Warning escrita por leth


Capítulo 2
Capítulo 2 China. Cartas. Abandono.




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Já tinha se passado uma semana desde que a pequena família Vandergeld tinha chego á China. Susan custava a se adaptar com tudo. Dimas estava adorando, e já estava até aprendendo a falar o idioma do novo país. Ester estava feliz por poder voltar a morar no conforto da casa dos pais. Não parecia mais estar abalada com a morte de seu marido. Parecia na verdade que ela estava feliz com isso.

Markus já havia enviado três e-mails para Susan. Eles continham o seguinte enredo

“Querida Susan, como você está? Estou com hmmm... saudades. A escola não é mais a mesma sem você. Me responda quando puder. Beijos, Markus.”

“Oi Susan, você não respondeu meu outro e-mail, você está sem internet ou algo do tipo? Markus”

E o último continha o seguinte:

“Você está me evitando? Espero que não... ok, irei parar de te encher o saco. Markus”

Susan havia lido as três mensagens, mas não tinha idéia do que responder. Não estava animada com o fato de estar na China, e ainda estava muito abalada pela morte do pai. Na verdade, parecia a única a se importar com isso. Estava meio depressiva e conturbada, nem parecia mais a mesma. Na verdade, não era. Nem parecia mais ser apaixonada desde sempre pelo Markus. Mas naquela noite, um pouco depois de jantar, foi para seu novo quarto na casa dos avós e respondeu os e-mails de Markus.

 

“Não estou te evitando. Na verdade, também sinto sua falta. E da escola também. Sabe, a China na verdade é um saco, só tem pessoas semelhantes que comem cachorro. Bom, eu não estou bem, se quer saber da verdade. E tenho tido sonhos estranhos com um cara que me deu uma caneta no funeral do meu pai. Enfim, diga ás minhas “amigas” para todas elas irem se fuder, pois são amigas tão leais que se esqueceram de mim e nem no funeral do meu pai apareceram. Por fim, é isso. Susan.”

Enviou o e-mail e foi deitar. Colocou os fones do Ipod nos ouvidos, aumentou até o ultimo volume, vestiu seus moletons gastos e adormeceu.

 

xxx

- Bom dia. – disse Susan ao entrar na cozinha e ver seus avós e seu irmão reunidos, tomando café da manhã. – Cadê a Ester? – perguntou. – Digo, mãe. – Concertou, ao ver a cara de reprovação da avó.

- Ela hmmm... saiu. – disse o avô. – Não sabemos aonde foi. Quando acordamos ela já tinha saído. Ah, ela deixou um bilhete com seu nome escrito. Pegue. E não demore, você tem aula hoje. - disse o vô, e saiu da cozinha acompanhado de sua mulher.

- Ai, que ela quer comigo... – resmungava Susan enquanto abria o bilhete com uma mão, e despejava leite numa tigela de cereal com outra. – hmmm... blábláblá eu tinha que fazer isso blábláblá... – Susan repetia baixo, caçoando do melodrama da mãe. Até que caiu a ficha. – O QUÊ? Mas que porra... – disse um pouco mais alto dessa vez, e deixou a caixa de leite cair no chão. – VÓ! VÔ! – berrava da cozinha enquanto deslizava pela parede da cozinha, inquieta, angustiada e incrédula.

- O que houve querida? – Perguntava a avó enquanto ajoelhava ao lado da neta, que estava aos soluços. – O que aconteceu?

- O que foi Su, o que foi? – perguntava Dimas inquieto.

- Ela nos deixou, ela se foi. – Susan dizia aos soluços. – Ela nos odeia, ela fugiu... – tornava a falar, soluçando cada vez mais, serrando os punhos. – Aquela maldita.

- Do quê você está falando, Su? – perguntava Dimas, com cara de quem ia chorar.

- Lê! Lê o que sua querida mãe escreveu. – Berrou Susan, jogando o papel em cima do irmão e correndo em direção as escadas. Subiu e bateu a porta do quarto.

 

xx

 

Três dias haviam se passado. Três dias Susan não tinha saído do quarto para nada. Três dias e Susan não havia levantado da cama para nada. Apenas dormia, profundamente. Os avós, o irmão, todos, até vizinhos que ela mal conhecia, tentavam tirar ela do quarto. Markus havia enviado cartas. Cinco. Ela não respondia. Ela nem levantou para pega-las quando seu irmão as jogou por debaixo da porta. No quarto dia, resolveu levantar e tomar um banho de banheira. Ficou ali durante horas. Não abriu o olho. Cochilou, e só acordou quando estava quase morrendo afogada. Vestiu jeans surrados e um casaco com um grande capuz preto. Prendeu o cabelo, colocou o capuz e desceu.

- Querida, ó, senhor, obrigada! – Dizia seu avô. O avô Tomas tinha origem Italiana. Tinha total fé em Deus, e tinha orado todos os dias em que Susan havia ficado trancafiada no quarto para que ela saísse dali e ficasse bem. Todos pediram por isso, na verdade.

- Hm, oi vô. – Susan dizia, meio fraca. Estava pálida e sua voz era bem baixinha. Seus olhos continham enormes olheiras. Não de quem não havia dormido. Mas de quem estava muito exausta.

- Susan! Você precisa comer, olha como está um palitinho. – Dizia a avó, enquanto prepara algumas coisas para Susan comer.

- Estávamos pensando que você nunca sairia de lá. Eles estavam quase chamando a policia para arrombar sua porta, Su. – Dizia Dimas.

- Não queria sair. Eu não estava pronta. Mas e você, está bem? – perguntava ao irmão, preocupada.

- Não, não estou. Ainda não consigo acreditar que ela fez isso conosco sabe. Nos abandonar. E tudo que ela conseguiu escrever no bilhete foi “Sinto muito, mas não agüento mais tudo isso. Preciso partir, para sempre. Não me procurem. Eu não quero saber de vocês”. – repetia Dimas, como se tivesse lido o bilhete tantas vezes a ponto de decorá-lo. Na verdade, ele havia feito isso. Custara a acreditar.

- E eu? Você acha que eu acredito? – disse Susan, baixinho. Mal tinha forças para falar. – Obrigado vó. – Disse, pegando o prato de comida que sua avó estendia á ela. – Mesmo.

 

xxx

Mais tarde daquele mesmo dia, ela foi abrir as cartas que Markus havia lhe enviado. Nenhuma lhe despertou uma atenção. Estava tão incrédula do mundo que já não acreditava mais em nada. Nem em amor, nem em felicidade. Nem em nada. Não queria abrir os e-mails. Não queria conversar com ninguém. Só queria ficar para sempre na cama, inconsciente de tudo ao seu redor. Mas uma última carta lhe chamou atenção.

Meu amor...

Acho que vou morrer. Sim, de saudades. Não é uma metáfora ou algo do gênero. É sério. Não agüento mais ficar aqui sem você. Acho que até o inferno com tua presença seria melhor... mas fora isso, eu estou bem. Apesar da angustia e desespero de ter que te ter aqui. E sua ausência me faz falta. Mas eu já falei sobre isso. Enfim, o que mais me amedronta é o fato de você não poder voltar... Por favor, amor, mande noticias. Escreva... Preciso saber como você está. Preciso saber se você está, bem... Então é isso. Sei que é difícil, mas tente me enviar algo... espero que a carta chegue logo... e espero também que você ainda esteja no endereço que me enviou.

Com amor,

                     Seu Markus.

 

Os olhos de Susan encheram-se de lágrimas. Não adiantava negar. Por mais que não acreditasse mais em amor e teimasse consigo mesma que não amava ninguém, apenas seu irmão e seus avós, ela amava Markus. Ela o queria ali naquele momento. Ela precisava de um consolo, de um ombro amigo, de alguém para conversar, para desabafar. Pegou uma folha de papel velha que guardava a tempos para escrever algo realmente especial, pois tinha um aspecto medieval e ela adorava isso, pegou sua caneta de ponta mais fina e começou a escrever.

“ Olá Markus. Desculpe não ter lhe respondido antes, mas é que eu estava trancada no meu quarto. Fiquei lá por três dias, logo quando suas cinco cartas chegaram. Sabe, eu também estou com saudades, e eu continuo me sentindo péssima. Pra completar, minha mãe resolveu abandonar eu e meu irmão (por isso fiquei trancada no meu quarto, fiquei meio perplexa) mas já era de se esperar que aquela vadia fizesse isso algum dia. OK, na verdade não era de se esperar, eu não entendo porque ela fez isso. Mas o que posso fazer? Estou pensando seriamente na hipótese de me matar. Ah, eu queria muito que você viesse passar nem que fosse apenas uma semana aqui na China comigo. Preciso de alguém. E esse alguém é você. Gostaria que viesse.

Com Amor,

                                        Susan”

 

Terminou de escrever a carta, a colocou em um envelope simples, e desceu as escadas.

- Oi vô. O senhor poderia me levar ao correio, por favor?

- Claro que sim querida. Já quer ir? Estou indo até o centro comprar algumas coisas para fazer o jantar... você poderia ir comigo agora, se quiser. – Disse o avó num tom bondoso.

- Tá legal, pode ser. – Ela disse e subiu as escadas para apanhar seu casaco no quarto. – Agora podemos ir. – Disse, saltando os degraus para chegar logo ao térreo.

 

Enquanto caminhava ao lado do avô, percebeu que este estava muito angustiado pela partida misteriosa da filha. O que será que ele estava pensando? Como ela poderia conversar com ele sobre isso sem o magoar? E sem o fazer relembrar o momento?

- Vô...? – perguntou, com medo

- Sim, querida? – indagou o avô

- Porque... a China? – ela se desviou do assunto principal.

- Porque aqui tem saches. – brincou o avô

- Não, saches são do Japão. – Disse Susan, e riu baixinho.

- Eu sei querida, estou brincando. Bom, porque eu e sua avó queríamos um lugar diferente. Que tivesse muitas atrações para pessoas da nossa idade. Apesar de ser um país bem severo, a China não é tão mau quanto você pensa. – Dizia o avô, sorrindo.

- Você acha que ela nos odeia? – perguntou confiante.

- Com certeza não querida. Ela só deve ter ficado muito abalada com a morte de seu pai. E não soube controlar isso. E ao invés de procurar por ajuda, ela fugiu amedrontada.

- E você acha que ela irá voltar? - Susan perguntava inquieta.

- Sim, ela irá. – Ele respondia.

Mas ambos sabiam que era mentira.

Continuaram caminhando até o mercado em silencio. Tomas comprou algumas verduras, alguns ingredientes para fazer uma pizza no estilo Italiano e os dois partiram rumo ao correio.

- Mas então, querida, para quem é essa carta? – O avô perguntava, curioso. – É para seu namoradinho? Aquele que lhe enviou cinco cartas?

- É. Mas ele não é meu namoradinho. Ele é meu amigo, vô. – Susan respondia, corando.

- Hm... ele deve ser bem legal. E parece se importar com você.

- É. Ele se preocupa. Ele é bem... gentil. – ela dizia, tentando achar a palavra certa, mas no fim, a única que lhe coube usar foi gentil.

Enquanto atravessava a rua com seu avó, viu de relance do outro lado da calçada, o rapaz do enterro de seu pai. O rapaz de olhos tristes e roupas surradas. O rapaz que lhe dera a caneta e saira andando.

- o que ele esta fazendo aqui? – resmungou consigo mesma, baixinho, e disparou em direção ao rapaz. Ouvia por entre as buzinas de carros seu avó gritando seu nome, enquanto corria tentando alcançá-la, mas estava velho demais para isso. – Espere, ei, você, espere! – Gritava em plenos pulmões enquanto tentava chegar até o rapaz. Quando finalmente o alcançou, viu que ele estava com as mesmas vestes do dia do funeral. E também mantinha os mesmos olhos. Os mesmos cabelos oleosos sob o rosto. O mesmo tom de vazio. O mesmo tudo.

- Oi, eu hm... te vi no funeral do meu pai. Bem, você não estava lá por ele, eu acho, mas você me emprestou uma caneta... sabe... lembra? – ela perguntava, esperando ansiosamente por uma resposta.

- Sim eu me lembro de você. Na verdade estou aqui por sua causa. Eu vim te alertar Susan. Cuidado. Não deixe que ela volte. É melhor ela ficar longe de vocês. – ele dizia, ansioso, parecendo amedrontado.

- Quê? Quem? Do que você está falando? – ela perguntava sem parar, mas antes que este pudesse lhe responder, já havia sumido. – Pra onde ele foi? – ela perguntava, confusa. Foi quando seu avô a alcançou e perguntou se ela estava querendo matar ele do coração. Ela lhe pediu desculpa e pediu que eles fossem pra casa. Enviaria a carta outro dia. Mas ao passar perto de uma lixeira, jogou a carta ali dentro e seguiu em direção á sua casa.


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