Donna Koe De, Donna Kotoba De? escrita por Anna H


Capítulo 2
Not-so-strange-boy-now




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Uma ou duas semanas depois, eu estava indo a pé novamente para o trabalho, por alguma razão desconhecida. Conhece aquela sensação esquisita de que precisa fazer alguma coisa, mesmo sem entender o por quê? Exatamente assim.

Então. Também resolvi tomar um caminho diferente, estava cansado de todos os dias olhar para as mesmas esquinas, lojas e semáforos. Fui por uma rota mais longa, que passava por uma enorme praça arborizada, cheia de casais idosos fazendo caminhadas matinais, crianças e suas mães e cachorros correndo soltos.

Talvez cachorros correndo soltos demais. Silêncio demais.

Bem, se você estivesse com dez cachorros na mão e eles simplesmente fugissem, você sairia gritando como um condenado, certo?

Agora, adivinhem por onde minha mente foi passar.

Imediatamente, pus-me a procurar pelo garoto daquele dia. Achei que seria difícil, o lugar era grande, com árvores quase em exagero e pessoas demais. Mas não foi. Na verdade, nem precisei andar muito, achei-o sentado em um banco, com a face mais desolada que eu já havia visto em um ser humano. Ele suspirava a quase cada dez segundos e tinha duas coleiras em suas mãos, na outra ponta delas, dois cachorros que me lembravam o cruzamento de um rato supercrescido com um cachorro pequeno demais.

Um dos que estavam soltos veio até mim e começou a latir como se quisesse brincar. Abaixei-me e peguei-o pela coleira preta, conduzindo-o em seguida até o banco onde o garoto sentava.

– Seu? – perguntei, oferecendo o punho preto e mordido.

Ele levantou os olhos rapidamente, parecendo sobressaltado, e pegou a coleira, acenando que sim com a cabeça. Deu-me um rápido sorriso e agradeceu também com a cabeça, voltando os olhos para o resto do parque, talvez procurando o resto dos cães. Tinha três em mãos, faltavam apenas sete. E suspirou novamente.

Deveria ser anti-social demais para falar com alguém. Ou algum tipo de autismo, vai saber. Ou fosse mesmo um voto de silêncio, pagando promessa, aposta perdida, cantor que não podia gastar a voz, ou qualquer outra coisa desse tipo.

Àquela altura eu já havia esquecido completamente que estava atrasado para o trabalho, tudo o que pensava era dirigido ao ser sentado do meu lado.

Ele me cutucou e estendeu o conjunto de coleiras. Estava... pedindo para que eu as segurasse? Porque simplesmente não falava? Não importava, eu peguei os cães assim mesmo, esperando que daquele modo ele talvez resolvesse abrir a boca. Levantou-se e foi andando sorrateiramente até um outro cachorro branco que se deitara ao pé de uma árvore.

– Moço, esse cachorrinho é de vocês? – uma garotinha pequena, de no máximo oito anos, estava com um yorkshire nos braços, parada a minha frente. Eu não respondi, apenas peguei o cachorro e abanei a mão para que fosse embora, minha cara já se tornando enfezada.

Lá vinha o magrelo já com um pequeno sorriso no rosto e uma coleira em cada mão. Sentou-se novamente ao meu lado e pegou os outros comigo, dando tapinhas nas cabeças ocas dos animais. Contou-os e então sorriu satisfeito. Céus eu podia me perder naquele sorriso desconhecido!

Ele voltou os olhos para mim e me fitou com uma das sobrancelhas arqueada e o canto dos lábios meio curvado para cima, como se indagasse o que diabo eu estava olhando. Suspirou divertidamente e desviou o olhar para a rua, balançando a cabeça.

– Olha, eu não sei qual é o seu problema, mas dá pra falar comigo? – É, ele tinha me tirado a paciência.

Tirou do bolso do casaco um bloquinho de notas e uma caneta – eu tinha dito que era aposta –, escreveu rapidamente e destacou a folha, entregando-a a mim em seguida. Minha vez de arquear a sobrancelha.

Também não sei qual o seu problema, mas pode parar de me olhar desse jeito?” – O que notei primeiro foi a caligrafia impecável do texto escrito em menos de meio minuto. A minha não ficaria assim nem que eu cobrisse os pontilhados. Só depois a mensagem entrou em minha cabeça. Eu não tinha problema nenhum, só uma fixação muito esquisita por ele.

– Eu não tenho problema nenhum, você que salva minha vida e perde seis cachorros no parque e não abre a boca.

Ir direto ao ponto não é problema pra você, hein? Notou que nem ao menos sabe meu nome e já está sendo quase rude comigo mesmo eu tendo impedido você de ter sido atropelado por um ônibus?”

– Escrever rápido também não é um problema pra você. Será que existe concurso disso? – eu olhei para cima, realmente pensando se haveria pessoas idiotas o suficiente para criarem um concurso tipo “quem escreve mais rápido com a melhor caligrafia”, já que também havia gente idiota o suficiente para criar concursos de quem come mais ou mais rápido, ou quem sabe os dois...

Mas manter a conversa no rumo é sim um enorme problema.” – Ele estava me criticando?

– Você também fugiu da minha primeira pergunta. Não me critique.

Você ainda não parou de me olhar esquisito.”

– Dá pra falar comigo direito?

Não.”

– Depois eu tenho problemas.

Eu não tenho problema algum, só uma infecção muito legal nas cordas vocais. Legal com entonação irônica, por favor.”

– Use uma máscara hospitalar.

Não é contagiosa. Na verdade, já está curada.”

– Então porque diabos não pode falar comigo?

Cirurgia = retirada das cordas vocais = no voice.” – aqui ele desenhou um coração com uma seta puxada e escrita “ironia”

–...

Certo, eu não tinha pensado por aí.

Eu sei que não tinha pensado assim, ninguém pensa.” – carinha feliz – “Terachi Shinya. Você não está atrasado?”

E, obviamente, sim, eu estava. Muito. A pergunta era “como diabos ele sabia?”

Estou aqui à noite também, se quiser vir continuar me olhando esquisito.”

– Nishimura Tooru. E eu não estou te olhando esquisito.

Ele riu e acenou com a cabeça, como se confirmasse ironicamente o que eu havia dito.

– E cuidado pra não perder os cachorros de novo. É capaz de não dar sorte de novo. – falei, já de pé e ajeitando o casaco.

Eu estava realmente com uma fixação enorme por ele, mesmo que não o conhecesse há mais do que meia hora. Esquisito? Descomunalmente bizarro para mim.


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