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Gigi Gold
ID: 140018
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  • 13/03/2012


  • "Para a maioria das pessoas, a imaginação não tem limites. À medida que envelhecemos, vamos parando de sonhar acordados e as nossas mentes se tornam errantes. Quando sua mente vagueia, ela aparece com coisas interessantes encontradas ao longo da sua trajetória. Lembre-se do valor da imaginação, e da noção de que quando você olha ao redor, tudo que você vê já foi imaginado em algum momento por alguém."

    - Neil Gaiman

     

    ×♥×

     

    "- Ainda não consegue escrever?

    A expiração saiu frustrada, densa em meio à cortina de fumaça que sua garganta exalava naquele momento de incertezas. Na frente de seu corpo largado, somente bolos de papel rabiscados e lápis quebradiços, assim como latas de cerveja vazias e bitucas de cigarro mal apagadas.

    Já em seu coração? Nem mesmo ela sabia.

    - O que faz aqui?

    Uma resposta curta e grossa. Era exatamente isso o que o outro merecia.

    - Não sei. - o corpo masculino não ousou mover-se em sua direção enquanto falava - Eu me perguntava a mesma coisa, acho.

    Agora o único som audível naquele pequeno quarto era o riso engasgado que sua boca carnuda deixava escapar entre os dentes. Seus olhos fecharam-se, deliciados pela ironia daquele momento tão raro, tão sagrado. Ele estava falando sério? Mesmo?

    - Está falando sério? Mesmo? - a tradução de seus pensamentos deixaram escapar um pouco da agonia que havia sentido naqueles dias, passados tão rapidamente em certos aspectos, e tão lentamente em outros - Nem mesmo um pedido de desculpas?

    Um arrepio na espinha. Um retumbar de coração. Um suspiro seguido de uma única palavra:

    - Desculpe.

    Finalmente sua cabeça moveu-se em direção a porta. Não sabendo se era por causa da fumaça ou da própria imagem em sua mente, ela não conseguiu distinguir a pessoa que encontrava-se ali, agora à sua frente. E sabia, com uma certeza assustadora, que nunca mais o enxergaria tal como era.

    Ela já não o reconhecia mais.

    - Essas palavras não significam nada para mim. - sua cabeça voltou-se para a janela novamente, seus dedos encrespando-se pelo uso exagerado do fumo.

    - Então por que as exigiu?

    Os olhos fecharam-se, como se isso pudesse mandá-lo embora, de alguma forma.

    - Curiosidade. - respondeu, esperando que o outro não a forçasse a continuar, devido ao cansaço sem motivo.

    - Do que? - os dentes envolveram o lábio inferior, indecisos se deveriam permitir as palavras que estavam por vir.

    Eles decidiram ceder.

    - Se você ainda tem coração.

    Um silêncio profundo, quase incômodo, envolveu a sala. Ela particularmente gostava desses momentos: sua mente poderia raciocinar em paz.

    - Nunca vai me perdoar, não é? - o sussurro pareceu arrependido, quase queixoso. Mas ela sabia que tudo não passava de uma grande farsa.

    - Só se puder trazer vida de volta aos mortos. - outra bituca de cigarro jogada no carpete. Se queimasse, ela não ligava, de qualquer forma.

    O choque das palavras pronunciadas pela primeira vez foi capaz de arregalar os olhos do visitante. Finalmente, após dias de uma quietude quase transtornada, as cartas haviam sido postas na mesa.

    E a outra não parecia nem um pouco transtornada com isso.

    - Você acha que eu...

    - Sinceramente? Nem quero saber. - outro cigarro foi acendido entre seus dedos pálidos e trêmulos - A única coisa com que me importo é não ter mais que olhar para a sua cara. Está claro?

    Outra quietude incômoda. Mas ela logo tratou de quebrá-la, sem poder conter a si mesma.

    - Eu o vi. - um sorriso malicioso tingiu seus lábios sem cor - O sorriso louco em sua face, a faca rasgando lentamente a pele exposta... Gostou da sensação? Te fez sentir alguma coisa? Alguma bosta de sentimento? - incrivelmente, sua voz, a todo momento, mostrou-se sempre estável, tranquila; como se estivesse somente a contar um acaso comum de seu cotidiano. Uma pausa considerável passou-se antes que pudesse continuar - Se eu vou para a delegacia? Não gosto de burocracia, me dá nos nervos. - ela sentiu a necessidade de bocejar, pousando a palma de sua mão na boca em meio desse processo - Mas que fique claro que eu vou me vingar, papai. Porque tudo tem um preço.

    Antes que ele pudesse, ao menos, manifestar-se, uma mão tampou-lhe o rosto por inteiro, o ar já se fazendo difícil de adentrar em seus pulmões fracos, doentes. E enquanto o assassino realizava o trabalho pelo qual fora generosamente pago, a garota descruzou suas pernas e encarou o amontoado de papéis que ainda lhe restavam, limpos e eretos em sua direção.

    Ela pegou o único lápis que sobrara e começou a escrever."

    - Nebulosa, by Gisele Zaclis Goldman