamaram na diretoria você disse que tinha sido o Marcos que havia feito aquilo. - Deus riu.

Toni ficou extremamente assombrado com aquilo. O que raios estava acontecendo? Onde estava? Como esse velho sabia de todas essas coisas sobre ele?

- Andou investigando a minha vida é? Olha, você se saiu muito bem! Depois me diz quem foi que você pagou, porque eu também preciso fazer umas investigações sobre meus concorrentes. – Disse sarcástico, aquilo tudo só podia ser uma pegadinha.

- Oh, que bobagem, eu não preciso investigar a sua vida, sei ela de cor e salteado, todas as coisas que você já fez, tudo o que você já pensou ser, toda a sua existência se passou perante meus olhos, e nada ficou esquecido. – Sorria amavelmente.

- Muito bem, então hipoteticamente falando você é Deus, todos esses negões aqui são seus anjinhos, e eu sou seu filhinho rebelde revoltado que precisa aprender umas liçõezinhas sobre amar ao próximo e respeitar meus “irmãozinhos torrados”, antes que eu não tenha mais chances de mudar e queime no fogo do inferno. E estou tendo essa oportunidade porque você é infinitamente misericordioso e me ama demais. – Disse com expressão cética e descrente, o que também poderia ser lido como “eu acredito muito no que você está dizendo, seu preto velho”.

- Exatamente! – Ele olhou para Toni com serenidade inabalável. O cenário mudou drasticamente, e Toni se viu no meio de um lugar sujo e fétido. Tinha muito barro, e várias crianças nuas correndo sobre o barro, os sinais de fome e doença eram gritantes, não só crianças, mas mulheres, idosos, rapazes, enfim. O chão era coberto por lama, pólvora, água e sangue, um verdadeiro horror.

- Veja. Estes são seus irmãos, do outro lado do mundo, olhe para o seu sofrimento.

- Muito inteligente da sua parte, tentar me fazer uma pessoa melhor me mostrando as monstruosidades que VOCÊ deixa acontecer com essas pessoas. – disse com desdém.

- Elas sofrem pela mão do homem, e do demônio.

- Se você é o Todo-Poderoso então porque não salva os inocentes? Porque não melhora a vida desse povo?

- E quem disse que eu não faço? Sem mim eles já teriam morrido.

- Grande coisa eles continuarem vivendo se ficam sofrendo desse jeito.

- Olhe. – Toni virou-se para a cena, e a viu de outro modo. Todas as crianças estavam sendo ladeadas por anjos celestes, os anjos de todos os tipos dessa vez, negros, brancos, chineses... E os adultos, as mulheres, os velhos, os homens também estavam sendo guiados por anjos, e esses anjos mantinham eles protegidos de espíritos devoradores, que tentavam se aproximar das pessoas. Um devorador conseguiu atingir um menino, que já estava muito fraquinho, e a luz de seu anjo não era muito forte, então o devorador venceu e a criança morreu. Toni ficou chocado com a visão.

- Mas de que adianta se a vida deles nunca melhora? – após perguntar, ele viu a alma do menino se levantar do corpo, e seguir diretamente para Deus, que gentilmente o pegou no colo e o abraçou com muito amor. Depois entregou para o seu anjo Victor levá-lo para junto dos outros.

- Aqueles que estão comigo, não tem o que temer. – disse apenas. O cenário se mudou para uma rua, onde carros corriam muito rápido. Uma moto ia colidir contra um caminhão, mas um anjo do Senhor muito habilmente empurrou o motorista da moto, para que ele caísse metros longe do caminhão, em cima de uma grama fofa e verde. O cenário voltou a ser o lugar amplo com os anjos e o cordeiro.

- Toni, eu sei o que você passa, eu sei do vazio que você sente dentro de si. Desde que seus pais morreram quando você era adolescente, você se fechou para o mundo, passou por muito sofrimento, foi humilhado, tem vergonha das coisas que já fez, mas saiba que eu te amo, e você é meu filho. Você é um ser único, especial e insubstituível.

- Ha ha ha, que grande merda! O mundo tem mais de seis bilhões de habitantes e está indo pra sete, se é que já não tem. E TODAS essas pessoas também são únicas, especiais, insubstituíveis e blá blá blá, então qual é a diferença em ser único, especial, insubstituível e etc em um lugar desses? Eu respondo: NENHUMA!! Não adianta vir com esse papo, porque essa não cola. E quando for falar pra alguém de novo que ela é insubstituível, não se esqueça que existem mais outros seis bilhões e tanto de pessoas que estão na mesma condição, logo, isso não resolve nada. Não faz diferença um “especial” a mais ou um a menos, porque ainda tem muitos “especiais” espalhados por aí. – Disse com certa revolta na voz.

Deus sabia o porquê daquele comportamento. Se tem uma coisa que Toni nunca teve na vida foi carinho. Sempre se sentiu rejeitado, excluído, por isso era tão rude com os outros. Ele não aceitava o fato de que era especial, não aceitava o amor que Deus sente por ele, justamente por falta de esperança. Ele nunca viu amor, pra ele eram apenas mentiras e falsidades, mesmo os seus pais quando criança não se importavam muito com ele. Toni era uma pessoa deveras triste.

Tudo o que a vida lhe ensinou foi a ser egoísta, mesquinho, narcisista e solitário. Por conta disso Deus decidiu fazer uma coisa especial com ele: Falar com ele pessoalmente! Ensinar as coisas certas, abrir os olhos do seu filho. Dar o carinho e amor que ele sempre quis.


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Notas finais do capítulo

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